Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 719/2015-T
Data da decisão: 2016-06-20  IRC  
Valor do pedido: € 807.224,94
Tema: IRC - Tributações autónomas; despesas com viaturas; ajudas de custo
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Mariana Gouveia de Oliveira e Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-02-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, contribuinte n.º …, com sede na Rua …, … – … – …, …-… ..., doravante designada por Requerente, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2012, bem como a anulação parcial dessa autoliquidação no montante de € 807.224,94.

            A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-12-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-01-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-02-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 06-05-2016 procedeu-a a uma reunião em que foram inquiridas as testemunhas e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)    A Requerente tem como actividade principal o comércio de produtos alimentares e de consumo, restauração e bebidas, bem como a prospecção, compra, venda, arrendamento, gestão de imóveis próprios, construção, remodelação e gestão de propriedades e ainda a edição, publicação e distribuição de jornais e outros produtos de imprensa, bem como a prestação de serviços de apoio ao cliente;

b)    Relativamente ao período de tributação de 2012, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos de Modelo 22 de IRC cuja cópia consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em cujo campo 365 é referido o montante de € 807.843,00 a título de tributações autónomas;

c)     As tributações autónomas referidas foram calculadas com base nos elementos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, incluindo-se nelas os montantes seguintes:

 • € 787.009,25 – correspondentes a gastos com viaturas ligeiras de passageiros; e

• € 20.215,69 – correspondentes a encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação – ao serviço da ora Requerente – em viatura própria do trabalhador;

d)    Na sequência da apresentação da declaração foi elaborada a liquidação n.º 2013 …, datada de 05-08-2013, cujo teor se dá como reproduzido, na qual se inclui o montante de € 807.843,00 relativo a tributações autónomas e se refere que a Requerente efectuou «pagamento de autoliquidação» no montante de € 4.046.322,20 (processo administrativo);

e)    Em 31-07-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação efectuada com base na referida declaração, tendo juntado cópias da declaração modelo 22 e da demonstração de liquidação referentes ao exercício de 2012, e uma listagem em que constam matrículas de viaturas com indicação das categorias profissionais dos seus colaboradores a quem estavam atribuídas ou a indicação de que são utilizadas por diversos colaboradores (documentos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

f)     Nessa reclamação graciosa, foi elaborada a Informação n.º …-…/2015, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ IV.I.I. (Quantias pagas a título de tributações autónomas)

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

11. Não se conformando, vem a Contribuinte, aqui Requerente, contestar o montante de € 807.843,00 (oitocentos e sete mil e oitocentos e quarenta e três euros) decorrente da tributação autónoma de determinadas despesas que enformaram a base tributável de apuramento daquela.

12. As despesas e encargos inerentes a essa tributação mesma tributação autónoma dizem respeito a "despesas de representação", gastos com viaturas ligeiras de passageiros e a encargos relativos a ajudas de custos.

Ora,

13. No entendimento da Contribuinte, aqui Requerente, as despesas e encargos que deram azo à parte da liquidação em crise não devem ser autonomamente tributadas, em razão se assumirem com um caráter "estritamente empresarial", isto é, devem ser consideradas despesas que decorrem da atividade normal da empresa, necessárias à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.

14. Em pretenso abono da sua tese, vem então a Contribuinte, aqui Requerente, desenvolver uma argumentação em torno da mais recente jurisprudência nacional, incluindo arbitral, no sentido de agasalhar o caráter empresarial revelado em determinadas despesas e, bem como, a sua não sujeição ao mecanismo de tributação autónoma.

15. Embora reconheça a natureza antiabuso das normas da referida tributação, a Contribuinte manifesta-se pela possibilidade de ilidir a presunção que aquela natureza assume perante despesas que recaiam numa espécie de "zona cinzenta" entre a actividade empresarial e a vida privada dos contribuintes, fazendo uma descrição e caraterização detalhada de cada um dos grupos em que se subdividiu as despesas em causa, a qual se dá aqui integralmente reproduzida, trazendo à colação os documentos que julgou serem pertinentes para suportar o seu entendimento.

Pelo que,

16. Em consonância com os seus argumentos, requer então a restituição indevidamente submetido à taxa de tributação autónoma.

§ IV.I.I.II. Da apreciação

17. Começamos por nos debruçar sobre as Tributações Autónomas traçando o seu caráter geral e a função que desempenham no âmbito do ordenamento jurídico-fiscal português.

18. Conforme é dito pela própria Contribuinte, ora Requerente, o tipo de despesas que se consideram sujeitas a tributação autónoma situam-se numa "zona cinzenta" entre a vida empresarial e pessoal dos sujeitos passivos, isto é, são encargos que tanto podem corresponder a situações ocorridas no âmbito da atividade da empresa como no âmbito da vida privada dos respetivos trabalhadores e/ou administradores da mesma.

19. Diz SALDANHA SANCHES que através da tributação autónoma «o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros."

20. No mesmo sentido, para RUI MORAIS (Cfr. Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 138.) o objetivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, "(...) o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis (...); ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes (...). A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto".

21. Na abordagem da finalidade que presidiu à criação deste imposto, é retendo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19 de dezembro de 2012, que "(...) com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam a distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação as correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social".

Assim,

Dos gastos com viaturas ligeiras de passageiros

22. Justamente por estarmos perante uma norma anti-abuso cujo fim é evitar que o lucro tributável seja influenciado negativamente por valores correspondentes a encargos com viaturas ligeiras que nem sempre estão relacionadas com a obtenção de rendimentos, a argumentação da Contribuinte, ora Reclamante, não procede.

23. Conforme foi dito pela própria Contribuinte, ora Reclamante, as despesas desta natureza são de análise e destrinça difícil situando-se sempre numa linha cinzenta a qual torna-se praticamente impossível de conhecer com clareza a não ser que se siga a par e passo toda a actividade empresarial em causa, o que é manifestamente impossível de levar a cabo.

24. Apesar de a Contribuinte, ora Reclamante, ter tentado fazer prova no sentido de demonstrar que os encargos incorridos com viaturas no sentido de demonstrar respeitam directamente à actividade empresarial, não é possível inferir que assim seja pela razão supra mencionada. A verdade é que a tentativa de fazer prova é feita através da apresentação de documentação exclusivamente interna, sem os necessários elementos que, por exemplo, deveriam constar de facturas e outros comprovativos, e sem quaisquer outros elementos justificativos de natureza externa dos referidos encargos.

Ora,

25. Tal situação não é passível de aceitação uma vez que estamos perante uma norma que tem por objectivo limitar situações abusivas. Não basta que a Contribuinte, aqui Reclamante, declare que as despesas correspondentes a viaturas ligeiras estejam necessariamente ligadas à actividade empresarial, que a Administração Tributária aceitará que assim seja sem a devida comprovação.

26. No caso em apreço, está em causa a comprovação de que as despesas realizadas traduzem encargos que relevam para efeitos do art. 23.º do IRC, isto é, que se relacionam com a «manutenção da fonte produtora». Tal não foi conseguido devido à falta de documentação de suporte que não sejam meras listagens elaboradas internamente.

27. Fazemos questão de sublinhar que estamos perante uma situação de especial cuidado em que se visa evitar e prevenir a evasão fiscal através de despesas que afectam negativamente o lucro tributável, portanto, a peculiaridade desta situação obriga a uma atenção particular na apresentação de prova. De forma a realçar este aspecto, veja-se que o art. 88.º apresenta taxas de valor bastante elevado para aplicar-se a situações onde não haja sequer quaisquer tipos de documentos de suporte (cfr. o n.º 1 do mesmo preceito legal).

Portanto,

28. Não podemos aceitar que esteja feita prova de que os gastos incorridos pela Contribuinte, ora Reclamante, correspondentes a viaturas ligeiras de passageiros, se relacionem com a actividade empresarial desenvolvida, mantendo-se, portanto, os actos tributários objecto de reclamação no presente caso.

Das despesas de representação e ajudas de custo

29. Vejamos a redação do art.º 88.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas em vigor à data dos factos a qual estipula o seguinte:

«7- São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades. (...)

9 – São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.»

30. O tipo de encargos que o legislador, naquela norma, consignou como "dedutíveis" patenteia desde logo que não está aqui em causa uma questão de presunção da "não empresarialidade" dos encargos sujeitos a tributação autónoma uma vez que estes, quando sujeitos a tributação autónoma nos termos da lei, têm precisamente como pressuposto a sua prévia dedutibilidade e concreta concorrência para a formação da base tributável ainda na estrita instância do núcleo do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

31. A confirmar esta ideia vem o preâmbulo da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que levou a cabo a reforma do sistema fiscal e inseriu as tributações autónomas no imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, expressar o seguinte: «Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais alterando (...) o Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (,..)."

Ainda mais:

32. No seu Acórdão n.º 18/2011, o próprio Tribunal Constitucional postula que "(...) os n.ºs 3 e 4 do artigo 81º [art.º 88.º na redação em vigor à data dos factos] referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal. A nova redacção dada aos n.ºs 3 e 4 do artigo 81.º pela Lei n.º 60/2008 veio reforçar esta perspectiva, diferenciando diversas situações possíveis, que são tributadas, consoante os casos, à taxa de 5%, 10% ou 20%, com o que se pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de vista do interesse público. Assim se compreende a exclusão da tributação em relação à aquisição de veículos exclusivamente movidos a energia eléctrica, como consta da 2.ª parte do corpo do n.º 3, e a previsão de um tratamento mais favorável para encargos suportados com a aquisição de veículos menos poluentes (alínea b) do n.º 3), e um tratamento mais gravoso para as despesas mais avultadas, a que se refere o n.º 4 deste artigo 81.º."

33. Facilmente se percebe-se então que, perante o objetivo a atingir, não faria qualquer sentido permitir que estes encargos dedutíveis não fossem tributados autonomamente; estamos pois perante um regime excecional que pretende atingir um fim específico – i.e. inibir que as empresas façam um uso abusivo deste tipo de encargos e, consequentemente, que se abstenham de praticar os mesmos.

34. No caso em apreço, para efeitos de tributação autónoma não é relevante definir se essas mesmas despesas ou encargos assumem ou não uma natureza empresarial, pois esse aspeto já está implícito na definição do facto-tipo que vai sofrer um tributo independente da coleta a apurar no estrito segmento do núcleo do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas,

§ V. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, através de oficio a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com a regra contida no artº 121.º, este do Código do Procedimento Administrativo, ex vi da alínea c) do artº 2.º também da Lei Geral Tributária.

 

g)   A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa;

h)    Em 31-08-2015, a Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes indeferiu a reclamação graciosa, manifestando concordância com a Informação n.º …-…/2015, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ I. INTRODUÇÃO

1. A Contribuinte, ora Reclamante, sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma "A…", NIPC …, com domicílio fiscal em Rua … …, … – …, …-… ..., vem, nos termos previstos na alínea f) do n.º 1 do art.º 54.º da Lei Geral Tributária, conjugada com o disposto nos art.ºs 68.º e 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ambos ex vi do art.º 137.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, deduzir reclamação graciosa do ato tributário de "autoliquidação" de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2012.

2. Após apreciação dos argumentos invocados pela Contribuinte, aqui Reclamante, na sua petição inicial, foi, por parte desta Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º …-…/2015.

E

3. Através de ofício emanado por esta Unidade dos Grandes Contribuintes, a Contribuinte, ora Reclamante, foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Contribuinte, aqui Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta Unidade dos Grandes Contribuintes, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ II. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas peia Contribuinte, aqui Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100º da Lei Geral Tributária.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, ora Reclamante, através de oficio a remeter sob registo, nos termos do previsto nos art.ºs 35.º a 41 º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com todas as consequências legais.

 

i)       No período de tributação de 2012, a Requerente possuía 243 estabelecimentos espalhados por grande parte do País;

j)      As «viaturas de serviço» referidas no documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, bem como as ajudas de custo e as compensações pela utilização de viatura próprio ao serviço da entidade patronal em análise são utilizadas pelos colaboradores do grupo da Requerente, entre outros no âmbito da sua actividade de retalho, como sejam as deslocações aos 243 estabelecimentos espalhados pelo país;

k)   Grande parte das funções exercidas pelos executivos da Requerente obrigam a deslocações permanentes e como tal à utilização das viaturas;

l)    Nos documentos relativos a despesas com as viaturas é feita indicação da respectiva matrícula;

m)  As deslocações são controladas através do preenchimento de mapas dos tipos que constam dos documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e documentos externos relativos a despesas que sejam efectuadas pelos colaboradores da Requerente como combustível, lavagens e portagens;

n)    Dos mapas tem de constar, pelo menos, o local da deslocação, quem a fez e sua finalidade, para além da distância percorrida e a viatura utilizada;

o)    Os mapas referidos na alínea anterior, para serem aceites como despesa têm de ser aprovados por outro colaborador, que controla e, depois, pela chefia do colaborador que fez a deslocação;

p)     As deslocações em viatura própria do trabalhador são pagas ao km de acordo com os valores utilizados na função pública;

q)    Por vezes os colaboradores da Requerente têm de deslocar-se à Alemanha para acções de formação ou destinadas a uniformizar procedimentos internos do grupo;

r)    Os estabelecimentos da Requerente funcionam em todos os dias da semana, normalmente cerca de 361 dias por ano;

s)     As viaturas são atribuídas aos trabalhadores de acordo com as funções que exercem;

t)    Alguns trabalhadores não necessitam para as suas funções de viatura a tempo inteiro, mas necessitam ocasionalmente, para o que a Requerente dispõe de um conjunto de viaturas, em pool, que se encontram na sede e em quatro armazéns da empresa (parques);

u)    Os parques têm colaboradores que entregam as chaves depois do preenchimento de documentos em que se refere a hora em que sai a viatura, a hora a que será feita a entrega;

v)    Se houver necessidade de o colaborador se deslocar durante mais de um dia para local afastado dos locais onde existem os parques, a viatura que utilize não é entregue no parque;

w)  Não existe um controlo directo de que durante a utilização das viaturas que estão nos parques, elas não sejam utilizadas para fins pessoais;

x)    A Requerente tinha mais de 4.000 colaboradores no ano de 2012;

y)    Com a utilização de viaturas a Requerente visa obter rapidez e flexibilidade com o número mais reduzido possível de colaboradores, o que não é compatível com a utilização de transportes públicos;

z)     Os colaboradores que têm viaturas atribuídas e têm isenção de horário de trabalho não têm de deixá-las no parque da empresa e se necessitarem de utilizá-la para fins pessoais, poderão fazê-lo, não tendo de comunicar a utilização à Requerente;

aa)         Durante as férias os colaboradores que têm viaturas atribuídas não têm de entregá-las, pois podem ser chamados a qualquer momento;

bb)          Não existe controlo pela Requerente relativo à utilização para fins pessoais das viaturas atribuídas, designadamente durante as férias;

cc)         As viaturas atribuídas são colocadas na disponibilidade dos trabalhadores para sua utilização em termos profissionais;

dd)       Não está estabelecido em normas da empresa que as viaturas atribuídas a colaboradores da empresa não possam ser utilizadas para fins pessoais;

ee)           Em 30-11-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que as «viaturas de serviço» referidas pela Requerente tenham sido utilizadas exclusivamente nas suas actividades empresariais.

Não se provou que as compensações pela utilização de viatura própria ao serviço da Requerente sejam referentes apenas a utilização de viaturas no âmbito das actividades empresariais da Requerente.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e nos depoimentos das testemunhas, tendo maior relevância o da testemunha B….

As testemunhas, embora tenham ligação profissional à Requerente, aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012, em que defende que, na autoliquidação que efectuou relativa ao IRC do exercício de 2012, suportou um montante de tributações autónomas superior ao que entende ser devido, sendo o excesso de € 807.224,94, relativo a deslocações com viaturas ligeiras de passageiros, encargos com ajudas de custo e compensação por deslocações em viaturas de trabalhadores em serviço da Requerente (a Requerente não inclui no pedido de pronúncia arbitral a questão das tributações autónomas relativas a despesas de representação que suscitou na reclamação graciosa).

 

3.1. Gastos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, defendeu em suma, o seguinte, relativamente aos gastos com viaturas ligeiras de passageiros:

– trata-se de despesas de análise e destrinça difícil;

– não ficou demonstrado que as despesas em causa respeitam directamente à actividade empresarial;

– a tentativa de fazer prova é feita através da apresentação de documentação exclusivamente interna, sem os necessários elementos que, por exemplo, deveriam constar de facturas e outros comprovativos, e sem quaisquer outros elementos justificativos de natureza externa dos referidos encargos;

– estamos perante uma norma que tem por objectivo limitar situações abusivas;

– não basta que o sujeito passivo declare que as despesas correspondentes a viaturas ligeiras estão necessariamente ligadas à actividade empresarial e apresente como prova meras listagens elaboradas internamente;

– não foi feita prova de que os gastos incorridos pela Requerente correspondentes a viaturas ligeiras de passageiros, se relacionem com a actividade empresarial desenvolvida, mantendo-se, portanto, os actos tributários objecto de reclamação no presente caso.

 

As tributações autónomas relativas a gastos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas constam dos n.ºs 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC que estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro:

 3 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

4 - São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

            O «montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º» consta da Portaria n.º 467/2010, de 7 de Julho. ( [1] )

            Como se vê pelo documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou despesas de € 470.483,12 relativas a viaturas de valor igual inferior ao indicado naquela Portaria e € 3.699.804,68 relativas a viaturas de valor superior ao nela indicado.

            Como resulta do teor dos referidos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º, estas tributações autónomas não têm como pressuposto a não empresarialidade dos gastos com as viaturas, sendo aplicáveis independentemente de os encargos serem ou não dedutíveis à face do artigo 23.º do CIRC.

            Esta conclusão, que resulta do teor literal destas normas, é confirmada pela sua comparação com os antecedentes n.ºs 3 e 4 do artigo 81.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, em que se fazia referência expressa a que estas tributações autónomas se reportavam a «encargos dedutíveis».

            Assim, sob a denominação genérica de «tributações autónomas» indicam-se no artigo 88.º do CIRC situações de vários tipos, entre os quais se incluem situações de tributações autónomas de encargos não dedutíveis à face do artigo 23.º do CIRC (como é o caso dos artigos 88.º, n.º 1 e 2) e tributações autónomas de encargos que podem ser dedutíveis à face daquele artigo 23.º (como é o caso das tributações autónomas previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º).

            Como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T:

«A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[2] o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles».

 

Na linha desta jurisprudência arbitral, as tributações autónomas em causa poderão configurar-se «como um imposto “híbrido”, incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente». ( [3] )

Estas tributações autónomas constituirão normas antiabuso específicas, que visam, primacialmente, «disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da actividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional». ( [4] )

Como refere SALDANHA SANCHES, «cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. 

Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação».

Como se refere no acórdão arbitral do processo n.º 628/2014-T:

«As tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da (...) circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com tal dificuldade ( [5] ), o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Assim, do facto conhecido, que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente)».

 

            Está, assim, subjacente às tributações autónomas previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º uma presunção de não empresarialidade parcial das despesas em causa, que justifica que elas sejam dedutíveis atenuadamente, sendo a sua relevância total como gastos compensada pela tributação autónoma com aplicação de uma taxa inferior à do IRC.

            O entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira assumido na decisão da reclamação graciosa é, devidamente interpretado, essencialmente este, ao entender que o afastamento da tributação autónoma relativa a gastos com viaturas depende de ser «feita prova de que os gastos incorridos pela Contribuinte, ora Reclamante, correspondentes a viaturas ligeiras de passageiros, se relacionem com a actividade empresarial desenvolvida».

            Sendo assim, não há, quanto a este ponto, a alegada invocação a posteriori de uma presunção, pois, por um lado, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira consubstancia precisamente a aplicação de uma presunção (com base na realização das despesas conclui pela não empresarialidade parcial), só admitindo a sua ilisão perante a prova positiva de que a totalidade das despesas em causa foram efectuadas com fins empresariais.

            Uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira não rejeitou, antes aceitou explicitamente a possibilidade de ser feita prova da empresarialidade das despesas (isto é, a possibilidade de ser ilidida a presunção de não empresarialidade parcial), fica apenas para apreciar se foi produzida essa prova.

            É manifesto que na decisão da reclamação graciosa a Requerente não apresentou qualquer prova de que as despesas em causa tenham natureza exclusivamente empresarial, pois, além de cópias da declaração modelo 22 e da demonstração de liquidação de IRC relativa ao ano de 2012, apenas apresentou listagens em que se indicam matrículas de viaturas e a categoria profissional dos seus colaboradores a quem estão atribuídas ou a referência de que são utilizadas por vários colaboradores.

            Nada se refere nestas listagens que permita retirar qualquer ilação sobre a exclusividade da utilização das viaturas indicadas para fins empresariais.

            Por outro lado, a prova produzida no presente processo dá suporte à posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois não se provou que haja um efectivo controlo pela Requerente da exclusividade das despesas com viaturas à actividade empresarial e, pelo contrário, até resultou directamente da prova produzida que viaturas atribuídas a funcionários são por estes utilizadas em permanência, inclusivamente em períodos de férias, sem relação necessária com a actividade empresarial.

            Por isso, à face da prova produzida, se é certo que se provou que a maior parte das referidas despesas com viaturas têm natureza empresarial, também o é que não se provou que na sua totalidade a tenham e que se provou mesmo que algumas dessas derivaram de utilização das viaturas para fins estranhos à actividade da empresa.

            Assim, dependendo o afastamento das tributações autónomas referidas da prova da total empresarialidade das despesas, tem de se concluir que foi correcta a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa.

            Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

3.2. Gastos com ajudas de custo e compensação pela utilização de viatura própria pelos trabalhadores

 

No que concerne às despesas de representação, a Requerente não coloca no presente processo a questão que colocou na reclamação graciosa quanto à respectiva tributação autónoma, pelo que apenas estão em causa as tributações autónomas relativas a ajudas de custo e compensação por deslocações em viaturas próprias dos trabalhadores, previstas no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC que estabelece o seguinte:

 

“9 – São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.”

 

A posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa é a seguinte, em suma:

 

– o facto de o legislador fazer referência a «encargos dedutíveis» revela que não está aqui em causa uma questão de presunção da "não empresarialidade" dos encargos sujeitos a tributação autónoma, uma vez que esta tem precisamente como pressuposto a sua prévia dedutibilidade e concreta concorrência para a formação da base tributável ainda na estrita instância do núcleo do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;

– aquela norma refere-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal e estimular as empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de vista do interesse público;

– perante o objectivo a atingir, não faria qualquer sentido permitir que estes encargos dedutíveis não fossem tributados autonomamente; estamos pois perante um regime excepcional que pretende atingir um fim específico – i.e. inibir que as empresas façam um uso abusivo deste tipo de encargos e, consequentemente, que se abstenham de incorrer nos mesmos;

– para efeitos de tributação autónoma não é relevante definir se essas mesmas despesas ou encargos assumem ou não uma natureza empresarial, pois esse aspecto já está implícito na definição do facto-tipo que vai sofrer um tributo independente da colecta a apurar no estrito segmento do núcleo do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.

 

No presente processo, a Requerente procurou fazer a prova de que as despesas em causa consubstanciam «gastos atinentes à prossecução da atividade da empresa e com causa estritamente empresarial, visto que os mesmos não configuram qualquer benefício na esfera privada dos colaboradores».

É manifesto que na reclamação graciosa a Requerente não apresentou qualquer prova relativa à empresarialidade das ajudas de custo e compensações por deslocações em viaturas próprias dos trabalhadores, pois se limitou a apresentar listagens com identificação dos veículos da própria empresa e indicação dos seus colaboradores que as usam, que nada têm a ver com as ajudas de custo e compensações por deslocações em viaturas próprias dos trabalhadores.

De qualquer forma, é correcta a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, a tributação autónoma prevista na 1.ª parte do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, relativa a encargos dedutíveis, não se justifica pela eventual falta de empresarialidade das despesas, pois a dedutibilidade é um pressuposto da tributação autónoma, nem pela intenção de tributar rendimentos camuflados auferidos pelos trabalhadores por via das ajudas de custo e da compensação por utilização de viatura própria pelo trabalhador, pois a tributação desses rendimentos ocultos é expressamente feita nos termos definidos no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS.

Assim, a tributação autónoma prevista na 1.ª parte do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC é explicável pela intenção legislativa de desincentivar as empresas da realização de despesas desse tipo e atenuar a perda de receita de IRC que delas derivam, quando elas são realizadas.

Pelo exposto, não assentando esta tributação autónoma em qualquer presunção de não empresarialidade, mesmo parcial, das despesas, não pode ser evitada a tributação demonstrando a empresarialidade das despesas referidas.

Por outro lado, só com a aplicação desta tributação à generalidade das despesas deste tipo podem ser atingidas as finalidades visadas com a sua criação.

Nestes termos, improcede também o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

4. Juros indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios nas situações de autoliquidação depende do pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, como resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS.

Por isso, não sendo indevido o pagamento efectuado pela Requerente, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, do pedido de anulação parcial da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2012 e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 807.224,94.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.628,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente A….

 

Lisboa, 20-06-2016

 

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Mariana Gouveia de Oliveira)

 

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira)



[1] Esta Portaria veio a ser alterada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro.

[2] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

[3] Acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T.

[4] Acórdão arbitral proferido no processo n.º 628/2014-T.

[5] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer.