Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 718/2015-T
Data da decisão: 2016-06-24  Selo  
Valor do pedido: € 13.623,20
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; andares ou divisões suscetíveis de utilização independente
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Decisão Arbitral

 

Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

Em 30 de Novembro de 2015, A…, viúva, residente na Rua …, n.° …, … Dt.°, …-… Lisboa, titular do número de identificação fiscal …, na qualidade de cabeça de casal da herança, com o número de identificação fiscal …, aberta por óbito de seu pai B… (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativos ao ano de 2014, tendo atribuído ao pedido de constituição do tribunal arbitral o valor referente às três prestações, i.e., o valor de € 13.623,20 (treze mil seiscentos e vinte e três euros e vinte cêntimos).

Com efeito, não se conformando com a liquidação de Imposto do Selo acima identificada a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, formulando, ao que se julga, os seguintes pedidos:

a)      Declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, ao que se julga, com fundamento em:

                                                        i.            Vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a aplicação da Verba 28.1 da TGIS;

                                                      ii.            Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

b)      Condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Com a petição juntou 7 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10 de Fevereiro de 2016.

Em 23 de Fevereiro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta na qual alegou a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, propugnando pela manutenção da liquidação de imposto do Selo, por consubstanciar a correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Dezembro.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações.

Em 18 de Março de 2016, a Requerente requereu a junção ao processo de 12 (doze) documentos relativos às notas de cobrança e comprovativos do respectivo pagamento da terceira prestação do Imposto do Selo aqui em causa.

Quer a Requerente quer a Requerida apresentaram alegações.

A Requerente concluiu as suas alegações dizendo que “o erro da Autoridade Tributária (…) está em aplicar o conceito de prédio de direito civil a uma situação na qual apenas releva o correspondente jurídico-tributário” e que da aplicação dos preceitos do Código do IMI, imposta quer pelo artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, quer pela própria Verba 28 da TGIS, decorre que o conceito tributário de prédio para efeitos de IMI e de Imposto do Selo “assenta no princípio da autonomização das partes susceptíveis de utilização independente, que por isso dispõem de VPT próprio”. Mais alegou que a “A Autoridade Tributária usou, pois, abusivamente, de um critério de conveniência que não tem suporte legal e não corresponde ao desígnio do legislador quando manda aplicar às matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo subsidiariamente o disposto no CIMI”.

A Requerente terminou as suas alegações reforçando o entendimento segundo o qual a prática seguida pelos serviços da Administração Tributária nos actos de liquidação do Imposto do Selo respeitantes à Verba 28.1 configura uma flagrante violação do princípio da igualdade, tal como consagrado no artigo 13.º da Constituição.

A Requerida contra-alegou, reiterando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por “(…) a legalidade do acto em questão nos presentes autos [ser] inquestionável” não reconhecendo qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito em que terão incorrido os actos tributários de liquidação do Imposto do Selo impugnado e, consequentemente, não reconhecendo o direito do sujeito passivo ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é cabeça de casal da herança indivisa com o NIF …, aberta por óbito de B….
  2. Integra a herança o prédio sito na Rua … n.ºs … a …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo … (doravante “o prédio”).
  3. A Requerente e os restantes herdeiros são proprietários do prédio acima descrito em comunhão hereditária.
  4. O prédio é constituído por seis pisos, dispondo de dois fogos por andar, num total de doze divisões susceptíveis de utilização independente (cf. Doc. 1 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  5. O prédio encontra-se em propriedade vertical com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (cf. Doc. 1 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  6.  Tem um valor patrimonial tributário de € 1.362.320,00 (um milhão, trezentos e sessenta e dois mil e trezentos e vinte euros) (cf. Doc. 1 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  7. Todas as divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional foram objecto de avaliação individual, em 2014, tendo o seu valor patrimonial sido determinado separadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do Código do IMI.
  8. De acordo com a avaliação efectuada, foi atribuída a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, com fim habitacional, o seguinte valor patrimonial (cf. Doc. 1 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral):

Andar/divisão

VPT

R/C Dto.

€ 109.980,00

R/C Esq.

€ 121.940,00

1.º Dto.

€ 113.040,00

1.º Esq.

€ 113.040,00

2.º Dto.

€ 113.040,00

2.º Esq.

€ 113.040,00

3.º Dto.

€ 113.040,00

3.º Esq.

€ 113.040,00

4.º Dto.

€ 113.040,00

4.º Esq.

€ 113.040,00

5.º Dto.

€ 113.040,00

5.º Esq.

€ 113.040,00

 
  1. Em 20 de Março de 2015, a Requerida liquidou o Imposto do Selo previsto na Verba 28.1 da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial de cada uma das divisões do prédio, susceptíveis de utilização independente, e afectas a habitação, no valor global de € 13.623,20 (treze mil seiscentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) (cf. Doc. 2 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  2. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

R/C Dto.

2015 …

€ 366,60

R/C Esq.

2015 …

€ 406,48

1.º Dto.

2015 …

€ 376,80

1.º Esq.

2015 …

€ 376,80

2.º Dto.

2015 …

€ 376,80

2.º Esq.

2015 …

€ 376,80

3.º Dto.

2015 …

€ 376,80

3.º Esq.

2015 …

€ 376,80

4.º Dto.

2015 …

€ 376,80

4.º Esq.

2015 …

€ 376,80

5.º Dto.

2015 …

€ 376,80

5.º Esq.

2015 …

€ 376,80

Total:

€ 4.541,08

(conforme Doc. 2 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

R/C Dto.

2015 …

€ 366,60

R/C Esq.

2015 …

€ 406,46

1.º Dto.

2015 …

€ 376,80

1.º Esq.

2015 …

€ 376,80

2.º Dto.

2015 …

€ 376,80

2.º Esq.

2015 …

€ 376,80

3.º Dto.

2015 …

€ 376,80

3.º Esq.

2015 …

€ 376,80

4.º Dto.

2015 …

€ 376,80

4.º Esq.

2015 …

€ 376,80

5.º Dto.

2015 …

€ 376,80

5.º Esq.

2015 …

€ 376,80

Total:

€ 4.541,06

 (conforme Docs. 3 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. A Requerente foi ainda notificada para proceder ao pagamento das terceiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

R/C Dto.

2015 …

€ 366,60

R/C Esq.

2015 …

€ 406,46

1.º Dto.

2015 …

€ 376,80

1.º Esq.

2015 …

€ 376,80

2.º Dto.

2015 …

€ 376,80

2.º Esq.

2015 …

€ 376,80

3.º Dto.

2015 …

€ 376,80

3.º Esq.

2015 …

€ 376,80

4.º Dto.

2015 …

€ 376,80

4.º Esq.

2015 …

€ 376,80

5.º Dto.

2015 …

€ 376,80

5.º Esq.

2015 …

€ 376,80

Total:

€ 4.541,06

  1. Em 23 de Abril de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento das primeiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014 aqui impugnados, respeitante ao prédio acima identificado, num montante global de € 4.541,08 (quatro mil, quinhentos e quarenta e um euros e oito cêntimos); (cf. Doc. 4 junto com o pedido de constituição de tribunal arbitral da Requerente).
  2. Em 27 de Julho de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014 aqui impugnados, respeitante ao prédio acima identificado, num montante global de € 4.541,06 (quatro mil, quinhentos e quarenta e um euros e seis cêntimos); (cf. Doc. 4 junto com o pedido de constituição de tribunal arbitral da Requerente).
  3. Tal como referido em Requerimento entregue em 18 de Março de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento das terceiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014 aqui impugnados, respeitante ao prédio acima identificado, num montante global de € 4.541,06 (quatro mil, quinhentos e quarenta e um euros e seis cêntimos).

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

 

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios ao acto tributário impugnado há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação do acto tributário. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, este tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

 

Vício de violação de lei

A questão a decidir consiste em determinar se os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre os andares/divisões susceptíveis de utilização independente do prédio supra descrito, são ou não ilegais, por vício de violação de lei, pela errónea interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS.

Assim, cabe antes de mais referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à TGIS a Verba 28, a qual dispõe que:

 “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da Verba 28.1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1%.

Dir-se-á, então, que são três os pressupostos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, a saber (1) o imóvel tratar-se de um prédio; (2) que esse prédio tenha afectação habitacional; e (3) que o valor patrimonial tributável (VPT) constante da matriz e utilizado para efeitos de liquidação de IMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Para a concretização dos primeiros dois pressupostos, importa, portanto, atender ao conceito de prédio com afectação habitacional.

Ora, o Código do Imposto do Selo não define o conceito de “prédio”, nem tampouco o de “prédio com afectação habitacional”. Com efeito, é o próprio artigo 1.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo que determina que “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)”.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é:

toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

Por seu turno, terão afectação habitacional os prédios urbanos “(…) que tenham como destino normal cada um destes fins”, nos termos do disposto nos artigo 4.º e 6.º, n.º 2, do Código do IMI.

No caso em concreto, estamos perante um prédio urbano, em propriedade total, ou em regime de propriedade vertical. Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido pelo legislador – o supra citado – não restam dúvidas que o prédio ora em análise, propriedade da Requerente se encontra literalmente abrangido pela verba 28.1 da TGIS.

Não obstante, trata-se de um prédio composto por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, também elas com afectação habitacional, conforme se retira da Caderneta Predial Urbana, junta como Doc. 1 com o Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

Refira-se, porém, que a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade vertical e prédio em propriedade horizontal. De facto, o artigo 2.º, n.º 4, do Código do IMI limita-se a determinar que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”. O que o preceito determina é que as fracções autónomas são havidas como prédios. Tal não implica, porém, que as fracções autónomas sejam havidas como prédios habitacionais cujo valor patrimonial tributário, para efeitos do disposto na Verba 28.1, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Restará, pois, determinar se o VPT relevante neste caso, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, será o VPT “global” do prédio, ou o VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, individualmente considerados.

Ora, conforme resulta da própria Verba 28.1 da TGIS e, bem assim, do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá sobre o VPT utilizado para efeitos de IMI.

Os artigos 38.º e seguintes do Código de IMI definem o modo de determinação do VPT para efeitos daquele imposto, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º daquele mesmo Código.

Mais acresce que o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI dispõe que:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

Deste modo, para efeitos de liquidação de IMI, a cada parte do prédio susceptível de utilização independente é atribuído um VPT individual, sendo descriminado na matriz predial do prédio em propriedade total ou vertical. É então sobre esse VPT separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI, ou seja, em relação a cada andar, parte ou divisão do prédio com utilização independente.

A este respeito, saliente-se o decidido no âmbito do processo arbitral n.º 194/2014-T, onde se escreveu que

o Código de IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

Assim, a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI corresponde um único artigo na matriz (…) mas, segundo o n.º 3 do artigo 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…) «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário» (…).

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI (…)”.

Em suma, para efeitos de IMI, o VPT a considerar será o VPT de cada um dos andares, partes ou divisões do prédio susceptíveis de utilização independente.

E deste modo, se a própria Verba 28 da TGIS remete para os termos do Código do IMI, as mesmas regras e princípios terão, necessariamente, de ser aplicáveis em sede de Imposto do Selo. À mesma conclusão se chegaria por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

Assim, se nos termos do artigo 11.º da LGT a interpretação das leis tributárias deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação; e se se deve partir do pressuposto de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9.º do Código Civil), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba 28.1 da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, cujo VPT seja inferior a € 1.000.000,00.

A verdade material é, pois, o critério determinante da capacidade contributiva, sendo irrelevante a mera realidade jurídico-formal do prédio. Com efeito, e como se disse supra, o legislador não distinguiu entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical. Por conseguinte, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

Recordando o que disse o tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 50/2013-T:

“(…) considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. (…)

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de sele se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

(…)

Assim, a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

O legislador fiscal (…) não efectua nenhuma distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, pelo que não pode a AT, tratar situações iguais de forma diferente.”

Não obstante este entendimento praticamente unânime, a Requerida alega, na sua resposta que:

«Para dissipar quaisquer dúvidas foi sancionada acerca desta temática a Informação Vinculativa no Processo: 2013… - IVE n.º … com despacho concordante do Sr. Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 11.02.2013, cujo teor apenas parcialmente se transcreve:3. Para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, pela verba 28 da respectiva tabela geral, é determinante a distinção entre prédios constituídos em propriedade total e prédios constituídos em regime de propriedade horizontal. No caso de prédio constituído em propriedade horizontal, nos termos previstos nos artigos 1417.º e seguintes do Código Civil, cada fracção autónoma assim constituída é havida como constituindo um prédio, conforme decorre do disposto no artigo 2.º n.º 4 do CIMI, aplicável por força do disposto no artigo 1.º n.º 1 e n.º 6 do Código de Imposto de Selo, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro e Verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, na sua actual redacção.

4. Para os devidos e legais efeitos, designadamente para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, verba 28 da TGIS, os prédios constituídos em propriedade total, são considerados pela sua totalidade como um único prédio.(…)

6. Para efeitos de IMI e consequentemente para efeitos de sujeição a imposto de selo, verba 28 da Tabela Geral, anexa ao CIS, por remissão daquele Código, o prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (dita propriedade total) e o prédio em regime de propriedade horizontal, são no que respeita ao conceito de “prédio fiscal” distintos uma vez que no último caso a fracção autónoma, para efeitos de IMI, integra o conceito de prédio. Trata-se de uma excepção à regra geral, dado que cada fracção autónoma de um edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal pertence a um titular independente, o qual é proprietário da sua fração autónoma e comproprietário das partes comuns do prédio.

7. Já relativamente ao primeiro caso (propriedade total) ainda que o prédio tenha partes ou divisões suscetíveis de utilização independente o conceito jurídico tributário é de que este prédio constitui uma única unidade, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário”.»

A Requerida vem assim sustentar o seu entendimento, pretendendo “dissipar quaisquer dúvidas” com base numa informação vinculativa prestada em 2013, a um outro sujeito passivo, perante uma base factual que, embora substancialmente análoga, não é em concreto idêntica.

Ora, como se sabe, os pedidos de informações vinculativas surgem, grosso modo, quando um determinado contribuinte, sujeito passivo, obrigado tributário ou outra pessoa que demonstre interesse dirige à Administração Tributária um pedido de esclarecimento relativamente a um enquadramento jurídico-fiscal de uma determinada situação de facto bem identificada. A resposta da Administração Tributária relativamente a esse enquadramento será então vinculativa para esta.

Não obstante, as informações vinculativas vinculam apenas a Administração, não obrigando os sujeitos passivos ou outros interessados que as solicitaram. Nem tampouco poderão obrigar outros contribuintes, obrigados tributários ou sujeitos passivos que não as solicitaram. Os contribuintes (tenham ou não requerido a informação vinculativa, sejam ou não sujeitos na situação jurídico-fiscal cujo enquadramento foi requerido) não estão pois obrigados a seguir o sentido da informação vinculativa prestada pela Administração, podendo agir de acordo com a interpretação que entendam ser a mais correcta. Por isso mesmo, a Requerida apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, que ora se decide, discordando em absoluto da posição que vem sendo sustentada pela Administração Tributária.

Mais acresce que, tal como vem sendo entendido, os tribunais – sejam judiciais sejam arbitrais – enquanto órgãos de soberania independentes, não estão subordinados às decisões tomadas pela Administração em matéria fiscal, podendo interpretar e aplicar a lei fiscal “sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração”. Deste modo, não só os tribunais, judiciais ou arbitrais, não estão vinculados a interpretar a lei fiscal no sentido que a Administração interpretou na informação vinculativa, como esta deverá respeitar as decisões judiciais ou arbitrais que a contrariem, executando-as (Cf. a este respeito, Jesuíno Alcântara Martins e Costa Alves (2015) Procedimento e Processo Tributário, p. 52).

Razões pelas quais não poderá proceder o argumento da Requerida.

A interpretação que aqui se vem defendendo – a de que o VPT relevante para efeitos da Verba 28.1 da TGIS é aquele que é imputado a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e não o somatório de todos esses valores – é a interpretação que resulta, de resto, da ratio do Verba 28.1 e, consequentemente, das razões que determinaram a tributação, a título de Imposto do Selo, dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

Com efeito, na exposição de motivos da proposta de lei nº 96/XII (2ª) que esteve na origem da Lei nº 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Deste modo, na medida em que nenhum dos andares, partes ou divisões do prédio, com utilização independente tem valor patrimonial igual ou superior a
€ 1.000.000,00 (cf. resulta dos documentos juntos aos autos), conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS. Verifica-se, pois, um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo em causa.

Em resumo, conclui-se, pois, que a liquidação de Imposto do Selo nos termos em que foi realizada é ilegal por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade.

 

Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de € 13.623,20 referentes às prestações já pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[2].

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto a condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 66/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária, pelo que o direito a juros indemnizatórios e (sic.) reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”

O pedido de pronúncia relativamente ao direito a juros indemnizatórios versa, então, sobre as primeiras e segundas prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo pagas à data da entrega do pedido no sistema informático do CAAD, mas também sobre as terceiras prestações cujo pagamento foi entretanto efectuado.

Com efeito, assim o é na medida em que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto implica a ilegalidade de todas as notas de cobrança relativas a todas as prestações de Imposto do Selo.

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

A doutrina e a jurisprudência têm-se questionado se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT onde reconhece o direito a juros indemnizatórios, pretendeu restringir este direito aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais.

Assim tem entendido o STA, alegando designadamente no acórdão de 3- 02 -2010, proferido no recurso n.º 01091/09 que quando “o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu no acórdão de 22-05-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

A jurisprudência do STA tem assim entendido que o direito a juros indemnizatórios não se verifica quando o acto inválido por vício de forma ainda possa ser substituído por um acto válido que cumpra todas as formalidades legais, ou seja, quando o imposto pago ainda possa ser legalmente exigido, exigindo que se verifique um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

No nosso caso, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, não há dúvida que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014;

c) Anular a liquidação de Imposto do Selo supra referida;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente até à data do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

VI. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

 

24 de Junho de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

[2] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.