Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 711/2015-T
Data da decisão: 2016-06-15  IVA  
Valor do pedido: € 19.178,33
Tema: IVA – Direito à dedução, incidência e imposto não liquidado
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A… - …, Sociedade Unipessoal, Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 5 de Fevereiro de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.       A A… – …, Sociedade Unipessoal, Lda., Pessoa Colectiva nº …, matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na Rua …, nº …, em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 27 de Novembro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende com o referido pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal Arbitral “(…) se digne conceder provimento ao (…) pedido (…) determinando, em consequência a anulação do ato que indeferiu o recurso hierárquico e de parte das liquidações adicionais (…)” identificadas, “correspondendo ao IVA (…)” e “a juros compensatórios” relativas aos períodos indicados “(…) na parte em que dizem respeito às correcções (…) contestadas, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).

 

1.3.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite, em 30 de Novembro de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.       A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 21 de Janeiro de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de Fevereiro de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.8.    Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.9.    Em 14 de Março de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “sem prejuízo do exposto na alínea a) da parte III da presente Resposta, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os demais pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”, “mais se requerendo, nos termos acima peticionados, que caso não seja dispensada a produção de prova testemunhal, que a Requerente seja notificada para indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas (…)”.[2]

 

1.10.  Na mesma data, a Requerida anexou ao processo o respectivo processo administrativo.

 

1.11.  Por despacho arbitral de 17 de Março de 2016, foram ambas as Partes notificadas no sentido de se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa:

 

1.11.1.   Da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

1.11.2.   Da inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente;

1.11.3.   Da apresentação de alegações.

 

1.12.  Adicionalmente, pelo mesmo despacho arbitral foi a Requerente notificada para “caso (…) não prescinda da inquirição das testemunhas indicadas no Pedido (…), no prazo referido no ponto anterior, indicar os factos sobre os quais pretende que a prova testemunhal incida”.

 

1.13.  A Requerida, em 21 de Março de 2016, apresentou requerimento no sentido de que:

 

1.13.1.   “(…) não se opõe à dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT”;

1.13.2.   “Conforme se defendeu ao longo da Resposta apresentada (…) é entendimento da Requerida que deverá ser indeferida ou dispensada a inquirição de testemunhas”;

1.13.3.   “(…) não se opõe à dispensa da apresentação de alegações, salvaguardando o direito de as apresentar se a Requerente delas não prescindir e o Tribunal determinar a sua apresentação”.

 

1.14.  A Requerente apresentou, em 24 de Março de 2016, requerimento no sentido de que:

 

1.14.1.   “(…) não se opõe à dispensa da reunião prevista no artigo 18.°, do RJAT”;

1.14.2.   “No que tange as testemunhas por si arroladas, (…) não prescinde da sua inquirição, atendendo a que a Requerida, na sua Resposta, considerou como não provados os factos sobre as quais as aludidas testemunhas se deverão pronunciar”, referindo “(…) que pretende que as testemunhas por si arroladas prestem depoimento em relação aos (…) factos enunciados na sua p.i”, que identifica;

1.14.3.   “(…) neste momento e (…) em face do desenrolar dos atos de instrução ainda a realizar, não se encontra em condições de poder prescindir das suas alegações”.

 

1.15.   Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 1 de Abril de 2016, “decidiu este Tribunal, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT”:

 

1.15.1.       “Agendar reunião para próximo dia 21 de Abril de 2016, pelas 14:00, a realizar nas instalações do CAAD, em Lisboa, para efeitos de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, relativamente aos factos indicados por esta no seu requerimento, datado de 24 de Março de 2016”;

1.15.2.       “Decidir na reunião acima referida da possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”.

 

1.16.   Em 21 de Abril de 2016 foi realizada, nas instalações do CAAD em Lisboa, a primeira reunião arbitral para inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, com reprodução sonora dos depoimentos prestados e da qual foi lavrada a corresponde acta, a qual faz parte integrante deste processo arbitral.

 

1.17.   Ainda no âmbito da referida reunião, o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações).

 

1.18.   Por outro lado, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, o Tribunal designou o dia 15 de Junho de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.19.   Por último, o Tribunal advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.20.   Em 9 de Maio de 2016, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de:

 

1.20.1.       Enumerar os factos que entendeu terem ficado provados através dos depoimentos das testemunhas por si apresentadas e inquiridas na reunião realizada a 21 de Abril de 2016 (vide ponto 1.16., supra);

1.20.2.       Reiterar os argumentos expostos no Pedido quanto à ilegalidade da correcção ao IVA deduzido pela Requerente, em 2008 e 2009, no que diz respeito aos gastos com o refeitório, bem como quanto à inexistência de “(…) qualquer base legal que permita manter as liquidações de IVA e de juros compensatórios impugnadas (…)”, respeitantes às alegadas prestações de serviços entre a Requerente e a B… e entre a Requerente e a C…;

1.20.3.       Manter a solicitação do reenvio prejudicial para o TJUE, no caso de “os argumentos (…) expostos e novamente reiterados (…) não sejam suficientes para afastar quaisquer dúvidas acerca da ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas (…)” e,

1.20.4.       Concluir nos mesmos termos do Pedido.

 

1.21.   Em 25 de Maio de 2016, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, no sentido “(…) reiterar a posição assumida (…) em sede de resposta”, concluindo que deve “(…) ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e absolvendo-se (…) a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    A Requerente “é uma sociedade detida a 100% pela D…, S.A. (…) e que tem por objeto social (…)”, nomeadamente, “a realização de estudos e projetos de investigação e desenvolvimento de tecnologias relacionadas com a organização, gestão e exploração de sistemas e redes de transportes, bem como a promoção e realização de acções de formação profissional no âmbito das tecnologias de organização e gestão de redes e sistemas de transporte público rodoviário e a sua exploração(sublinhado nosso).

 

2.2.    Prossegue a Requerente referindo que “fazendo parte do universo da D… (…) é uma empresa que integra o setor  empresarial do Estado, i.e., integra o conjunto das unidades produtivas do Estado (organizadas e geridas de forma empresaria) representado pelas empresas públicas e as empresas participadas (…)”, afirmando ser “(…) uma empresa que promove o cumprimento das leis e a satisfação dos interesses públicos (…)” (destaque da Requerente).

 

2.3.    Conforme alega a Requerente “na sequência das ordens de serviço n.º OI2012… e OI2012…, a Administração Tributária realizou uma ação inspetiva externa à Peticionante que compreendeu a análise do IRC e do IVA respeitantes aos períodos de tributação (…) de 2008 e 2009”, tendo a Requerente sido notificada, no dia 14 de Novembro de 2012, “(…) para se pronunciar sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (…), no qual se propunham diversas correções, nomeadamente em sede de IVA”.

 

2.4.    De acordo com o teor do pedido, a Requerente “(…) exerceu no dia 30.11.2012, o seu direito de audição prévia, no qual manifestou a sua discordância face às correções propostas pela Administração Tributária (…)”, tendo sido notificada a 7 de Dezembro de 2012 “(…) da versão final do relatório de inspeção (…)”, o qual manteve “(…) uma parte significativa das correções anteriormente propostas pelos serviços de inspeção (…)”.

 

2.5.    Em momento posterior, a Requerente “(…) foi notificada das liquidações de IVA e de juros compensatórios (…) identificadas (…)”, no montante total de EUR 44.912,15, tendo pago aqueles montantes em 15 de Fevereiro de 2013.

 

2.6.    Prossegue a Requerente referindo que “a 26.06.2013, (…) apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios (…)”, tendo sido notificada “através do despacho, de 29.05.2014 (….) do deferimento parcial da aludida reclamação graciosa”, porquanto “aqueles serviços da Administração Tributária mantiveram a maioria das correções então reclamadas (…)”.

 

2.7.    “Não podendo (…) conformar-se com essa decisão, na parte em que manteve parte das correções (…) contestadas, decidiu apresentar (…) recurso hierárquico (…)”, o qual foi objecto “através do Ofício nº …, de 26.08.2015 (…) de deferimento parcial (…).

 

2.8.    E “por não aceitar tal decisão, na parte em que manteve as correções contestadas, vem a Peticionante apresentar (…) pedido de pronúncia arbitral”.

 

Das correções contestadas

 

Gastos com refeitório (períodos de tributação de 2008 e 2009)

 

2.9.    Neste âmbito, segundo a Requerente, “no Relatório foi realizada uma regularização às deduções de IVA realizadas (…), nos períodos de tributação de 2008 e 2009, nos montantes de € 801,02 e € 3.545,94, respetivamente (…)”, tendo sido “(…) sustentado no Relatório (…) que:

 

a.      Uma vez que o edifício da sede da Peticionante pertence a D…, deveria ser esta a suportar e a deduzir o IVA relativo a avença mensal paga à E…;

b.      A dedutibilidade do IVA depende deste imposto incidir sobre bens ou serviços adquiridos que contribuam para a realização de transmissões de bens ou prestações de serviços;

c.       Não é compreensível que a existência de um refeitório contribua para o aumento da procura de ações de formação, sobretudo atendendo a que as mesmas têm por objeto o desenvolvimento profissional, informática, condução defensiva e afins;

d.      Uma vez que a Peticionante já paga subsídio de refeição aos seus colaboradores, não necessita de ter um refeitório a funcionar;

e.       Os proveitos associados à exploração do refeitório (quer seja pela F… ou pela E…) não estão refletidos na contabilidade da Peticionante”.

 

2.10.  Segundo a Requerente, “estes argumentos foram reiterados no Despacho, tendo este expresso que não se tratando da aquisição de equipamento social e pertencendo as instalações à empresa-mãe (D…), corroboramos o entendimento de que a dedução do IVA suportado com os encargos em apreço não pode ser aceite (…)", correcção com a qual a Requerente “(…) não pode concordar (…)”.

 

2.11.  Com efeito, para a Requerente “o custo com a avença aqui em causa contribui para a realização da atividade da Peticionante (sujeita a imposto), de duas formas distintas: (i) é imprescindível (…) aos serviços de formação prestados pela Peticionante e (ii) é imprescindível para o bem-estar da sua força de trabalho”, pelo que entende que “qualquer uma destas duas finalidades faz com que, só por si, as liquidações de IVA sejam ilegais”.

 

2.12.  Na verdade, para a Requerente, “a existência desse refeitório equipado corresponderia (como corresponde) a uma mais-valia que a Academia de Formação da Peticionante poderia disponibilizar aos seus (potenciais) clientes e, nesse sentido, corresponderia a um fator de distinção positivo (…) no processo de angariação dos mesmos”, pelo que “(…) a Peticionante celebrou com a E… um contrato de locação (…) dos diversos equipamentos necessários ao funcionamento do (…) refeitório”, “(…) estando o custo com a locação do equipamento do refeitório (…) intrinsecamente ligado à normal prossecução da sua atividade económica (…)”.

 

2.13.  Assim, para a Requerente, é “(…) clara a sua correspondente indispensabilidade”, “tanto mais (…) que, nos anos de 2008 e 2009, a atividade de formação prestada pela Peticionante gerou-lhe resultados (…) em nada negligenciáveis (…)”, pelo que entende ser “falso o argumento (…) de que a dita locação não contribui para qualquer retorno ou contrapartida”.[3]

 

2.14.  Assim, para a Requerente, “(…) dever-se-á necessariamente concluir que existe uma finalidade económica associada à existência de tal refeitório (e consequentemente ao seu equipamento) e aos gastos a ele inerentes”, pelo que conclui a Requerente que tendo renunciado “(…) à isenção de IVA incidente sobre as ações de formação (…)” e “(…) liquidando IVA em todas as operações a jusante, é absolutamente legal que a mesma deduza todo o IVA suportado nos inputs a montante”, sendo por isso “(…) absolutamente legal o direito da Peticionante em deduzir todo o IVA suportado (…), incluindo os afetos ao equipamento do refeitório”.

 

2.15.  Assim, “tendo a Peticionante demonstrado a existência dessa relação direta e imediata entre os encargos por si suportados com a locação do equipamento do refeitório e o exercício de uma atividade tributável em sede de IVA (…), é ilegal a regularização ao IVA deduzido em 2008 e 2009, peticionando-se (…) a anulação das liquidações na parte respetiva”.

 

2.16.  No que diz respeito à alegada duplicação de custos “pelo facto de a Peticionante ter um refeitório devidamente equipado e pagar aos seus colaboradores um subsídio de refeição”, entende a Requerente que tal argumento não faz qualquer sentido, porquanto “(…) a jurisprudência do STA admite que as despesas com refeições em restaurantes dos colaboradores sejam fiscalmente dedutíveis, mesmo quando esses colaboradores recebem subsídios de refeição”.[4]

 

IVA não liquidado na Exploração do Circuito de … (período de tributação de 2008)

 

2.17.  Segundo a Requerente, esta “em 01.06.2005 (…) e a empresa de transportes públicos B… - … - E.M. (…) celebraram um protocolo” e, na sequência deste, “considerou a Administração Tributária que os resultados positivos e negativos gerados pela operação de circuitos turísticos na cidade de … deveriam ser repartidos em partes iguais pela Peticionante e pela B… (…)”.

 

2.18.  Contudo, tendo verificado que a Requerente “(…) havia decidido não emitir à B… uma fatura na qual imputasse a esta metade do resultado de exploração negativo que lhe caberia, concluiu-se no Relatório que a primeira incorreu no incumprimento do protocolo assinado com a B… (…), donde resultou a omissão de proveitos (…)”, entendimento com o qual a Requerente não concorda, pelo que “(…) não pode aceitar esta correção”.

 

2.19.  Com efeito, argumenta a Requerente que “(…) tem desenvolvido uma estratégia centrada no desenvolvimento de contactos com entidades de diversas cidades, especialmente nacionais (…), com o propósito de celebrar parcerias que lhe permitam expandir o seu negócio, através da criação e exploração de circuitos turísticos”, tendo sido “(…) com o intuito de explorar um circuito turístico em autocarro panorâmico que a Peticionante obteve da Camara Municipal de … a competente autorização e desenvolveu contactos junto da B… para possibilitar a operacionalização de tal circuito”.

 

2.20.  Neste âmbito, e apesar do protocolo celebrado, “(…) a verdade é que esta entidade (B…) se recusou a suportar os resultados negativos decorrentes da exploração conjunta desse circuito (…)” mas, tendo em conta que “(…) na região em que opera a B…, não existe qualquer outro operador que realize serviços similares (…) a Peticionante conscientemente não quis pôr em causa a parceria celebrada (…)”, tendo optado “(…) por suportar, na íntegra, o prejuízo gerado em 2008 pela exploração dos circuitos turísticos … (…)”.

 

2.21.  Assim, entende a Requerente que “neste caso, existem critérios de gestão que foram ponderados pela Peticionante ao não imputar à B… os resultados negativos gerados com a exploração de circuitos turísticos em …”, pelo que “não houve qualquer liberalidade nem, obviamente, qualquer doação da parte da Peticionante à B…”, defendendo que houve sim “(…) uma alteração contratual, que não foi reduzida a escrito (…)”, a qual não deverá ter consequências porquanto “não havendo essa obrigatoriedade de forma escrita quanta a celebração do protocolo entre a Peticionante e a B…, também não existe, por maioria de razão, qualquer dever legal da Peticionante e da B… em celebrarem por escrito quaisquer alterações ao referido protocolo”, não podendo “a Administração Tributária (…), sem mais, exigir que a alteração ao Protocolo fosse reduzida a escrito”.

 

2.22.  Nestes termos, reitera a Requerente que “conforme facilmente se compreende, a alteração contratual ora em análise resultou do mútuo acordo (…) entre as partes contratantes”, sendo “(…) ao contrário do que se afirma no Despacho (…)”.

 

2.23.  Em consequência, entende a Requerente que “é pacífico que (…) não ocorreu qualquer espécie de transferência onerosa que se possa enquadrar no âmbito do conceito de transmissão de bens a que alude (…)” o Código do IVA, não se vislumbrando também “(…) que tipo de serviços é que terá sido prestado pela Peticionante à B… e, muito menos, o tipo de contraprestação que (…) esta terá recebido em resultado de ter decidido (…) assumir (…) a totalidade dos resultados negativos gerados pela exploração do circuito (…)”.

 

2.24.  Ora, segundo a Requerente, “não havendo qualquer tipo de transmissão de bens ou prestação de serviços supostamente ocultada entre a Peticionante e a B…, ter-se-á de concluir que não existe qualquer base legal que permita manter esta liquidação de IVA, devendo a mesma ser necessariamente anulada (…)”.

 

IVA não liquidado na Exploração do Circuito do … – C… (período de tributação de 2009)

 

2.25.  Neste âmbito, refere a Requerente que celebrou, com a C… – …, … Unipessoal, Lda., “em 31.08.2008 (…) um protocolo (…)”.

 

2.26.  No âmbito da acção inspectiva, tendo a Requerida analisado o referido protocolo, entendeu que, em 2009, “(…) os resultados positivos e negativos gerados pela operação de circuitos turísticos na cidade do … deveriam ser repartidos em partes iguais pela Peticionante e pela C…”, em conformidade com o protocolo, pelo que “o resultado negativo (…) decorrente da exploração de circuitos turísticos naquela cidade deveria ter (…) sido imputado pela Peticionante à C…”.

 

2.27.  Contudo, “como isso não sucedeu, entendeu a Administração Tributária que a Peticionante havia realizado um perdão à C… equivalente ao valor das amortizações do autocarro utilizado na exploração dos circuitos turísticos no Porto”, tendo incorrido no “(…) incumprimento do protocolo assinado (…)” e tendo desvirtuado “(…) o princípio contabilístico da especialização dos exercícios (...) donde resultou a omissão de proveitos (…)”, pelo que, refere a Requerente, a Requerida entendeu que aquela “(…) não procedeu ao cálculo do imposto que deveria ter incidido sobre as operações activas descritas (…)”.

 

2.28.  Mas, segundo a Requerente, também neste caso, “(…) a razão não assiste à Administração Tributária”, porquanto reitera que foi com o intuito comercial que “(…) obteve das Câmaras Municipais do …, … e … a competente autorização e desenvolveu contactos (…) para possibilitar a operacionalização de circuitos naqueles municípios da área metropolitana do …”.

 

2.29.  Na verdade, afirma a Requerente que “foi (…) com naturalidade que (…) estabeleceu (…) o referido protocolo com a C… do qual resultou a criação e exploração de vários circuitos turísticos (…)”, sendo que “(…) os primeiros anos da sua exploração conjunta (…) geraram resultados negativos”.

 

2.30.  Segundo a Requerente, “o principal motivo que conduziu à obtenção desses resultados operacionais negativos foram os moldes como os autocarros (…) usados naqueles circuitos turísticos eram depreciados para efeitos contabilísticos e fiscais”, porquanto, se por um lado, “seguindo as taxas (entre 12,5% e 25%) previstas no Decreto Regulamentar nº 2/90 (…) a Peticionante apurou o correspondente gasto com a depreciação dos autocarros (…)”, por outro lado, “(…) para a C…, os autocarros utilizados apresentavam um período de vida útil bastante superior aquele que resultava da aplicação daquelas taxas de depreciação”.

 

2.31.  Nestes termos, segundo a Requerente, “(…) em 2008, o resultado da parceria foi negativo (…)” e “respeitando o que havia sido protocolado (…), a Peticionante debitou o montante correspondente a metade desse valor à C…(…)”.

 

2.32.  Contudo, dado que “(…) a C… revelou-se indisponível para, em 2009, manter a parceria (…) caso os resultados fossem novamente prejudicados por causa das depreciações dos autocarros (…)”, a Requerente “quis evitar que houvesse qualquer argumento (…) que pusesse em causa a manutenção da parceria”.

 

2.33.  Assim, em 2009, “(…) a Peticionante teve em conta o efetivo período de utilização dos autocarros em questão (…)” definindo “(…) uma nova (…) fórmula de repartição dos ganhos e perdas atribuíveis à exploração do circuito turístico do …”, pelo que “(…) refutam-se as alegações constante do Relatório sobre a existência de um perdão por parte da Peticionante ou que esta haja seguido duas interpretações e procedimentos distintos”.

 

2.34.  Mais refere a Requerente que “a C… não deixará de suportar a sua quota-parte nos resultados (nomeadamente os negativos) que foram gerados pela exploração dos circuitos turísticos no …, na medida em que a Peticionante apenas se limitou a permitir que o resultado da contabilização das amortizações dos autocarros naqueles resultados fosse diluído por um maior período de tempo”.

 

2.35.  Assim, para a Requerente, “(…) também nesta situação não faz sentido a presunção de que houve uma qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços entre a Peticionante e a C…” e de que “a Peticionante omitiu proveitos em resultado da realização dessa suposta operação”, pelo que “(…) ter-se-á de concluir pela inexistência de base legal que justifique a correção presente no Relatório e mantida pela Despacho, devendo a mesma ser, consequentemente, anulada”.

 

IVA deduzido indevidamente relativo a despesas com faturas emitidas por fornecedores comunitários (período de tributação de 2008)

 

2.36.  Neste âmbito, sustenta a Requerente que “o Relatório determinou a não-aceitação da dedução do IVA efetuada pela Peticionante com base em faturas emitidas por um fornecedor comunitário (G…), sedeado em Praga”, com base nos seguintes argumentos:

 

2.36.1.   “A Peticionante deduziu IVA por si suportado com base em faturas proforma emitidas por um fornecedor comunitário (G…)”;

2.36.2.   “As faturas proforma suportaram os lançamentos contabilísticos efetuados pela Peticionante”;

2.36.3.   “O sujeito passivo não apresentou extrato de conta para suportar a veracidade das afirmações efetuadas”.

 

2.37.  Ora, segundo a Requerente, “(…) essas faturas (...) resultaram de serviços que o mesmo prestou (…) no âmbito de um estudo (…) acerca da viabilidade da criação e exploração de um circuito turístico em Praga (…)” e tendo a Requerente apresentado, posteriormente, “(…) as faturas definitivas (…) emitidas por aquele prestador de serviços (…)”, “tais documentos demonstram (…) que a Peticionante deduziu o IVA suportado tendo em conta documentos finais e não provisórios (…)”, os quais reitera que “(…) contêm todos os elementos obrigatórios para que não possa ser posta em causa a dedutibilidade do IVA que delas resulte”.

 

2.38.  Por outro lado, e no que diz respeito à alegada discrepância de valores assinalados nas facturas e nos extractos de contas, a Requerente defende que “(…) a explicação não poderia ser mais óbvia” porquanto “uma vez que as faturas foram emitidas por um sujeito passivo residente na Republica Checa, é normal que o mesmo tenha utilizado para o efeito a moeda de curso legal local (…)” e “estando a Peticionante em Portugal e devendo preparar a sua contabilidade em conformidade com a moeda de curso legal neste território, é normal (…) que a mesma recorra às taxas de câmbio (…) publicamente divulgadas pelos bancos (…) tendo por referência a taxa do dia em que se verificou, nomeadamente, a exigibilidade do imposto”.

 

2.39.  Assim, para a Requerente, “também aqui não se vislumbra o porquê de ter sido posto em causa o direito à dedução do IVA que (…) suportou por ter contratado os serviços de G…” pelo que entende ser de concluir que “(…) a regularização de IVA defendida no Relatório e mantida pelo Despacho é manifestamente ilegal e terá de ser anulada”.

 

Dos juros indemnizatórios

 

2.40.  Nesta matéria, alega a Requerente que “concluindo-se que [lhe] assiste razão (…) e que as liquidações de IVA e juros compensatórios correspondem a atos ilegais, deverá a Administração Tributária pagar juros indemnizatórios (…) sobre o valor do imposto aqui contestado indevidamente liquidado e pago (…)”.

 

Do reenvio prejudicial ao TJUE

 

2.41.  Não obstante a Requerente entender que “o Tribunal Arbitral estará capaz de decidir em conformidade com a lei aplicável, nacional e comunitária, bem como os princípios do sistema do IVA, não sendo necessário o reenvio ao TJUE de qualquer questão a título prejudicial”, “caso este Tribunal entenda que subsistem dúvidas quanta à interpretação das regras (…) mencionadas à luz do Direito Comunitário, tem este Tribunal o dever legal de submeter as devidas questões ao TJUE”.[5]

 

2.42.  Conclui a Requerente o seu pedido, solicitando que “(…) se digne conceder provimento ao (…) pedido de pronúncia arbitral determinando, em consequência a anulação do ato que indeferiu o recurso hierárquico e de parte das liquidações adicionais (…)” de IVA e de juros compensatórios identificadas, “(…) na parte em que dizem respeito às correcções (…) contestadas, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios (…)”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

Das correções respeitantes a IVA deduzido indevidamente relativo a despesas com faturas emitidas por fornecedores comunitários (período de tributação de 2008)

 

3.2.    No que diz respeito a esta matéria, refere a Requerida na resposta apresentada que “considerando que naquelas aquisições intracomunitárias de serviços o IVA foi liquidado em território nacional pela Requerente (…) é crível que a diferença de valores entre as faturas proforma consideradas no Relatório de inspeção e as correspondentes faturas definitivas esteja relacionada com as diferenças cambiais, entretanto ocorridas, da coroa checa face ao euro”, “pelo que se deverá considerar válido que o direito à dedução exercido pela Requerente se baseie no mesmo documento que serviu para a autoliquidação do imposto”, e “como tal, considera-se ser de anular as correções ao imposto deduzido pela Requerente nas declarações periódicas de junho e novembro de 2008 concernentes a esta matéria” (sublinhado nosso).

 

3.3.    Prossegue a Requerida referindo que “quanto ao mais, cumpre reiterar o vertido na decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico (…) justificando-se, apenas, algumas apreciações adicionais aos argumentos ora renovados pela Requerente”.

 

Das correções respeitantes a gastos com refeitório (período de tributação de 2008 e 2009)

 

3.4.    Nesta matéria, segundo a Requerida, “(…) não basta à Requerente alegar que se tratam de gastos imprescindíveis aos serviços de formação prestados e ao bem-estar da sua força de trabalho, quando resultou provado em sede inspetiva que:

•   O refeitório não foi sequer utilizado no ano de 2008 (nem por formadores ou formandos, em apoio à realização de ações de formação, nem para efeitos de reforço de laços de convivência profissional, social ou pessoal dos funcionários da Requerente);

•   O refeitório é usado tanto por funcionários da Requerente como por funcionários da empresa-mãe (D…), que é a proprietária das instalações”.

 

3.5.    Por outro lado, segundo a Requerida, “embora a Requerente refira a existência de um contrato de locação (…), a verdade é que não o apresenta, nem os elementos juntos (…) o comprovam”, pelo conclui que “(…) nenhum vício pode ser apontado às correções efetuadas e consequentes liquidações de imposto e juros compensatórios”.

 

Do IVA não liquidado na exploração do Circuito de … (período de tributação de 2008)

 

3.6.    Nesta matéria, defende a Requerida que “nem no decurso do procedimento inspetivo, nem no âmbito dos procedimentos de impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico), a Requerente logrou apresentar prova – por qualquer meio idóneo – da existência das alegadas negociações que teriam conduzido à alteração ao protocolado”, “sendo certo que sobre si impedia (…) o ónus da prova dos factos que invoca (…)”.

 

3.7.    Assim, para a Requerida, “o débito de quaisquer encargos suportados, e não obstante o mesmo corresponder a um mero reembolso, dá lugar a liquidação de IVA, por se considerar uma prestação de serviços, face ao disposto no nº 1 do artigo 4.º do Código do IVA” (sublinhado nosso).

 

Do IVA não liquidado na exploração do Circuito do … (período de tributação de 2009)

 

3.8.    Neste âmbito, para a Requerida, “resulta líquido que a ter havido uma alteração à forma de repartição dos lucros e prejuízos decorrentes da exploração do referido circuito, não só a mesma deveria ser oficializada com as mesmas formalidades ad substantiam e ou formatione que caracterizam o protocolo celebrado entre as entidades”, “como teria de estar devidamente refletida nos elementos contabilísticos da Requerente (…)”, “o que não se verificou”.

 

3.9.    Adicionalmente, considera a Requerida que “a imputação (…) dos resultados negativos da exploração do circuito do Porto constitui uma prestação de serviços para efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 4.° do Código do IVA, estando, como tal, sujeita a tributação”.

 

3.10.  Reitera a Requerida que “de acordo com esta norma, o conceito de prestação de serviço tem um carater residual, abrangendo todas as operações decorrentes de uma atividade económica que não sejam definidas como transmissões ou importações de bens”, concluindo que “a operação em análise é, manifestamente, decorrente de uma atividade económica”, “pelo que não padecem as liquidações impugnadas de qualquer vício” (sublinhado nosso).

 

Dos juros indemnizatórios

 

3.11.  Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) dado que, como cabalmente demonstrado, inexiste in casu erro imputável aos serviços, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da inquirição de testemunhas

 

3.12.  Neste âmbito, considera a Requerida que “(…) não é junta prova documental apta a sustentar os factos evocados pela Requerente”, sendo “(…) aquele (…) o único meio de prova idóneo para provar tais factos (…)”, “pelo que não se pode aceitar que venha requerer a inquirição de testemunhas com visto a provar factos que a lei exige (…) que sejam provados por prova documental”, “e que (…) não se aceita que sejam provados mediante qualquer outro tipo de prova”.

 

3.13.  Termina a Requerida a sua Resposta requerendo que “sem prejuízo do exposto na alínea a) da parte III da presente Resposta, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os demais pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”, “mais se requerendo, nos termos acima peticionados, que caso não seja dispensada a produção de prova testemunhal, que a Requerente seja notificada para indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas, que não seja suscetível de prova documental”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[6]

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     A Requerente iniciou a sua actividade em 3 de Janeiro de 1986, encontrando-se registada como sujeito passivo de IVA, do tipo misto com afectação real de todos os bens, para o exercício da actividade de transporte terrestres urbanos de passageiros, com o CAE 49310, e enquadrada no regime normal de periodicidade mensal desde 1 de Janeiro de 2005 (conforme indicado no doc. nº 7, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.2.     A Requerente é detida a 100% pela D…, S.A. (…) e tem por objeto social a realização de estudos e projetos de investigação e desenvolvimento de tecnologias relacionadas com a organização, gestão e exploração de sistemas e redes de transportes, bem como a promoção e realização de acções de formação profissional no âmbito das tecnologias de organização e gestão de redes e sistemas de transporte público rodoviário e a sua exploração (conforme indicado nos doc. nº 1, 2 e 7, anexados aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.3.     Adicionalmente, a Requerente pode ainda exercer as seguintes actividades (conforme indicado nos doc. nº 2 e 7, anexados aos autos com o pedido e processo administrativo):

a)       A gestão e exploração de transporte público interno ou internacional rodoviário colectivo de passageiros;

b)      A actividade de organização e venda de viagens turísticas, de reserva de serviços em empreendimentos turísticos de bilheteira e reserva de lugares em qualquer meio de transporte, de recepção, de transferência e assistência a turistas, bem como a representação de outras agências de viagens e turismo, nacionais ou estrangeiras ou de operadores turísticos estrangeiros e de intermediação na venda dos respetivos produtos;

c)       A actividade de aluguer de veículos sem condutor, rent a car;

d)      A gestão e exploração do estacionamento em áreas cobertas ou descobertas, como concessionária, subconcessionária ou mediante contrato de gestão com terceiros;

e)       A prestação de serviços de assessoria ou outros, em Portugal ou no estrangeiro, no âmbito das actividades desenvolvidas;

j)       A representação de equipamentos ou seus componentes que sejam directamente relacionados com o conjunto das actividades a desenvolver;

g)      A actividade de exploração de escolas de condução, incluindo o ensino de condução, promoção e realização de formação nesta área e na área de prevenção e segurança rodoviárias;

h)      A animação turística, incluindo a actividade de operador marítimo turístico.

5.2.4.     Para o desenvolvimento da actividade de formação, a Requerente tem uma Academia de Formação na qual desenvolve “projectos formativos e de consultoria para empresas cuja actividade está ligada ao transporte de passageiros e de mercadorias, contribuindo assim, para o crescimento dos conhecimentos, desenvolvimento de novas competências, motivação e valorização dos recursos humanos das empresas (…)”, sendo que a oferta formativa abrange iniciativas de formação em transportes, formação técnica/oficial e formação comportamental (conforme indicado no doc. nº 14, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.5.     A Requerente tem e tinha à data a que se reportam as liquidações (este facto não foi objecto de contestação por parte da Requerida), instalações em ... (propriedade da D…), onde desenvolvia a actividade formativa (academia de formação), nas quais se incluíam 6 salas de formação (equipadas com ar condicionado, videoprojector, computador, quadro branco e tela de projecção), auditório, refeitório e estacionamento (conforme indicado no doc. nº 16, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.6.     A Requerente, nos exercícios de 2008 e 2009, obteve resultados decorrentes da actividade de formação desenvolvida no montante de, respectivamente, EUR 912.420,63 e EUR 1.064.517,67 (conforme indicado no doc. nº 18, anexado aos autos com o pedido e não contestado pela Requerida, bem como processo administrativo).

5.2.7.     A Requerente renunciou à isenção de IVA incidente sobre as acções de formação que realiza (conforme indicado no doc. nº 7 anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.8.     A Requerente celebrou, em 1 de Junho de 2005 (com entrada em vigor na data de início da exploração), um protocolo escrito com a B… – … – E. M., válido pelo período de três anos, renovável automática e sucessivamente por iguais períodos (desde que não fosse denunciada por qualquer das partes mediante carta registada com aviso de recepção), tendo em vista a exploração conjunta do circuito turístico de … (exploração coordenada pela Requerente), no qual foram definidas obrigações para ambas as partes, bem como a forma de repartição dos lucros ou das perdas obtidas com a venda dos bilhetes (em partes iguais), conforme indicado no doc. nº 20, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo.

5.2.9.     A Requerente celebrou, em 31 de Agosto de 2008 (com entrada em vigor a 1 de Setembro de 2008), um protocolo por escrito com a C… – …, …, Unipessoal, Lda., válido pelo período de dois anos, renovável automática e sucessivamente por iguais períodos (desde que não fosse denunciada por qualquer das partes mediante carta registada com aviso de recepção), tendo em vista a exploração conjunta dos circuitos turísticos do … (exploração coordenada pela Requerente), no qual foram definidas obrigações para ambas as partes, bem como a forma de repartição dos lucros ou das perdas obtidas com a venda dos bilhetes (em partes iguais), conforme indicado no doc. nº 23, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo.

5.2.10.   A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito geral, efectuada relativamente aos exercícios de 2008 e 2009, em cumprimento das Ordens de Serviço Nº OI2012… e OI2012…, ambas de 22 de Novembro de 2011, com início em 29 de Fevereiro de 2012, tendo os actos inspectivos sido concluídos, após duas prorrogações, em 4 de Outubro de 2012 (conforme indicado no doc. nº 7, anexado aos autos com o pedido).

5.2.11.   Na sequência da acção inspectiva referida no ponto anterior, foram identificadas, as seguintes correcções aritméticas em sede de IVA, conforme indicado no doc. nº 7, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo (os valores estão expressos em Euros – EUR):

 

PERÍODO

IVA DEDUZIDO INDEVIDAMENTE

IVA NÃO LIQUIDADO

IVA INDEVIDAMENTE REGULARIZADO

IVA TOTAL PERÍODO

2008

18.309,44

4.933,57

0,00

23.243,01

2009

3.745,05

24.673,29

3.912,31

32.330,65

TOTAL

22.054,49

29.606,86

3.912,31

55.573,66

 

5.2.12.   Nas correções ariméticas acima referidas estavam incluídas as seguintes correcções em sede de IVA, objecto do pedido de pronúncia arbitral, no montante total de EUR 19.178,33 (conforme indicado no doc. nº 7, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo):

 

5.2.12.1.     IVA deduzido indevidamente, nos anos de 2008 e 2009, no montante de EUR 801,02 e EUR 3.545,94, respeitante a gastos com o refeitório;

5.2.12.2.     IVA deduzido indevidamente, no ano de 2008, no montante de EUR 2.006,00, respeitante a facturas emitidas por fornecedor intracomunitário (G…);

5.2.12.3.     IVA não liquidado, no ano de 2008, no montante de
EUR 1.107,89, respeitante ao protocolo “B… – …”;

5.2.12.4.     IVA não liquidado, no ano de 2009, no montante de
EUR 11.717,48, relativo ao protocolo “C… – …”.

 

5.2.13.   Em 14 de Novembro de 2012 (despacho de 12 de Novembro de 2012), a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, no qual se propunham, entre outras, as correcções acima apresentadas (conforme indicado no doc. nº 5, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.14.   A Requerente exerceu no dia 30 de Novembro de 2011 o seu direito de audição prévia, no qual manifestou a sua discordância face às correcções propostas no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária identificado no ponto anterior, solicitando a sua revisão (conforme indicado no doc. nº 6, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.15.   Em 7 de Dezembro de 2012 foi a Requerente notificada da versão final do Relatório de Inspecção, no qual se mantiveram as correcções objecto do pedido de pronúncia arbitral (acima identificadas no ponto 5.2.12.), conforme indicado no doc. nº 7, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo.

5.2.16.   Em consequência, a Requerente foi também notificada das seguintes demonstrações de IVA e de juros compensatórios (valores em Euros – EUR), conforme doc. nº 8, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo:

 

 

PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO

Nº DA LIQUIDAÇÃO

TIPO DE LIQUIDAÇÃO
E MONTANTE

IVA

JUROS

200801

222,06

-

-

42,71

200802

386,60

-

-

72,11

200803

228,07

-

-

41,74

200804

594,81

-

-

106,90

200805

3.381,41

-

-

596,98

200806

1.054,20

-

-

182,42

200807

563,43

-

-

95,64

200808

744,76

-

-

123,98

200809

475,37

-

-

77,52

200810

606,46

-

-

96,90

200811

1.826,82

-

-

285,28

200812

1.263,66

-

-

193,32

200901

148,13

-

200902

130,48

-

200903

1.775,23

-

-

254,08

200904

184,07

-

-

25,70

200905

2.053,79

-

-

280,44

200906

1.147,87

-

-

152,84

200907

1.800,32

-

-

233,60

200908

756,78

-

-

95,54

200909

1.244,01

-

-

153,10

200910

335,44

-

-

40,18

200911

3.215,31

-

-

373,86

200912

15.497,74

-

-

1.751,03

TOTAL

39.636,82

5.275,87

 

 

5.2.17.   A Requerente pagou os montantes identificados no ponto anterior, num total de EUR 44.912,15, em 15 de Fevereiro de 2013 (conforme indicado no doc. nº 9, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo), ou seja, dentro do prazo para pagamento voluntário (28 de Fevereiro de 2013).

5.2.18.   A Requerente apresentou reclamação graciosa relativa às correcções constante do Relatório de Inspecção Tributária (e, em consequência, relativa às liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral) em 26 de Junho de 2013 (conforme indicado no doc. nº 10, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.19.   Realizada a instrução do processo e apreciada a matéria controvertida, a Requerida efectuou, em 26 de Março de 2014, o projecto de decisão relativo à reclamação graciosa identificada no ponto anterior, o qual foi comunicado à Requerente, através de carta registada, em 15 de Abril de 2014, para exercer, por escrito, o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias (conforme indicado no doc. nº 11, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.20.   A Requerente exerceu o seu direito de audição relativo ao projecto de decisão respeitante à apreciação da reclamação graciosa em 5 de Maio de 2014, reiterando os argumentos defendidos (conforme indicado no doc. nº 11, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.21.   A Requerente foi notificada do Ofício nº …, de 30 de Maio de 2014, relativo ao deferimento parcial da reclamação graciosa acima identificada (nº …2013…), em conformidade com o despacho de 29 de Maio de 2014 (conforme indicado no doc. nº 11, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo), nos termos do qual se fundamentaram as seguintes correcções às liquidações em crise (valores em Euros – EUR):

 

LIQUIDAÇÃO

PERÍODO

MONTANTE INICIAL

MONTANTE ACEITE NA RG

A EXIGIR

200906

1.147,87

872,35

275,52

152,84

116,12

36,72

200912

15.497,74

7.578,25

7.919,49

1.751,03

855,37

895,66

TOTAL

18.549,48

9.422,09

9.127,39

 

5.2.22.   A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa nº …2013…, em 27 de Junho de 2014 (conforme indicado no doc. nº 12, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

5.2.23.   A Requerente foi notificada através do Ofício nº …, de 26 de Junho de 2015, remetido sob registo postal em 29 de Junho de 2015, para exercer, querendo, o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias relativo ao projecto de deferimento parcial do recurso hierárquico (conforme indicado no doc. nº 13, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo), direito que não foi exercido pela Requerente.

5.2.24.   A Requerente foi notificada do Ofício nº …, de 26 de Agosto de 2015, relativo ao deferimento parcial do recurso hierárquico acima identificado (nº …2014…), de acordo com o despacho de 14 de Agosto de 2015 (conforme indicado no doc. nº 13, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo), nos termos do qual se entende que “assiste razão à Recorrente, quanto ao IVA não liquidado (outros circuitos turísticos), razão pela qual (…)” se manda proceder à anulação de parte das correcções de IVA, no montante de EUR 3.825,68 e EUR 4.115,84, relativas aos anos e 2008 e 2009, e correspondentes juros compensatórios.

 

5.3.    Para além da factualidade descrita relativa ao factos provados, inerentes à caracterização da Requerente e da actividade desenvolvida (pontos 5.2.1. a 5.2.10. bem como respeitantes ao processo inspectivo e tributário (pontos 5.2.11. a 5.2.24.), supra), com base na documentação anexada ao processo, dão-se também como provados os factos que a seguir se descrevem, com base na documentação anexada (sempre que aplicável) e no depoimento das testemunhas (H…, I…, J…, K… e L…) arroladas pela Requerente e ouvidas pelo Tribunal Arbitral, a 21 de Abril de 2016, quanto aos factos previamente indicados pela Requerente:

 

5.3.1.     O refeitório instalado na Academia de Formação contribuía para a melhoria no funcionamento das formações que aí decorriam, porquanto facilitava a satisfação das necessidades básicas de alimentação e convívio dos formandos e dos formadores;

5.3.2.     A Requerente, no âmbito de “avença” celebrada com a E… – …, Lda. (conforme proposta de “equipamento – refeitório ...”, datada de 10 de Setembro de 2004, cujas condições foram alteradas em reunião havida em 13 de Setembro de 2004), registou em 2008 quatro facturas respeitantes a “avença de equipamento e palamenta”, no montante mensal de EUR 914,22, (EUR 1.106,21, IVA incluído), relativas aos meses de Janeiro a Abril de 2008 (conforme indicado no doc. nº 17, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo), no valor total de EUR 3.656,88 (EUR 4.424,44, IVA incluído).[7]

5.3.3.     A Requerente desenvolveu uma estratégia comercial com o objectivo de se vir a afirmar como o operador de referência nos circuitos turísticos em autocarro panorâmico, quer no mercado nacional, quer no mercado e internacional, tendo para o efeito, em termos nacionais, celebrado diversas parcerias com operadores locais [nomeadamente, no caso em análise, com a B… (…) e com a C… (…), em conformidade com o exposto nos pontos 5.2.8. e 5.2.9., supra.

5.3.4.     Em resultado dessas parcerias, a Requerente assumiu-se como o principal operador de circuitos turísticos em Portugal, estando presente em 6 cidades nacionais (…, …, …, …, … e … (conforme indicado no doc. nº 21, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo)

5.3.5.     A Requerente, face aos resultados negativos obtidos, em 2008, na pareceria celebrada com a B… (circuito turístico de …), acordou verbalmente com os responsáveis desta entidade que esses resultados negativos seriam suportados integralmente pela Requerente [contrariamente ao disposto na cláusula 5º do protocolo celebrado (ponto 5.2.8.)], de modo a não comprometer a manutenção da pareceria comercial na exploração daquele circuito turístico, factor estratégico para a Requerente.

5.3.6.     O acordo verbal descrito no ponto anterior não foi reduzido a escrito.

5.3.7.     Em consequência desse acordo verbal, a Requerente (entidade coordenadora da parceria comercial) assumiu integralmente, em 2008, o resultado negativo da exploração conjunta com a B… respeitante ao circuito turístico de …, no montante de EUR 11.078,43, não tendo sido emitida qualquer factura à B… quanto a 50% deste valor, dado que o critério de imputação previamente estabelecido havia sido alterado, nos termos descritos nos pontos 5.3.5. e 5.3.6., supra.

5.3.8.     A Requerente, face aos resultados negativos obtidos, em 2009, na pareceria celebrada com a C… (circuito turístico do …), acordou verbalmente com os responsáveis desta entidade que esses resultados negativos seriam suportados integralmente pela Requerente (contrariamente ao disposto na cláusula 5º do protocolo celebrado (ponto 5.2.9.), de modo a não comprometer a manutenção da pareceria comercial na exploração daquele circuito turístico, factor estratégico para a Requerente.

5.3.9.     O acordo verbal descrito no ponto anterior não foi reduzido a escrito.

5.3.10.   Em consequência desse acordo verbal, a Requerente (entidade coordenadora da parceria comercial) assumiu integralmente, em 2009, o resultado negativo da exploração conjunta com a C… respeitante ao circuito turístico do …, no montante de EUR 117.174,84, não tendo sido emitida qualquer factura à C… quanto a 50% deste valor, dado que o critério de imputação previamente estabelecido havia sido alterado, nos termos descritos nos pontos 5.3.8. e 5.3.9., supra.

5.3.11.   Tendo em consideração o método de amortizações adoptado quanto à depreciação dos autocarros utilizados pela Requerente (e que conduzia a uma excessiva redução dos proveitos), esta preparou, internamente, em Março/2011, uma proposta de alteração da metodologia adoptada em matéria de amortizações praticadas e imputadas a ambas as partes, no âmbito das parcerias celebradas para exploração de circuitos turísticos, aumentando o período de vida útil dos autocarros utilizados no circuito turístico do … para doze anos (com efeitos a partir do exercício de 2009) e alargando a aplicação destes procedimentos às parcerias, da mesma natureza, já existentes, tendo aprovado a referida proposta de alterações, internamente, em Abril/2011 (conforme indicado no doc. nº 27, anexado aos autos com o pedido e processo administrativo).

 

5.4.    Analisado todo o processo, não foi obtida evidência das seguintes facturas, emitidas pela E… (em 2008) e pela M… (em 2009), mencionadas no Relatório de Inspecção Tributária e não contestadas pela Requerente quanto à sua existência:

 

ENTIDADE

FACTURA

DATA

VALOR SEM IVA

VALOR DO IVA

VALOR TOTAL

E…

69472

31-01-2008

96,39

11,57

107,96

70215

28-02-2008

87,21

10,47

97,68

71518

31-03-2008

91,80

11,02

102,82

TOTAL E… (2008)

275,40

33,06

308,46

M…

14913

3-03-2009

8.184,64

1.636,93

9.821,57

14914

9.545,05

1.909,01

11.454,06

TOTAL M… (2009)

17.729,69

3.545,94

21.275,63

 

 

5.5.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.6.    Dos factos não provados

 

5.7.    Não ficou provado que a Requerente tenha omitido proveitos nas parcerias celebradas com a B… e com a C…, respectivamente, no ano de 2008 e 2009, tendo em consideração os factos acima dados como provados nos pontos 5.2.8., 5.3.5. a 5.3.7. (pareceria com a B…) e 5.2.9., 5.3.8. a 5.3.10. (parceria com a C…).

 

5.8.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, entende o Tribunal Arbitral que há duas questões essenciais a decidir, e que a seguir se identificam:

 

6.1.1.     Determinar se as correcções em sede de IVA que deram origem às liquidações de IVA objecto do pedido de pronúncia arbitral, efectuadas em Agosto de 2015, e relativas aos períodos de tributação de 2008 e 2009, enfermam ou não de ilegalidade e, em consequência, determinar se deverão as mesmas ser anuladas;

6.1.2.     Aferir se decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico interposto (da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta relativamente às liquidações de IVA já identificadas) deverá ou não ser também anulada com base na ilegalidade da mesma.

 

Questão do Reenvio Prejudicial

 

6.2.    Para decisão das duas questões acima enunciadas importará ainda, aferir se a interpretação dos normativos aplicáveis, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Requerida (e ractificada pela decisão proferida no Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente, e cujo teor esta também pretende sindicar com o pedido) viola ou não o disposto na 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro e, em consequência, aferir se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos sugeridos pela Requerente.

 

6.3.    Com efeito, refira-se que, não obstante a Requerente entender que “o Tribunal Arbitral estará capaz de decidir em conformidade com a lei aplicável, nacional e comunitária, bem como com os princípios do sistema do IVA, não sendo necessário o reenvio ao TJUE de qualquer questão a título prejudicial”, veio formular no pedido apresentado que “caso este Tribunal entenda que subsistem dúvidas quanto à interpretação das regras (…) mencionadas à luz do Direito Comunitário, tem este Tribunal o dever de submeter as devidas questões ao TJUE” tendo, para este efeito, e em caso de dúvida, elencado as questões que pretende que sejam submetidas àquela entidade (sublinhado nosso):

 

6.3.1.     "É admissível a interpretação do artigo 168º, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao Sistema Comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (Diretiva do IVA), no sentido de excluir o direito à dedução do IVA suportado por um sujeito passivo de IVA com o equipamento de um refeitório por si utilizado para efeitos de angariação e prossecução de actividade de formação tributáveis em sede deste imposto, com base nos argumentos de que tais formações não se relacionam [com] uma atividade culinária e que o referido sujeito passivo já paga um subsídio de refeição aos seus colaboradores?”

6.3.2.     “O facto de um sujeito passivo de IVA, no decurso da sua atividade e seguindo racionais económicos de gestão, ter decidido suportar na integra num determinado período de tributação os resultados negativos de exploração de circuitos turísticos que havia organizado em parceria com outros agentes económicos (não faturando a estes no imediato a parte desses resultados negativos que lhes caberia) pode ser encarada como uma operação sobre o qual um imposto geral sobre o consumo, como é o caso do IVA, pode incidir, à luz do disposto no artigo 1º, nº 2, da Diretiva do IVA?

6.3.3.     “Em caso de resposta positiva à questão anterior, tal decisão do sujeito passivo constitui uma operação tributável em sede de IVA de que natureza: uma transmissão de bens, em conformidade com o artigo 14º, nº 1, da Diretiva do IVA, ou uma prestação de serviços, segundo o previsto no artigo 24º, nº 1 da Diretiva do IVA?

 

6.4.    A questão respeitante à decisão do reenvio prejudicial (vide ponto 6.2., supra), por razões de economia na exposição e fundamentação da presente decisão arbitral, não será tratada a título prévio, seguindo-se assim a mesma ordem de exposição adoptada pela Requerente no seu pedido arbitral.

 

DAS CORRECÇÕES OBJECTO DE CONTESTAÇÃO

 

Gastos com refeitório (períodos de tributação de 2008 e 2009)

 

6.5.    Como acima vimos, uma das correcções que resultaram do Relatório da Inspecção Tributária, efectuada aos exercício de 2008 e 2009, diz respeito à regularização das “deduções de IVA realizadas pela Requerente”, naqueles períodos de tributação, nos montantes de
EUR 801,02 e EUR 3.545,94.

 

6.6.    Com efeito, no referido Relatório, a Requerida sustenta a correcção acima identificada com base nos seguintes argumentos:

 

a)             Uma vez que o edifício da sede da Peticionante pertence à D…, deveria ser esta a suportar e a deduzir o IVA relativo a avença mensal paga a E…;

b)             A dedutibilidade do IVA depende deste imposto incidir sobre bens ou serviços adquiridos que contribuam para a realização de transmissões de bens ou prestações de serviços;

c)             Não é compreensível que a existência de um refeitório contribua para o aumento da procura de ações de formação, sobretudo atendendo a que as mesmas têm por objeto o desenvolvimento profissional, informática, condução defensiva e afins;

d)             Uma vez que a Peticionante já paga subsídio de refeição aos seus colaboradores, não necessita de ter um refeitório a funcionar;

e)             Os proveitos associados à exploração do refeitório (…) não estão refletidos na contabilidade da Peticionante”.

 

6.7.    O entendimento descrito no ponto anterior foi mantido, quer em sede de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta da liquidação de imposto (conforme doc. nº 11 anexado com o pedido e processo administrativo), quer em matéria de decisão que recaiu sobre recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da referida reclamação graciosa (conforme doc. nº 13 anexado com o pedido e processo administrativo).

 

6.8.    Contudo, a Requerente no pedido de pronúncia arbitral reitera que “não pode concordar com esta correcção”, porquanto “o custo com a avença aqui em causa contribui para a realização da atividade da Peticionante (sujeita a imposto), de duas formas distintas: (i) é imprescindível à [realização] dos serviços de formação prestados pela Peticionante e (ii) é imprescindível para o bem-estar da sua força de trabalho”, acrescentando ainda a Requerente que a actividade de formação está destacada no seu objecto social e que “para exercer essa atividade formativa, a Peticionante entendeu que seria muito importante poder contar com um refeitório plenamente equipado, em moldes tais que pudesse ser utilizado por formadores e formandos no decurso das ações de formação” (sublinhado nosso).

 

6.9.    Nesta matéria, será pois fundamental determinarmos se a existência das instalações do refeitório e os custos associados ao seu funcionamento contribuem ou não para a realização de prestações de serviços tributados [como é o caso das acções de formação desenvolvidas pela Requerente, as quais de acordo com a informação disponibilizada por esta e não contestada pela Requerida, geraram, em 2008 e 2009, “resultados de € 912.420,63 e de € 1.064.517,67, respetivamente (…)]”.[8][9][10]

 

Do direito à dedução em sede de IVA

 

6.10.  Como refere Clotilde Celorico Palma, “(…) o IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto indirecto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através do método indirecto”, sendo que “(…) é um imposto, que incide sobre todo as fases do processo produtivo do produtor ao retalhista, através do chamado método subtractivo indirecto, das facturas do crédito de imposto ou sistema de pagamentos fraccionados”.[11] [12]

 

6.11.  Ainda segunda a mesma autora, “(…) o IVA a operar através deste método nas diversas fases da cadeia de produção e comercialização dos bens e serviços, vai incidir apenas sobre o valor acrescentado em cada uma, sendo o preço final do bem equivalente à soma dos valores acrescentados (…)”, sendo o consumidor final que suporta economicamente o IVA, embora não seja sujeito passivo do imposto.

 

6.12.  Através deste método pretende-se salvaguardar a neutralidade do imposto, sendo que para o efeito o mecanismo de dedução se revela imprescindível, libertando os operadores económicos do ónus do IVA no âmbito das suas actividades.

 

6.13.  O direito à dedução tem como pressuposto, que a entidade que suporta o IVA nas respectivas aquisições a montante irá realizar, a jusante, operações tributadas ou operações isentas que conferem o direito à dedução.

 

6.14.  Assim, o sujeito passivo, actuando como tal, pode deduzir nos seus outputs (vendas bens ou serviços com IVA) o IVA suportado nos seus inputs (compra de bens ou aquisições de serviços com IVA a outros sujeitos passivos).

 

6.15.  Neste âmbito, será oportuno recordar que, tal como se encontra concebido o sistema do IVA, assente no princípio da neutralidade (Directiva Comunitária 77/388/CEE, reformulada pela Directiva Comunitária 2006/112/CE), o direito à dedução tem como pressuposto que a entidade que o suporta nas respectivas aquisições ou importações realiza, por sua vez, a jusante, operações tributadas ou operações isentas que conferem direito à dedução.

 

6.16.  Querendo isto dizer que, a possibilidade de dedução do IVA suportado a montante, por um sujeito passivo, está dependente do tipo de operações activas que esse sujeito passivo pratica na sua actividade, sendo ainda necessário uma relação directa e imediata entre uma operação a montante e uma ou várias operações a jusante, que confiram direito à dedução. [13]

 

6.17.  De facto, já no artigo 2º da Directiva 67/227/CEE, de 11 de Abril (Primeira Directiva do Conselho), relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios [entretanto substituída pela Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro (Directiva IVA)], dispunha-se que o princípio do sistema comum de IVA “consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação” e assim “em cada transacção, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” (sublinhado nosso).

 

6.18.  Sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a matéria referente às deduções encontra-se, actualmente, regulada essencialmente nos artigos 167º a 192º da Directiva 2006/112/CE, de 26 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA, sendo que “quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor (…)”, nomeadamente, “o IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo” (sublinhado nosso).[14]

 

6.19.  No Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) [aprovado pelo
Decreto-Lei nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, através do qual se procedeu à transposição para o direito interno da Sexta Directiva do Conselho (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio)], são regulados os requisitos subjectivos, objectivos, formais e temporais para o exercício do direito à dedução. [15]

 

6.20.  Assim, apenas podem deduzir o imposto os sujeitos passivos de IVA, que não beneficiem exclusivamente de isenções incompletas [cf. artigo 14º do Código do IVA e do RITI, artigo 19º, nº 1, alínea b), I, do Código do IVA, artigo 19º, nº 2, do RITI e artigos 9º, 53º e 20º, n.º 1, do Código do IVA], sendo que os sujeitos passivos mistos, que praticam em simultâneo actividades que conferem e que não conferem direito à dedução, têm direito a deduzir o imposto que diz respeito às operações não isentas e os sujeitos passivos integrais, a deduzir todo o imposto que onerou as suas operações a montante.

 

6.21.  Nestes termos, o direito à dedução é, portanto, um elemento central no IVA, estando o seu exercício dependente da verificação cumulativa, como vimos, de requisitos objetivos (relacionados com o tipo de despesa), requisitos subjetivos (atinentes ao sujeito passivo) e requisitos formais.

 

6.22.  Em função das isenções de que beneficiem, os sujeitos passivos do imposto podem ter direito à dedução integral ou parcial, ou não terem direito à dedução de todo, tendo em conta o cumprimento de determinados requisitos objectivos e formais.

 

6.23.  No que diz respeito aos requisitos objectivos, para que possa haver lugar à dedução, a despesa deve ser dedutível (não podendo encontrar-se excluída nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1, do Código do IVA), sendo passível de dedução o imposto previsto no artigo 19º, nº 1, do Código do IVA (e no artigo 19º, nos 1 e 2, do RITI).

 

6.24.  Assim, só conferem o direito à dedução as operações (não isentas ou que beneficiem de isenção completa) previstas no artigo 20º do Código do IVA, devendo os bens e serviços em causa estar directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo. [16]

 

6.25.  Por outro lado, e como requisito formal do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 19º, nº 2, do Código do IVA, o imposto deve encontrar-se mencionado em factura ou documento equivalente, passados na forma legal, considerando-se passadas em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previsto no artigo 36º do Código do IVA (ex vi artigo 19º, nº 6 do Código do IVA), ou no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos, por via electrónica, pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.[17]

 

6.26.  No que diz respeito ao direito à dedução, este direito nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º do Código do IVA (por transposição do artigo 17º, nº 1 da Sexta Directiva, actual artigo 167º da Directiva 2006/112/CE), devendo a referida dedução ser efectuada, sem prejuízo do disposto no artigo 78º do Código do IVA (Regularizações), na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA, sendo que, quando a recepção destes documentos tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se (se ainda for possível), no período de declaração em que aquela emissão teve lugar (cf. números 1, 2 e 3 do artigo 22º do Código do IVA).[18]

 

6.27.  A dedução do imposto pode operar-se através de diferentes métodos (subtractivo indirecto, do reporte ou do reembolso), sendo que se opera:

 

6.27.1.   Através do método subtractivo indirecto quando ao imposto liquidado durante determinado período se deduz o valor suportado no mesmo período (cf. artigo 22º, nº 1 do Código do IVA);

6.27.2.   Através de reporte, quando o imposto em excesso é reportado para o período de tributação seguinte (cf. artigo 22º, nº 4 do Código do IVA) e,

6.27.3.   Através do reembolso (cf. artigo 22º, nºs 5 e 6 do Código do IVA), nomeadamente, quando passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a
EUR 250,00 ou quando se verifique a cessação de actividade ou passagem para uma situação de prática exclusiva de operações isentas sem direito à dedução, ou para o regime especial de isenção ou regime especial de pequenos retalhistas desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a EUR 25,00 ou quando o crédito a seu favor exceder EUR 3.000,00.

 

6.28.  Em matéria de jurisprudência, quer a nível nacional, quer a nível da UE, tem sido emitido um grande número de Acórdãos sobre questões relacionadas com o IVA, nomeadamente, pelo TJUE, revelando-se da maior importância a clarificação que dos seus Acórdãos resulta quanto à interpretação das normas de direito comunitário, nomeadamente:

 

6.28.1.   Que o direito à dedução é um instrumento de realização da neutralidade do imposto, através do qual se visa libertar inteiramente os empresários (sujeitos passivos) do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas (sublinhado nosso);[19]

6.28.2.   Que o direito à dedução, enquanto elemento indissociável do mecanismo do imposto, é apenas susceptível de ser limitado nos casos expressamente previstos na Sexta Directiva (actualmente Directiva IVA) (sublinhado nosso).[20]

 

6.29.  Com efeito, de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal (sublinhado nosso):

 

6.29.1.   Na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante;

6.29.2.   E porque as limitações ao direito à dedução devem ser aplicadas de modo similar em todos os Estados-Membros, só são autorizadas excepções nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva (actualmente Directiva IVA).[21]

 

6.30.  Consequentemente, qualquer norma ou prática administrativa que imponha uma restrição geral ao direito de deduzir quando existir uma utilização para fins empresariais ou profissionais dos bens ou serviços adquiridos constitui uma violação inadmissível ao artigo 17º da Sexta Directiva (artigos 167º a 170º da Directiva IVA).[22]

 

6.31.  Neste âmbito, a propósito do direito à dedução do IVA a jurisprudência do STA tem vindo a entender que é de admitir a dedutibilidade dos custos que revelem um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, sendo que em Acórdão proferido em 3/07/2013 foi considerado que “o Código do IVA resulta da transposição para a ordem jurídica interna de diversas Directivas comunitárias referentes à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária”, sendo que quanto ao direito de dedução, “a jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE) vem afirmando que o direito à dedução previsto nos artigos 17º a 20º da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio ser limitado (…)” (sublinhado nosso).

 

6.32.  Assim, para que o IVA seja dedutível, as operações efetuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução e pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com o direito a dedução.[23]

 

6.33.  Resulta ainda claro da jurisprudência do TJUE que embora os Estados-Membros tenham a faculdade de adoptar medidas (ao abrigo do artigo 22º, nº 8, da Sexta Directiva), para assegurarem a cobrança correcta do imposto e evitarem a fraude, não devem ir para além do que é necessário para atingir tais objectivos (princípio da proporcionalidade), as referidas medidas não podem ser utilizadas por forma a porem sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, dado que este direito constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, posto em prática pela legislação comunitária na matéria.[24]

 

6.34.  No que diz respeito aos requisitos subjectivos do direito à dedução, o TJUE esclarece que, na acepção do artigo 4º da Sexta Directiva, sendo a aquisição de bens por um sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do regime do IVA e, consequentemente, do mecanismo da dedução, a questão de se determinar se um sujeito passivo, no caso concreto, adquiriu bens para os fins das suas actividades económicas (na acepção do referido artigo 4º) constitui uma questão de facto cuja apreciação deve ter em conta o conjunto dos dados subjacentes no caso real, designadamente, a natureza dos bens/serviços em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respectiva utilização no âmbito das actividades económicas do sujeito passivo.[25][26][27]

 

6.35.  No que diz respeito à relação directa e imediata com as operações tributadas, o TJUE declarou que o nº 2 do artigo 17º da Sexta Directiva deve ser interpretado à luz do disposto no nº 5 do mesmo artigo, que estabelece o regime aplicável ao direito a dedução de IVA quando este se refere a bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo “não só para operações com direito à dedução (…), como para operações sem direito a dedução”, sendo que nesta disposição, o uso da expressão “utilizados para” demonstra que, para conferirem direito à dedução prevista no nº 2, os bens ou serviços em causa devem apresentar uma relação directa e imediata com as operações sujeitas a imposto e que, para este efeito, o objectivo final prosseguido pelo sujeito passivo é indiferente.[28]

 

6.36.  Por outro lado, as despesas incorridas devem fazer parte dos custos das operações a jusante que utilizam os bens e serviços adquiridos, razão pela qual estes elementos do custo devem normalmente ter surgido antes de o sujeito passivo ter efectuado as operações tributadas com as quais se relacionam, devendo tal facto ser demonstrado pelo sujeito passivo através de elementos objectivos.[29]

 

6.37.  Em resumo, a propósito da jurisprudência do TJUE sobre o direito à dedução em sede de IVA ressalta desde logo a importância dada ao mesmo no contexto do mecanismo do imposto, sendo que a circunstância de este direito ser tomado como o alicerce do princípio da neutralidade justifica que não seja toleradas quaisquer excepções ou limitações nos direitos nacionais dos Estados-Membros que não se encontrem expressamente previstas nas directivas comunitárias, maxime na Sexta Directiva do Conselho (recentemente substituída pela Directiva IVA, conforme acima já referido), porquanto a introdução de novas restrições não expressamente autorizadas a este direito comportaria necessariamente a introdução de distorções no mecanismo do próprio imposto que importará, todo o custo, evitar.

 

6.38.  Com efeito, e mesmo nas circunstâncias mais sensíveis, o TJUE relembra a necessidade de respeito pelos princípios gerais de direito (como o da proporcionalidade, o da segurança jurídica e o da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), princípios esses que importa ter presentes mais do que nunca, estando reservado aos Tribunais nacionais o papel de evitar que, num contexto de crise económica, venham os mesmos a ser comprometidos por qualquer pressão motivada pela necessidade de obtenção de receitas fiscais provenientes dos impostos, nomeadamente, do IVA.

 

6.39.  Nestes termos, e não obstante a importância da jurisprudência do TJUE na interpretação dos conceitos de direito comunitário relevantes, importa não esquecer que aos Tribunais nacionais é reservado um papel da maior importância num percurso que há ainda que trilhar.

 

6.40.  Neste âmbito, saber se um sujeito passivo (no caso concreto), (i) adquiriu bens ou serviços para os fins das suas actividades económicas, (ii) se os factos confirmam a existência de elementos objectivos de uma actividade económica que justifique o direito à dedução, (iii) se existe uma relação directa e imediata entre despesas e a actividade económica dos operadores, (iv) se as despesas realizadas fazem parte dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas actividades económicas do sujeito passivo ou ainda (v) confirmar a (in)existência de uma intenção fraudulenta ou abusiva são, entre outros, conceitos que cabe ao aplicador do direito nacional densificar perante a riqueza das situações concretas com as quais vai sendo confrontado.

 

6.41.  Ora, conforme acima foi referido no ponto 6.18., para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, devendo os bens e serviços em causa estar directamente relacionados com a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo (vide pontos 6.31. e 6.32., supra).

 

6.42.  Por outro lado, e conforme acima referido no ponto 6.26., no que diz respeito à necessidade de relação directa e imediata com as operações tributadas, como vimos, de acordo com o entendimento do TJUE, o nº 2 do artigo 17º da Sexta Directiva deve ser interpretado à luz do nº 5 do mesmo artigo, pelo que em matéria de regime aplicável ao direito a dedução de IVA (quando este se refere a bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo) os bens ou serviços em causa devem apresentar uma relação directa e imediata com as operações sujeitas a imposto.

 

6.43.  Não obstante, entende a jurisprudência do TJCE admitir “o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo”.[30]

 

6.44.  Assim, retomando os argumentos invocados pela Requerente para não concordar com a correcção efectuada pela Requerida quanto à alegada dedução indevida do IVA suportado nas facturas emitidas pela E… e pela M… relativas à locação de equipamentos do refeitório, com respeito aos anos de 2008 e 2009, no montante total de, respectivamente, EUR 801,02 e EUR 3.545,94, será necessário aferir se a Requerente conseguiu ou não demonstrar (em matéria de prova documental e de prova testemunhal) essa relação directa e imediata desses gastos com a prática das acções de formação promovidas pela Requerente, enquanto operações tributáveis em sede de IVA (tendo em consideração a renúncia à isenção incidente sobre as acções de formação que efectuou), de modo a legitimar a dedução do IVA incidente sobre as referidas facturas.

 

6.45.  Neste âmbito, recorde-se uma vez mais a posição da Requerida:

 

6.45.1.   No Relatório de Inspecção Tributária emitido relativamente aos anos de 2008 e 2009, nos termos do qual concluiu que “encontrando-se o refeitório em exploração apenas, desde Outubro de 2011 (…), não havendo evidência de qualquer aquisição de equipamento social (…) e pertencendo as instalações (…) à empresa mãe a D… (…)”, “(…) o IVA suportado nas facturas emitidas (…) referente às avenças mensais de equipamento, deveriam constituir imposto a suportar e a deduzir pela empresa mãe e, não pela A…”, pelo que “(…) o IVA deduzido pelo sujeito passivo não era devido (…) por respeitar a prestações de serviços que não tiveram retorno ou qualquer contrapartida (…)” (sublinhado nosso);

6.45.2.   Na resposta apresentada, na qual reitera os argumentos vertidos no Relatório de Inspecção Tributária acima identificado, acrescentando que “(…) não basta à Requerente alegar que se tratam de gastos imprescindíveis aos serviços de formação prestados e ao bem-estar da sua força de trabalho, quando resultou provado em sede inspetiva que o refeitório não foi sequer utilizado no ano de 2008 (nem por formadores ou formandos, em apoio à realização de ações de formação, nem para efeitos de reforço de laços de convivência profissional, social ou pessoal dos funcionários da Requerente)” e “o refeitório é usado tanto por funcionários da Requerente como por funcionários da empresa-mãe (D…), que é a proprietária das instalações (o que não é posto em causa pela Requerente)” (sublinhado nosso).

 

6.46.  Por outro lado, tendo em consideração os factos dados como provados no Capítulo 5 deste decisão, com base na documentação anexada ao pedido, bem como na prova testemunhal arrolada pela Requerente e oportunamente ouvida na reunião realizada no CAAD a 21 de Abril de 2016, torna-se aqui oportuno trazer os seus testemunhos à colação, de modo a suportar a posição assumida pelo Tribunal.

 

6.47.  Na verdade, conforme diz Antunes Varela no seu Manual de Processo Civil, “a prova testemunhal é considerada, sob vários aspectos, a prova mais importante de entre aquelas que são admitidas por lei”, sendo que vigora no processo tributário português o princípio da livre apreciação da prova. [31] [32]

 

6.48.  Neste âmbito, refira-se que dos depoimentos prestados pelas testemunhas (H…, I… e J…), relativamente aos pontos apresentados para inquirição pela Requerente (e objecto de contra-interrogatório, pela Requerida, durante a referida inquirição), respeitante á questão da dedução indevida de IVA nos gastos com o refeitório, nos anos de 2008 e 2009, resultou para este Tribunal a convicção da prova dos seguintes factos:[33]

 

6.48.1.   Os equipamentos do refeitório foram adquiridos por contrato de locação, aos fornecedores M… e E…, no caso deste, pelo período de 3 anos e deveriam continuar a ser pagos durante o período de encerramento, para obras, do espaço do refeitório;

6.48.2.   A Requerente enquanto usuária do espaço deveria continuar a suportar as despesas mensalmente debitadas pela E…;

6.48.3.   As instalações do refeitório eram frequentadas, quer por colaboradores da Requerente, quer por formandos (incluindo motoristas da D… em formação) e formadores das acções de formação promovidas pela Requerente, tendo em conta que na zona onde se situam as mesmas (...) “não há grande oferta em matéria de restauração”;

6.48.4.   Ainda que o “focus” da Requerente fosse na actividade desenvolvida, nomeadamente, na formação, por razões de optimização da oferta, não só da formativa mas também daquela que disponibilizava aos seus funcionários (não obstante estes usufruírem de subsídio de refeição, era prática comum a todas as empresas do ramo terem refeitório), “nem se colocou a questão de não ter refeitório” o qual era encarado pelos clientes externos das formações promovidas pela Requerente como “um factor distintivo” do serviço de formação prestado.

 

6.49.  Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto no ponto anterior (6.48.), bem como nos pontos 6.5. a 6.43., refira-se que entendimento coerente com a jurisprudência já citada é o de se considerar que todos os serviços adquiridos a montante que revelem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, conferem ao sujeito passivo o direito a deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante de bens ou serviços conexos com essas operações, não podendo este direito à dedução ser limitado (segundo o entendimento do TJUE), desde que se cumpram os pressupostos acima já referidos.[34]

 

6.50.  Esta orientação foi adoptada pelo TJUE, no Acórdão proferido em 6 de Setembro de 2012 (no âmbito do caso C-496/11), onde se afirma que “para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução”, sendo que “(…) o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (…). Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo” (sublinhado nosso).[35]

 

6.51.  Adicionalmente, para avaliar a existência do “nexo directo e imediato” a que o TJUE se reporta, como condição de aplicação do disposto no nº 2 do artigo 17º da Sexta Directiva, não devem ser considerados argumentos de “natureza meramente formal”, o que, na expressão usada pelo próprio TJUE se afigura “manifestamente ilegal, porquanto este não integra os pressupostos de que a Sexta Directiva, o Código do IVA e o próprio Tribunal fazem depender o exercício do direito à dedução.[36]

 

6.52.  Tal entendimento jurisprudencial é ainda corroborado em diversos Acórdãos do TJUE, designadamente, o Acórdão PARAT3, nos termos do qual “o princípio do direito a dedução do IVA é mitigado pela disposição derrogatória que figura no segundo parágrafo do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva”, ao abrigo do qual “os Estados-Membros são autorizados a manter as suas legislações existentes, em matéria de exclusão do direito a dedução do IVA, na data da entrada em vigor da  referida directiva, até ao momento em que o Conselho determine as despesas que não dão lugar a esse direito”.[37][38]

 

6.53.  Assim, neste âmbito, será de concluir, em conformidade com a citada jurisprudência europeia do TJUE, seguida pelo STA, que o disposto no artigo 17°, n°2, da Sexta Directiva confere aos sujeitos passivos direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma legislação nacional incompatível com essa disposição.[39]

 

6.54.  Face ao acima exposto, tendo sido considerada como provada a importância do refeitório para o desenvolvimento da actividade formativa exercida pela Requerente, ou seja, para a promoção comercial de operações tributáveis (tendo em consideração o facto da Requerente ter renunciado à isenção aplicável a operações daquela natureza), incluídas no seu objecto social, bem como tendo em consideração a interpretação que deverá ser efectuada quanto aos requisitos objectivos, subjectivos e formais inerente ao direito à dedução, afigura-se legítima a dedução do IVA incluído nas facturas da locação dos equipamentos/avenças existentes, no ano de 2008 e 2009, relativas ao referido refeitório, sendo por isso de considerar ilegais as respectivas liquidações de imposto, no montante de, respectivamente, EUR 801,02 e de
EUR 3.545,94, bem como as liquidações de juros.

 

Do IVA não liquidado na Exploração do Circuito de … (período de tributação de 2008)

 

6.55.  Outra das correcções que resultaram da Inspecção Tributária, efectuada em relação aos períodos de tributação de 2008 e 2009, diz respeito ao facto de, em 2008, “os resultados positivos e negativos gerados pela operação circuitos turísticos na cidade de … (…)” não terem sido “(…) repartidos em partes iguais (…) em conformidade com a Cláusula 5ª” do protocolo assinado, em 1 de Junho de 2005, entre a Requerente e a B… – … – EM, tendo daí resultado, segundo a Requerida, um “incumprimento do protocolo assinado com a B… (…)” e “uma omissão de proveitos no montante de € 5.539,43” [cuja quantificação e correcção, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) não é objecto deste procedimento arbitral], com a consequente alegada não liquidação de IVA, no valor de EUR 1.107,89, correcção com a qual a Requerente não concorda.

 

6.56.  Com efeito, defende a Requerida que, em 2008, “a decisão da gerência em não facturar ao parceiro comercial, a quota-parte nos prejuízos, implicou a assunção de custos (…), para a A…, em duplicado, que subsume-se ao facto desses custos não terem sido repartidos em partes iguais pelas duas entidades”.

 

6.57.  Assim, segundo a Requerida, do procedimento acima descrito “resultou um incumprimento do protocolo (…)” assinado ente ambas as parte, “com a consequente omissão de rendimentos (…)”, aspecto relevante para efeitos de IRC, (não objecto do pedido) mas também para efeitos de IVA, tendo em consideração (sublinhado nosso):

 

6.57.1.   Não só o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1º do Código do IVA (“as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, encontram-se sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado”);

6.57.2.   Bem como o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do mesmo diploma [“são sujeitos passivos do imposto (…) as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços (…)]”,

 

pelo que, entende a Requerida que “a A… preenche os requisitos de incidência de imposto em sede de IVA, tanto subjectivos (…) como objectivos (…) não tendo procedido ao cálculo do imposto que deveria ter incidido sobre as operações activas descritas (...) no montante de € 1.107,89”.

 

6.58.  O entendimento descrito nos pontos anteriores foi mantido, quer em sede de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta da liquidação de imposto (conforme doc. nº 11 anexo com o pedido e processo administrativo), quer em matéria de decisão do recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da referida reclamação graciosa (conforme doc. nº 13 anexado com o pedido e processo administrativo).

 

6.59.  Também na resposta apresentada, a Requerida veio defender, nesta matéria que “a imputação à empresa associada dos resultados negativos da exploração do circuito de … constitui uma prestação de serviços para efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 4.° do Código do IVA, estando, como tal, sujeita a tributação”, porquanto, “de acordo com esta norma, o conceito de prestação de serviço tem um carater residual, abrangendo todas as operações decorrentes de uma atividade económica que não sejam definidas como transmissões ou importações de bens” (sublinhado nosso).

 

6.60.  Ora, para a Requerida, sendo que “a operação em análise é, manifestamente, decorrente de uma atividade económica”, “o débito de quaisquer encargos suportados, e não obstante o mesmo corresponder a um mero reembolso, dá lugar a liquidação de IVA, por se considerar uma prestação de serviços (…)” (sublinhado nosso).

 

6.61.  Pelo contrário, a Requerente, que não concorda com a posição defendida pela Requerida, alega que o procedimento adoptado resulta de “uma estratégia centrada no desenvolvimento de contactos com entidades de diversas cidades, especialmente nacionais (…), com o propósito de celebrar parcerias que lhe permitam expandir o seu negócio através da criação e exploração de circuitos turísticos” e, tendo em conta que “(…) na região em que opera a B…, não existe qualquer outro operador que realize serviços similares e a mesma qualidade a quem a Peticionante pudesse recorrer, caso houvesse quebra de protocolo (…)”, a Requerente “(…) conscientemente não quis pôr em causa a parceria celebrada com a B…, sob pena de prejudicar a manutenção de um negócio que acreditava que viesse a gerar lucros no futuro (…)”, tendo optado por suportar na íntegra o prejuízo gerado, em 2008, no âmbito da referida parceria (sublinhado nosso).

 

6.62.  Com efeito, defende a Requerente que “neste caso, existem critérios de gestão que foram ponderados (…) ao não imputar à B… os resultados negativos gerados com a exploração de circuitos turísticos em …”, sublinhando que “não houve (…) qualquer ato de prodigalidade que saia do escopo da sua finalidade lucrativa, havendo, pelo contrário, um racional económico de gestão empresarial (…)”, ou seja, para a Requerente, da sua parte “não houve qualquer liberalidade nem (…) qualquer doação (…) à B… (…)” (sublinhado nosso).

 

6.63.  Passando a analisar a situação descrita, refira-se que, nos termos do disposto no artigo 9º da Directiva do Conselho 2006/112/CE (artigo 4º, nº 1 da Sexta Directiva) entende-se por (sublinhado nosso):

 

6.63.1    “Sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade”, sendo para além destas, “considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado-Membro mas no território da Comunidade”;

6.63.2.   “Actividade económica qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”, sendo consideradas, em especial, “como actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência”.

 

6.64.  Assim, para efeitos de IVA, procura-se tributar, essencialmente, as actividades económicas efectuadas por um sujeito passivo, entendendo-se como tal qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no ponto anterior, independentemente do seu fim ou resultado.

 

6.65.  Nestes termos, o conceito de actividade económica tem uma natureza objectiva (sendo irrelevante o fim ou o resultado das actividades desenvolvidas), devendo ser exercida de forma habitual e a título oneroso, e incumbindo às autoridades nacionais apurar, casuisticamente, se estamos ou não perante uma actividade económica.[40]

 

6.66.  Saliente-se que a natureza ampla e objectiva deste conceito de actividade económica deverá ser delimitada, no entendimento do TJUE, pelo facto de estarmos perante um imposto sobre o consumo, devendo, como tal, existir um acto de consumo, como se notou, nomeadamente, no Caso Mohr.[41] [42]

 

6.67.  Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 2º da Directiva IVA, estão sujeitas a imposto as operações aí elencadas, nomeadamente, as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso no território de um
Estado-Membro, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.[43]

 

6.68.  Contudo, o que foi descrito a propósito da situação identificada consiste na inexistência de imputação de resultados, que seriam de imputar, ao abrigo de um protocolo escrito, celebrado entre a Requerente e a B…, em partes iguais e não, como descreve a Requerida [“a imputação (…) dos resultados negativos da exploração do circuito de … constitui uma prestação de serviços (…) estando, como tal, sujeita a tributação”, porquanto, “(…) o conceito de prestação de serviço tem um carater residual, abrangendo todas as operações decorrentes de uma atividade económica que não sejam definidas como transmissões ou importações de bens”] (vide ponto 6.59., supra).

 

6.69.  Não obstante, tendo em consideração os factos dados como provados no Capítulo 5 deste decisão, com base na documentação anexada ao pedido, bem como na prova testemunhal (H…, I…, J… e K…), arrolada pela Requerente relativamente aos pontos apresentados para inquirição pela Requerente (e objecto de contra-interrogatório, pela Requerida, durante a referida inquirição), respeitantes á questão em análise, resultou para este Tribunal a convicção da prova dos seguintes factos:

 

6.69.1.   A parceria assinada entre a Requerente e a B…, em 1 de Junho de 2005, era importante para a Requerente “afirmar-se no mercado nacional” e a B… foi identificada como o operador local que dava mais garantias ao desenvolvimento e manutenção da operação em …, dado que era uma Empresa Municipal, tutelada pela Câmara Municipal de … (“entidades públicas dão mais confiança”);

6.69.2.   Assim, “era importante manter a operação nem que para isso [a Requerente] tivesse de assumir a totalidade dos prejuízos” pelo que houve um “acordo de cavalheiros” (verbal) nesse sentido, discutido entre os responsáveis das duas entidades (Requerente e B…);[44]

6.69.3.   “A actividade inicial foi muito residual” (tinham apenas um autocarro a explorar o circuito) e as partes entenderam que “haveriam de ter tempo de corrigir os prejuízos que viessem a surgir”:

6.69.4.   A decisão de alteração verbal do protocolo não só manteve a parceria como “valeu a pena” pois “se tivessem de ter lá alguém da Requerente era mais oneroso para esta” e, “actualmente, a referida parceria tem resultados positivos”.

 

6.70.  Face ao acima exposto, tendo sido considerada como provada a existência de um acordo verbal entre a Requerente e a B… (vide ponto 5.2.8. e 5.3.5. a 5.3.7., supra), derrogatório do protocolo, proposto pela Requerida enquanto entidade coordenadora da parceria, no sentido de não imputar à B… a sua quota-parte (50%) dos resultados negativos obtidos, em 2008, na pareceria de exploração conjunta do circuito de …, assumindo assim a Requerente a totalidade desse resultado negativo (EUR 11.078,88), considera-se que não há, para efeitos de IVA, a prática de qualquer operação tributável e, por isso, será de considerar ilegal a respectiva liquidação de imposto no montante de EUR 1.107,89, bem como a liquidação dos respectivos juros.

 

Do IVA não liquidado na Exploração do Circuito do … (período de tributação de 2009)

 

6.71.  Uma terceira correcção em sede de IVA resultante do Relatório de Inspecção Tributária, efectuada em relação aos períodos de tributação de 2008 e 2009, diz respeito ao facto de, em 2009, “os resultados positivos e negativos gerados pela operação de circuitos turísticos na cidade do … (…)” não terem sido “(…) repartidos em partes iguais pela Peticionante e pela C…” (sublinhado nosso).

 

6.72.  Com efeito, entende a Requerida que “(…) a A… omitiu proveitos respeitantes à comparticipação nos lucros ou prejuízos resultantes da exploração do circuito turístico na cidade do …, pela empresa C…, no montante de
€ 58.587,42
, procedimento que terá relevância não só em matéria de IRC (não objecto do pedido), mas também em sede de IVA, porquanto, face ao disposto na alínea a) do nº 1, do artigo 1º do Código do IVA, “(…) a A… preenche os requisitos de incidência de imposto em sede de IVA, tanto subjectivos (…), como objectivos (…)” razão pela qual entende que a Requerente deveria ter liquidado IVA no montante de EUR 11.717,48 (sublinhado nosso).

 

6.73.  O entendimento descrito no ponto anterior foi mantido, quer em sede de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta da liquidação de imposto (conforme doc. nº 11 anexado com o pedido e processo administrativo), quer em matéria da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da referida reclamação graciosa (conforme doc. nº 13 anexado com o pedido e processo administrativo).

 

6.74.  Defende ainda a Requerida na sua resposta que “(…) houve omissão de proveitos, de onde resultou a omissão de liquidação de imposto (…)” e que “a imputação a empresa associada dos resultados negativos do circuito do … constitui uma prestação de serviços para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 4º do Código do IVA, estando (…) sujeita a tributação”, concluindo que “a operação em análise é, manifestamente, decorrente de uma actividade económica, pelo que, sendo entende a Requerida, “não padecem as liquidações impugnadas de qualquer vício” (sublinhado nosso).

 

6.75.  Ora, uma vez mais a Requerente veio contrapor argumentando que não assiste razão à Requerida porquanto reitera que a razão para não proceder, no ano em causa (2009), à imputação de parte dos resultado negativos derivados da parceria estabelecida com a C… se ficou a dever ao facto de a Requerente não ter pretendido “(…) pôr em causa a parceria celebrada (…), sob pena de prejudicar a possibilidade de manter um negócio lucrativo a médio/longo prazo”, face à “(…) má experiência ocorrida em 2008 (…)” (sublinhado nosso).

 

6.76.  Por outro lado, e no que diz respeito ao “principal motivo que conduziu à obtenção desses resultados operacionais negativos (…)”, a Requerente alega que o mesmo está relacionado com “(…) o reconhecimento das depreciações de acordo com as taxas previstas no Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12.01 (…)” e o facto dos “(…) autocarros usados nos circuitos turísticos (…)” apresentarem “(…) um período de vida útil bastante superior àquele que resultava da aplicação daquelas taxas de depreciação”.

 

6.77.  Neste âmbito, tendo em consideração os factos dados como provados no Capítulo 5 deste decisão, com base na documentação anexada ao pedido, bem como na prova testemunhal (H…, I…, J… e L…), arrolada pela Requerente relativamente aos pontos apresentados para inquirição pela Requerente (e objecto de contra-interrogatório, pela Requerida, durante a referida inquirição), respeitantes á questão em análise, resultou para este Tribunal a convicção da prova dos seguintes factos:

 

6.77.1.   A exploração do circuito do … pela A… envolvia um investimento com maior peso (face ao investimento necessário para a exploração de outros circuitos turísticos noutras cidades nacionais e por isso, após contactos desenvolvidos entre ambas as partes, desde 2004, foi celebrada uma parceria com a C…;

6.77.2.   A parceria celebrada entre a Requerente e a C… foi “tensa” desde o início e actualmente até já não existe;

6.77.3.   Apesar de nos primeiros anos de qualquer negócio os lucros (receitas) demorarem tempo a aparecer, era precisa demonstrar à C… que “o negócio (parceria) tinha pernas para andar”;

6.77.4.   No protocolo assinado, em 31 de Agosto de 2008, entre ambas as partes, não havia qualquer referência a forma de apuramento das amortizações, para efeitos da parceria, tendo a Requerente transposto o modelo internamente utilizado;

6.77.5.   Em consequência, e face aos resultados obtidos, “os colegas da C… fizeram na altura sentir que as taxas de amortização utilizadas eram muito altas” implicando, por isso, o reconhecimento de custos também muito elevados (“a queixa fazia sentido”);

6.77.6.   Nestes termos, foi proposto e aprovado alterar as referidas taxas de amortização de 4 para 8 anos de vida útil, ou seja, alterar as taxas de amortização utilizadas das máximas para as mínimas;

6.77.7.   Assim, a A… aceitou a proposta (verbalmente discutida) para diluir os custos no tempo, nos termos descritos no ponto anterior, de modo a salvaguardar a parceria estabelecida, a qual não se pretendia pôr em perigo.

 

6.78.  Face ao acima exposto:

 

6.78.1.   Tendo sido considerada como provada a existência de um acordo verbal entre a Requerente e a C… (vide ponto 5.2.9. e 5.3.8. a 5.3.10., supra), derrogatório do protocolo, proposto pela Requerida enquanto entidade coordenadora da parceria, no sentido de não imputar à C… a sua quota-parte (50%) dos resultados negativos obtidos, em 2009, na parceria de exploração conjunta do circuito turístico do …, assumindo assim a Requerente a totalidade desse resultado negativo (EUR 117.174,84);

6.78.2.   O exposto nos pontos 6.63. a 6.68., supra, tendo em consideração a semelhança de ambas as situações (não imputação de resultados de um parceria e a alegada omissão de proveitos sobre a qual deveria incidir, segundo a Requerida, IVA)

 

considera-se também aqui que não há, para efeitos de IVA, a prática de qualquer operação tributável e, por isso, será de considerar ilegal a respectiva liquidação de imposto no montante de EUR 11.717,48, bem como a liquidação dos respectivos juros.[45]

 

Do IVA deduzido indevidamente relativo a despesas com facturas emitidas por fornecedores comunitários (período de tributação de 2008)

 

6.79.  Neste âmbito, o Relatório de Inspecção Tributária “determinou a não aceitação da dedução do IVA efectuada (…)” pela Requerente “com base em faturas emitidas por um fornecedor comunitário (…)”, com base nos seguintes argumentos:

 

a)             “A Peticionante deduziu IVA por si suportado com base em faturas proforma emitidas por um fornecedor comunitário (G…)”;

b)             “As faturas proforma suportaram os lançamentos contabilísticos efetuados pela Peticionante”;

c)             “O sujeito passivo não apresentou extrato de conta para suportar a veracidade das afirmações efetuadas”.

 

6.80.  O montante de IVA deduzido, em 2008, alegadamente de forma indevida ascendeu, de acordo com o disposto no Relatório de Inspecção, a EUR 2.006,00, sendo que na Resposta, a Requerida veio considerar “(…) ser de anular as correções ao imposto deduzido pela Requerente nas declarações periódicas de junho e novembro de 2008 concernentes a esta matéria, nos seguintes termos (…)”:

 

6.80.1.   “A liquidação adicional n.° …, de 2012-12-15, referente ao período 2008-06 foi emitida pelo valor de € 1.054,20 e foi reduzida em € 380,91, por força do deferimento parcial do recurso hierárquico, para o montante de € 673,29. Pelo que, considerando-se legítima a dedução do valor de € 398,11, deve agora ser reduzida para € 275,18, sendo diminuída proporcionalmente a respetiva liquidação de juros compensatórios”;

6.80.2.   “A liquidação adicional n.° …, de 2012-12-15, referente ao período 2008-11 foi emitida pelo valor de € 1.826,82 e foi reduzida em € 164,59, por força do deferimento parcial do recurso hierárquico, para o montante de € 1.662,23. Pelo que, considerando-se legítima a dedução do valor de € 1.607,89, deve agora ser reduzida para € 54,34, sendo diminuída proporcionalmente a respetiva liquidação de juros compensatórios

 

6.81.  Neste âmbito, tendo em consideração o acima descrito verifica-se, em resumo, o que a seguir se apresenta:

LIQUIDAÇÃO

DATA

PERÍODO

MONTANTE

MONTANTE ANULADO PELO RH

MONTANTE A ANULAR (RESPOSTA)

TOTAL ANULADO

DIFERENÇA

15.12.2012

06-2008

1.054,20

380,91

398,11

779,02

275,18

11-2008

1.826,82

164,59

1.607,89

1.772,48

54,34

TOTAL

2.881,02

545,50

2.006,00[46]

2.551,50

329,52

 

 

6.82.  Nestes termos, face à intenção da Requerida, manifestada na Resposta, “(…) de anular as correções ao imposto deduzido pela Requerente nas declarações periódicas de junho e novembro de 2008 concernentes a esta matéria”, ou seja as liquidações de imposto acima identificadas, na exacta medida da correcção identificada neste capítulo, fica aqui prejudicada a análise deste ponto incluído no pedido de pronúncia arbitral, com as consequências daí decorrentes.

 

Conclusões

 

6.83.  Tendo em consideração as conclusões apresentadas nos pontos 6.54, 6.70., 6.78. e 6.82., supra, a resposta a dar às questões enunciadas no ponto 6.2., serão no sentido de:

 

6.83.1.   Entender que as correcções em sede de IVA que deram origem às liquidações de IVA objecto do pedido de pronúncia arbitral, efectuadas em Agosto de 2015, e relativas aos períodos de tributação de 2008 e 2009, enfermam de ilegalidade e, em consequência, deverão ser anuladas;

6.83.2.   Entender que a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico interposto (das decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta relativamente às liquidações de IVA já identificadas) deverá ser também anulada com base na ilegalidade da mesma;

6.83.3.   Considerar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.84.  Para o efeito, analisadas as matérias em presença e considerando as questões a decidir o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos e fundamentos a seguir enunciados.

 

6.85.  O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

 

6.86.  Por força do disposto no artigo 19º, nº 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o TJUE é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

 

6.87.  Os Tribunais nacionais são considerados como Tribunais comuns da Ordem jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos Tribunais nacionais dos Estados Membros aplica-las nos litígios que lhes sejam submetidos para apreciação, cabendo aos Tribunais nacionais o dever de aplicar o direito comunitário, mesmo contra disposições de direito interno.

 

6.88.  Os Tribunais arbitrais integram o conjunto de Tribunais nacionais, como expressamente resulta do previsto no artigo 209º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

6.89.  Enquanto tal, no desempenho activo da sua função arbitral, e atendendo à natureza excepcional do recurso da decisão dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do diploma que aprovou o RJAT que “nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, pelo que se entende que, em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de Direito Europeu, o Tribunal Arbitral pode recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial.

 

6.90.  Assim, para se recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa, porquanto se o texto a interpretar é perfeitamente claro, não se trata já de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é competência do Tribunal incumbido da competência de julgar o caso concreto (aplicando a lei, nacional e/ou comunitária, se for esse o caso).

 

6.91.  Nestes termos, face ao acima exposto, entendeu este Tribunal Arbitral não ser necessário promover ao reenvio prejudicial ao TJUE, por ter à sua disposição todos os elementos necessários para proferir a presente decisão e porque sobre as questões a decidir a jurisprudência europeia existente é abundante e clara nos termos e pressupostos de aplicação da Sexta Directiva e do seu cumprimento por parte dos Estados membros, pelo que não subsistiam dúvidas de interpretação sobre qualquer uma das normas em presença e, nessa medida, o que se impõe a este Tribunal é decidir em conformidade com a lei aplicável (nacional e/ou comunitária), dando plena aplicação a ambas, bem assim como aos princípios do sistema do IVA em presença, tendo em linha de conta a jurisprudência do TJUE, relevante no tratamento das matérias em questão.[47]

 

6.92.  Nesta conformidade, decidiu este Tribunal não existir necessidade de promover o reenvio ao TJUE para interpretação de qualquer questão prejudicial.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.93.  Nestes termos, tendo em consideração a conclusão apresentada no ponto 6.83., supra, (ou seja, sendo considerado procedente o pedido de pronúncia arbitral), bem como o pedido apresentado pela Requerida de pagamento “(…) de juros indemnizatórios (…) sobre o valor do imposto aqui contestado indevidamente liquidado e pago (…)”, é importante referir que, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”(sublinhado nosso).

 

6.94.  Ou seja, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT (de que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”), resulta que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.95.  Por outro lado, também de acordo com o disposto no artigo 100º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

 

6.96.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[48] [49]

 

6.97.  Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso), não sendo necessários que os mesmos sejam pedidos na petição. [50] [51]

 

6.98.  Nestes termos, afigura-se que, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos Serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerida tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente às liquidações de IVA subjacentes ao pedido, agora declaradas ilegais, os quais serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.99.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.100.Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.101.Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.102.Nestes termos, tendo em consideração o acima analisado, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    No caso em análise, tendo em consideração o exposto no capítulo anterior, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade pelas custas arbitrais à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

7.2.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.2.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mandando-se anular as liquidações de IVA objecto do pedido e ainda não anuladas pela Requerida, bem como mandando-se anular a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa interposta das referidas liquidações de IVA (objecto do pedido de pronúncia arbitral);

7.2.2.     Condenar a Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas, pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

7.2.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 19.178,33.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Junho de 2016

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, de acordo com o vertido na Resposta apresentada, em matéria “das correções respeitantes a IVA deduzido indevidamente relativo a despesas com faturas emitidas por fornecedores comunitários (período de tributação de 2008)”, considera a Requerida que “se deverá considerar válido que o direito à dedução exercido pela Requerente se baseie no mesmo documento que serviu para a autoliquidação do imposto”, pelo que “(…) considera-se ser de anular as correções ao imposto deduzido pela Requerente nas declarações periódicas de junho e novembro de 2008 concernentes a esta matéria, nos seguintes termos:

- a liquidação adicional n.° …, de 2012-12-15, referente ao período 2008-06 foi emitida pelo valor de € 1.054,20 e foi reduzida em € 380,91, por força do deferimento parcial do recurso hierárquico, para o montante de € 673,29. Pelo que, considerando-se legítima a dedução do valor de € 398,11, deve agora ser reduzida para € 275,18, sendo diminuída proporcionalmente a respetiva liquidação de juros compensatórios;

- a liquidação adicional n.° …, de 2012-12-15, referente ao período 2008-11 foi emitida pelo valor de € 1.826,82 e foi reduzida em € 164,59, por força do deferimento parcial do recurso hierárquico, para o montante de € 1.662,23. Pelo que, considerando- se legítima a dedução do valor de € 1.607,89, deve agora ser reduzida para € 54,34, sendo diminuída proporcionalmente a respetiva liquidação de juros compensatórios”.

[3] A este respeito, cita a Requerente o acórdão do TCAS de 20 de Junho de 2006, proferido no âmbito do processo nº 365/03.

[4] Neste sentido, cita a Requerente o Acórdão do STA de 21 de Abril de 2014, proferido no âmbito do processo nº 0774/09.

[5] Neste caso, a Requerente vêm requerer que sejam submetidas, a título prejudicial, as seguintes questões ao TJUE:

1)    É admissível a interpretação do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva 200611121CE, do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao Sistema Comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…), no sentido de excluir o direito à dedução do IVA suportado por um sujeito passivo de IVA com o equipamento de um refeitório por si utilizado para efeitos de angariação e prossecução de atividades de formação tributáveis em sede deste imposto, com base nos argumentos de que tais formações não se relacionam uma atividade culinária e que o referido sujeito passivo já paga um subsídio de refeição aos seus colaboradores?

2)    O facto de um sujeito passivo de IVA, no decurso da sua atividade e seguindo racionais económicos de gestão, ter decidido suportar na integra num determinado período de tributação os resultados negativos de exploração de circuitos turísticos que havia organizado em parceria com outros agentes económicos (não faturando a estes no imediato a parte desses resultados negativos que lhes caberia) pode ser encarada como uma operação sobre o qual um imposto geral sobre o consumo, como é o caso do IVA, pode incidir, à luz do disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva do IVA?

3)    Em caso de resposta positiva à questão anterior, tal decisão do sujeito passivo constitui uma operação tributável em sede de IVA de que natureza: uma transmissão de bens, em conformidade com o artigo 14.°, n.º 1, da Diretiva do IVA, ou uma prestação de serviços, segundo o previsto no artigo 24.°, n.º 1, da Diretiva do IVA?

[6] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância do acto de deferimento parcial do Recurso Hierárquico apresentado, em 27 de Junho de 2014 contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa nº …2013… (interposta contra as liquidações de IVA em crise), como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de IVA objecto do pedido (o qual foi notificado à Requerente por Ofício datado de 26 de Agosto de 2015), a decisão de (in)deferimento parcial de Recurso Hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, pelo que lhe é sempre aplicável o prazo de três meses (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013) a contar da respectiva notificação. Assim, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT, bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”, pelo que, tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (27 de Novembro de 2015), o pedido é tempestivo.

[7] As facturas respeitantes aos meses de Maio/2008 (nº 73396/1 de 31 de Maio de 2008) e de Junho/2008 (nº 73533/1, de 30 de Junho de 2008) foram anuladas através da nota de crédito nº 5223/1, de 30 de Junho de 2008 (conforme doc. nº 17 anexo aos autos com o pedido).

[8] Nesta matéria, refira-se que, em termos gerais e de acordo, nomeadamente, com o disposto no Acórdão do TCAN, de 30 de Outubro de 2014, proferido no âmbito do processo nº 00390/05.9BEBRG, “é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT”, sendo que, “para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, é suficiente que a AT demonstre a existência de indícios fundados, não se impondo a prova provada de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam”.

Por seu turno, “quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do IVA”, não bastando “ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, quando cessa a presunção do disposto no art. 75.º da LGT, pois o regime previsto no art. 100.º do CPPT aplica-se nos casos em que é a AT a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação, mas já não quando recai sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, motivo porque a dúvida a existir lhe é desfavorável” (sublinhado nosso).

[9] Neste âmbito, refira-se também, a título preliminar o entendimento vertido, numa óptica de imposto sobre o rendimento, no Acórdão do TCAS , de 22 de Janeiro de 2015, proferido no âmbito do processo nº 05327/12, nos termos do qual se refere que “para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do (…) artº. 23, do C.I.R.C. (…) englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva (…). A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (…)”.

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário”.

Com efeito, neste âmbito, “é entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (…) explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica”.

Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos (…)”, porquanto “há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis (…) uma vez que se tratam de custos (…) que se espera que, de forma mediata, contribuam para (…) um aumento dos proveitos”.

[10] No que diz respeito à indispensabilidade de custos, cite-se ainda a decisão arbitral nº 91/2012, de 21 de Janeiro de 2013, nos termos da qual se refere que “a Lei Geral Tributária dispõe, no seu artigo 4.º, n.º 1, que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. Por outro lado, no âmbito da referida decisão arbitral, é defendido que “a noção legal de indispensabilidade recorta-se (…) sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. (…). Em regra (…) a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.

Assim, parece “(…) evidente que da noção legal de custo (…) não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa”.

[11] In “As entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado Uma Ruptura no Principio da Neutralidade, Tese de Doutoramento”, Edição Almedina, páginas 47 a 91.

[12] De acordo com a autora citada, “(…) o método subtractivo indirecto mais não é que uma técnica da liquidação e dedução do imposto em cada fase do circuito económico, funcionando como tal quando as transacções se processam entre sujeitos passivos do imposto com direito à dedução (…)”.

[13] Estas disposições comunitárias, têm correspondência na legislação interna portuguesa, no nº 1 do artigo 19° e no nº 1 do artigo 20º do Código do IVA (neste sentido vide Acórdão do STA Acórdão de 25 de Novembro de 2015 - Processo 0576/13).

[14] Também internamente, nos termos do disposto no artigo 20º do Código do IVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre os serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo.

[15] Também esta Directiva foi revogada pela Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, “sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros relativas aos prazos de transposição e de aplicação (…)” da referida Directiva.

[16] Sem prejuízo das exclusões expressas do direito à dedução nos artigos 19º, nºs 3, 4 e 7 (este último aditado pelo Decreto-Lei nº 134/2010, de 27 de Dezembro), artigo 21º, nºs 1 e 3, do Código do IVA e no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 221/85, de 3 de Julho (diploma que estabelece as normas do determinação do IVA por que se regem as agências de viagens e os organizadores de circuitos turísticos).

[17] De acordo com o mecanismo da liquidação do IVA, a factura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento de fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados. A lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas têm por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA é o consumidor final.

[18] O exercício do direito à dedução pode ser efectuado, sem prejuízo da existência de disposições especiais sobre o assunto, no decurso de 4 anos após o nascimento do direito à dedução (cf. artigo 98º, nº 2 do Código do IVA).

[19] Entre outros, refira-se os casos BP Soupergaz contra Estado Helénico [proc. As. C-62/93 (2002)], Rom- pelman [proc. 268/83 (1985)]; Ghent Coal [proc. C-37/95 (1998)], Gabalfrisa SL [proc. apensos C-110/98 a C-147/98 (2000)], Midland Bank plc [proc. C-98/98 (2000)], Abbey National [proc. C-408/98 (2001)], Bockemühl [proc. C-90/02 (2004)] e António Jorge [proc. C-536/03 (2005)]).

[20] Cf., designadamente, casos Comissão/França, proc. 50/87 [1988]; Len- nartz, proc. 97/90 [1991]; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000]; BP Soupergaz, proc. As. C-62/93, [2002]; Metropol Treuhand, proc. C-409/99, [2002]; Comissão/França, proc. C-243/03, [2005]; Comissão/Espanha, proc. C-204/03, [2005]; Centralan Property Ltd, proc. C-63/04, [2005]; Halifax, proc. C-255/02, [2006]; Uudenkaupungin kaupunki, proc. C-184/04, [2006]; Abbey National, proc. C-408/98 [2001]; Metropol e Stadler, proc. C-409/99 [2002]; Bockemühl, proc. C-90/02 [2004].

[21] Cf., designadamente, casos Comissão/França, proc. 50/87 [1988]; Ghent Coal, proc. C-37/95 [1998]; Ampafrance SA, proc. apensos C-177/99 e C-181/99 [2000]; BP Sou- pergaz, proc. As. C-62/93, [2002].

[22] Cf. casos Comissão / França, proc. 50/87 [1988]; Lennartz, proc. 97/90 [1991]; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000].

[23] A propósito da análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça o STA, no Acórdão supra citado, faz-se referência expressa ao entendimento firmado no Acórdão Kretztechnik (Cfr. a este propósito, o Acórdão Kretztecjnik, proc. C-465/03; Ac. TJCE, 2ª Secção, de 8/06/2000, in proc. C-98/98; Ac. TJUE de 6/9/2012, in proc. C-496/11 e AB SKF, de 29/10/2009, in proc. C-29/08.

[24] Cf. casos Garage Molenheide BVBA, proc. apensos C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96 [1997]; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000].

[25] Recorde-se que, na acepção do artigo 4º da referida Directiva, “as actividades económicas (…) são as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica” (esta disposição tem correspondência no artigo 9º da Directiva IVA).

[26] Cf. caso Lennartz, proc. 97/90 [1991].

[27] Nestes termos, resulta claro, da jurisprudência daquele Tribunal, o entendimento de que, a título de exemplo, seria contrário ao princípio da neutralidade que as actividades económicas só tivessem início no momento em que a empresa é efectivamente explorada (ou seja, quando surge o rendimento tributável), devendo considerar-se sujeito passivo quem, actuando como tal, tem a intenção, confirmada por elementos objectivos, de iniciar de modo independente uma actividade económica na acepção do artigo 4º da Sexta Directiva e para esse fim efectua as primeiras despesas de investimento, tendo por isso de acordo com os artigos 17º e seguintes da Sexta Directiva, o direito de deduzir imediatamente o IVA devido ou pago sobre as despesas de investimento efectuadas para os fins das operações projectadas que concedem o direito à dedução, sem ter de esperar o início da exploração efectiva da sua empresa (Cf. casos Ghent Coal, proc. C-37/95, [1998]; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000]; Grundstückgemeinschaft Schloßstraße GbR, proc. C-396/98 [2000]; Ampafrance SA, proc. apensos C-177/99 e C-181/99 [2000]; Optigen Ltd e o., proc. apensos C-354/03, C-355/03 e C-484/03 [2006]).

Assim, e uma vez que as actividades preparatórias devem ser consideradas actividades económicas na acepção da Sexta Directiva, qualquer pessoa que realize actos preparatórios é considerada sujeito passivo na acepção do artigo 4º daquela directiva e tem direito à dedução (cf. casos Rompelman, proc. 268/83, [1985]; INZO, proc. C-110/94 [1996], Fini H, proc. C-32/03 [2005])

[28] Esta interpretação é corroborada tanto pelo disposto no artigo 2º da Primeira Directiva, como pelo artigo 17º, nº 3, alínea c), da Sexta Directiva do qual resulta que só a título excepcional a directiva prevê o direito a dedução do IVA relativo a bens ou a serviços utilizados para operações isentas. Assim, quando um sujeito passivo presta serviços a outro sujeito passivo, que os utiliza para efectuar uma operação isenta, este último não tem o direito de deduzir o IVA pago a montante, mesmo quando o objectivo final da operação isenta é efectuar uma operação sujeita a imposto, sendo assim para o efeito indiferente o objectivo final prosseguido pelo sujeito passivo (Cf. casos caso BLP Group, proc. C-4/94 [1995], Midland Bank plc, proc. C-98/98 [2000]; Abbey National, proc. C-408/98 [2001]).

[29] Se as despesas em causa não fizerem parte do custo da operação a jusante, não têm uma relação directa e imediata com a mesma (cf. casos Midland Bank, proc. C-98/98 [2000]; Abbey National, proc. C-408/98 [2001]).

[30] Neste sentido, cita a Requerente a jurisprudência do STA (in Acórdão de 3 de Julho de 2013, proferido no âmbito do processo nº 1148/11), bem como os Acórdãos do TJUE (processo nº C-496/11, de 6 de Setembro de 2012 e processo nº C-29/08, de 29 de Outubro de 2009).

[31] Vide obra citada, 2ª Edição, pág. 609.

[32] Com efeito, no processo tributário português vigora, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

De acordo com o disposto no artigo 607º, nº 5 do anterior Código de Processo Civil (CPC), “[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes

Este preceito legal consagrava o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz apreciava a prova produzida de acordo com a sua própria convicção, o que significava, que “o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substracto lógico e dominada pelas regras da experiência (…)” (neste âmbito, vide Acórdão do TCAS de 12 de Junho de 2014 (processo nº 01220/06).

[33] Nesta matéria, refira-se que “no processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária” (sublinhado nosso).

“Como se sabe, processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT. Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias” (sublinhado nosso).

“O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados (…).

“Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito” (sublinhado nosso) (vide Acórdão STA de 14 de Setembro de 2011, processo nº 0215/11).

[34] Cfr., entre outros, a jurisprudência vertida no Acórdão Midland Bank.

[35] Segundo o autor Rui M. P. da Costa Bastos (in “O Direito à Dedução do IVA”), “a propósito da dedução do IVA, não a podemos confundir com o requisito da indispensabilidade que esteve consignado no artigo 23º, nº 1 do CIRC, no que respeita à dedutibilidade fiscal do gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável. São realidades distintas, inseridas em contextos legais distintos. Assim sendo, se, no caso do IRC, a dedutibilidade do gasto está condicionada no âmbito do requisito legal da indispensabilidade a um nexo causal com a obtenção de proveitos, conduzindo à sua inserção no escopo económico e gestionário da empresa, a dedutibilidade do IVA, garante da neutralidade e assim protegida pela Directiva, apenas se condiciona à suscetibilidade da repercussão do gasto inerente no preço de operações tributadas, isto é, que conferem direito a dedução” (sublinhado nosso).

[36] Neste mesmo sentido, fazendo aplicação expressa da referida jurisprudência do TJUE, se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no Acórdão de 30-10-2013, proferido no âmbito do processo nº 01238/13.

[37] Neste mesmo Acórdão, o TJUE refere ainda que, “o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva contém uma cláusula de que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito a dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Directiva pelo Estado-Membro em causa”, sendo que “essa disposição visa permitir aos Estados-Membros, enquanto aguardam que o Conselho estabeleça o regime comunitário das exclusões do direito a dedução do IVA, manter qualquer regra de direito nacional que exclua esse direito a dedução efectivamente aplicado pelas suas autoridades públicas no momento da entrada em vigor da Sexta Directiva”.

[38] Refere ainda que “tendo em conta que todas as disposições derrogatórias devem ser objecto de interpretação estrita, não se pode considerar que o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva autorize um Estado-Membro a manter uma restrição do direito a dedução do IVA susceptível de se aplicar genericamente a qualquer despesa relacionada com a aquisição de bens, independentemente da sua natureza ou do seu objecto” (sublinhado nosso).

[39] Nestes termos, afigura-se que “no caso de a exclusão do regime de deduções não ter sido estabelecida em conformidade com as disposições da Sexta Directiva, as autoridades fiscais nacionais não podem opor a um sujeito passivo uma disposição derrogatória ao princípio do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado” e, “citando mais uma vez o TJUE, no entendimento vertido no Acórdão PARAT, caso o sujeito passivo tenha sido sujeito a essa medida, deve poder recalcular a dívida de imposto que lhe incumbe, em conformidade com o artigo 17°, n° 2, da Sexta Directiva, se os bens e os serviços tiverem sido utilizados para as necessidades inerentes a operações tributadas” (sublinhado nosso).

Neste âmbito, vide também decisão Arbitral nº 398/2014 de 15 de Janeiro de 2015.

[40] Vide Clotilde Celorico Palma, in “O IVA e a jurisprudência comunitária – Análise de Acórdãos do TJUE”.

[41] Vide Acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Proc. C-215/94, Colect., p. I-959.

[42] Acto de consumo que na situação em análise não se verifica, segundo entende este Tribunal, porquanto, por decisão de gestão foi mandado não efectuar a imputação, à B…, da quota-parte dos resultados negativos obtidos na parceria, inexistindo operação tributável. Note-se, contudo, que a Requerida, estrutura o seu pensamento com base numa inspecção na qual também efectuou a revisão dos exercícios de 2008 e 2009 para efeitos de identificação de irregularidades em matéria de imposto sobre o rendimentos (IRC), sendo que a realidade em que este se insere não é a mesma que se verifica para efeitos de IVA (vide nota de rodapé nº 9).

Assim, reitera-se que são vedadas “(…) à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo” (vide Acórdão do TCAS já citado na nota de rodapé nº 9), nem tão pouco questionar a forma como as decisões são internamente tomadas.

[43] Adicionalmente, refira-se que o artigo 14º, nº 1 da referida Directiva estabelece que se entende por “entrega de bens, a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário”, elencando no nº 2 as operações que são consideradas, para além daquela, como entregas de bens.

[44]As empresas do Estado seguem regras de conduta apertada pelo que, de forma verbal, assumiram os custos para manter a parceria”, porquanto “ os ganhos traduzir-se-iam na publicitação que [a Requerente] estava presente em várias cidades” (nomeadamente, no caso, em …).

[45] Vide também neste âmbito, as notas de rodapé nº 9 e 42.

[46] Corresponde ao total da liquidação de IVA correspondente ao imposto que, segundo a Requerida, havia sido deduzido indevidamente relativo a despesas com facturas emitidas por fornecedores comunitários (período de tributação de 2008).

[47] Este entendimento é amplamente conhecido e defendido pela doutrina e pela jurisprudência do TJUE como a “teoria do ato claro”, considerando impertinentes por desnecessários os reenvios sobre questões em relação às quais o TJUE já se tenha pronunciado em casos idênticos.

[48] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, pág. 116).

[49] Sobre os juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo Sousa, Jorge Lopes, Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, pág. 155 e sgts).

[50] Vide AC STA Processo nº 1052/04, de 30 de Novembro de 2004.

[51] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, pág. 869).