Decisão Arbitral
Requerente: A… – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
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A… – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, com sede na Avenida …, nº … -… …-… Lisboa, contribuinte fiscal nº …, doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade de duas liquidações de Imposto, respetivamente, de IMT e de IS, juntas aos autos como documento número 1.
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Estão em causa os seguintes atos tributários:
- Liquidação de IMT nº …, no valor de €20.164,75;
e
- Liquidação de IS nº …, no valor de €3.120,00, ambas referentes ao Prédio U – …-ES sito na Avenida …,…, Bloco …, … Dto., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ... e ....
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 27-11-2015, foi imediatamente aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 21-01-2016, a ora signatária como árbitro, para integrar o Tribunal Arbitral Singular.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 05-02-2016. Em 12-02-2016 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
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Em 15-03-2016 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Simultaneamente, apresentou requerimento no qual solicita a dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, porquanto a matéria em causa nos autos é exclusivamente de direito, não havendo diligências de prova a produzir, pelo que requereu que o processo prosseguisse para alegações e decisão final. Em 17-03-2016 foi proferido Despacho arbitral para a Requerente se pronunciar quanto à possibilidade de dispensa de realização da supra referida reunião. Em 21-03-2016 pronunciou-se o Requerente por requerimento junto aos autos no qual concorda com a dispensa de realização da reunião e prosseguimento do processo para alegações escritas e decisão final.
Nesta conformidade o Tribunal arbitral proferiu, em 22-03-2016, despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, no qual fixou prazo de 15 dias para as partes, querendo, produzirem alegações escritas e determinou como data para prolação da decisão arbitral o dia 10-05-2016, devendo a Requerente efetuar até esta data o pagamento da taxa arbitral subsequente. Por Despacho arbitral de 9-05-2016 o Tribunal arbitral prorrogou por mais trinta dias o prazo para a prolação da decisão arbitral, dado que o prazo anteriormente fixado foi muito próximo do prazo limite para as partes produzirem as suas alegações.
As partes juntaram as respetivas alegações, em 22-04-2016 e a Requerida juntou em anexo um documento com a decisão arbitral proferida no processo 688/2015-T, cuja matéria de facto e de direito é em tudo muito semelhante à dos presentes autos, embora a mesma não tenha ainda transitado em julgado.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
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A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, pretendendo que o Tribunal Arbitral anule as liquidações supra descritas, por entender que as mesmas padecem de inconstitucionalidade, uma vez que assentam no artigo 236º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa. Entende a Requerente que a violação deste princípio constitucional, que consubstancia uma garantia fundamental dos contribuintes (direito fundamental), é geradora de nulidade.
Entende a Requerente que no momento em que o prédio em questão ingressou no património do Fundo, a isenção em sede de IMT e Imposto de Selo (IS) ficou definitivamente cristalizada na ordem jurídica, sendo que à data de ingresso no Fundo a isenção não era condicionada à verificação de qualquer facto ou circunstância, nem estava sujeita a qualquer regime de caducidade. Sendo assim, a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na esfera jurídica do Requerente enferma de inconstitucionalidade por violação da não retroatividade da lei fiscal. Retroatividade autêntica, na medida em que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga.
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Mas, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, entende a Requerente que as liquidações sempre teriam de ser anuladas por vício de ilegalidade, gerador de anulabilidade.
Estas são, sumariamente, os argumentos que a Requerente invoca no seu pedido e que reforça nas alegações juntas aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
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Em síntese, a Requerente peticiona a nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade e subsidiariamente, caso assim não se entenda, a anulação das liquidações por ilegalidade. Requer ainda o reembolso da totalidade de imposto liquidado e pago e dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
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A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por impugnação, alegou, em síntese, o seguinte:
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Os atos tributários em causa, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos;
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A impossibilidade da AT desaplicar a norma legal em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme resulta do disposto nos artigos 266º, nº2 da CRP, 3º nº1 do CPA e 55º da LGT. Esta questão está devidamente equacionada e tratada pela doutrina e pela Jurisprudência dos Tribunais superiores. Invoca, ainda, em defesa deste entendimento, diversos Pareceres da Procuradoria-Geral da República. Assim, a previsão legal da alínea d) do nº2 do artigo 133º do CPA é apenas extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP.
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Não obstante, entende a AT que a norma transitória contida no supra referido artigo 236º da Lei 83 C/2013 de 31 de dezembro não padece de inconstitucionalidade.
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Entende ainda que a referência ao regime subjacente no artigo 204º, nº1, alínea a) do CPPT está manifestamente descontextualizada, não resultando desta qualquer entendimento coincidente com a tese de nulidade defendida pelo Requerente. É entendimento pacífico da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que, a existir o vício imputado às liquidações em causa, nunca o mesmo é gerador de nulidade, mas tão somente, de anulabilidade.
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Mas nem este vício se verifica, porquanto segundo a AT, não há violação do artigo 103º, nº3 da CRP, desde logo porque desde sempre, ou seja, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Sempre estiveram condicionadas a este pressuposto, pelo que a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio apenas densificar o critério já exigido. Desenvolve abundante argumentação em torno do regime aplicável aos benefícios fiscais e à verificação ou fiscalização das condições que o determinaram. Pelo que, sempre poderá cessar, mediante fiscalização que conclua pela não verificação dos respetivos pressupostos.
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Conclui pela legalidade das liquidações e pela improcedência do pedido de anulação e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) do RJAT.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
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O processo não padece de vícios que o invalidem.
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Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e o alegado pelas partes nos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
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Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A sociedade Requerente, designada por A… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, SA é uma sociedade gestora do fundo imobiliário B…- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número fiscal ….
b) No âmbito da sua atividade, a Requerente alienou em 18-09-2015 o imóvel, propriedade deste fundo de investimento, sito na Avenida …, …, Bloco …, … Dto., na Freguesia de ... e ..., designado na matriz predial urbana por prédio U-…-ES;
c) Previamente à outorga da escritura pública de alienação a Requerente solicitou à Requerida a emissão das respetivas liquidações de IMT e de IS, a saber:
i. Liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) nº …, no valor de € 20.164,75;
ii. Liquidação de Imposto de Selo (IS) nº …, no valor de €3.120,00.
d) As liquidações de imposto supra identificadas, estão datadas de 18-09-2015, com data limite de pagamento até 21-09-2015, e a Requerente efetuou o seu pagamento dentro do prazo legal, concretamente em 21-09-2016, como resulta dos documentos nºs 1 e 2 juntos em anexo ao pedido arbitral.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão, não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
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Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pela AT, que atesta desde logo como verdadeiros os factos supra enunciados.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
9. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em determinar se as liquidações de IMT e de IS objeto do pedido de pronúncia arbitral enfermam das ilegalidades alegadas.
Cumpre decidir.
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Como vimos supra, a Requerente fundamenta o seu pedido na alegada inconstitucionalidade do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro.
No âmbito da competência atribuída a este Tribunal arbitral, delimitada no artigo 2º do RJAT, cabe apreciar a legalidade ou ilegalidade dos atos tributários impugnados, tal qual a questão vem delimitada pela Requerente no seu pedido.
Alega a Requerente que em virtude da alegada inconstitucionalidade do artigo 236º da Lei 83-C/2013 ida na sua resposta, a AT não devia ter liquidado os impostos em causa. Alega ainda violação do princípio da não retroatividade, o que consubstancia violação de um direito fundamental, geradora de nulidade do ato de liquidação.
Já a Requerida entende que tal argumento não procede porquanto, no exercício das suas funções, está obrigada a cumprir a lei e o direito, não tendo competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas sobre a sua conformidade à Constituição. Ao que acresce, na ótica da AT, que não existe qualquer violação do princípio da não retroatividade, tendo as liquidações origem na facto do destino dado aos imóveis (alienação) não ter sido o arrendamento para habitação, pressuposto em que assentava o benefício fiscal concedido.
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Sobre a questão da alegada inconstitucionalidade, a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido bastante unânime em reconhecer que a Administração está sujeita ao princípio da legalidade e, por isso, não pode desaplicar certa norma jurídica com fundamento em inconstitucionalidade. Em decisão recente o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se quanto a esta questão, nos seguintes termos:
“(…) a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT. A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP. É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.). No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal…”, cfr. entre outros, os recentes acórdãos datados de 26/02/2014, recurso n.º 0481/13 e de 12/03/2014, recurso n.º 01916/13.” [1]
Neste ponto procede a alegação da Requerida quando invoca a sua submissão à lei e, por força disso, a impossibilidade de desaplicar uma norma em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade.
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Acresce que, este Tribunal entende que não tem de se pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade do artigo 236º da Lei 83-C/2013 de 31 de dezembro (LOE para 2014), por não ter competência para tal, mas sim sobre as invocadas ilegalidades dos atos tributários impugnados, ainda que, sustentadas na aplicação concreta da norma em questão. Assim, o Tribunal arbitral entende pronunciar-se quanto à aplicação concreta do regime jurídico em questão, para aferir da legalidade ou ilegalidade das liquidações impugnadas, matéria que cabe no âmbito da sua competência.
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Posto isto, cabe apreciar as restantes questões de direito suscitadas nos autos e que se relacionam com o regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), e os pressupostos dos benefícios fiscais concedidos.
O regime aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante «FIIAH») e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional foi estabelecido pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), a qual no seu artigo 8.º, estabeleceu o regime tributário aplicável aos FIIAH.
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No que se refere ao Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o Regime Tributário dos FIIAH definiu, no número 7, do supra citado artigo 8.º, o seguinte:
Artigo 8º
(Regime tributário)
(…)
«7 — Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) aditou a este artigo 8.º os números 14 a 16, os quais dispõem o seguinte:
«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º,ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) veio ainda a consagrar no seu artigo 236.º um regime transitório no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH o seguinte regime transitório:
«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»
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O regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, contido na Lei nº 64-A/2008 de 31 de dezembro (LOE para 2009) que aprovou o regime especial aplicável a estes fundos e sociedades de investimento imobiliário, dispunha que este o regime “é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”, ou seja, entre 1 de Janeiro e 31 de dezembro de 2013. A constituição e o funcionamento dos FIIAH regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-lei nº 60/2002 de 20 de março.
Assim, resulta deste regime especial que os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objeto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, devendo previamente à celebração do contrato de transmissão do imóvel para o FIIAH ser facultada a informação sobre os elementos essenciais do negócio. Resulta, ainda, deste regime jurídico que o arrendamento constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, suscetível de ser exercido até 31 de dezembro de 2020, o qual só é transmissível por morte do titular.
Fica, pois, claro que o objetivo do legislador com este regime foi proporcionar soluções alternativas para os credores hipotecários, em tempos de crise económica acentuada, incentivando à alienação dos imóveis e celebração de contrato de arrendamento com opção de compra no final do contrato.
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Por ser assim, o legislador concedeu algumas isenções fiscais, nomeadamente:
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a isenção de IRC, quanto aos rendimentos dos FIIAH (de qualquer natureza) constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013;
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A isenção de IRS e IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação;
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Isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão dos imóveis destinados a habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num contrato de arrendamento;
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Isenção de IMI sobre os imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente, enquanto estes se mantiverem na titularidade do FIIAH;
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Isenção de IMT quanto as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelo fundo de investimento, bem como das aquisições por força do exercício da opção de compra pelos arrendatários de imóveis que integram o património dos fundos de investimento;
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Isenção de Imposto de Selo quanto a todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade em direito de arrendamento sobre os mesmos imóveis, bem como o exercício da opção de compra previsto no contrato.
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O regime supra descrito aplica-se, com as necessárias adaptações às sociedades de investimento imobiliário que venham a constituir-se ao abrigo da lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH.
As isenções supra mencionadas configuram e enquadram-se no conceito de benefícios fiscais, nos termos previstos no EBF, porquanto assumem a natureza de medidas de carácter excecional, instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem. Os benefícios fiscais traduzem-se em factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária.
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Posto isto, afigura-se claro que o regime especial supra descrito, criado em 2008 para vigorar a partir de 2009, teve um propósito claro de dar resposta a uma situação de crise, acautelar os interesses das famílias com dificuldades em pagar a prestação do crédito à habitação, incentivando o recurso ao arrendamento, com opção de compra por parte do arrendatário, libertando os negócios inerentes da carga fiscal a que estariam sujeitos em circunstâncias normais. Por isso, estes regimes especiais podem ser concedidos para um determinado período de tempo.
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Fica igualmente claro que a operacionalidade dos benefícios fiscais previstos neste regime especial ficam condicionados a um pressuposto que é o de os imóveis serem objeto de um contrato de arrendamento para habitação própria. Caso se verifique que os prédios urbanos ou frações são ou venham a ser destinados a outro fim que não o arrendamento, então os benefícios fiscais supra mencionados não poderão manter-se. E, note-se, esta conclusão impõe-se, não por aplicação da norma transitória do artigo 236º da LOE para 2014, mas porque ab initio foi esse o desígnio do legislador. Desde a introdução do regime jurídico dos FIIAH, em 2008, o legislador condicionou os benefícios fiscais consagrados ao cumprimento da obrigação de destinar os prédios ao arrendamento nas condições supra mencionadas.
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A ser assim, sempre que o prédio urbano venha a ter um destino diferente do arrendamento para habitação própria, então, falha um dos pressupostos para a aplicação do benefício fiscal. Dito de outro modo, o que era objeto de isenção poderá deixar de o ser e ficar sujeito a tributação, sempre que não se verifiquem o(s) pressuposto(s) da isenção legalmente previstos. Assim, se um destes prédios urbanos vier a ser alienado ou alvo de um outro tipo de negócio jurídico diferente daquele que está previsto na lei como isento de tributação (arrendamento para habitação própria) é de concluir que cessa a isenção fiscal concedida.
E, importa ainda referir que a natureza dos impostos em causa se caracterizarem por impostos de obrigação única em nada põe em causa o que se deixa exposto.
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Com o Orçamento de Estado para 2014, foram adicionados os números 14, 15 e 16 ao artigo 8º (regime tributário) do regime aplicáveis aos FIIAH, com o seguinte conteúdo:
“(…)14 – Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15- Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos nºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”
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A LOE para 2014 prevê ainda uma norma transitória, no seu artigo 236º, o qual está na base do presente pedido arbitral, a qual estabelece o seguinte regime transitório:
“1 - O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014
2- Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial dos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”
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Com as normas supra referidas, o legislador veio clarificar alguns conceitos subjacentes ao regime especial, que a lei de 2008 não esclarecera de forma tão explícita e acrescentou a previsão de um prazo limite para destinar o prédio ao fim legalmente pretendido.
Assim, veio esclarecer o significado de “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (conceito que não era sequer inovador), bem assim como precisar as circunstâncias em que cessam os benefícios de isenção fiscal concedidas pelo regime especial. Mas, convém referir que, à luz do regime especial previsto no artigo 8º, na sua redação originária, já estava expressa e inequivocamente consagrada a condição essencial para que os prédios integrados nos FIIAH e nas SIIAH pudessem beneficiar das isenções, e que era exatamente a que atualmente se encontra prevista na versão introduzida pela LOE para 2014: terem como destino o arrendamento para habitação permanente, com opção de compra a favor do arrendatário. Qualquer outro destino dado aos prédios em causa, nomeadamente a sua alienação em condições distintas das que a lei permite (exercício do direito de opção de compra pelo arrendatário) implicam a cessação dos benefícios fiscais resultantes do regime especial.
Dito de outro modo, a introdução dos normativos supra descritos apenas vieram esclarecer alguns conceitos, introduzir um prazo limite para os FIIAH e as SIIAH celebrarem os contratos de arrendamento para habitação própria permanente, já anteriormente pressupostos como condição para fazer operar os benefícios fiscais legalmente previstos no regime especial aplicável. Mas não alteram a substância do regime jurídico em vigor.
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Na verdade, não se vislumbra que da introdução destes normativos resulte algo verdadeiramente inovador, que altere ou ponha em causa as legitimas expetativas destes fundos de investimento, os quais foram criadas especificamente para resolver um problema particular, relacionado com a crise económica que afetou muitas famílias em risco de perda da sua habitação sem qualquer solução alternativa. Por isso, o legislador criou este regime especial de tributação, em 2008 (LOE para 2009) para evitar prejuízos sociais e económicos que prejudicariam as famílias e as instituições de crédito, as primeiras pela perda dramática do seu direito à habitação e os segundos pela impossibilidade de recuperar os seus créditos.
Nos termos dos normativos introduzidos pela LOE para 2014 resulta também, que no caso dos prédios que integram os FIIAH e as SIIAH não serem objeto de contrato de arrendamento no prazo de 3 anos, a contar da data do seu ingresso no património do fundo, as isenções previstas, em sede de IMI, IMT e Imposto do Selo, caducam (ficam em efeito) e constituem o sujeito passivo na obrigação de solicitar à AT a liquidação do respetivo imposto, no prazo de 30 dias subsequentes ao termo daquele prazo. Donde resulta também que, se os prédios forem alienados antes dos três anos estão obrigatoriamente sujeitos aos impostos devidos, e se forem alienados depois dos três anos fora do enquadramento legal previsto também. No primeiro como no segundo caso não estão preenchidos os pressupostos legais de que depende o direito aos benefícios fiscais consagrados no regime especial aplicável. A única circunstância em que tal não sucederá é, precisamente, a que está e sempre esteve (desde 2008) prevista na lei como condição para as isenções: os prédios serem objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente, com opção de compra pelo arrendatário e virem a ser alienados a seu favor por força deste direito de opção.
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Regressando, agora, à análise do caso concreto em apreciação nos presentes autos resta analisar as circunstâncias que determinaram as Liquidações impugnadas.
Alega a Requerente que as alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) ao Regime Tributário dos FIIAH, suscitam legítimas perplexidades e interrogações às sociedades gestoras dos FIIAH que pretendem cumprir as suas obrigações perante a AT. Entende ainda que as liquidações impugnadas enfermam de ilegalidade por violação do princípio da não retroatividade previsto no artigo 103º, nº3 da CRP, dado que à data em que os imóveis integraram o património do fundo, as isenções de IMT e IS consagradas não dependiam da verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem estavam sujeitas a qualquer regime de caducidade.
Ora, sendo verdade que a LOE para 2014 veio introduzir os normativos supra enunciados com as inovações já referidas, não parece que a razão subjacente às liquidações impugnadas resulte de algum dos normativos agora introduzidos.
A verdade é que as isenções consagradas neste regime especial exigiam, desde a sua introdução em 2008, que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o arrendamento para habitação permanente e que a transmissão tivesse por objeto prédios destinados a habitação permanente. Dito de outro modo, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar destas isenções sempre terão de cumprir o pressuposto legal que exigia e exige que os prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
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No caso dos presentes autos, conforme resulta provado pela prova documental junta, nomeadamente nas notas de liquidação anexas ao pedido arbitral, as liquidações impugnadas tiveram por base o facto do imóvel ter sido alienado pela Requerente, em 18-09-2015. O imóvel, propriedade deste fundo de investimento, sito na Avenida …, …, Bloco …, … Dto., na Freguesia de ... e ..., foi alienado na data referida, pelo que não cumpriu o destino previsto no regime especial, ou seja, o arrendamento para habitação permanente.
Pelo que, as liquidações em causa não resultam de qualquer exigência ou pressuposto inserido ex novo pela LOE para 2014, mas sim da não afetação do prédio ao destino especificamente previsto na lei como potenciador das isenções fiscais consagradas.
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Assim, se a Requerente decidiu alienar o prédio em vez de o afetar ao fim específico de arrendamento para habitação permanente, bem sabia que não poderia beneficiar das isenções de IMT e de IS previstas no artigo 8º, nº 7, alínea b), nº 8 e artigo 5º, nº3 do regime especial dos FIIAH. A alienação, seja por permuta, compra e venda ou qualquer outro negócio jurídico diferente do que resulte no âmbito do exercício do direito de opção de compra decorrente do contrato de arrendamento para habitação própria e permanente (única situação suscetível de beneficiar das isenções previstas), estaria sempre sujeito à tributação em sede de IMT e de Imposto do selo.
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Os benefícios fiscais que o legislador prevê quando entende que razões ponderosas o justificam, obstam à tributação, mas sempre condicionados à verificação dos requisitos legais. São por natureza excecionais e por obstarem à tributação que em circunstâncias normais incidiria sobre os factos tributários em causa, devem ser bem ponderados e regulamentados com pormenor e equilíbrio, sob pena de permitirem um aproveitamento abusivo e contrário ao fim extra fiscal que visam alcançar. [2]
Por isso, o legislador não concede benefícios fiscais sem imposição de requisitos, condições ou pressupostos aos quais o sujeito passivo está obrigado, sob pena de se sujeitar à tributação normal prevista.
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No caso do regime jurídico em análise estamos perante um benefício fiscal condicionado, isto é, o benefício depende de se verificarem certos pressupostos previstos na lei.[3]
Ao consubstanciarem derrogações às regras gerais de tributação previstas na lei, os benefícios fiscais colocam, naturalmente, questões de cumprimento dos imperativos decorrentes dos princípios da capacidade de pagar e da igualdade, pelo que devem ser ponderados em função dos fins a salvaguardar. O seu suporte fundamentador é o fim social, económico ou de outra natureza que visa alcançar. Por isso mesmo nunca é incondicional ou concedido sem definição de pressupostos de facto e de direito bem definidos na lei.
Pelo que, caso esses pressupostos não se verifiquem o benefício fiscal não pode operar, quer se trate de benefícios automáticos quer dependentes de reconhecimento.
Como resulta do disposto nos artigos 12º do EBF “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento”. Daqui se depreende que a regra é que o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respetivos pressupostos previstos na lei.
Aliás, em reforço deste entendimento, o artigo 5º do EBF dispõe que os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo os primeiros resultantes direta e imediatamente da lei enquanto os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.
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A tudo isto acresce que nos termos do artigo 65º do CPPT “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”.
Para o caso em análise nos presentes autos releva, em particular, a última parte deste dispositivo legal, dado que o direito aos benefícios fiscais em causa depende exclusivamente da prova da verificação dos pressupostos previstos na lei.
Por último, nos termos do artigo 7º do EBF “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira.”
Posto isto, conclui-se que a LOE para 2014 veio, efetivamente, clarificar e estabelecer uma nova condição ao pressuposto legal já anteriormente previsto para o direito à isenção, a saber: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no prazo de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado ab initio.
Porém, não foi a aplicação deste prazo, introduzido na versão da LOE para 2014, que originou as liquidações impugnadas. Estas foram uma consequência derivada do facto de ter sido dado um destino ao prédio urbano em causa distinto daquele que, desde a introdução na ordem jurídica deste regime especial de tributação (2008), era exigido como pressuposto para o direito à isenção de IMT e de IS.
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Como resulta provado pelo teor das liquidações impugnadas o imóvel foi alienado por permuta, e foi por isso que o benefício fiscal caducou, por incumprimento do pressuposto para o direito à isenção.
Nas alegações juntas aos autos, as partes, renovam o que já haviam alegado anteriormente, sendo que a Requerente não alega nada de novo quanto a esta questão, crucial para aferir da (i) legalidade das liquidações.
Resulta provado que o prédio urbano em causa não teve como destino o arrendamento para habitação permanente nem a alienação ocorrida (referenciada nas notas de liquidação como permuta) ocorre por exercício do direito de opção de compra por parte do arrendatário.
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Ora, como se demonstra por tudo o que vem exposto, não está em causa a retroatividade ou não da LOE para 2014, nem se afigura existir qualquer lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, porquanto bem sabia que o pressuposto para operar as isenções de IMT e de IS, estabelecido desde a versão de 2008, era o de que as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos fossem destinados, exclusivamente, a arrendamento para habitação permanente. Por último, o novo regime estabelecido pela norma transitória contida no artigo 236º da LOE para 2014, não tem relação causal com a razão de ser das liquidações em causa, sendo que os normativos introduzidos não alteram os requisitos da isenção estabelecidos pelo regime especial de tributação aplicável aos SIIAH e FIIAH, em vigor desde 01-01-2009.
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Nesta conformidade, entende este Tribunal que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, impugnadas nos presentes autos, se afiguram legais, por serem conformes ao disposto no artigo 8º, nº7, alínea a) do regime jurídico dos FIIAH.
Sendo assim, considera-se improcedente o presente pedido arbitral.
Quanto ao pedido de Juros indemnizatórios:
34. Face à improcedência do pedido arbitral improcedem também os restantes pedidos, nomeadamente o de reembolso dos valores pagos, bem assim como o pedido de juros indemnizatórios.
V - DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter os atos tributários impugnados e absolver a Requerida de todos os pedidos formulados;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €1.224,00.
VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em €23.284,75 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS:
Fixa-se o valor das custas arbitrais em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de junho de 2016
O Tribunal Arbitral Singular,
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(Maria do Rosário Anjos)
[1] Cfr. Ac. STA de 21-01-2015, in proc. 0703/2014, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Como refere a este propósito Benjamim da Silva Rodrigues, in Garantias dos Contribuintes no Sistema Tributário, Homenagem a Diogo Leite de Campos, Editora Saraiva, 2013, S. Paulo, Brasil, págs. 55 e segs: “não obstante se tratar de “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, os referidos benefícios fiscais paralisam, em alguma medida, a potencialidade jurígena do facto tributário. “
[3] Neste sentido, segundo Alberto Xavier, in Direito Fiscal, Manuais da FDL, “os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários.”