DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A… – …, S.A.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
RELATÓRIO
A… – …, S.A., NIPC …, com sede na Rua …, n.º …, (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 26-11-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
A Requerente visa a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento de reclamação graciosa deduzida com referência à liquidação n.º …, respeitante a retenções na fonte de IRS do mês de Setembro de 2014, no montante de Euro 72.160,66, e, em consequência, a anulação da referida liquidação de imposto.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 27-11-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
Em 18-01-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou o CAAD que, ao abrigo do disposto no art. 13.º do RJAT, os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral foram parcialmente revogados, mantendo-se o indeferimento do recurso hierárquico e a liquidação de retenções na fonte a título de IRS no montante de Euro 70.518,42.
Nessa mesma data, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a revogação parcial dos actos tributários contestados, tendo informado o CAAD que pretendia o prosseguimento dos autos para apreciação da parte não revogada.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21-01-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-02-2016.
Notificada para se pronunciar sobre o pedido deduzido pela Requerente, a Requerida apresentou resposta, pugnando pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.
Por despacho de 17-03-2016, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT, tendo sido concedido às partes prazo para alegações.
DO PEDIDO DA REQUERENTE
No pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos, a Requerente solicitou (i) a declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada com referência à guia de retenções na fonte de IRS do mês de Setembro de 2014 com o n.º …, no valor de Euro 72.160,66, e, em consequência, (ii) a anulação da referida guia de pagamento de retenções na fonte.
Para fundamentar tal pedido, a Requerente alegou, em síntese, que:
a) A guia de retenções na fonte de IRS do mês de Setembro de 2014 com o n.º …, no valor de Euro 72.160,66, foi emitida por erro.
b) No período em causa, não foram pagas quaisquer remunerações aos trabalhadores pelo que o valor declarado de retenções de IRS e de sobretaxa, num total de Euro 70.413,00, não era devido.
c) As retenções na fonte correspondentes a rendimentos profissionais e rendimentos prediais, no montante total de Euro 1.642,24, eram efectivamente devidas pelo que o correspondente valor foi declarado e pago através da guia de retenções n.º ….
d) Relativamente aos rendimentos do trabalho, apesar de a Requerente ter efectuado o processamento salarial e registado os montantes a pagar a título de remunerações na conta # 231 “Remunerações a pagar” e ter registado o valor de retenções a entregar ao Estado nas contas # 2421 “Retenções de impostos sobre rendimentos – Trabalho dependente” e # 2425 “Retenções de impostos sobre rendimentos – Sobretaxa”, tais valores não foram pagos aos trabalhadores em Setembro.
e) As remunerações referentes ao mês de Setembro de 2014 só foram pagas em Dezembro de 2014 pelo que só nesse momento nasceu a obrigação de retenção de imposto.
f) Assim, na guia de retenções n.º …, referente ao mês de Dezembro de 2014, a Requerente declarou as retenções efectuadas nesse mês relativas às remunerações de Setembro de 2014.
g) A guia referente ao mês de Dezembro de 2014 está a ser paga no âmbito de um acordo prestacional celebrado com a Autoridade Tributária.
h) A recusa de anulação da referida guia n.º … implica o pagamento em duplicado da mesma dívida de imposto.
i) Nos termos do n.º 1 do art. 99.º do CIRS, a obrigação de efectuar a retenção de imposto por conta de IRS relativamente a rendimentos do trabalho nasce, apenas, no momento do seu pagamento ou colocação à disposição.
j) A própria Autoridade Tributária reconheceu que as remunerações de Setembro de 2014 não foram pagas nesse mês pelo que o acto tributário só se poderá manter se se concluir que as remunerações foram colocadas à disposição dos trabalhadores.
k) O mero processamento salarial com registos contabilísticos na conta # 63 “Gastos com pessoal” por conta das contas # 231 “Remunerações a pagar”, “Retenções de impostos sobre rendimentos – Trabalho dependente” e # 2425 “Retenções de impostos sobre rendimentos – Sobretaxa”, não implica qualquer colocação à disposição.
l) A demonstração de que, de facto, as remunerações de Setembro de 2014 não foram colocadas à disposição dos trabalhadores resulta das comunicações de resolução dos contratos de trabalho apresentadas pelos trabalhadores da Requerente, ao abrigo do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho.
m) Acresce que a Requerente está obrigada ao registo contabilístico dos custos com respeito pelo princípio da especialização, consagrado no SNC e no art. 18.º do Código do IRC.
n) Este princípio obriga à contabilização de todos os gastos e a sua imputação ao período de tributação a que respeitam, independentemente, da data em que os mesmos venham a ser pagos pelo que as remunerações mensais devidas aos trabalhadores devem ser mensalmente contabilizadas, no correspondente período de tributação.
o) As remunerações devidas aos trabalhadores, constituindo obrigações vencidas, devem ser contabilizadas na conta # 231 “Remunerações a pagar” e não na conta # 2722 “Credores por acréscimos de gastos” que é utilizada para reconhecimento de gastos cujas despesas só venham a ocorrer em período posterior.
p) A obrigação de registo contabilístico das remunerações a pagar na conta # 231 “Remunerações a pagar” com referência ao período a que respeitam e não no período em que as mesmas foram pagas resulta ainda da imposição legal de, independentemente do pagamento das remunerações, serem sempre devidas contribuições para a segurança social para cujo cálculo necessita a entidades patronal de processar os respectivos salários.
q) Ao processar as remunerações de Setembro de 2014 nos termos descritos, embora sem efectivo pagamento aos trabalhadores, a Requerente cumpriu as regras contabilísticas aplicáveis pelo que não se pode concluir, como fez a Autoridade Tributária, que os rendimentos se consideram postos à disposição dos trabalhadores naquele período.
r) Ao recusar a anulação da guia n.º …, a Autoridade Tributária exige à Requerente o pagamento em dobro do mesmo imposto, em flagrante violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da prevalência da substância sob a forma.
DA RESPOSTA DA REQUERIDA
A Requerida pugna pelo indeferimento do pedido deduzido pela Requerente, na parte não revogada ao abrigo do regime previsto no art. 13.º do RJAT, alegando sucintamente que:
a) De acordo com o SNC, os registos contabilístico relativos ao processamento de salários deverão ter em conta os correspondentes fluxos económicos e fluxos financeiros, variando em função dos mesmos.
b) Assim, quando as remunerações são pagas/colocadas à disposição nos períodos a que respeitam (fluxos económico e financeiro são coincidentes), o tratamento contabilístico será:
Débito: conta 63 – Gastos com o pessoal (pelo valor ilíquido)
Crédito: conta 231 – Remunerações a pagar (pelo valor líquido)
conta 242 – Retenção de imposto sobre rendimentos (pelo IRS)
conta 245 – Contribuições para a segurança social (pelos descontos seg. social)
c) Por sua vez, quando as remunerações são pagas/colocadas à disposição em momento posterior aqueles a que respeitam (fluxo económico é anterior ao fluxo financeiro) teríamos dois momentos para registo contabilístico:
- No período a que respeita o salário (fluxo económico):
Débito: conta 63 – Gastos com o pessoal (pelo valor ilíquido)
Crédito: conta 231 - Remunerações a pagar (pelo valor líquido),
conta 245 – Contribuições para a segurança social (pelos descontos seg. social)
conta 272 – Devedores e credores por acréscimos (pelos descontos cuja obrigação de pagamento ainda não ocorreu, v.g. IRS)
- No período em que o salário foi pago/colocado à disposição (fluxo financeiro):
Débito: conta 272 – Devedores e credores por acréscimos
Crédito: conta 242 – Retenção de imposto sobre rendimentos (pelo IRS devido com o pagamento/colocação à disposição)
d) Deste modo, fica assegurado o registo da totalidade do gasto no período a que respeita, independentemente do momento em que ocorre o pagamento da despesa, dando cumprimento pleno ao princípio da especialização dos exercícios.
e) Não será o registo na conta # 231 “Remunerações a pagar” que coloca as retribuições à disposição dos trabalhadores mas antes a contabilização a crédito da conta # 242 “Retenção na fonte sobre rendimentos”.
f) Compulsados os extractos contabilísticos carreados ao processo verifica-se que a entidade Requerente procedeu à contabilização, a crédito da conta # 2421 “Trabalho dependente”, das retenções na fonte de IRS incidentes sobre os vencimentos nos períodos a que os mesmos respeitavam.
g) Termos em que se conclui que os vencimentos foram colocados à disposição dos beneficiários no mês de setembro/2014, pelo que a guia de retenção n.º ….
h) Não haverá duplicação das retenções na fonte nos meses de Setembro e Dezembro porquanto a Requerente só procedeu ao registo a crédito na conta # 2421 “Trabalho dependente” no momento a que as remunerações respeitavam e nunca na data em que afirma terem sido pagas.
i) Quanto aos rendimentos empresariais e profissionais, a guia de retenção n.º … deve ser corrigida para € 105,42, correspondente à diferença entre o montante registado como retenções efectuadas no mês de Setembro de 2014 (Euro 672,91) e o montante declarado e pago por via da guia n.º … (Euro 567,49).
j) Quanto à sobretaxa, a obrigação de retenção surge no momento em que os rendimentos se tornem devidos, ainda que não haja pagamento ou colocação à disposição, tal como explicitado na circular n.º 23/2011, de 3 de Novembro, do Gabinete do Director Geral.
k) De qualquer forma, a Requerida considera que não está comprovado nos autos que as remunerações de Setembro de 2014 foram pagas em Dezembro de 2014 e que, consequentemente, haja duplicação de imposto.
m) A própria Requerente afirma que a sua contabilidade está organizada de acordo com as regras do SNC, o qual contempla contas adequadas à correcta inscrição dos movimentos económicos e financeiros associados ao pagamento de rendimentos.
n) Ora, é a contabilização a crédito da conta # 242 “Retenções na fonte sobre rendimentos” que identifica o pagamento/colocação à disposição ora controvertida.
o) Da consulta aos extractos contabilísticos apresentados pela Requerente resulta evidenciado o registo dos rendimentos controvertidos na referida conta # 242 “Retenções na fonte sobre rendimentos” com referência ao mês de Setembro de 2014 o que já não veio a suceder em Dezembro de 2014, não se provando, assim, que aqueles rendimentos só tenham sido pagos/colocados à disposição no mês de Dezembro bem como a consequente duplicação de colecta que a Requerente invoca.
p) Deve, por isso, improceder o pedido deduzido pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários contestados.
SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de capacidades tributária e judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II - FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 17-10-2014, a Requerente submeteu a guia de retenções na fonte n.º …, no valor total de Euro 72.160,66 que não se encontra paga.
2. A guia referida no número anterior correspondia a retenções na fonte de IRS efectuadas durante o mês de Setembro de 2014 sobre as seguintes categorias de rendimentos:
a) Trabalho dependente: Euro 66.338,00;
b) Empresariais e profissionais: Euro 672,91;
c) Prediais: Euro 1.074,75;
d) Sobretaxa extraordinária: Euro 4.075,00.
3. Em 11-12-2014, a Requerente submeteu a guia de retenções na fonte n.º …, no valor total de Euro 1.642,24 que foi paga.
4. A guia referida no número anterior correspondia a retenções na fonte de IRS efectuadas durante o mês de Setembro de 2014 sobre as seguintes categorias de rendimentos:
a) Empresarias e profissionais: Euro 567,49;
b) Prediais: Euro 1.074,75;
5. Com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente submeteu, a 08-10-2014, a Declaração Mensal de Remunerações com o código de identificação n.º …, com os seguintes valores:
a) Retenção de IRS: Euro 66.338,00;
b) Retenção de sobretaxa: Euro 4.075;
6. A Declaração Mensal de Remunerações identificada no ponto anterior foi substituída pela declaração n.º …, entregue a 12-01-2015, com os seguintes valores:
a) Retenção de IRS: Euro 66.338,00;
b) Retenção de sobretaxa: Euro 4.075;
7. Na conta # 2311 “Remunerações a pagar aos órgãos sociais”, com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente registou a crédito um total de Euro 4.885,70;
8. Durante o mês de Setembro, a Requerente não registou qualquer movimento a débito na conta # 2311 “Remunerações a pagar aos órgãos sociais”;
9. Na conta # 2312 “Remunerações a pagar ao pessoal”, com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente registou a crédito um total de Euro 207.629,38;
10. Durante o mês de Setembro, a Requerente não registou qualquer movimento a débito na conta # 2312 “Remunerações a pagar ao pessoal”;
11. Na conta # 2421 “Retenções de impostos sobre o rendimento – Trabalho dependente”, com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente registou a crédito um total de Euro 66.338,00;
12. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2014, a Requerente não registou a débito qualquer movimento na conta referida no ponto anterior;
13. Na conta # 2425 “Retenções de impostos sobre o rendimento – Sobretaxa de IRS”, com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente registou a crédito um total de Euro 4.075,00;
14. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2014, a Requerente não registou a débito qualquer movimento na conta referida no ponto anterior;
15. Na conta # 24221 “Retenções de impostos sobre o rendimento – Trabalhadores independentes IRS”, com referência ao mês de Setembro de 2014, a Requerente registou a crédito um total de Euro 672,91;
16. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2014, a Requerente não registou a débito qualquer movimento na conta referida no ponto anterior;
17. Durante os meses de Novembro e Dezembro de 2014, 31 trabalhadores da Requerente apresentaram cartas de resolução do contrato do trabalho por ausência de pagamento das remunerações devidas desde Setembro de 2014, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho.
18. Em 08-01-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa em que solicitou a anulação da guia n.º ….
19. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-05-2015, proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, em regime de substituição, ao abrigo de subdelegação de competências.
20. A Requerente recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
21. O recurso hierárquico presume-se indeferido no dia 31-08-2015.
22. Na sequência da dedução do pedido de pronúncia arbitral, a Requerida manteve parcialmente o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico e a autoliquidação de retenções na fonte de IRS do mês de Setembro de 2014 no montante de Euro 70.518,42.
B. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
C. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada.
II – FUNDAMENTAÇÃO (CONT)
O DIREITO
Objecto do litígio
I - A questão que importa analisar refere-se ao recurso interposto pela A… – …, SA, contra o indeferimento de recurso hierárquico apresentado na sequência de indeferimento de reclamação graciosa contra a liquidação constante na guia nº … relativa a retenções na fonte devidas por rendimentos de trabalho dependente no período de Setembro de 2014.
Dos documentos analisados e juntos aos presentes autos resulta que foram cumpridos todos os procedimentos administrativos correspondentes devendo, no entanto, concluir-se que as partes sufragam dois distintos entendimentos:
a) A Autoridade Tributária sustenta que “…não obstante tornarem evidente que os vencimentos de Setembro não foram pagos aos funcionários, também evidenciavam que a reclamante processou os vencimentos colocando-os assim, nos termos do disposto no artigo 99º do CIRS, à disposição dos seus trabalhadores” (fls 2/3 da Divisão de Justiça Administrativa - Direcção de Finanças de Lisboa, de 4 de Setembro de 2015), pelo que indefere a pretensão aduzida pela requerente quanto à anulação da guia em menção.
b) A A…, requerente nos presentes autos, entende que deve ser anulada a mencionada guia, com fundamento em ilegalidade por via da violação do princípio da capacidade contributiva e duplicação de colecta, já que invoca que os rendimentos relativos a Setembro de 2014 só foram efectivamente pagos em Dezembro, tendo, nessa data, procedido à liquidação e entrega dos valores referentes à retenção na fonte devidos, no contexto da guia … no valor global de €1.642,24.
II – Do que vem dito, parece ser possível identificar, com alguma clareza, que o objecto do presente litigio redunda na melhor interpretação do disposto no artigo 99º nº 1, alínea a) do C.IRS quando aí se dispõe que: “1. São obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, as entidades devedoras: a) de rendimentos de trabalho dependente…”.
Vejamos, assim, qual deve ser, o melhor entendimento para o disposto no citado preceito legal:
Sentido, extensão e alcance da norma jurídica aplicável:
a) O intérprete deve procurar, de acordo com a ordem sistemática dos elementos de interpretação da lei, apreender o sentido da norma, maxime o seu sentido útil, ou se, no caso vertente deve apurar quando deve ser efectuada e entregue a retenção da fonte do imposto devido pelos rendimentos de trabalho dependente;
b) Em primeiro lugar, no momento do pagamento de tais rendimentos, ou, diz a lei, no momento da colocação dos mesmos à disposição dos respectivos titulares;
c) Da nossa interpretação dos documentos juntos ao processo parece resultar que subsiste acordo entre a AT e a requerente, quanto à não verificação do pressuposto legal que exige que a retenção seja feita e entregue no momento do pagamento do rendimento;
d) Na verdade, parece ser um facto a reter que os rendimentos não foram efectivamente pagos em Setembro de 2014, apesar de terem sido escriturados nos livros relevantes, como se tal tivesse ocorrido;
e) Devemos, pois, dar o próximo passo e verificar se a circunstância de tais rendimentos terem sido devidamente escriturados tem como efeito útil e enquadrável na norma legal, o de terem sido colocados à disposição dos respectivos titulares;
f) O que significa, no contexto da norma, “… ou colocação à disposição….” é, pois, o que importa dilucidar;
g) A colocação do rendimento à disposição do seu titular significa que a empresa dispõe, na sua tesouraria, de fundos disponíveis para proceder ao pagamento logo e no momento em que for solicitada pelo beneficiário do rendimento;
h) Ora, no caso vertente, não resulta de qualquer dos documentos analisados que o beneficiário do rendimento o solicitou ou diligenciou para obter o seu pagamento;
i) Aliás, e para corroborar este entendimento, diga-se em similitude que, no caso de abuso de confiança fiscal, o crime não se concretiza se a entidade ainda que proceda contabilisticamente à retenção, se verifica que não dispõe de recursos para a entregar ao Estado, caso em que não se pode dar por verificado o facto da “apropriação indevida”, enquanto facto típico gerador do crime;
j) Assim, consideramos que a entidade devedora do rendimento do rendimento deve proceder à retenção e à sua entrega quando paga o rendimento ao beneficiário do mesmo, ou;
k) Quando coloca o rendimento à disposição do beneficiário, ou seja, quando dispõe de fundos/recursos de tesouraria que lhe permitam pagar o rendimento quando e no momento em que for interpelada para o efeito;
l) Temos, pois, que o sentido útil que deve ser retirado do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 99º do CIRS é o de que a retenção deve ser feita e correspondentemente entregue nos cofres do Estado no momento do pagamento do rendimento ou da sua colocação à disposição do respectivo beneficiário; sendo que:
m) No caso vertente nenhum destes pressupostos deve dar-se por verificado;
n) Esta mesma asserção é assumida quer pela AT quer pela requerente;
o) O que significa que a AT no contexto do seu entendimento se centra apenas na escrituração das correspondentes contas constantes dos elementos contabilísticos disponíveis, o que:
p) A nosso ver não é susceptível de ser enquadrado nos pressupostos legitimadores da aplicação da norma legal aplicável.
III - DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar totalmente procedente o pedido e, em consequência, decretar a anulação da guia de retenção na fonte nº …, respeitante ao mês de setembro de 2014, conforme pedido e
B) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.
Valor do processo
Em conformidade com o disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º - A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 72.160,66.
Custas
Nos termos dos artigos 12º nº 2, 22º nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 2.448,00 €, a cargo da AT, conforme anteriormente decidido.
[Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo colectivo de árbitros].
[A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990].
Lisboa, 8-6-2016
O Tribunal Arbitral Colectivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Maria Celeste Cardona
(Vogal)
Maria Forte Vaz
(Vogal)