Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 666/2015-T
Data da decisão: 2016-06-21  Selo  
Valor do pedido: € 22.847,50
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; andares ou divisões susceptíveis de utilização independente; inimpugnabilidade das prestações
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DECISÃO ARBITRAL

 

Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

Em 30 de Outubro de 2015, a “A…, Lda.”, titular do número de identificação fiscal…, com sede na …, n.º … …, …-… … (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, ao qual dizem respeito as primeiras e segundas prestações, no valor global de € 15.231,68 (quinze mil duzentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos) correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015… e 2015… .

Com efeito, não se conformando com as liquidações de Imposto do Selo acima identificadas a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, com fundamento em, ao que se julga:

                    i.               Vício de violação de lei por errónea interpretação e aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS);

                  ii.               Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS, por violação dos princípios da equidade, da legalidade, da capacidade contributiva, da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, nos termos do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP, na interpretação que dele faz a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Com a petição juntou 21 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo em prazo.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20 de Janeiro de 2016.

Em 19 de Fevereiro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta na qual se defendeu por excepção - alegando a inimpugnabilidade das prestações do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (a que corresponde o actual artigo 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro), ex vi, artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT -, e por impugnação, defendendo a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral e propugnando pela manutenção das notas de cobrança das primeiras e segundas prestações do Imposto do Selo, por consubstanciarem a correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Dezembro.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações.

Não foram apresentadas alegações.

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

A Requerida invocou, em sede de resposta, a excepção dilatória de inimpugnabilidade das prestações do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, em face do disposto nos artigos 23.º, n.º 7 do Código do Imposto do Selo e 113.º, n.º 1 e 120.º do Código do IMI, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

A eventual procedência da excepção invocada obsta ao conhecimento do mérito da causa, razão pela qual cumpre, desde já, decidir sobre a mesma.

Como se referiu, a Requerida invocou, em sede de resposta, a excepção dilatória de inimpugnabilidade das prestações do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo. Tudo porque, no entender da Administração Tributária, o objecto da impugnação judicial ou do processo arbitral tributário é o acto tributário de liquidação e a primeira e segunda prestações (e, presume este tribunal, também a terceira prestação), não são, em si mesmas, um acto tributário, mas uma mera divisão da liquidação global, efectuada anualmente.

Não lhe assiste, no entanto, razão. Isto pese embora as decisões que têm sido proferidas por alguns tribunais arbitrais designadamente a decisão proferida no âmbito do processo n.º 557/2015-T.

Veja-se porquê:

O itinerário cognoscitivo deste tribunal parte de uma distinção entre qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo e pagamento propriamente dito. A primeira questão dará lugar a que se venha a considerar admissível a impugnabilidade das prestações de actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, e, consequentemente, a competência deste tribunal; a segunda dará lugar a eventuais questões de litispendência, caso julgado ou excepções de intempestividade.

Só há, como se verá, uma liquidação de Imposto do Selo. O imposto decorrente destas liquidações pode é ser pago em três vezes. Se o contribuinte quer discutir a legalidade do imposto, o acto que está a ser sindicado é o acto de liquidação que lhe deu lugar, o prazo de reacção é que se conta da data da primeira, da segunda ou da terceira prestação, como veremos.

Como se sabe, a liquidação constitui a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se, assim, o valor devido pelo contribuinte. Neste seguimento o acto de liquidação é o acto administrativo através do qual aquela operação de cálculo do imposto devido é executada pela Administração Tributária.

CASALTA NABAIS distingue entre liquidação em sentido estrito e liquidação lato sensu, incluindo nesta, para além da operação de liquidação stricto sensu - aplicação da taxa à matéria colectável e consequente determinação da colecta –, outras operações destinadas a apurar o montante do imposto, incluindo o lançamento subjectivo – identificação do contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal –, o lançamento objectivo – determinação da matéria colectável de imposto, identificação da(s) taxa(s) a aplicar e eventuais deduções à colecta apurada. O mesmo autor, referindo-se à liquidação em sentido estrito, inclui a liquidação no segundo momento da dinâmica dos impostos, esclarecendo que:

[pela] liquidação, por seu turno, determina-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação” (Cf. Casalta Nabais (2015), “Manual de Direito Fiscal”, 297 e 62).

Para além disso:

 “A liquidação constituiu [também] um acto administrativo exequível, executivo, semi-executório e que, atento o seu carácter, por um lado, estritamente vinculado e, por outro, largamente massificado, se presta sobremaneira a ter natureza informática, ou seja, a ser praticado com recurso a meios informáticos, como já acontece, pois o nosso sistema prevê, impondo mesmo, a entrega e consulta das declarações dos contribuintes e de terceiros por via informática, isto é, de declarações electrónicas” (Cf. Casalta Nabais (2015), 301-302).

No que diz respeito à liquidação do Imposto do Selo é de referir que o artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 passou a dispor que:

“5- Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

E, por sua vez, o artigo 120.º do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redacção:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento

1 - O imposto deve ser pago:

a)Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b)Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c)Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 – (…).

3 – (…).

4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.” (destacados nossos)

Destas normas decorre que o pagamento do Imposto do Selo deve ser feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

Aqui há que deixar claro um ponto.

Uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto. Uma prestação é parte de uma liquidação de imposto que é dividida no tempo para efeitos de pagamento. Neste ponto, assiste razão à Requerida.

De facto, momentos de liquidação e momentos de pagamento são claramente individualizados na lei.

Para efeitos de pagamento já referimos as regras constantes da lei. Vejamos agora as regras para efeitos de liquidação.

Nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.ºda Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro:

“7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (destacado nosso).

Aqui vale a pena reforçar que a liquidação do Imposto do Selo é, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do respectivo Código, só uma. E é efectuada anualmente. Sendo que o seu pagamento pode, nos termos da lei – maxime do artigo 120.º do Código do IMI – ocorrer em três prestações cujo somatório perfazerá, à partida, o montante global da liquidação anual.

Ora, como um tribunal arbitral tributário já entendeu, no Processo n.º 726/2014-T, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efectuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não em tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – “a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas” e, acrescentamos nós, de repartição do encargo do imposto pelo sujeito passivo.

Na verdade, relativamente à liquidação de Imposto do Selo, tem vindo a ser reiteradamente afirmado em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD que (neste sentido, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 205/2013-T, 408/2014-T, 726/2014-T, 736/2014-T, 90/2015-T e 137/2015-T):

a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que, quando a lei prevê o seu pagamento em varias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros indemnizatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2015-T).

Aqui concordamos com as decisões acima referidas.

Porém, não se confunda.

Dizer que a liquidação de Imposto do Selo é só uma, e que não há tantas liquidações quantas as prestações, negando assim a sindicabilidade autónoma e individual de cada uma das prestações, não significa que se negue de todo a sindicabilidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que, para efeitos de pagamento, são divididos em duas ou três prestações.

Ou seja, não há dúvida que temos apenas um acto de liquidação do Imposto do Selo que, por força do disposto no artigo 120.º do Código do IMI, subsidiariamente aplicável, deve ser pago em três prestações. Cada prestação constitui apenas o pagamento tripartido do mesmo acto de liquidação do imposto (do Selo) em causa.

Este foi também o entendimento de um tribunal arbitral tributário, no processo n.º 479/2015-T, no qual se entendeu que:

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5]

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado. (…)

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

 Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas”. (…)

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço”.

Olhe-se então ao caso em concreto:

Relativamente ao prédio, em propriedade total, sito na Avenida … n.º…, inscrito sob a matriz predial urbana sob o artigo… em 2015, foram emitidos actos de liquidação de Imposto do Selo sobre o valor patrimonial de cada um dos andares/divisões susceptíveis de utilização independente, totalizando um valor sujeito a imposto de € 2.284.750,00.

Estes actos de liquidação deram lugar à emissão de notas de cobrança, por cada andar/divisão susceptível de utilização independente, para pagamento em três prestações. Todas elas parte integrante dos actos de liquidação.

Os actos de liquidação de Imposto do Selo em questão deram, portanto, lugar a uma primeira prestação no valor global de € 7.615,86 à qual correspondem as notas de cobrança 2015…, 2015 …, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015 … – e cujo prazo para pagamento era 30 de Abril de 2015.

Os mesmos actos de liquidação deram também lugar a uma segunda prestação, no valor de € 7.615,82 – à qual correspondem as notas de cobrança 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015 … e 2015 … – e cujo prazo para pagamento era 31 de Julho de 2015.

Dando ainda lugar a uma terceira de montante igual à segunda prestação cuja sindicabilidade foi requerida em processo autónomo sob o número 120/2016 e que, como se verá, também fará parte do objecto deste processo agora em análise.

Ao que aqui e agora importa, trata-se de um só acto de liquidação de imposto, emitido sobre o VPT da parte do prédio afecta à habitação, embora pago em três prestações, sendo que cada nota de cobrança, parte integrante de uma dada prestação – insista-se do mesmo acto tributário – diz respeito a uma divisão/andar susceptível de utilização independente.

E é a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que a Requerente contesta, ainda que tenha apresentado um pedido de constituição de tribunal arbitral para as primeiras e segundas prestações e um outro para as terceiras. Cada prestação, nos valores acima enunciados e que constam das notas de cobrança juntas aos presentes autos, faz parte/está incluída, dentro do valor total de imposto liquidado pela Requerida. A Requerente contesta aqui parte – a parte equivalente à primeira e à segunda prestações – de um todo – os actos de liquidação de Imposto de Selo emitidos.

Uma vez mais, não há dúvida que a liquidação de Imposto do Selo é só uma e que se faz anualmente. Também não há dúvida que acto de liquidação não se pode confundir com pagamento. Também não temos grandes dúvidas que quando o pagamento é bi ou tripartido o acto de liquidação que lhes dá origem não se descaracteriza em nota de cobrança ou em aparência de acto tributário na medida em que cada pagamento/prestação é parte de um todo, o acto tributário subjacente.

O que não se pode confundir são questões de objecto do pedido – anulação do acto tributário subjacente a uma ou várias prestações relativas ao pagamento desse acto – com questões de qualificação jurídica dos actos. Ou dito doutro modo, não se pode confundir qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo com pagamento propriamente dito.

É que da questão de saber qual objecto do pedido decorrem possíveis questões de litispendência, ou no limite, questões de caso julgado. Isto, no caso de os contribuintes impugnarem ou requererem pedidos de constituição de tribunais arbitrais para cada prestação na medida em que se está a analisar sempre o mesmo acto. O que de resto foi o que sucedeu quanto às terceiras prestações in casu no valor global de € 7.615,82 (sete mil, seiscentos e quinze euros e oitenta e dois cêntimos), correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015 … e que foram objecto do processo arbitral n.º 120/2016 onde foi proferida uma decisão de absolvição da instância por excepção de litispendência.

Isto é, se perante a notificação para pagamento da primeira prestação, o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, voltando a pedir a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do mesmo acto de liquidação quando é notificado da segunda e terceiras prestações, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado, na medida em que no âmbito destes três pedidos de constituição de tribunal arbitral apresentados, o pedido é sempre o mesmo: a anulação do acto de liquidação do Imposto do Selo, cujo pagamento é repartido em três prestações. Isto foi de resto o que sucedeu no processo n.º 120/2016 acima referido.

De todo o modo, e uma vez que a Requerente requereu a constituição do tribunal arbitral para contestar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo subjacente à primeira e à segunda prestações, em simultâneo, não se colocará, no presente processo, qualquer questão de litispendência ou caso julgado que se colocou no mencionado processo n.º 120/2016.

Insiste-se, porém, na ideia de que o objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente é a apreciação da (i)legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, da verba 28 da TGIS, referente ao ano de 2014, emitido sobre o valor patrimonial das partes do prédio com afectação habitacional. Deste modo, quando a Requerente requer a constituição de tribunal arbitral após o termo do prazo de pagamento voluntário da primeira e da segunda prestações, e ainda que esteja a trazer estas notas de cobrança ao conhecimento deste Tribunal Arbitral, o que pretende é, de facto, a sindicância dos actos de liquidação que lhes estão subjacentes estando portanto também incluída a discussão da legalidade das terceiras prestações no valor global de € 7.615,82 (sete mil, seiscentos e quinze euros e oitenta e dois cêntimos), correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015… .

A esta conclusão chegou, de resto, a própria Requerida, ao referir, no artigo 1.º da sua Resposta que:

O objecto do presente pedido de pronúncia arbitral é a anulação dos actos de liquidação do imposto de selo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, de 20/03/2015, sobre a soma do valor patrimonial tributário dos andares com afectação habitacional que compõem o prédio urbano acima identificado, a que correspondem os documentos de cobrança para pagamento das 1as e 2as prestações, com prazo limite de pagamento, respectivamente, de Abril e de Julho de 2015. (negrito nosso)

Já das segundas questões acima enunciadas, ou seja, das questões de qualificação jurídica dos actos decorre, frequentemente a “confusão” de competências dos tribunais, designadamente dos arbitrais, e, na formulação aqui adoptada pela Requerida, a alegada inimpugnabilidade das prestações de actos de liquidação de imposto (in casu, de Imposto do Selo).

A conclusão que acima temos vindo a defender, até se alcançaria numa argumentação mais empírica e consequentemente menos jurídica. Senão vejamos:

Se no caso dos impostos cujo pagamento não se efectua de uma só vez – como os casos eventualmente do IMI ou do Imposto do Selo – o contribuinte não é notificado do acto de liquidação mas tão só das duas ou das três prestações a que haja lugar, isto significaria que este não poderia reagir administrativa, judicial ou jurisdicionalmente a este acto (tributário, ou matéria tributária ou outro)? Uma conclusão como esta contrariaria, no mínimo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito, com assento constitucional quer no artigo 20.º, quer no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição.

Recorde-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe que para todo e qualquer conflito que mereça composição judicial seja possível encontrar um Tribunal competente e um meio processual que confira protecção adequada e suficiente aos interesses dignos de tutela jurídica.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo ele mesmo, “um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira (2010), “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 408)

Este princípio e direito fundamental está ainda vertido no artigo 9.º da LGT no qual se garante, no n.º 1, o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos e, no n.º 2, o direito de acesso aos tribunais, prevendo-se a possibilidade de impugnação ou recurso dos actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ora, no que em concreto respeita a questões de competência – aquelas que se prendem com a qualificação jurídica dos actos -, o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT determina a competência do tribunal arbitral para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Recuperando o que se referiu supra, o objecto do presente processo arbitral corresponde, sem sombra de dúvida, aos actos de liquidação de Imposto do Selo subjacente às notas de cobrança impugnadas, independentemente de, por mera técnica de arrecadação de receitas, o seu pagamento (e, logicamente, a sua cobrança) se encontrar repartida em duas ou três prestações.

E em nome do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estes actos de liquidação de Imposto do Selo – insista-se, embora sejam pagos em três prestações – serão, necessariamente, sindicáveis.

Deste modo, improcede a excepção dilatória de inimpugnabilidade das prestações de actos de liquidação.

Isto significa então que estando em causa a impugnação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, na sua totalidade, e não apenas das primeiras e segundas prestações deste imposto, há que corrigir oficiosamente o pedido da Requerente e o valor da causa para € 22.847,50 designadamente para efeitos de custas.

Com efeito, a doutrina tem entendido que, perante um erro na determinação ou na indicação do valor da utilidade económica do pedido pelo sujeito passivo, o tribunal arbitral deverá corrigir oficiosamente o erro, assim que se aperceba do mesmo, podendo fazê-lo por despacho, decisão interlocutória ou mesmo na decisão final (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, p. 284).

A par desta ampliação do pedido foi também declarada a litispendência no âmbito do processo n.º 120/2016 na medida em que se verifica a tripla identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica, do pedido e da causa de pedir, nos termos do artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.

Ou seja, verifica-se a repetição da causa neste processo e no processo acima referido na medida em que a Requerente em ambos os processos é a “A…, Lda” e a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, o pedido é igualmente idêntico, constituindo na declaração de ilegalidade e consequente anulação dos mesmos actos de liquidação do Imposto do Selo incidentes sobre as divisões com afectação habitacional do mesmo prédio, no ano de 2014. E, por fim, porque os fundamentos invocados de declaração de ilegalidade dos actos que se pretende impugnar são os mesmos - vício de violação de lei por errónea interpretação e aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e a inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS, por violação dos princípios da equidade, da legalidade, da capacidade contributiva, da justiça, e da igualdade e proporcionalidade fiscal, nos termos do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP, na interpretação que dele faz a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em face de tudo o exposto, este Tribunal Arbitral é competente para conhecer do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é a única proprietária plena do prédio em propriedade total sito na Avenida…, n.º…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho de Lisboa, sob o artigo… (doravante “o prédio”).
  2. O prédio compreende um total de 12 (doze) divisões com utilização independente, estando duas afectas a comércio/serviços e as restantes 10 afectas a habitação (Cf. Doc. 21 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  3. O prédio tem um valor patrimonial tributário de € 2.923.710,00 (dois milhões, novecentos e vinte e três mil, setecentos e dez euros) (cf. Doc. 21 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  4. Todas as divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional foram objecto de avaliação individual, em 2014, tendo o seu valor patrimonial sido determinado separadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do Código do IMI.
  5. De acordo com a avaliação efectuada, foi atribuída a cada uma das divisões o seguinte valor patrimonial (cf. Doc. 21 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral):

Andar/divisão

VPT

1.º

245.670,00

2.º

245.670,00

3.º

245.670,00

4.º

245.670,00

5.º

248.100,00

6.º

248.100,00

7.º

243.520,00

8.º

250.540,00

9.º

250.540,00

Port./10.º

61.270,00

 
  1. A soma do valor patrimonial das divisões com afectação habitacional perfaz o valor de € 2.284.750,00 (dois milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, setecentos e cinquenta euros).
  2. Em 20 de Março de 2015, a Requerida liquidou Imposto do Selo previsto na Verba 28.1 da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial de cada uma das divisões do prédio, susceptíveis de utilização independente, e afectas a habitação, no valor global de € 22.847,50 resultado do somatório das três prestações de todos os actos de liquidação.
  3. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

1.º

2015…

€ 818,90

2.º

2015 …

€ 818,90

3.º

2015 …

€ 818,90

4.º

2015 …

€ 818,90

5.º

2015…

€ 827,00

6.º

2015 …

€ 827,00

7.º

2015…

€ 811,74

8.º

2015…

€ 835,14

9.º

2015 …

€ 835,14

Port./10.º

2015 …

€ 204,24

Total:

€ 7.615,86

(conforme Docs. 1, 3, 5, 7, 9. 11, 13, 15, 17 e 19 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

1.º

2015…

€ 818,90

2.º

2015…

€ 818,90

3.º

2015…

€ 818,90

4.º

2015…

€ 818,90

5.º

2015 …

€ 827,00

6.º

2015 …

€ 827,00

7.º

2015 …

€ 811,73

8.º

2015 …

€ 835,13

9.º

2015 …

€ 835,13

Port./10.º

2015…

€ 204,23

Total:

€ 7.615,82

(conforme Docs. 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18 e 20 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das terceiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança

Valor a pagar

1.º

2015 …

€ 818,90

2.º

2015…

€ 818,90

3.º

2015 …

€ 818,90

4.º

2015 …

€ 818,90

5.º

2015…

€ 827,00

6.º

2015…

€ 827,00

7.º

2015…

€ 811,73

8.º

2015…

€ 835,13

9.º

2015 …

€ 835,13

Port./10.º

2015 …

€ 204,23

Total:

€ 7.615,82

 

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

 

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo emitidos sobre a parte afecta à habitação do prédio acima descrito.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributário impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributário de liquidação de Imposto do Selo e, consequentemente, das notas de cobrança das prestações pelas quais a sua liquidação foi repartida. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação dos actos, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, este tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

 

Vício de violação de lei

A questão a decidir consiste em determinar se os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo que incidiram sobre o valor do prédio supra descrito, afecto à habitação, são ou não ilegais, por vício de violação de lei, pela errónea interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS.

Assim, cabe antes de mais referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro, que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à TGIS a Verba 28, a qual dispõe que:

 “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da Verba 28.1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1%.

Dir-se-á, então, que são três os pressupostos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, a saber (1) o imóvel tratar-se de um prédio; (2) que esse prédio tenha afectação habitacional; e (3) que o valor patrimonial tributável (VPT) constante da matriz e utilizado para efeitos de liquidação de IMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Para a concretização dos primeiros dois pressupostos, importa, portanto, atender ao conceito de prédio com afectação habitacional.

Ora, o Código do Imposto do Selo não define o conceito de “prédio”, nem tampouco o de “prédio com afectação habitacional”. Com efeito, é o próprio artigo 1.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo que determina que “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)”.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é:

toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

Por seu turno, terão afectação habitacional os prédios urbanos “(…) que tenham como destino normal cada um destes fins”, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 6.º, n.º 2, do Código do IMI.

No caso em concreto, estamos perante um prédio urbano, em propriedade total ou em regime de propriedade vertical. Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido pelo legislador – o supra citado – não restam dúvidas que o prédio ora em análise, propriedade da Requerente se encontra literalmente abrangido pela verba 28.1 da TGIS.

Não obstante, trata-se de um prédio composto por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, também elas com afectação habitacional, conforme se retira da Caderneta Predial Urbana, junta como Doc. 21 com o Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

Refira-se, porém, que a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade vertical e prédio em propriedade horizontal. De facto, o artigo 2.º, n.º 4, do Código do IMI limita-se a determinar que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”. O que o preceito determina é que as fracções autónomas são havidas como prédios. Tal não implica, porém, que as fracções autónomas sejam havidas como prédios habitacionais cujo valor patrimonial tributário, para efeitos do disposto na Verba 28.1, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Restará, pois, determinar se o VPT relevante neste caso, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, será o VPT “global” do prédio, ou o VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, individualmente considerados.

Ora, conforme resulta da própria Verba 28.1 da TGIS e, bem assim, do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá sobre o VPT utilizado para efeitos de IMI.

Os artigos 38.º e seguintes do Código de IMI definem o modo de determinação do VPT para efeitos daquele imposto, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º daquele mesmo Código.

Mais acresce que o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI dispõe que:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

Deste modo, para efeitos de liquidação de IMI, a cada parte do prédio susceptível de utilização independente é atribuído um VPT individual, sendo descriminado na matriz predial do prédio em propriedade total ou vertical. É então sobre esse VPT separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI, ou seja, em relação a cada andar, parte ou divisão do prédio com utilização independente. Note-se que há tantas liquidações quantos andares ou divisões independentes.

A este respeito, saliente-se o decidido no âmbito do processo arbitral n.º 194/2014-T, onde se escreveu que

o Código de IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

Assim, a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI corresponde um único artigo na matriz (…) mas, segundo o n.º 3 do artigo 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…) «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário» (…).

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI (…)”.

Em suma, para efeitos de IMI, o VPT a considerar será o VPT de cada um dos andares, partes ou divisões do prédio susceptíveis de utilização independente.

E deste modo, se a própria Verba 28 da TGIS remete para os termos do Código do IMI, as mesmas regras e princípios terão, necessariamente, de ser aplicáveis em sede de Imposto do Selo. À mesma conclusão se chegaria por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

Assim, se nos termos do artigo 11.º da LGT a interpretação das leis tributárias deve ser efectuada atendendo aos princípios gerias de interpretação; e se se deve partir do pressuposto de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9.º do Código Civil), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba 28.1 da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, cujo VPT seja inferior a € 1.000.000,00.

A verdade material é, pois, o critério determinante da capacidade contributiva, sendo irrelevante a mera realidade jurídico-formal do prédio. Com efeito, e como se disse supra, o legislador não distinguiu entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical. Por conseguinte, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

Recordando o que disse o tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 50/2013-T:

“(…) considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. (…)

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

(…)

Assim, a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

O legislador fiscal (…) não efectua nenhuma distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, pelo que não pode a AT, tratar situações iguais de forma diferente.”

Esta interpretação – a de que o VPT relevante para efeitos da Verba 28.1 da TGIS é aquele que é imputado a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e não o somatório de todos esses valores – é a interpretação que resulta, de resto, da ratio do Verba 28.1 e, consequentemente, das razões que determinaram a tributação, a título de Imposto do Selo, dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

Com efeito, na exposição de motivos da proposta de lei nº 96/XII (2ª) que esteve na origem da Lei nº 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Para além disso, a verdade é que a Requerida emitiu actos de liquidação para cada divisão susceptível de utilização independente e com afectação habitacional, tal como faria se o prédio estivesse constituído em propriedade horizontal. Contudo, numa actuação aparentemente contraditória, considerou para efeitos de incidência do Imposto do Selo o VPT global do prédio, invés de considerar o VPT de cada fracção

Deste modo, na medida em que nenhum dos andares, partes ou divisões do prédio, com utilização independente, tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00 (cf. resulta dos documentos juntos aos autos), conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS. Verifica-se, pois, um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação, referentes ao ano 2014, subjacente às notas de cobrança n.ºs 2015…; 2015…2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…; 2015…; 2015…, 2015…, 2015… e 2015… .

c) Anular a liquidação de Imposto do Selo supra referida;

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 22.847,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. À Requerente devem ser devolvidos € 918,00 porquanto foi o valor pago com base no valor inicial do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

21 de Junho de 2016

 

 

A Árbitro

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.