DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, S.A., contribuinte n.º…, doravante designada por Requerente, apresentou em 25/09/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação da «…liquidação adicional n.º 2015 … (…) relativa a Imposto do Selo respeitante ao ano de 2014, no montante global de € 9436,42…».
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 23/11/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 09/12/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 10/12/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5.Em 05/01/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invocou a excepção de caso julgado e juntou a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 334/2015-T.
1.6.O tribunal, perante tal excepção, em 12/01/2016 convidou a Requerente a pronunciar-se quanto à mesma.
1.7.A Requerente, regularmente notificada em 12/01/2016, nada disse.
1.8.O tribunal em 18/04/2016 dispensou a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, bem como determinou que as partes, querendo, apresentassem alegações escritas e agendou data para a prolação da decisão final.
2. OBJECTO DO LITÍGIO
A Requerente sustenta, em resumo, que a «…liquidação adicional n.º 2015 … …» é ilegal, porquanto se resulta do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência de Imposto do Selo.
Razão pela qual, termina solicitando a anulação da «…liquidação acima mencionada».
Por seu turno, a Requerida defende que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação da nota de cobrança n.º 2015…, respeitante à 2.ª prestação de Imposto do Selo – verba 28 – do ano de 2014. Alega ainda que a Requerente, na sequência da notificação para o pagamento da 1.ª prestação da mesma liquidação já havia formulado pedido de pronúncia arbitral e que este deu origem ao processo n.º 334/2015-T, no qual há decisão final que julga «…improcedente o pedido formulado pela Requerente, decidindo-se manter na ordem jurídica o acto de liquidação de Imposto do Selo…».
Por isso, entende que não estamos no domínio do instituto da inutilidade superveniente da lide, mas da litispendência, já consolidada em caso julgado.
3. MATÉRIA DE FACTO
3.1. Factos que se consideram provados
3.1.1. A Requerente em 31 de Dezembro de 2014 era titular do direito de propriedade do imóvel a que corresponde a inscrição matricial n.º…, urbano, freguesia de…, concelho da Figueira da Foz, inscrito como terreno para construção e com um valor patrimonial tributário (VPT) de € 2 830 928,91.
3.1.2. A liquidação de Imposto do Selo do imóvel no ano de 2014 foi de € 28 309,27.
3.1.3. A Requerente solicitou a anulação da «…liquidação adicional n.º 2015…, datada de 20.03.2015 (…) no montante global de € 9436,42…».
3.1.4. A Requerente tinha apresentado pedido de constituição de tribunal arbitral junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), relativamente à 1.ª nota de cobrança da liquidação descrita em 3.1.2. da presente.
3.1.5. Tal pedido deu origem ao processo n.º 334/2015-T, no qual há decisão arbitral que julgou «…improcedente o pedido formulado pela Requerente, decidindo-se manter na ordem jurídica o acto…».
3.2. Factos que não se consideram provados
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
3.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos aos autos e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
4. QUESTÃO PRÉVIA
A Requerida na sua resposta defende-se invocando a excepção de caso julgado.
Sucede que, o tribunal deve oficiosamente conhecer das excepções dilatórias previstas no art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 577.º, al. a) e 578.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do art. 29.º, n.º 1 do RJAT.
Assim, constitui um imperativo conhecer, desde logo, da competência do tribunal para apreciar a pretensão da Requerente.
A este respeito e em anotação ao art. 16.º do CPPT sustenta a doutrina que: «As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso e o seu conhecimento precede o de qualquer outra questão (…). Assim, as incompetências em razão da matéria e em razão da hierarquia, em processos judiciais, devem ser conhecidas oficiosamente, precedendo o conhecimento de quaisquer outras questões e podem ser arguidas pelos interessados…»[1].
Consequentemente, é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT. Mais concretamente, o art. 2.º, n.º 1 do RJAT dispõe que: «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;».
Mais, o art. 97.º, n.º 1 do CPPT estatui que: «O processo judicial tributário compreende: a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;”.
A primeira conclusão a retirar consiste no facto da pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poder ser objecto de impugnação judicial ou, em alternativa, de pedido de pronúncia arbitral.
Contudo, será que podem ser objecto do pedido de pronúncia arbitral a nota de cobrança da 2.ª prestação relativa à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014?
Para responder a tal questão, importa, desde logo, recortar o conceito de liquidação para aferir da competência do tribunal.
Em concretização de tal o conceito ensinava VÍTOR FAVEIRO[2]: «…trata-se de um acto administrativo, de aplicação de norma de incidência e da respectiva taxa de quotidade, à matéria colectável prévia ou supostamente determinada; da expressão aritmética do valor pecuniário da obrigação tributária correspondente, e sua imputação à pessoa do contribuinte; e da declaração, substantiva e formal, de tal operação e sua notificação ao contribuinte, com efeitos definitivos e executórios de efectiva obrigação do contribuinte e direito subjectivo de crédito do Estado». Nesta linha, acrescenta BRAZ TEIXEIRA: «É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por actos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efectuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação».[3]
Ora, tais definições partilham de um denominador comum, isto é, que existirá uma única liquidação por cada facto tributário, através da qual se apurará o valor da colecta. Consequentemente, se assim o é, cada liquidação pode ser objecto de uma única impugnação.
No âmbito do Código do Imposto do Selo (CIS) é possível vislumbrar o que supra se afirmou no art. 23.º, n.º 7 ao estatuir-se que: «Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI». O art. 113.º, n.º 1 do CIMI dispõe que: «O imposto é liquidado anualmente…» e o n.º 2 acrescenta que: «A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte».
Deste modo, o facto de a liquidação poder ser paga em prestações, não significa que, por via de regra, tenham sido praticadas várias liquidações. Em bom rigor, a liquidação é una e, se assim o é, apenas pode alicerçar um único pedido de impugnação[4].
Revertendo tal interpretação para o caso sub judice importa, desde logo, apurar qual foi o objecto de impugnação. Em tal âmbito, a Requerente escreveu «…liquidação adicional n.º 2015 … (…) relativa ao Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, no montante global de € 9436,42…», pelo que, tal vontade permite sustentar que pretende a anulação da 2.ª prestação da nota de cobrança.
Ora, resulta claro que a Requerente subsume a 2.ª prestação de imposto a uma liquidação, porque se assim não fosse, não tinha feito qualquer referência ao valor da 2.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo e ao número da consequente nota de cobrança.
Mas, sempre se podia colocar a questão do convite à correcção do pedido de pronúncia pela Requerente. Cremos que tal não sucede, porquanto, desde logo, se é possível ao tribunal aceitar a correcção relativamente ao valor do processo, o mesmo não pode acontecer relativamente ao próprio acto objecto do pedido e esse, no caso sub judice refere-se à 2.ª prestação de Imposto do Selo do ano de 2014. Nesta linha, afirma a jurisprudência no âmbito da decisão arbitral proferida no processo n.º 741/2014-T e em que assumiu as funções de árbitro-presidente o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: «…as correcções das peças processuais a que alude a alínea c) do n.º 1 do art. 18.º têm de ser entendidas como respeitando à sua falta de adequação para apreciação da legalidade do acto que é objecto do pedido de pronúncia arbitral e não de qualquer outro, não se estendendo essa possibilidade à substituição do acto que é objecto do pedido. Decerto que serão abrangidos pela possibilidade de correcção de deficiências na identificação do acto que o Sujeito Passivo impugnou, como erro na indicação do seu número ou sua data ou valor da liquidação, pois serão casos em que a correcção não envolve substituição do acto que é objecto do processo, apenas visando tornar clara a expressão da vontade de o Sujeito Passivo o impugnar. Mas, diferente de correcções desse tipo serão os casos em que está perfeitamente identificado o acto que foi objecto do pedido de pronúncia arbitral e não houve qualquer erro na expressão da vontade do Sujeito Passivo».
Razão pela qual, se a vontade da Requerente consistiu na impugnação da 2.ª prestação de Imposto do Selo do ano de 2014, como resulta da peça processual, tornou-se inviável qualquer alteração.
Consequentemente, o acto subjacente ao pedido de pronúncia arbitral não constitui actos de liquidação de tributos descritos no art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, pelo que, o tribunal é materialmente incompetente, excepção dilatória que se declara, nos termos do previsto no art. 16.º, n.º 1 do CPPT, o que determina a absolvição da instância da Requerida, cfr. art. 99.º, n.º 1 e art. 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por via do art. 29.º, n.º 1 do RJAT.
O art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT dispõe que: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;...».
Assim, o reconhecimento da incompetência deste tribunal em função da inimpugnabilidade autónoma das prestações do Imposto do Selo, torna inútil a apreciação da excepção invocada pela Requerida, ficando, ainda inviabilizada a apreciação do mérito da causa.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide reconhecer-se a incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, absolver a Requerida da instância, com todas as consequências legais.
6. VALOR DO PROCESSO
A Requerente, apesar de ter concretizado a liquidação pela nota de cobrança da 2.ª prestação de Imposto do Selo do ano de 2014 e com fonte na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a verdade é que a utilidade económica do pedido determina-se pelo valor da liquidação, como estabelece o art. 97.º – A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, do RJAT. Consequentemente, se tal valor é de € 28 309,27, como se apurou, tem de ser esse o montante a considerar para determinação do valor do processo.
Ora, contra tal posição ainda se podia argumentar que esse valor não corresponde àquele que a Requerente delimitou como objecto do processo. Sucede que o tribunal deve atender a todos os elementos constantes nos autos, cfr. art. 308.º do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1 do RJAT. Assim, se consta no processo que o montante da liquidação de Imposto do Selo é de € 28 309,27 é esse o valor que o tribunal deve atender para concretizar a utilidade económica do pedido.
Por tal somatório de razões, fixa-se o valor do processo em € 28 309,27, nos termos do art. 97.º – A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
7. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerente, no montante de € 1530, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 7 de Junho de 2016
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, Vislis Editores, 2003, pág. 141.
[2] O estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra Editora, 2002, pág. 683.
[3] Princípios de Direito Fiscal, volume I, 3.ª edição, Almedina, 1993, pág. 244, nota de rodapé 3.
[4] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 346/2015-T, no qual assumiu a função de árbitro a Mestre MARIANA VARGAS e a respeitante ao processo n.º 736/2014-T, na qual assumiu a função de árbitro o Mestre MARCOLINO PISÃO PEDREIRO.