Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 14/2011-T
Data da decisão: 2013-01-04  IRC  
Valor do pedido: € 1.583.235,66
Tema: Fusões inversas, neutralidade fiscal, dedutibilidade de encargos financeiros
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Acórdão arbitral

Processo n.º 14/2011-T

 

I. Relatório1

 

1. A ..., SA, pessoa colectiva n.º …, com o capital social de €1.497.000,00 e com sede na …, também conhecida por A ... (de ora em diante, a Requerente), invocando atuar “a título pessoal e na imputada qualidade de “sociedade incorporante” das sociedades já extintas” B ..., SA, ex-contribuinte n.º … e C ... SGPS, SA, ex-contribuinte n.º …, apresentou em 15.11.2011, pedido de pronúncia arbitral em relação aos atos, a seguir identificados, de fixação da matéria tributável e de liquidação de IRC respeitantes a 2007, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira2 (a seguir, Requerida ou AT).

 

a) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (de ora em diante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), a Requerente fez constar a sua intenção de designar árbitro para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido RJAT.

 

3. Em consequência, a constituição do Tribunal Arbitral processou-se em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT. A AT designou como árbitro o Senhor Dr. João Menezes Leitão, que foi objecto de pedido de recusa apresentado pela Requerente, o qual foi julgado improcedente por decisão de 22 de dezembro de 2011 do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa. Subsequentemente, a Requerente designou como árbitro a Senhora Professora Doutora Ana Paula Dourado. Por seu turno, os árbitros indicados pelas partes designaram por acordo, com observância do prescrito pelo artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Doutor Domingos Brandão de Pinho como árbitro-presidente.

 

4. A reunião prevista no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT teve lugar em 9.1.2012, que é assim, nos termos do n.º 8 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a data em que o Tribunal Arbitral se considera constituído.

 

5. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Coletivo, composto pelo Senhor Juiz Conselheiro Doutor Domingos Brandão de Pinho (árbitro-presidente), pela Senhora Professora Doutora Ana Paula Dourado (árbitro designado pela Requerente) e pelo Senhor Dr. João Menezes Leitão (árbitro designado pela Requerida), foi regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

b) História processual

 

6. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir requerimento inicial ou RI) a Requerente pediu, em cumulação de pedidos, a declaração de ilegalidade dos seguintes atos praticados pela administração tributária: a) ato de fixação da matéria tributável e respetivas correções aritméticas para o ano de 2007 em sede de IRC relativamente à B ..., SA (de ora em diante B ...) quanto ao valor de €466.216,24; b) ato de fixação da matéria tributável e respetivas correções aritméticas para o ano de 2007 em sede de IRC relativamente à C ... SGPS, SA (de ora em diante, C ... SGPS ou C ...) quanto ao valor de €4.241.231,50; c) ato de liquidação adicional de IRC n.º 2011 ... relativo a 2007 e de juros compensatórios n.ºs 2011 ... e 2011 ..., e acerto de contas n.º 2011 ..., com saldo a pagar de €107.920,27, respeitantes à Requerente, parcialmente contestados quanto à correção relativa aos encargos financeiros no montante de €342.418,19, a que corresponde o valor proporcional de imposto e juros liquidados de €104.340,61.

Mais requereu, ainda, que “seja reconhecido o direito da Requerente à indemnização prevista nos artigos 171.° do CPPT e 53.° da LGT, ex vi artigo 13.°, nº 5, do Decreto-Lei nº 10/2011, caso venha a ser prestada qualquer garantia pela Requerente com vista à suspensão de processo de execução fiscal instaurado em virtude da dívida de IRC cuja legalidade ora se contesta”.

 

7. A Requerente imputou a estes atos, em termos que a seguir melhor se concretizarão, os seguintes vícios: i) vício de forma e de violação de lei por desconsideração e preterição do exercício do direito de audição; ii) violação do prazo de caducidade do início do procedimento para aplicação da disposição anti-abuso do art. 67.º, n.º 10 do CIRC (atual art. 73.º); iii) violação de lei por caducidade do direito à liquidação nos termos do art. 45.º, n.º 2 da LGT; iv) erro nos pressupostos de facto e fundamentação incongruente do Relatório de inspeção respeitante à B ...; v) violação do art. 23.º do CIRC quanto à não dedutibilidade dos encargos financeiros da B ...; vi) errónea quantificação do montante da correção ao lucro tributável relativo à B ...; vii) ilegalidade da interpretação do regime da neutralidade do n.º 1 do art. 67.º do CIRC (atual n.º 1 do art. 73.º); viii) violação do art. 23.º do CIRC quanto à não dedutibilidade dos custos na Requerente com o financiamento contraído pela B ....

 

8. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificarem os vícios apontados pela Requerente aos atos impugnados.

 

9. Por requerimento superveniente de 3.2.2012 (a seguir abreviadamente RS), a Requerente, depois de referir ter recebido em 30 de novembro de 2001 “uma carta que lhe era dirigida (...) acompanhada de várias notas de liquidação adicional de IRC de 2007, respetivos juros compensatórios e documentos de ‘demonstração de acerto de contas’” relativos às sociedades B ... e C ..., veio “ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 63.º do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1, alínea c) do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a ampliação do pedido do presente processo arbitral no sentido da apreciação da ilegalidade do ato praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Águeda com o propósito de responsabilizar a Requerente pelo pagamento do imposto, e das próprias liquidações adicionais de IRC, juros compensatórios e acertos de contas identificados (...), com a consequente ampliação da causa de pedir no sentido de se apreciar os vícios exclusivos de todos estes atos nos termos supra expostos, tudo com as devidas consequências legais”.

 

10. A Requerida respondeu, conforme articulado de 16.2.2012, pugnando pela improcedência da ampliação do pedido e da causa de pedir, e requerendo que se determine: “a) a inexistência de superveniência (objetiva ou subjetiva) suscetível de integrar a previsão do n.º 1 do artigo 63.º do CPTA; b) a não sindicância dos aludidos atos nos termos formulados no pedido de pronúncia arbitral; e a c) improcedência das demais ilegalidades invocadas”.

 

11. Na primeira reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, conforme ata de 27.3.2012, depois de terem sido ouvidas as partes sobre as exceções obstativas do conhecimento do pedido, sendo que a Requerente se pronunciou igualmente por escrito por requerimento de 1.3.2012, o Tribunal Arbitral decidiu, acedendo ao pedido da Requerente nesse sentido, elaborar uma decisão interlocutória, de tipo saneador, resolvendo todas as questões constantes dos autos – como lhe é permitido pela al. b) do n.º 1 daquele normativo – que, num princípio de lógica processual, “seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido”.

 

12. Em consequência, foi proferido por este Tribunal Arbitral o acórdão de 2 de abril de 2012, que se aqui dá por integralmente reproduzido, em que se decidiu:

1 – Admitir a pretendida cumulação/ampliação dos pedidos/causas de pedir.

2 – Operar, nos termos da alínea c) do art. 16.º do RJAT, a “reconstrução” do processo, consistindo os pedidos na anulação das liquidações adicionais de IRC, respetivos acerto de contas e juros compensatórios, tendo como causas de pedir as ilegalidades invocadas, nomeadamente das correções à matéria tributável e correções aritméticas que delas são causa.

3 – Declarar a inexistência, a partir de 1 de janeiro de 2012, do efeito suspensivo do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, por revogação do artigo 14.º do RJAT, rejeitando-se, consequentemente todos os pedidos constantes de fls. 20 do requerimento de ampliação, a saber: “(iii) anulem ou determinem a notificação da AT no sentido de anular de imediato os atos de liquidação tributária notificados à Requerente duas semanas após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral; e/ ou, (iv) ordenem que a AT extinga os processos executivos respeitantes às sociedades 'C ... SGPS, SA' e 'B ... Indústria, SA', já identificados nos Autos; ou, pelo menos, (v) ordenem que a AT se abstenha de adotar qualquer procedimento executivo com impacto na esfera jurídica da Requerente a respeito das execuções relativas às sociedades 'C ... SGPS, SA' e 'B ... Indústria, SA', ordenando a imediata suspensão dos respetivos processos executivos até o final do presente processo arbitral com natural dispensa da prestação de garantia que não era exigida por lei à data da submissão do presente processo.

4 – Não tomar conhecimento do procedimento antiabuso, a que se refere o artigo 67.º n.º 10 do CIRC (atual artigo 73.º) e consequentemente da existência, ou não, de razões económicas válidas para a fusão, bem como da alegada caducidade do mesmo procedimento.

5 – Julgar o Tribunal Arbitral incompetente para arbitramento da indemnização referente a eventual prestação de garantia, com vista à suspensão de execuções instauradas ou a instaurar contra a requerente, bem como à própria prestação daquela.

 

13. Por requerimento de 4.4.2012, a Requerente solicitou “a prossecução da instrução do processo arbitral, com recurso a produção de prova testemunhal”, bem como a “gravação por sistema sonoro e em registo áudio da referida produção de prova oral, ao abrigo do artigo 522.º-C do CPC, aplicável ex vis alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime da Arbitragem Tributária”. Por despacho de 16.4.2012 determinou-se a notificação da Requerente para, se ainda tiver interesse, apresentar o rol de testemunhas, com obediência ao prescrito no art. 118.º, n.º 1 do CPPT, indicando os factos a que cada testemunha iria depor. Por requerimento de 2.5.2012, a Requerente confirmou o seu interesse na produção da prova testemunhal, indicou o rol de testemunhas e a matéria sobre que pretendia a sua inquirição e justificou a pretendida gravação da prova.

 

14. Por despacho de 12 de junho de 2012, indeferiu-se o requerimento da Requerente para produção de prova testemunhal, dado que “a inquirição das testemunhas constituiria um ato inútil proibido por lei – artigo 137.º do CPC – estando o tribunal, desde já, habilitado, em termos factuais para conhecer do pedido”. A Requerente solicitou, por requerimento inserido no sistema em 20.6.2012, o esclarecimento e reforma da decisão assim proferida, tendo o Tribunal, após resposta da Requerida, indeferido o requerido, mantendo a decisão sobre a desnecessidade de prova testemunhal, conforme despacho inserido no sistema em 27.6.2012.

 

15. No dia 5.7.2012, conforme ata respetiva, teve lugar reunião do Tribunal Arbitral para alegações orais pelas partes, tendo a Requerente, então, também solicitado, o que foi admitido, a junção aos autos de dois documentos.

 

16. Na mesma reunião, o Tribunal, em atenção à complexidade das questões suscitadas no processo, prorrogou o prazo para a decisão arbitral pelo período de dois meses, em conformidade com o previsto no n.º 2 do art. 21.º do RJAT. Por despacho arbitral de 16.10.2012, determinou-se, dada a complexidade do processo, uma última prorrogação do prazo para a decisão arbitral, nos termos do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, por dois meses.

 

II. Objecto do processo e questões a apreciar e decidir

 

17. Atenta a evolução processual acima indicada, em particular a decisão interlocutória proferida (vd. supra n.º 12), o objecto do presente processo incide sobre os seguintes atos tributários:

i) atos de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 …, e acerto de contas n.º 2011 …, com saldo a pagar de €107.920,27, relativos a 2007, respeitantes à Requerente, que são contestados quanto à correção relativa aos encargos financeiros no montante de €342.418,19, a que corresponde o valor proporcional de imposto e juros liquidados de €104.340,61;

ii) atos de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 …, e acerto de contas n.º 2011 …, com saldo a pagar de €1.293.743,99, relativos a 2007, respeitantes à C ...;

ii) atos de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 … e acerto de contas n.º 2011 …, com saldo a pagar de €142.218,19, relativos a 2007, respeitantes à B ....

 

18. As questões a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retiram do requerimento inicial e do requerimento superveniente da Requerente, e tendo em conta a decisão interlocutória já proferida nestes autos arbitrais, são as seguintes:

i) ilegalidade da notificação à Requerente dos atos de liquidação de IRC, de juros compensatórios, e de acerto de contas relativos à B ... e à C ...;

ii) preterição dos exercícios do direito de audição da Requerente em relação aos atos respeitantes à B ... e à C ...;

iii) caducidade do direito à liquidação no que concerne ao IRC de 2007 da C ... em atenção ao n.º 2 do art. 45.º da LGT;

iv) erro nos pressupostos de facto e fundamentação incongruente do Relatório de inspeção respeitante à B ...;

v) violação do art. 23.º do CIRC quanto à não dedutibilidade dos encargos financeiros da B ...;

vi) errónea quantificação do montante da correção ao lucro tributável relativo à B ...;

vii) violação do art. 23.º do CIRC quanto à não dedutibilidade dos custos na Requerente com o financiamento contraído pela B ...;

viii) ilegalidade da interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC (atual art. 73.º);

ix) ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios.

 

19. O Tribunal é competente para apreciar as questões indicadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º, e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e não ocorrem quaisquer nulidades.

 

20. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de ser proferida a decisão final.

 

III. Matéria de facto relevante

 

21. Face à múltipla e diversificada matéria fáctica que foi alegada pela Requerente, muitas vezes, aliás, em termos redundantes, importa frisar que a factualidade relevante se encontra numa relação de interdependência com a matéria de direito, delimitando-se reciprocamente em ordem à obtenção da decisão do caso concreto sub judice. Assim, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do art. 123.º do CPPT e n.º 2 do art. 659.º do CPC). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art. 511.º do CPC).

É, pois, com base nesta diretriz capital que a seguir se procede à delimitação da factualidade relevante.

 

22. Ora, em sede factual, analisada a prova documental produzida, não impugnada, e o processo administrativo tributário junto, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

I. A Requerente, também conhecida como A ..., é uma sociedade comercial anónima, com sede em …, NIPC …, com o capital social de €1.497.000,00, representado por 149.700 ações com o valor nominal de €10 cada, que tem como objecto social o “fabrico de móveis refrigerados e estruturas metálicas e sua comercialização” (cfr. a certidão permanente junta como doc. n.º 13 ao RI).

II. A C ... foi constituída em 5 de dezembro de 2005, com o capital social de €500.000,00, tendo como objecto social “a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (cfr. a certidão permanente junta como doc. n.º 21 ao RI).

III. A 28 de dezembro de 2005, os então acionistas da Requerente (…), venderam, pelo montante total de €15.493.950,00, as participações sociais correspondentes a 90% do capital social da Requerente à C ..., da qual eram igualmente os únicos sócios, tendo ficado registado na contabilidade da C ..., nas contas 255101/102/103/104/105/106/107/108 (Acionistas Empréstimos) e, posteriormente, por redenominação realizada em 31.5.2006, na conta 2555 (Acionistas Dívidas Compra de ações), créditos a favor dos indicados acionistas no montante total de € 15.493.950,00, dado não ter ocorrido, na data da aquisição, qualquer pagamento pela C ... aos vendedores (cfr. doc. n.ºs 1, 2 e 4 juntos ao RI, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

IV. No início de 2007, 90% (134.730 ações) do capital social da Requerente era detido pela sociedade C ... (cfr. a conta 411, “partes de capital-empresas do grupo” do balanço da C ... junto como doc. n.º 14 ao RI), sendo os restantes 10% (14.970 ações) do capital social detidos pela própria Requerente como ações próprias (cfr. contas 521 e 522, “Ações (quotas próprias)” do balanço da Requerente junto como doc. n.º 153 ao RI).

V. Em fevereiro de 2007, o saldo da conta 2555 (Acionistas-Dívidas (compra de ações)) da C ... para com os seus acionistas era de €13.699.187,24 (cfr. cópia da conta 25 do balancete geral acumulado junto como doc. n.º 16 ao RI).

VI. A B ..., sociedade comercial anónima, com sede em …, com objecto social consistente na fabricação e comercialização de equipamentos refrigerados e seus acessórios, foi constituída por contrato de sociedade de 29 de dezembro de 2006, com o capital social de €50.000,00, representado por 10.000 ações com o valor nominal de €5 cada, capital social esse integralmente subscrito e realizado em dinheiro pela sociedade D… SGPS (NIPC …), que ficou, assim, como “única acionista da sociedade, e, portanto, estabelecendo com ela uma relação de grupo com domínio total inicial, nos termos previstos no art. 488.º do CSC” (cfr. a escritura de constituição junta como doc. n.º 11, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e a certidão permanente junta como doc. n.º 12 ao RI).

VII. Em 13 de fevereiro de 2007, a B ... e a D… SGPS celebraram um contrato de financiamento com o … Bancos (cfr. o contrato de financiamento junto como doc. n.º 17 ao RI, que aqui se dá por integralmente reproduzido), nos termos do qual o E..., SA concedeu um empréstimo à B ... “no montante de €12.350.000 (...), na modalidade de mútuo, tendo por finalidade necessária e exclusiva habilitar a CREDITADA com fundos para esta adquirir e pagar aos Vendedores parte do preço, de montante igual, das ACÇÕES C ... que vai adquirir” (cfr. a cláusula 2.º, n.º 1, al. a) do contrato de financiamento junto como doc. n.º 17 ao RI).

VIII. O n.º 1 da cláusula 17.ª, epigrafada “Reestruturação Empresarial”, do acima mencionado contrato de financiamento junto como doc. n.º 17 ao RI consigna: “O BANCO declara o seu acordo de princípio à reestruturação empresarial do GRUPO B ..., consubstanciada na fusão por incorporação da B ... INDÚSTRIA e da C ... na A ..., a qual deverá estar concluída até 25 de fevereiro de 2008 (...)”.

IX. Por contrato de compra e venda de ações e de cessão de créditos assinado em 14 de fevereiro de 2007, conforme doc. n.º 18 junto ao RI, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a B ... adquiriu 78,95% do capital social da C ... e a D… SGPS adquiriu 21,05% do capital social da mesma C ... (cfr. cláusula primeira, n.º 3 do mencionado contrato junto como doc. n.º 18).

X. Nos termos deste mesmo contrato, a B ... e a D… SGPS adquiriram, na mesma proporção indicada no número anterior, os créditos “sob a forma de suprimentos, no valor global de €13.699.187,23” (pressuposto 5 e cláusula primeira do contrato) dos anteriores acionistas da C ... sobre esta mesma sociedade, correspondendo €10.815.508,33 à B ... e €2.883.678,91 à D... SGPS (cfr. cláusula primeira, n.º 3 do contrato junto como doc. n.º 18 e balancete de junho de 2007 junto como doc. n.º 19 ao RI).

XI. O preço de compra das ações e dos créditos respeitantes à C ... foi determinado, nos termos da cláusula segunda, n.º 1 e da cláusula quinta do contrato junto como doc. n.º 18 ao RI, em €19.300.000,00, posteriormente aumentado em €900.000,00, nos termos do acordo “que constitui parte integrante do Contrato de Compra e Venda”, cuja cláusula única refere nos n.ºs 6 e 7 que: “os Outorgantes acordaram em aumentar o Preço em €900.000”, “montante este que, de acordo com o estabelecido nos números 7 da cláusula segunda e três da cláusula primeira do Contrato de Compra e Venda, será pago pela Outorgante B ... INDÚSTRIA-Sistemas de A ..., SA quanto a 78,95%, ou seja, quanto a €710.550” (cfr. documento do acordo e aviso de lançamento n.º 17041 de 30.6.2007 da B ... constantes do processo administrativo, não paginado, documentos estes que se dão aqui por integralmente reproduzidos).

XII. Na sequência da aquisição mencionada nos números IX e X antecedentes, na contabilidade da C ... passou a constar um crédito no valor de €10.815.508,33 da B ... e um crédito no valor de €2.883.678,91 da D... SGPS (cfr. balancete de junho de 2007 junto como doc. n.º 19 ao RI).

XIII. Em 28 de fevereiro de 2007, a B ... procedeu ao aumento do seu capital social para €3.000.000,00, representado por 600.000 ações de €5 cada (cfr. a certidão permanente junta como doc. n.º 12 ao RI).

XIV. Em dezembro de 2007, as sociedades B ... e C ..., na modalidade de “transferência global do património”, fundiram-se, por incorporação, na Requerente, tendo a fusão sido registada em 11 de dezembro de 2007 (cfr. a certidão permanente da Requerente junta como doc. n.º 13 ao RI, a certidão permanente da B ... junta como doc. n.º 12 ao RI e a certidão permanente da C ... junta como doc. n.º 21 à RI).

XV. Para a realização da fusão, foi elaborado o projeto assinado em 17 de setembro de 2007 que se encontra junto como doc. n.º 20 ao RI, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, designadamente, se consignou o seguinte:

- “A fusão da B ..., da C ... e da A ... assumirá a modalidade de fusão prevista na alínea a) do nº 4 do artigo 97º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), fusão por incorporação, por via da qual os patrimónios da B ... e da C ... (sociedades incorporadas) serão globalmente transferidos para a A ... (sociedade incorporante), com a consequente extinção das sociedades incorporadas, sendo que a totalidade das ações representativas do capital social da A ... serão atribuídas aos acionistas da B ..., nas exatas proporções das ações por eles anteriormente detidas” (n.º 2);

- “Quanto ao facto da A ... ser a sociedade incorporante, tal deve-se, essencialmente, a questões de simplicidade administrativa, tendo em conta a envolvente económica-financeira da empresa, o facto de possuir instalações próprias, bem como a imagem comercial a manter que, eventualmente, poderia resultar prejudicada caso a sociedade se extinguisse mediante fusão por incorporação final na B ... e/ou na C ...” (n.º 4.2);

- “Os elementos do ativo e passivo das sociedades incorporadas, constantes dos balanços (...), serão transferidos para a sociedade incorporante pelo seu valor contabilístico, dando assim cumprimento aos requisitos previstos no artigo 67.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no sentido da neutralidade fiscal admissível e desejável para a operação de fusão ora projetada” (n.º 5);

- “Em virtude desta fusão haverá, tão e somente, a atribuição da totalidade das ações da A ... detidas pela C ... diretamente à acionista única da sociedade incorporada B ... – D... SGPS, SA – não havendo, pelo mesmo motivo, lugar à fixação de outros critérios de avaliação de relações de troca das participações sociais” (n.º 6.1.).

XVI. Nos termos do livro de registo de ações da Requerente, com o número da ordem de registo 819, encontra-se averbado que o título de 134.730 ações cuja propriedade era da C ... passou para a D... SGPS (cfr. págs. 163 e 164 do livro de registo de ações juntas como doc. n.º 28 junto ao RI).

XVII. Em 25 de setembro de 2011, pelo Ofício n.º …, com data de 16.SET.2011, a Requerente foi notificada do projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária relativo ao seu exercício de 2007, cujo teor se dá como reproduzido (cfr. doc. n.º 5 junto ao RI).

XVIII. A Requerente exerceu, em 4 de outubro de 2011, o direito de audição em relação ao mencionado Ofício n.º … referido no número antecedente, conforme doc. n.º 6 junto ao RI.

XIX. Pelo Ofício n.º ..., com data de 2011-10-11, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária com correções meramente aritméticas para o ano de 2007 em sede de IRC no montante de €353.099,25 (cfr. doc. n.º 4 junto ao RI, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido), em que se inclui a correção aos custos financeiros contabilizados com juros e restantes encargos no montante de €342.418,19 associados ao “empréstimo contraído junto do E... pela B ... Indústria e repercutidos na A ... após fusão”, correção esta que foi fundamentada, designadamente, no seguinte: “podemos concluir que os custos financeiros e outros, nomeadamente o imposto de selo, decorrentes deste financiamento, que após fusão ficou registado na conta 23146 não contribuíram para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A ..., na medida em que aquele empréstimo quando contraído foi utilizado unicamente para pagamento das ações da A ... na medida em que o único ativo da C ... SGPS era precisamente as ações da A ...” (ponto III.2.1); “aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A ... e sim com a atividade e interesse da D..., pelo que aqueles custos [são] comprovadamente dispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos obtidos pela A ...” (ponto IX).

XX. Em 25 de outubro de 2011, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 …, tendo em 27 de outubro do mesmo ano sido notificada do acerto de contas n.º 2011 0…, com saldo a pagar de €107.920,27, todos relativos ao exercício de 2007 (cfr. doc. n.º 3 junto ao requerimento inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

XXI. Em 28 de outubro de 2011, pelo Ofício n.º …, com data de 27.SET.2011, a Requerente foi notificada, “na qualidade de sociedade incorporante da B ...”, do projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária relativo ao exercício de 2007 da B ... (cfr. doc. n.º 7 junto ao RI).

XXII. A Requerente pronunciou-se, em 8 de novembro de 2011, em audição em relação ao mencionado Ofício n.º … referido no número antecedente, conforme doc. n.º 9 junto ao RI.

XXIII. Pelo Ofício n.º …, com data de 2011-11-08, a Requerente, “na qualidade de sociedade incorporante da B ... SA”, foi notificada, em 14.11.2011, do Relatório Final de Inspeção Tributária relativo à B ... com correções meramente aritméticas para o ano de 2007 de €466.216,24, pelo motivo de terem sido “expurgados (correções a efetuar) dos custos financeiros que a empresa suportou os custos nesta contabilizados e que correspondem ao empréstimo efetuado à C ... SGPS para pagar as ações por ela adquiridas da A ..., relevando fiscalmente o valor restante dos custos financeiros que a empresa suportou e que foram efetivamente necessários para o exercício da sua atividade” (cfr. doc. n.º 1 junto ao RI, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido).

XXIV. Pelo Ofício n.º … (cfr. doc. n.º 1 junto ao RS), datado de 29.11.2011, a Requerente foi notificada em 30.11.2011 da demonstração de liquidação de IRC n.º 2011…, datada de 7-11-2011, no valor de €142.251,09 (cfr. doc. n.º 5 junto ao RS), da demonstração de liquidação de juros n.º 2011 … (cfr. doc. n.º 6 junto ao RS) e da demonstração de acerto de contas n.º 2011 … (cfr. doc. n.º 7 junto ao RS), com saldo a pagar de €142.218,19, relativas à B ... e ao seu exercício de 2007.

XXV. Em 28 de outubro de 2011, pelo Ofício n.º …, com data de 27.SET.2011, a Requerente foi notificada, “na qualidade de sociedade incorporante da C ...” do projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária relativo ao exercício de 2007 da C ... (cfr. doc. n.º 8 junto ao RI).

XXVI. A Requerente pronunciou-se, em 8 de novembro de 2011, em audição em relação ao mencionado Ofício n.º … referido no ponto antecedente, conforme doc. n.º 10 junto ao RI.

XXVII. Pelo Ofício n.º …, com data de 2011-11-08, a Requerente, “na qualidade de sociedade incorporante da C ..., SA”, foi notificada, em 14.11.2011, do Relatório Final de Inspeção Tributária com correções meramente aritméticas para o ano de 2007 no montante de €4.241.231,50 relativo à C ... (cfr. doc. n.º 2 junto ao RI, que se dá aqui por inteiramente reproduzido), cuja fundamentação consistiu, designadamente, no seguinte (ponto III.1 do Relatório):

  • “a fusão por incorporação da C ... SGPS e da B ... na A ... consubstancia uma fusão inversa, na medida em que as sociedades mães são incorporadas na respetiva filha, isto é, a A ... incorpora a C ... SGPS (que detém 90% das ações da A ...) e ainda a B ... Indústria que detém 78,95% da C ... SGPS. Dada esta operação não se encontrar contemplada no art. 67.º do CIRC não se lhe é aplicável o regime da neutralidade fiscal”;

  • “demonstrado que não tem aplicabilidade o regime fiscal da neutralidade fiscal (...) deverá considerar-se nos termos do n.º 3 do art. 43.º (atual 46.º) do CIRC que os elementos patrimoniais destacados, as ações da A ... para a sociedade beneficiária, a A ..., foram transmitidas pela sociedade incorporada C ... SGPS ao respetivo valor de mercado à data das operações”;

  • “o valor de mercado a considerar será o último preço praticado e conhecido entre duas entidades sem relações especiais e que ocorreu em 14 de Fevereiro aquando da compra da totalidade das ações da C ... SGPS (...)”;

  • “Mostra-se de todo importante salientar que o valor económico da C ... está diretamente relacionado com o valor das ações da A ..., na medida em que o seu único ativo é representado por 90% das ações da A ... (...)”;

  • “a B ... pela aquisição de 78,95% das ações da C ... e consequentemente de ações da A ... pagou 15.947.900,00€, isto é, 5.132.391,67€ + 10.815.508,33€. Face ao exposto, a totalidade das ações da C ... SGPS, isto é, 100% do capital, ascendem a 20.200.000,00€, isto porque 21,05% da C ... SGPS vale 4.252.100,00€, e logicamente os 90% das ações da A ... que detém também tem como valor de mercado aquele montante”;

  • “Tendo a C ... SGPS adquirido as ações da A ... em 28 de dezembro de 2005 por 15.493.950,00€, isto é, custo de aquisição, a mais valia fiscal obtida com a transmissão das ações da A ... para a A ... ascendeu a 4.241.231,49€, conforme se demonstra no quadro que se segue:

  • Descrição

    90% ações A ...

    Custo aquisição (B)

    15.493.950,00

    Preço Mercado (A)

    20.200.000,00

    Correção Monetária (C)41ios acionistas e administradores"o art. 57.º do CIRC, atual art. 58.º, na medida em que adquiriu as acçamente os 90% das acç

    1,03

    Mais valia fiscal (A-BxC)

    4.241.231,50

(coeficiente de desvalorização da moeda calculado de acordo com a Portaria n.º 768/2007)”;

  • “Face ao exposto, deverá ser de acrescer aquela mais valia fiscal determinada anteriormente, na medida em que não beneficia do disposto no n.º 2 do art. 31.º (atual art. 32.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pois nos termos do n.º 3 daquele artigo (...), isto é, a alienante, a C ... SGPS, detém aquelas ações da (A ...) por um período inferior a três anos, na medida em que adquiriu aquelas ações em Dezembro de 2005 e são alienadas em 1 de Agosto de 2007 (data da fusão), tendo as mesmas sido adquiridas a entidades com as quais tinha relações especiais, nos termos do n.º 4 do art. 57.º do CIRC, atual art. 58.º, na medida em que adquiriu as ações da A ... aos seus próprios acionistas e administradores”.

XXVIII. Pelo Ofício n.º …, datado de 29.11.2011 (cfr. doc. n.º 1 junto ao RS), a Requerente foi notificada, em 30.11.2011, da demonstração de liquidação de IRC de 2007 n.º 2011 …, datada de 7-11-2011, no valor de €1.123.926,35 (cfr. doc. n.º 2 junto ao RS), da demonstração de liquidação de juros n.º 2011 … (cfr. doc. n.º 3 junto ao RS) e da demonstração de acerto de contas n.º 2011 … (cfr. doc. n.º 4 junto ao RS), com saldo a pagar de €1.293.743,99, relativas à C ... e ao seu exercício de 2007.

XXIX. Em 18.12.2007, foi entregue no Serviço de Finanças declaração de cessação de atividade da B ..., autenticada com a vinheta do Técnico Oficial de Contas, em que F…, NIF …, assina a referida declaração como representante legal do sujeito passivo (cfr. a indicada declaração de cessação de atividade que se encontra em anexo III ao Relatório Final de Inspeção da C ... constante do processo administrativo, não paginado, a seguir, abreviadamente, PA).

XXX. Pelo Ofício n.º …, de 16.SET.2011 foi remetido à B ..., “A/C F…, na qualidade de representante da cessação”, projeto de conclusões de relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição (cfr. o mencionado Ofício constante do PA), tendo sido exercido o direito de audição pelo mencionado …por documento de 14 de outubro de 2011 (cfr. a carta do mencionado F… que se encontra em anexo II ao Relatório Final de Inspeção da B ... constante do PA).

XXXI. Pelo Ofício n.º …, com data de 2011-10-25, foi remetido à “B ...-Indústria Sistemas de A ..., SA – AC de F…, na qualidade de representante da cessação”, o Relatório Final de Inspeção Tributária com correções meramente aritméticas, recebido em 27.10.2011 (cfr. o identificado ofício constante do PA).

XXXII. Em 7.11.2011 foi realizada a liquidação de IRC n.º 2011 …, relativa à B ..., “representado por: F…”, que foi notificada a este em 15.11.2011 (cfr. doc. n.º 1 junto ao RS).

XXXIII. Em 18.12.2007, foi entregue no Serviço de Finanças declaração de cessação de atividade da C ..., autenticada com a vinheta do Técnico Oficial de Contas, em que F ..., NIF …, assina a referida declaração como representante legal do sujeito passivo (cfr. a indicada declaração de cessação de atividade que se encontra em anexo III ao Relatório Final de Inspeção da C ... constante do PA).

XXXIV. Pelo Ofício n.º…, de 16.SET.2011 foi remetido à C ..., “A/C F ..., na qualidade de representante da cessação”, o projeto de conclusões de relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição (cfr. o mencionado Ofício constante do PA), tendo sido exercido o direito de audição pelo mencionado F ... por documento de 14 de outubro de 2011 (cfr. a carta do mencionado F ... que se encontra em anexo II ao Relatório Final de Inspeção da C ... constante do PA).

XXXV. Pelo Ofício n.º…, com data de 2011-10-25, foi remetido à “C ...-Sociedade Gestora Participações Sociais, SA – AC de F…, na qualidade de representante da cessação”, o Relatório Final de Inspeção Tributária com correções meramente aritméticas, recebido em 27.10.2011 (cfr. o identificado ofício constante do PA).

XXXVI. Em 7.11.2011 foi realizada a liquidação de IRC n.º 2011 …, relativa à C ..., “representado por: F…”, que foi notificada a este em 15.11.2011 (cfr. doc. n.º 1 junto ao RS).

XXXVII. Na declaração modelo 22 do IRC da C ... relativa ao exercício de 2007, junta como doc. n.º 26 ao RI, consta no quadro 04, relativo a declarações especiais, declaração do período de cessação e data da cessação 2007.12.11 (campos 3 e 8).

XXXVIII. Na Declaração Anual IES da C ... relativa ao exercício de 2007, conforme doc. n.º 27 junto à RI, consta como “Acontecimento marcante” (quadro 10) “fusão” e encontra-se no quadro 5 relativo ao anexo ao balanço e à demonstração de resultados a seguinte nota 2: “No exercício de 2007 ocorreu a fusão da empresa com a A ... e …, SA e com a B ... de A ..., SA, a qual foi reportada para fins contabilísticos a 1 de Agosto de 2007. Neste processo de fusão por incorporação a C ... é uma das sociedades incorporadas”.

 

23. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados e como não provados resultou dos documentos, não impugnados, especificados nos pontos da matéria de facto acima enunciados. Não existe outra factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

IV. Do Direito

 

a) Da ilegalidade da notificação efetuada à Requerente dos atos de liquidação de IRC, juros compensatórios e acerto de contas relativos à C ... e à B ....

 

24. Começa-se, antes de mais nada, pela alegada ilegalidade e/ou ineficácia das notificações à Requerente dos atos de liquidação de IRC, juros compensatórios e acerto de contas relativos à B ... e à C ... (acima referidas em XXIV e XXVIII).

Alega, a este respeito, a Requerente, no art. 46 do RS, o seguinte: “estas notificações dos atos tributários afiguram-se não só ilegais como ineficazes por não respeitarem à Requerente, o que se requer seja conhecido”, acrescentando no ponto L do mesmo RS que “a notificação das liquidações é ilegal porquanto se pretende responsabilizar a Requerente, através de uma missiva particular, por liquidações feitas a entidades extintas e endereçadas a pessoa singular para o seu endereço postal [e.g., as notas de liquidação são para entidades extintas e dirigidas a pessoa singular, designada de “representante” (cit.), mas tudo isso é remetido à Requerente “[p]ara os efeitos consignados nos próprios documentos” (cit.))”.

 

25. Para resolver esta questão (sendo certo que a notificação do ato tributário é um ato distinto e posterior ao ato notificado, cujos vícios não se repercutem sobre a validade deste, mas apenas sobre a sua eficácia, dada a natureza de requisito de eficácia que resulta do disposto no art. 77.º, n.º 6 da LGT e no art. 36.º, n.º 1 do CPPT), importa fazer uma exposição, necessariamente breve, do regime jurídico aplicável à extinção da sociedade e respetiva cessação da atividade para efeitos tributários por motivo de fusão, dado isso ser conveniente para a compreensão dos efeitos jurídicos determinados pelas normas objecto de aplicação.

Preliminarmente, cabe notar que o art. 19.º, n.º 4 da LGT (na redação aplicável ratione temporis aos factos) estabelece que: “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional4, explicitando o n.º 5 deste mesmo art. 19.º que “depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação”. Ora, determina o art. 8.º, n.º 5, al. a) do CIRC que a cessação da atividade ocorre relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português na data da fusão quanto às sociedades extintas em consequência desta.

Resulta, então, destas disposições legais que uma sociedade incorporada, extinta em consequência de uma operação de fusão, e, como tal, objecto de cessação de atividade (al. a) do n.º 5 do art. 8.º do CIRC), deve nomear um “representante da cessação5 (n.º 4 do art. 19.º da LGT), que assume a função de atuar por conta da entidade objecto da cessação de atividade (ou, se se quiser, dos interesses da realidade empresarial e económica que constituía) nas situações tributárias que ainda se possam colocar e/ou surgir em relação a essa entidade, designadamente no que concerne ao cumprimento de deveres acessórios, ao exercício de direitos procedimentais e processuais e à receção de notificações (cfr. arts. 19.º, n.º 5, 31.º e 59.º, n.º 4 da LGT).

Como está fácil de ver, o legislador pretendeu, assim, resolver o problema prático de saber como se processam as relações entre a Administração Tributária e o sujeito passivo (ou o ente económico-empresarial que lhe subjazia) quando este cessou a respetiva atividade, designadamente pela sua própria extinção como pessoa coletiva, no que concerne às situações tributárias conexas com o período antecedente à extinção, mas que apenas se coloquem após esta extinção. Dada, precisamente, a extinção da pessoa coletiva, é necessário que os direitos e deveres acessórios ou os deveres de cooperação com relevância tributária, que pressupõem, naturalmente, uma atuação material e física, sejam desenvolvidos por alguma outra entidade em nome e por conta daquela. A solução encontrada, como resulta do citado n.º 4 do art. 19.º da LGT, passou pela exigência de o sujeito passivo designar um representante para efeitos tributários (o dito “representante da cessação”) que, agindo por conta dele, cumpra os deveres acessórios e receba as notificações de que o sujeito passivo é destinatário.

É, então, ao representante da cessação que cabe a função de operar, por conta do sujeito passivo objecto da cessação de atividade, como destinatário das notificações para efeitos tributários que ao sujeito passivo digam respeito, bem como exercer ou cumprir os pertinentes direitos e deveres tributários formais.

Por seu lado, o art. 112.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece na al. a) que: “Com a inscrição da fusão no registo comercial: a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade”.

Esta disposição legal, como quer que se pretenda conceptualizar a fusão de sociedades em termos de construção dogmática (sucessão universal em relação à sociedade incorporada ou modificação das sociedades envolvidas mediante transformação), consagra uma consequência de regime bem marcada: a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada não implica a extinção dos respetivos direitos e deveres, mas antes a sua “continuação” na sociedade incorporante ou na nova sociedade (na fórmula da lei por “transmissão” para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade).

Ora, como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já devidamente assinalou: “qualquer que seja a construção dogmática assumida quanto à natureza da fusão, esta operação de reorganização empresarial não extingue as dívidas fiscais da sociedade incorporada, ainda que tais dívidas não estivessem ainda liquidadas quando do registo da fusão, pois que não é a liquidação, mas a verificação do facto tributário, ocorrido antes da fusão da sociedade incorporada e a ela atinente, o facto constitutivo da relação jurídica de imposto (cfr. o n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária)” pelo que se conclui “no sentido da admissibilidade da liquidação adicional de imposto e subsequente instauração da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva contra a sociedade extinta por fusão-incorporação” e da “legitimidade da sociedade incorporante para o processo de execução fiscal (...), pois que esta sociedade, não figurando embora no título executivo como devedor, sucedeu àquela ou, noutra conceção, sempre será responsável pelo seu pagamento (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, a contrario), por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC” (vd. o acórdão do STA de 16.9.2009, proc. n.º 372/09, cuja orientação foi acolhida igualmente no acórdão do STA de 10.2.2010, proc. n.º 925/09).

Assim, verificando-se a liquidação adicional de IRC, respeitante a período de tributação anterior à data da fusão, relativamente e em nome da sociedade incorporada, tal liquidação é eficaz, se eficaz for, em relação à sociedade incorporante, dado esta, por força daquele art. 112.º, al. a) do CSC, responder pelas dívidas fiscais da incorporada. Como se escreve, cristalinamente, no acórdão do STA de 10.2.2010, proc. n.º 925/09: “a liquidação efetuada em nome da sociedade incorporada é válida, eficaz e suscetível de demandar a responsabilidade pela liquidação e pagamento da respetiva dívida pela sociedade incorporante”.

Nestes termos, conjugando a norma especial, relevante em termos procedimentais fiscais, do n.º 4 do art. 19.º da LGT com o art. 112.º, al. a) do CSC, temos que, se por força do art. 112.º, al. a) do CSC, a sociedade incorporante responde pelas dívidas fiscais que digam respeito à sociedade incorporada, dada a “transmissão” dos direitos e obrigações desta para aquela, para efeitos de notificações e demais deveres acessórios de âmbito tributário, o art. 19.º, n.º 4 da LGT confere ao dito “representante da cessação” precisamente a condição de representante da sociedade incorporada extinta.

Deste modo, em conformidade com o n.º 4 do art. 19.º da LGT, as notificações, seja da liquidação, seja do relatório final de inspeção, seja do projeto de relatório para efeitos do exercício do direito de audição prévia, devem ser efetuadas em relação ao representante da cessação, que age em nome da entidade objecto da cessação. Por seu turno, os atos tributários ou em matéria tributária que sejam objecto de notificação produzirão subsequentemente os seus efeitos próprios, designadamente no que concerne à responsabilidade pelo pagamento de dívidas fiscais, em face da sociedade incorporante por via do disposto no art. 112.º, al. a) do CSC.

Em consequência, para que os atos tributários sejam relevantes em face da sociedade incorporante, não importa que esta tenha sido objecto de específica notificação de tais atos como se fosse o sujeito passivo; o que importa é que isso tenha ocorrido em relação ao “representante da cessação” (sem prejuízo, claro está, o que até deverá ser o caso normal no âmbito de uma fusão, de ser indicada, na competente declaração, pelo sujeito passivo como “representante da cessação” a própria sociedade incorporante).

Em qualquer caso, acrescente-se, este regime não põe em causa a legitimidade da sociedade incorporante para atuar, motu proprio, procedimental ou processualmente, atento o disposto no art. 65.º da LGT e nos n.ºs 1 e 4 do art. 9.º do CPPT, e as referências aí efetuadas a “outros obrigados tributários” e a “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Na verdade, se o sujeito passivo do imposto liquidado é, nestas situações, ainda e sempre a sociedade incorporada, representada pelo representante nomeado nos termos do n.º 4 do art. 19.º da LGT, é inquestionável que a sociedade incorporante, precisamente por suceder nas dívidas fiscais daquela, é interessada em relação a essa liquidação, dado poder ser afetada por ela, e é mesmo “obrigada tributária”, dado incorrer em responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias, como sua devedora. Daí a legitimidade da Requerente para a presente pronúncia arbitral.

 

26. Considere-se, agora, a situação concreta aqui em julgamento.

Conforme resulta da matéria fáctica dada como provada, verifica-se que a Administração Tributária procedeu à notificação das liquidações respeitantes à B ... e à C ..., bem como, aliás, dos relatórios finais de inspeção e dos projetos de relatório, quer a F ..., na qualidade de “representante da cessação” ou simplesmente de “representante” (vd. os pontos da matéria de facto provada n.ºs XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, XXXV, XXXVI), quer à Requerente (vd. os pontos da matéria de facto provada n.ºs XXI, XXIII, XXIV, XXV, XXVII, XXVIII).

Ora, não sendo questionada nestes autos a condição de “representante da cessação” das sociedades incorporadas B ... e C ... do mencionado F ... (aliás, também administrador da Requerente – cfr. a certidão reportada no n.º I dos factos provados), questionamento esse que, de qualquer modo, apenas teria como consequência a aplicação da estatuição do n.º 5 do art. 19.º da LGT, tem que se concluir que as notificações legalmente exigidas e relevantes dos atos de liquidação relativos à B ... e à C ... tiveram devida concretização, em conformidade com os arts. 36.º, nº 1 e 38.º, n.º 3 do CPPT, conjugado com o art. 19.º, n.º 4 da LGT, em relação ao identificado “representante da cessação”.

Tal atuação não redunda, ao contrário do que escreve a Requerente (vd. o ponto n.º 23 do seu requerimento de 1.3.2012), em notificação de “mortos” (se a fenomenologia fosse de admitir para as pessoas coletivas), pois, pelo contrário, o que está em causa é a notificação de pessoa viva, precisamente o “representante da cessação”. Como se disse, o objetivo do legislador, ao introduzir a disposição do art. 19.º, n.º 4 da LGT, foi, justamente, obviar a que, pela extinção da entidade objecto de cessação da atividade, a Administração Tributária ficasse impedida de exercer os direitos emergentes da relação tributária, maxime mediante a concretização das notificações exigíveis.

Em consequência, tendo sido concretizadas na pessoa do “representante da cessação” as notificações exigidas para os atos de liquidação adicional relativos ao exercício de 2007 da B ... e da C ... (cfr. n.ºs XXXII e XXXVI dos factos provados), não assume relevância para a eficácia desses atos tributários os termos da notificação à Requerente desses mesmos atos de liquidação (cfr. nºs XXIV e XXVIII dos factos provados).

Aliás, mesmo que a Requerente não tivesse sido sequer notificada das liquidações respeitantes à C ... e à B ..., isso não colocaria em causa a eficácia dos atos tributários praticados, dada a determinação legal constante do mencionado art. 19.º, n.º 4 da LGT e as notificações que, em consonância, foram realizadas para F ..., na qualidade de “representante da cessação”.

Na verdade, atento o disposto no n.º 4 do art. 19.º da LGT, a não realização ou a realização deficiente em relação à sociedade incorporante, nessa simples qualidade (isto é, sempre que esta não seja designada como “representante da cessação”), de notificações e de quaisquer outras formalidades procedimentais atinentes à situação tributária das sociedades incorporadas não consubstancia a omissão de formalidade legalmente exigida.

 

27. Em face do exposto, improcede, pois, a pretensão da Requerente de declaração de ilegalidade ou ineficácia das notificações que lhe foram efetuadas dos atos de liquidação de IRC, juros compensatórios e acerto de contas relativos à B ... e à C ....

 

b) Vício de forma e de violação de lei por desconsideração e preterição dos exercícios de audição da Requerente em relação aos atos respeitantes à B ... e à C ...

 

28. Importa, seguidamente, considerar o vício alegado pela Requerente relativamente aos atos praticados em relação às sociedades incorporadas B ... e C ... que se prende com a alegada desconsideração e preterição da audição da Requerente.

Invoca, a este respeito, a Requerente no RI que os atos de fixação da matéria coletável das sociedades B ... e C ... foram praticados em desconsideração e preterição dos exercícios de audição por parte da Requerente – conforme se alega no art. 128 do RI: “os atos de fixação de matéria coletável das sociedades “B ... Indústria, SA” e “C ... SGPS, SA” (...) foram praticados antes sequer de se ter permitido à Requerente, em nome daquelas sociedades, exercer os respetivos direitos de audição, pois a notificação dos projetos de relatório de conclusões só ocorreu a 28 de outubro” (vd. igualmente arts. 20 e 129 a 131 do RI).

Posteriormente, no seu requerimento superveniente, na sequência da notificação das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios relativas à C ... e à B ..., a Requerente invoca a ilegalidade destes atos tributários, por violação do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPIT, porquanto: “se (...) a data das liquidações (07.11.2011) é anterior à do recebimento dos exercícios de audição pelo Fisco (08.11.2011) e à notificação da requerente dos relatórios finais (14.11.2011), é patente que as liquidações de IRC de 2007 e juros compensatórios referentes às sociedades C ... SGPS, SA e B ..., SA não levaram em consideração nenhum dos factos e argumentos carreados nos respetivos exercícios de audição” (arts. 57 a 59 do RS).

 

29. Esta questão atinente ao vício imputado aos atos de liquidação respeitantes à B ... e à C ... de alegada desconsideração e preterição da audição da Requerente, em que se encontra em causa a aplicação do direito de audição antes da conclusão do relatório de inspeção tributária a que se reporta a al. e) do n.º 1 do art. 60.º da LGT e o art. 60.º do RCPIT, deve ser decidida tendo em conta os elementos já acima explicitados no ponto n.º 25.

Na verdade, também quanto a esta matéria importa notar, mais uma vez, que, no que concerne à B ... e à C ..., se verificou que os atos envolvidos no procedimento inspetivo respetivo, bem como os subsequentes atos de liquidação, se dirigiram e realizaram primariamente em relação ao “representante da cessação” das sociedades incorporadas (vd. n.ºs XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, XXXV e XXXVI dos factos provados), tendo ocorrido igualmente a comunicação à Requerente, na qualidade de “sociedade incorporante”, dos atos tributários pertinentes, facultando-se-lhe também a audição sobre os projetos de relatório respeitantes à B ... e à C ... (cfr. n.ºs XXI, XXIII, XXIV, XXV, XXVII, XXVIII dos factos provados).

Nestes termos, atenta a factualidade provada acima indicada, observa-se que a Administração Tributária, para além das notificações efetuadas ao “representante da cessação” das sociedades extintas por incorporação, foi igualmente transmitindo à Requerente, na qualidade de sociedade incorporante, as pertinentes comunicações e notificações atinentes aos procedimentos inspetivo e de liquidação que respeitavam às sociedades incorporadas B ... e C ..., tendo-lhe mesmo facultado a audição sobre os projetos de relatório relativos a estas sociedades.

Nada há, naturalmente, que possa obstar à realização dessas notificações e comunicações para com a sociedade incorporante, atento o princípio da colaboração entre a administração e os contribuintes, bem como com os demais interessados (cfr. art. 59.º da LGT), mas é em relação ao “representante da cessação”, por força dos n.ºs 4 e 5 do art. 19.º da LGT, que devem ter lugar as notificações legalmente exigidas.

Pois bem, tendo em atenção o que decorre do n.º 4 do art. 19.º da LGT, não se verifica a alegada preterição do direito de audição, desde logo pelo motivo decisivo de o “representante da cessação”, entidade imediatamente legitimada para o efeito, ter exercido esse direito, conforme comunicações entregues no Serviço de Finanças em 14.10.2011 (vd. os factos dados como provados sub XXX e XXXIV), sendo que, conforme resulta dos Relatórios Finais referidos acima em XXXI e em XXXV, os elementos suscitados nesta audição foram devidamente analisados na fundamentação da decisão (cfr. n.º 7 do art. 60.º da LGT).

Os Relatórios Finais de Inspeção, notificados ao representante da cessação em 27.10.2011, a emissão dos documentos de correção, determinada por despacho de 24.10.2011, bem como os atos de liquidação, notificados ao mesmo representante em 15.11.2011, todos respeitantes à B ... e à C ..., são, pois, posteriores ao exercício do direito de audição pelo “representante da cessação” destas sociedades incorporadas, tendo os fundamentos expostos sido considerados naqueles Relatórios Finais. Como tal, não se verifica preterição do direito de audição quanto à B ... e à C ... atenta a intervenção do respetivo representante que constitui a entidade legalmente legitimada e relevante para o efeito.

Por outro lado, quanto à específica audição da Requerente, na qualidade de sociedade incorporante da B ... e da C ..., que foi determinada pelo Serviço de Finanças, mas a cuja eventual omissão, porém, por força do que acima se referiu no n.º 25, atento o disposto no art. 19.º, n.º 4 da LGT, não se poderia atribuir relevância invalidante, não se pode deixar de observar que os Relatórios Finais de Inspeção da B ... e da C ... remetidos à Requerente (vd. n.ºs XXIII e XXVII dos factos dados como provados) referenciam expressamente a audição realizada pela Requerente, constando do ponto IX de cada um desses Relatórios a análise efectuada aos elementos apresentados pela própria Requerente, concluindo-se, depois, “ser de manter os valores propostos constantes do projeto de relatório” (vd. os despachos constantes dos indicados relatórios).

Ora, na medida em que a Administração manteve as decisões respeitantes à B ... e à C ... adotadas nos atos tributários antes praticados e notificados ao representante da cessação, o facto destes atos terem antecedido a intervenção procedimental da Requerente, que só se pronunciou em audição em 8.11.2011 (vd. n.ºs XXII e XXVI), não assume relevância quanto à validade das liquidações realizadas em relação à B ... e à C ..., porquanto, para esta validade, a este propósito, o que importa, nos termos do mencionado art. 19.º, n.º 4 e n.º 5 da LGT, é a atuação/audição do “representante da cessação”.

 

30. Nestes termos, improcede o imputado vício de preterição do direito de audição em relação às liquidações respeitantes à B ... e à C ... e de violação dos arts. 60.º da LGT e 60.º do RCPIT.

 

c) Caducidade do direito à liquidação no que concerne ao IRC de 2007 da C ... nos termos do artigo 45.º, n.º 2 da LGT

 

31. Alega a Requerente, nos arts. 153 e seguintes do seu RI, que “qualquer liquidação em consequência do relatório respeitante à C ... SGPS, SA (...) seria extemporânea, em virtude de, à data do início da inspeção tributária, já terem decorrido mais de três anos sobre o erro evidenciado nas declarações fiscais”, porquanto “da análise à Modelo 22-IRC da ‘C ... SGPS, SA’ – como também, de resto, das declarações apresentadas pela B ... Indústria, SA” e pela Requerente – conjugada com a Declaração Anual IES da mesma sociedade, era visível a operação de fusão entre as referidas sociedades”.

Deste modo, suscita a Requerente, em relação à liquidação adicional de IRC relativa à C ..., a ocorrência de vício de violação de lei por caducidade do direito à liquidação nos termos do art. 45.º, nº 2 da LGT, dado que, iniciando-se a contagem do prazo de caducidade em 1 de janeiro de 2008, por força do n.º 4 do mesmo art. 45.º, já teriam decorrido mais de três anos na data da notificação de tal liquidação adicional (vd. os n.ºs XXVIII e XXXVI).

Vejamos, então, esta questão.

 

32. Determina o n.º 2 do art. 45.º da LGT que o prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo é de três anos no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.

Para decidir sobre a aplicação deste prazo especial de caducidade, importa verificar se a liquidação em causa se reconduz a uma liquidação efetuada com base em erro evidenciado na declaração do sujeito passivo. Ora, sobre esta fenomenologia, escreve, numa formulação consagrada, LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2000, p. 214, o seguinte: “O erro evidenciado na declaração do sujeito passivo é o que a Administração Tributária possa detetar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, acrescentando ainda que: “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada deteção do erro”. Em termos análogos, consideram DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Edição, 2012, p. 361, que o erro a que se refere o nº 2 deste artigo é “aquele que é detetável mediante simples análise da declaração”.

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem acentuado que por erro evidenciado na declaração do sujeito passivo se deve entender “aquele que é detetável mediante simples leitura ou análise sumária da declaração” (cfr. os acórdãos do STA de 14.6.2012, proc. n.º 0402/12; de 30.6.2010, proc. n.º 364/10; e de 28.4.2010, proc. n.º 01001/09).

Subscreve-se inteiramente este entendimento, pelo que, para que possa ter aplicação no caso o prazo especial de caducidade relativo a erro evidenciado na declaração, é indispensável que o erro em causa seja detetável na base de simples leitura e análise da própria declaração.

 

33. Tendo isto presente, importa começar por notar que a correção efetuada ao lucro tributável da C ..., que se encontra na base da liquidação adicional correspondente, prende-se com uma mais-valia fiscal não declarada no valor de €4.241.231,50, que a Administração Tributária considera dever ser incluída no lucro tributável do exercício de 2007 da C ... pelo motivo de “no caso em análise, não se verificar o regime da neutralidade fiscal aplicável às fusões, porquanto a fusão inversa não se encontra prevista no n.º 1 do art. 67.º do CIRC” (cfr. o despacho constante do Relatório Final de Inspeção Tributária da C ... referido sub XXVII).

Deste modo, para que se pudesse reconduzir a situação em apreço a “erro evidenciado na declaração” é necessário que a declaração de rendimentos Modelo 22 da C ... relativa ao exercício de 2007 revele, a uma simples análise, a realização da operação de fusão inversa entre a C ... e a Requerente, pela qual esta incorporou aquela (cfr. n.ºs XIV e XV dos factos provados).

Ora, compulsando a mencionada declaração Modelo 22 da C ..., o que se verifica efetivamente é a inexistência de qualquer indicação sobre a operação de fusão, apenas se encontrando, conforme consta do n.º XXXVII dos factos dados como provados, no quadro 04, campos 3 e 8, a indicação sobre a declaração constituir declaração do período de cessação e sobre a data da cessação.

Deste modo, não procede a alegação da Requerente, que se encontra no art. 91 do RI, segundo a qual: “Da declaração Modelo 22 da C ... SGPS, SA relativa ao exercício de 2007 (como também, de resto, das declarações apresentadas pela B ... Indústria, SA e pela Requerente) resulta a operação de fusão entre as referidas sociedades”.

Aliás, mesmo que se devesse considerar, não apenas a declaração Modelo 22 da C ..., mas conjuntamente a Declaração Anual IES relativa a 2007 da mesma sociedade, como a Requerente sustenta no citado art. 153 da RI, igualmente não se consubstancia no caso em apreço uma situação de erro evidenciado na declaração.

É que, conforme resulta do facto provado sub XXXVIII, a referência existente nessa declaração contabilística e fiscal à operação de fusão é a seguinte: “No exercício de 2007 ocorreu a fusão da empresa com a A …, SA e com a B ..., SA, a qual foi reportada para fins contabilísticos a 1 de agosto de 2007. Neste processo de fusão por incorporação a C ... é uma das sociedades incorporadas”. Ora, esta menção não permite saber qual o tipo de fusão realizado, designadamente se se tratou de uma fusão inversa – que foi o que esteve na base da correção ao lucro tributável realizada – porquanto isso depende do conhecimento, que tem de ser recolhido em elementos exteriores à declaração, sobre as relações de participação entre as sociedades intervenientes na fusão. E, na verdade, o que esteve na base desta correção foi a ação de fiscalização que “teve como objetivo analisar o processo de fusão ocorrido no ano de 2007, na medida em que a C ... (...) foi incorporada pela sociedade A ..., SA (...), com efeitos a 1 de agosto de 2007” (cfr. o Relatório Final de Inspeção da C ... referido sub XXVII).

De qualquer modo, note-se que, para desencadear a aplicação do n.º 2 do art. 45.º da LGT, não basta qualquer declaração que os sujeitos passivos estejam obrigados a apresentar por força de obrigações formais legalmente previstas, mas tem que se tratar de declaração dirigida a concretizar ou a permitir a liquidação do imposto, pois é o prazo de caducidade da liquidação que está em causa na regulação constante do art. 45.º da LGT. Essa declaração, para efeitos de IRC, é, naturalmente, a declaração periódica de rendimentos, prevista, à data dos factos, no art. 109.º, n.º 1, al. b) e no art. 112.º do CIRC (atuais arts. 117.º, n.º 1, al. b) e 120.º do CIRC), não a declaração anual de informação contabilística e fiscal, prevista no art. 109.º, n.º 1, al. c) e no art. 113.º do CIRC (atuais arts. 117.º, n.º 1, al. c) e 121.º do CIRC).

Atento o exposto, impõe-se concluir que a AT não se deparou com uma situação em que, mediante simples leitura ou análise da declaração apresentada na altura própria, se pudesse aperceber do erro da mesma quanto a proveitos não declarados. Em consequência, o prazo de caducidade do direito à liquidação a considerar para o caso é o prazo normal de quatro anos previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, pelo que foi tempestivo o exercício do direito de liquidação no que concerne à liquidação adicional relativa à C ....

 

34. Improcede, consequentemente, a pretensão de declaração de ilegalidade do ato de liquidação relativo à C ... com fundamento em caducidade do direito de liquidação nos termos do n.º 2 do art. 45.º da LGT.

 

d) Legalidade da correção à matéria coletável da B ... relativa à dedutibilidade fiscal de encargos financeiros

 

35. Consideremos, agora, os vícios apontados pela Requerente em relação à correção à matéria coletável no valor de €466.216,24 em que assentou a liquidação de IRC de 2007 da B ..., a qual teve na sua base o facto de a AT ter desconsiderado em termos fiscais os custos suportados pela B ... entre fevereiro de 2007 e agosto de 2007 com os encargos financeiros relacionados com o empréstimo bancário contraído.

Segundo a Requerente, verificar-se-ia, neste âmbito, i) erro nos pressupostos de facto e vício de forma por fundamentação incongruente; ii) violação do art. 23.º do CIRC quanto à não dedutibilidade dos encargos financeiros da B ...; iii) errónea quantificação do montante da correção ao lucro tributável relativo à B ....

 

36. As alegações da Requerente a respeito do erro nos pressupostos de facto (arts. 166 a 183 do RI) podem ser resumidas nos termos seguintes:

i) “A forma como o relatório final de conclusões respeitante à B ... Indústria, SA se encontra redigido cria a aparência de que aquela sociedade adquiriu, em 14 de fevereiro de 2007, o montante de 78,95% do capital e dos créditos da C ..., SGPS, SA e, dois dias depois (em 16 de fevereiro de 2008), efetuou um empréstimo a essa sociedade, mas isso não é verdade”;

ii) a B ... “não celebrou nenhum contrato de empréstimo com a C ... SGPS, SA, pelo que os Serviços de Inspeção Tributária incorrem em completo erro nos pressupostos de facto”;

iii) “houve apenas que proceder à atualização dos registos contabilísticos na C ..., SGPS, SA na sequência da aquisição dos créditos sobre a sociedade, passando aqueles a figurarem em nome da B ... , SA (e da D... SGPS, a outra adquirente do capital e dos créditos) em substituição dos anteriores acionistas”;

iv) “o movimento operado na contabilidade da C ... SGPS, SA na sequência da aquisição do seu capital e créditos pelas sociedades do Grupo B ... foi apenas de alteração da titularidade dos créditos, e não a realização de um empréstimo”.

No que concerne ao vício de fundamentação incongruente invocado nos arts. 184 a 187 do RI, que surge tratado pela Requerente conjuntamente com o vício anterior, isso resultaria de terem sido invocados no Relatório de Inspeção Tributária dois acórdãos respeitantes a casos de empréstimos, os quais, segundo a Requerente, não seriam “aplicáveis in casu onde nos deparamos com financiamentos bancários incorridos para adquirir ativos como sejam participações e créditos”.

 

37. Para aquilatar estas alegações, e verificar a legalidade da atuação administrativa, é necessário descrever as razões que determinaram a Administração Tributária a considerar que os encargos financeiros em causa não são dedutíveis fiscalmente, o que implica confrontar mais de detalhe a fundamentação constante do Relatório de Inspeção dado como integralmente reproduzido em XXIII.

O juízo da Administração pode descrever-se recorrendo aos seguintes trechos constantes desse Relatório:

i) [A B ...] “Contabilizou custos com financiamento destinados a conceder um empréstimo a uma empresa por si detida em parte, pelo que tais custos não poderão ser imputados aos seus resultados, devido a não terem sido necessários ou contribuído para a formação dos seus rendimentos/proveitos” [citação do parecer aposto no Relatório];

ii) “A 16 de fevereiro de 2007, através do documento 17018, [a B ...] registou a título de empréstimos a empresas do grupo, isto é, à C ... SGPS o montante de €10.815.508,33 (€13.699.187,23 x 78,95%), na conta 413301. Este empréstimo, efetuado pela B ... Indústria à C ... SGPS decorre da cessão de créditos efetuada pelos antigos acionistas da A ... à B ... Indústria, pelo que aquela cessão de créditos está unicamente relacionada com o pagamento das ações da A ... (principal ativo da C ... SGPS)” [citação do ponto 5.2, denominado “Desenvolvimento dos factos” do Relatório].

Nesta base, consigna-se, então, no Relatório de Inspeção (ponto III.1) o seguinte:

“Face ao relatado, os custos financeiros contabilizados pela B ... Indústria serão objeto de correção, no sentido de refletir apenas como custo aceite fiscalmente aqueles custos efetivamente utilizados pela sociedade na manutenção da fonte produtora. Desta forma, serão expurgados (correções a efetuar) dos custos financeiros que a empresa suportou os custos nesta contabilizados e que correspondem ao empréstimo efetuado à C ... SGPS para pagar as ações por ela adquiridas da A ..., relevando fiscalmente o valor restante dos custos financeiros que a empresa suportou e que foram efetivamente necessários para o exercício da sua atividade”.

São estes, pois, os fundamentos materiais que conduziram a Administração Tributária a entender que não se encontravam preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 23.º do CIRC para dedução fiscal de custos no que concerne a uma percentagem de 87,57% dos encargos financeiros e do imposto do selo respeitantes ao mencionado financiamento, percentagem essa que foi aplicada pela AT por considerar que corresponde à percentagem do empréstimo bancário obtido pela B ... (€12.350.000,00) que teria sido concedido à C ... (€10.815.508,33).

 

38. Apreciando, então, a questão suscitada sobre a ilegalidade da liquidação aqui em apreço, cabe pôr em destaque que, conforme resulta da descrição antecedente, o juízo da AT sobre a não dedutibilidade de custos incorridos pela B ... com o contrato de financiamento bancário celebrado (acima referido em VII) assenta no pressuposto de que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) no montante de €466.216,24, relevados como custo fiscal, decorreram, como se escreve no mesmo Relatório de Inspeção (ponto IX), de “um empréstimo efetuado à C ... SGPS para esta pagar as ações por ela adquiridas da A ..., tratando-se como tal de custos registados na parcela da sua atividade empresarial, mas a ela alheios, sendo sem sombra de dúvida relativos à sua participada, a C ... SGPS”.

Ora, como já houve oportunidade de assinalar neste processo arbitral (vd. o despacho de indeferimento da prova testemunhal de 12.6.2012 e o despacho relativo ao esclarecimento solicitado sobre o indeferimento da prova testemunhal de 27.6.2012), para decidir sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros advenientes do empréstimo contraído pela B ..., “o que importa, no ponto, é a objetividade da operação documentalmente provada nos autos” e a sua “relação com os tópicos constantes do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC”.

Pois bem, tem que se observar, em face da prova documental produzida e dos factos consequentemente dados como provados, que, em termos de operação realizada, na sua objetividade, não se configura, nas circunstâncias em apreciação, a celebração de qualquer empréstimo entre a B ... e a C ....

Na verdade, o que se encontra provado é que a C ... tinha dívidas para com os seus acionistas iniciais, dívidas essas resultantes do não pagamento imediato das participações sociais adquiridas no capital social da Requerente (vd. III e V); que, pelo contrato de 14 de fevereiro de 2007, a B ... adquiriu 78,95% das ações e dos créditos “sob a forma de suprimentos, no valor global de €13.699.187,23” (pressuposto 5 e cláusula primeira do contrato) que os acionistas originários detinham em relação à C ... (vd. IX e X); e que na contabilidade da C ... passou a constar, em consequência, um crédito no valor de €10.815.508,33 da B ... (vd. XII).

Deste modo, o que se deteta, a este respeito, na realidade factual dada como provada é exclusivamente uma operação de cessão de créditos, em que os créditos detidos pelos anteriores acionistas sobre a C ... foram parcialmente adquiridos pela nova acionista B ..., em consequência do que esta sociedade passou a ser credora da C ... no mencionado montante de €10.815.508,33.

Isto não é contrariado, explicite-se, pelo lançamento contabilístico ocorrido na contabilidade da B ... no dia 16 de fevereiro de 2007 com base no documento (aviso de lançamento) n.º 17018 da B ... (que se encontra no PA), pelo qual se registou o montante de €10.815.508,33 na conta 413301 (Investimentos financeiros, Empréstimos de financiamento). Este lançamento não pressupõe a existência de qualquer empréstimo autónomo da B ... a favor da C ..., dado que assenta antes, como expressamente se refere na descrição constante do mencionado aviso de lançamento n.º 17108 (“De acordo com o contrato celebrado em 14/2/2007 levamos a Investimentos Financeiros parte do valor relativo à aquisição da C ... SGPS”), no contrato de 14 de fevereiro de 2007, pelo qual a B ... adquiriu 78,95% das ações e dos créditos que os acionistas originários detinham em relação à C .... Deste modo, tem de reputar-se como documento justificativo subjacente ao lançamento contabilístico em causa (cfr. o então art. 115.º, n.º 3, al. a) do CIRC, atual art. 123.º do CIRC) o contrato de compra e venda de ações e de cessão de créditos assinado em 14 de fevereiro de 2007 referido em IX. Assim, o que está na base do lançamento em causa é, objetivamente, a aquisição pela B ... dos créditos detidos pelos anteriores acionistas sobre a C ....

Deste modo, a operação aqui em apreciação, na sua objetividade, reconduz-se a uma cessão de créditos, figura que, consabidamente, se verifica quando o credor, mediante negócio jurídico, transmite a terceiro parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor (arts. 577.º e 578.º do Código Civil). Com a cessão do crédito, verifica-se a substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional (modificação subjetiva da obrigação).

Como tal, não se mostra correto figurar na cessão de créditos em apreço um autónomo empréstimo, pois da operação realizada não decorre outra vicissitude que não seja a alteração da titularidade do crédito subjacente à transmissão.

Aliás, se bem interpretamos, parece-nos que isto acaba por ser reconhecido pela Administração Tributária quando escreve no Relatório citado que: “Este empréstimo, efetuado pela B ... Indústria à C ... SGPS decorre da cessão de créditos efetuada pelos antigos acionistas da A ... à B ... Indústria, pelo que aquela cessão de créditos está unicamente relacionada com o pagamento das ações da A ... (principal ativo da C ... SGPS)” e que: “aquela cessão de crédito não é mais do que a venda de um crédito, sendo que o cedido, isto é, a C ... SGPS continua a dever o mesmo montante e a mesma “coisa”, só mudando o credor, isto porque a origem daquele crédito continua a ser a dívida contraída junto dos antigos acionistas da A ... para a compra daquelas ações (da A ...)” [ponto 5.2 do Relatório]. Com estas considerações, reconhece-se, afinal, que o crédito, configurado como autónomo empréstimo, que a B ... passou a deter sobre a C ..., não é senão o resultado da cessão de créditos efetuada pelos anteriores sócios à B ....

Nesta medida, não se configura no caso senão a alteração da titularidade dos créditos sobre a C ... por força do contrato de cessão de créditos celebrado (vd. os factos dados como provados nos n.ºs IX, X e XII).

 

39. Nestes termos, não decorre da matéria fáctica apurada a configuração de um autónomo empréstimo pela B ... em favor da C ... a que se pudesse ligar especificamente o financiamento bancário contraído por aquela B ....

Antes o que se mostra provado é só que a B ... adquiriu ativos, no caso participações sociais no capital social da C ... e créditos sobre esta mesma C ... (cfr. factos dados como provados IX e X), sendo que, para a aquisição destas ações e créditos, a B ... recorreu ao financiamento bancário obtido (cfr. o facto dado como provado no n.º VII), cuja dedutibilidade fiscal dos custos com juros e imposto do selo está aqui em causa.

Pois bem, dado que a correção à matéria coletável operada quanto à não dedutibilidade fiscal dos custos suportados pela B ... com o financiamento bancário contraído assenta na invocada fundamentação de esse financiamento ter sido aplicado em empréstimo à C ... cuja configuração não se mostra resultar dos factos dados como provados, é manifesto que se encontra inquinado por erro sobre os pressupostos o juízo administrativo determinativo da mencionada correção.

Tal erro sobre os pressupostos, todavia, deve considerar-se, em rigor, como erro de direito sobre os pressupostos, porquanto resulta de uma errónea qualificação jurídica (como empréstimo) de factualidade que não é suscetível de tal enquadramento. Na verdade, a qualificação jurídica dos factos, a subsunção de uma realidade à categoria jurídica adequada e à previsão normativa pertinente e o consequente apuramento dos efeitos jurídicos daí advenientes é operação que, na clássica dicotomia “questão de direito/questão de facto”, respeita a matéria de direito, pois trata-se de acomodar a factualidade apurada em conformidade com os critérios da ordem jurídica. Assim, um erro incorrido na qualificação dos factos não deve ser analisado como erro sobre os pressupostos de facto, mas constitui antes erro sobre os pressupostos de direito, ou recorrendo à formulação de ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Erro e ilegalidade no ato administrativo, Lisboa, 1962, p. 201, erro de direito acerca dos factos, que se verifica “se o pressuposto é uma figura jurídica, e os factos efetivamente existentes não materializavam essa figura, mas o agente erradamente supôs que sim”.

Este erro sobre os pressupostos de direito implica, evidentemente, vício de violação de lei, dado envolver a integração dos factos em categoria jurídica assumida como pressuposto do ato que, afinal, não é conciliável com tais factos.

Em face disto, e como não cabe proceder aqui à valoração de outras razões de facto ou de direito que não constam da fundamentação conducente ao ato praticado e que não foram enunciadas como seu pressuposto, verifica-se a ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, da correção aritmética à matéria coletável do ano de 2007 da B ... no valor de €466.216,24.

Em consequência da presença deste vício, determinativo de per si da declaração de ilegalidade da correção realizada, fica prejudicada a apreciação das outras questões, diretas ou tão só argumentativas, respeitantes aos demais vícios suscitadas pela Requerente quanto à correção aritmética na base da liquidação adicional de IRC de 2007 da B ....

 

40. Termos em que se conclui pela invalidade dos atos respeitantes à B ... de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 …e 2011 … e acerto de contas n.º 2011 …, dada a dependência destes últimos em relação ao ato tributário de liquidação .

 

e) Da ilegalidade da interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC (atual art. 73.º);

 

  1. Considerações Gerais

 

41. Como foi exposto nos pontos XIV a XVI, os patrimónios da B ... e da C ... (sociedades incorporadas) foram globalmente transferidos para a Requerente (A ..., sociedade incorporante), em dezembro de 2007, com a consequente extinção das sociedades incorporadas, sendo que a totalidade das ações representativas do capital social da A ... foram atribuídas ao acionista da B ... e C ..., nas exatas proporções das ações por ele anteriormente detidas nestas últimas. Para a realização da fusão, foi elaborado o projeto assinado em 17 de setembro de 2007, no qual se estabeleceu que a fusão da B ..., da C ... e da A ... assumiria a modalidade de fusão prevista na alínea a) do nº 4 do artigo 97º do CSC, fusão por incorporação, e que a A ... seria a sociedade incorporante. A fusão foi registada em 11 de dezembro de 2007, na Conservatória do Registo Comercial de Anadia. Sendo a A ... detida em 90% pela C ... (sendo os restantes 10% ações próprias), e a C ... detida em 78.95% pela B ..., tratou-se de uma fusão (por incorporação) inversa.

 

42. A opção pela fusão ter-se-á devido, segundo o Projeto de Fusão6, “a questões de simplificação da estrutura societária, eliminando um conjunto de ineficiências existentes, pela aproximação da A ... – e da própria estrutura do grupo – aos seus acionistas finais” … “Assim, atentas as características das participações no capital social das duas empresas a incorporar, não se justifica a sobreposição de estruturas organizativas e administrativas, nem tão pouco a subsistência daqueles dois entes jurídicos, designadamente da B ... e da C ..., conduzindo a fusão ora projetada a uma simplificação de procedimentos, a uma flexibilização de atuação e a uma redução dos custos de funcionamento do conjunto das três sociedades. Destaque-se também que a integração da atividade comercial desenvolvida pela B ... na esfera da A ... proporcionará o reforço da sua capacidade concorrencial no mercado ibérico e algumas economias de escala a este nível. Quanto ao facto da A ... ser a sociedade incorporante, tal deve-se essencialmente a questões de simplicidade administrativa, tendo em conta a envolvente económico-financeira da empresa, o facto de possuir instalações próprias, bem como a imagem comercial a manter que, eventualmente, poderia resultar prejudicada caso a sociedade se extinguisse mediante fusão por incorporação final na B ... e/ou na C ...” (n.º 4.2 do Projeto de Fusão), e expansão para novos mercados (ns. 65 a 70 do RI).

 

43. Do projeto de fusão consta também que os elementos do ativo e passivo das sociedades incorporadas, constantes dos balanços seriam transferidos para a sociedade incorporante pelo seu valor contabilístico, cumprindo os requisitos previstos no então artigo 67.º e seguintes do Código do IRC, para efeitos do regime de neutralidade fiscal (n.º 5 do Projeto de Fusão). Em virtude dessa fusão haveria a transferência global do património da B ... e da C ... para a A ..., e a atribuição da totalidade das ações da A ... detidas pela C ... diretamente à acionista única da sociedade incorporada B ...D... SGPS, SA – não havendo, pelo mesmo motivo, lugar à fixação de outros critérios de avaliação de relações de troca das participações sociais (n.º 6.1. do Projeto de Fusão); e, finalmente, nos termos do livro de registo de ações da Requerente, com o número da ordem de registo 819, encontra-se averbado que o título de 134.730 ações cuja propriedade era da C ... passou para a D... SGPS (cfr. págs. 163 e 164 do livro de registo de ações juntas como doc. n.º 28 junto ao RI).

 

44. Relembre-se ainda que em sede factual, e a tal propósito, resulta dos autos que:

  1. A Requerente foi sujeita a uma inspeção tributária relativa ao exercício de 2007, cujo relatório final continha propostas de correção em sede de IRC.

  2. Em 25 de outubro de 2011 a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2011 … e 2011 …, tendo em 27 de outubro do mesmo ano, sido notificada do acerto de contas n.º 2011 … com saldo a pagar de euros 107.920, 27, todos relativos ao exercício de 2007.

  3. A Requerente foi notificada em 14 de novembro de 2011, na qualidade de sociedade incorporante das sociedades B ... e C ..., dos respetivos relatórios finais de inspeção tributária, no seguimento dos quais foram, às mesmas, efetuadas correções aritméticas e consequentemente à respetiva matéria tributável.

 

ii) Fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável em sede de IRC

 

a) Descrição dos factos pelos Serviços de Inspeção Tributária, poupanças fiscais e potencial abuso do regime fiscal de neutralidade

 

45. O Relatório de Inspeção Tributária descreve os factos nas pp. 15 e ss.7, orientando a sua descrição no sentido de que os diversos procedimentos adotados pelas empresas envolvidas implicaram significativas poupanças fiscais. Por exemplo, “[c]om …[a] série de procedimentos, constituição de empresas, cedências de crédito e distribuição de reservas, os acionistas da “D...” valorizaram a empresa “A ...” a preços de mercado, obtendo financiamento para pagar aos acionistas parte do valor da venda da “A ...” cujo valor contratado foi de €19.300.000. … A distribuição de reservas livres disponíveis da “A ...” para a “C ... SGPS” serviu para pagar parte do preço das ações da “A ...” aos acionistas já referidos, não havendo qualquer incidência de imposto por força do art.º 46.º do CIRC (eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos).… Com o processo de fusão, a “B ... Indústria” obteve um crédito de €12.350.000, que serviu para pagamento das ações da “C ... SGPS” e das ações da “A ...” aos acionistas originários (€10.815.508,33), passando a responsabilidade do pagamento do financiamento, € 12.350.000,00 e respetivos encargos, para a empresa filha, a “A ...”, a qual incorporou as “mães” (a “C ... SGPS” e a “B ... Indústria”). A “D...” constituiu a “B ... Indústria” com um único propósito: esta endividar-se junto da banca, e após fusão transferir os encargos financeiros para a entidade adquirida, a “A ...”, na medida em que, caso fosse a “D...” a contrair o empréstimo junto da banca, os encargos financeiros associados não seriam aceites como custo fiscal, nos termos do n.º 2 do art.º 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF): “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

“…A empresa que gera fluxos financeiros positivos, a A ... suporta custos financeiros com um financiamento que não respeita à atividade normal que desenvolve, e por outro lado, ao longo dos tempos ficará descapitalizada dos valores que pagará ao banco pelo financiamento (amortização da dívida e pagamento de juros) cujo beneficiário é tão só e apenas a acionista “D...”, ficando esta, através deste esquema, titular de 90% do capital da A ..., sem no entanto despender grandes meios financeiros...

…Esta situação só foi possível graças à montagem de um esquema de planeamento fiscal, que consistiu numa série de procedimentos/operações, que tiveram como objetivo encapotar e contornar a clareza da operação que pretendiam realizar, que seria a de pagar aos acionistas originários da “A ...” a compra das ações daquela, sendo a própria “A ...” a gerar fundos para o seu pagamento ao longo dos tempos, através do financiamento contraído pela “B ... Indústria” junto das entidades bancárias, o qual vai ser pago pela “A ...”, mercê da operação da fusão.”

E acrescenta o Relatório: “Para terminar, importa referir que deste conjunto de operações facilmente se conclui que não se encontra subjacente qualquer interesse económico, mas tão só uma forma de eliminar qualquer tributação e ainda onerar a única empresa operacional, a A ..., que vinha apresentando rentabilidades fiscais elevadas, as quais têm vindo a cair devido ao encargo com o empréstimo que respeita à sua própria aquisição e que contribuiu para o enriquecimento patrimonial da “D...” e indiretamente dos detentores do capital desta, sem qualquer contrapartida.

Acrescenta ainda o Relatório que “a necessidade de existência de interesse económico, previsto no n.º 10 do art.º 67.º do CIRC, subjaz a todo o regime de neutralidade fiscal previsto no n.º 1 do art.º 68.º do CIRC.”

Além das referências a negócios que geraram poupanças fiscais, o Relatório sugere que terá existido um comportamento abusivo, ao invocar o n.º 10 do art.º 67.º do CIRC.

 

b) O n.º 10 do art.º 67.º do CIRC e o despacho interlocutório deste Tribunal

 

46. A propósito de um eventual comportamento abusivo, o Tribunal Arbitral deliberou em despacho interlocutório, por maioria, o seguinte:

“O disposto no n.º 10 do artigo 67.º do CIRC (atual artigo 73.º, n.º 10) constitui uma norma antiabuso – como se pode concluir tanto face aos parâmetros do direito fiscal nacional, como do direito da União Europeia, pois que é idêntica a redação das respetivas normas (cfr. o artigo 11 da Diretiva n.º 90/434/CEE de 23 de Julho de 1990, que permite a recusa do regime de neutralidade quando haja abuso, e sendo exemplo deste a ausência de razões económicas válidas; cfr. também o Caso Foggia, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Novembro de 2011, processo n.º C-126/10, in Jornal Oficial da União Europeia, de 28 de Janeiro de 2012, e jurisprudência assente do mesmo Tribunal citada nesse mesmo Caso Foggia).

Nos termos do ordenamento jurídico português é portanto aplicável ao n.º 10 do ex-artigo 67.º do CIRC o procedimento previsto no ex-artigo 63.º do CPPT pois que, nos termos dos seu n.º 1, “[a] … liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.”.

Ou seja: Se as correções à matéria tributável, consequenciando as liquidações em causa, se fundamentaram, ainda que subsidiariamente, na ausência de razões económicas válidas para operação de fusão, tal fundamentação não pode ter validade jurídica – nem quaisquer consequências – sem a abertura do referido procedimento antiabuso, imprescindível para a aplicação do n.º 10 do artigo 67.º.

Exige-se, assim, um procedimento administrativo autónomo de aplicação de uma regra antiabuso, pelo que os tribunais não podem operar a aplicação de cláusulas antiabuso, à míngua da adoção, pela AT, daquele mesmo procedimento, isto é, concretizando: sendo certo que o abuso e a aplicação de cláusulas antiabuso pode ser sindicado pelos tribunais, no quadro geral da reserva da lei fiscal, no nosso ordenamento a reação ao abuso através de cláusulas antiabuso só pode ocorrer após reação prévia da AT, nos termos do art. 63.º do CPPT. Não tendo sido aplicado o procedimento antiabuso previsto neste último preceito, não pode o tribunal averiguar da existência, ou não, de razões económicas válidas para a fusão. Esta posição é também compatível com a doutrina do TJUE: mesmo quando o Tribunal de Justiça da União Europeia interpreta o conceito de "razões económicas válidas", submete as consequências de tal interpretação ao direito nacional: só se o direito nacional contiver normas e medidas antiabuso que possibilitem a aplicação da regra antiabuso de Direito Europeu, é que esta é efetivamente aplicável (caso Kofoed, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 5 de Julho de 2007, C-321/05, Colect., p. I-5795). Mutatis mutandis, só se os procedimentos do direito nacional na aplicação de cláusulas antiabuso tiverem sido respeitados é que a (eventual) ausência de razões económicas válidas tem consequências para o caso concreto.

Assim sendo, não tendo existido o procedimento, ele não pode ser, ora, objeto do processo, pois que não integra sequer o procedimento de liquidação, sendo consequentemente inócua tal averiguação. Razão por que o tribunal não tem que se pronunciar – recte, não pode emitir pronúncia – sobre qualquer questão atinente, desde logo sobre o próprio prazo de caducidade daquele – cfr. artigo 63.º n.º 3 do CPPT (versão de 2007).”

Deste entendimento proferido decorre que o n.º 10 do ex-artigo 67.º do CIRC, como norma específica antiabuso que é, tem autonomia face ao âmbito de aplicação desse mesmo artigo 67.º, ou seja, devemos averiguar o significado e alcance das operações abrangidas pelo ex-artigo 67.º, independentemente das razões que subjazem a essas operações em concreto.

 

c) Fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável em sede de IRC

 

47. Vejamos a (restante) fundamentação dos Serviços de Inspeção Tributária para as referidas correções aritméticas:

Nos termos do ponto III.1.1.1.1. do Relatório, “[p]ara efeitos da aplicação do regime de neutralidade fiscal, as operações de fusão devem estar contempladas na enumeração taxativa do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC e observar os requisitos aí previstos...

…O legislador regulou especificamente o caso da fusão direta, na alínea c) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC, em que a sociedade mãe incorpora a sociedade controlada, detida a 100% e em que se limita a anular a participação detida. No entanto, numa operação de fusão em que a sociedade incorporante é totalmente detida pela sociedade incorporada, já não se encontra qualquer previsão ou regulação específica no CIRC. Trata-se de uma fusão inversa, em que a sociedade controlada incorpora a sociedade mãe, a incorporante adquire, como ações próprias, aquelas que eram detidas pela incorporada, devendo ao mesmo tempo entregar essas ações aos sócios da sociedade mãe que se dissolve…

… Assim temos que as fusões inversas não são passíveis de enquadramento no regime de neutralidade fiscal, conforme ficha doutrinária, constante da informação vinculativa, Processo n.º 1204/2001- XV do SEAF de 19/5/2004.

… Aquela operação não se enquadra na al. c) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC, na medida em que a sociedade incorporante, a A ..., não detém a totalidade do capital social das incorporadas (a C ... e a B ... Indústria). É sim o caso inverso, ou seja, as incorporadas, a C ... e a B ... Indústria detêm o capital social da sociedade incorporante, a A .... A C ... detém 90% do capital social da A ..., o que corresponde a controlar 100% do capital social da A ..., na medida em que os restantes 10% do capital social são ações próprias, detidas pela própria A ....

… Decorre da lei comercial e fiscal que na fusão por incorporação é requisito necessário para a configuração da operação que aos sócios das sociedades fundidas sejam atribuídas partes da sociedade resultante da fusão. A sociedade absorvente recebe entradas de património que lhe são efetuadas pelas sociedades incorporadas, mas a contraprestação dessas reside em títulos de participação no capital social que são atribuídos aos sócios dessas sociedades. A exceção consignada na alínea c) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC que corresponde ao art.º 116.º do Código das Sociedades Comerciais é apenas a fusão direta em que a mãe incorpora a filha detida a 100% e neste caso a mãe limita-se a anular o valor da participação detida, pelo que, não há necessidade de aumentar o capital. No caso da fusão inversa está ausente a necessidade de trocas de participações já que as ações próprias adquiridas são as mesmas que serão transferidas para os sócios das incorporadas. Não há lugar a anulação de participações. A este propósito refira-se o Parecer do CEF n.º 45/2004 “é de notar que o legislador regulou especificamente o caso da fusão direta em que a sociedade mãe incorpora a controlada detida a 100% (dado o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC)… Porém, já não se encontra qualquer previsão ou regulação específica dirigida à hipótese de fusão ou cisão fusão em que a sociedade controlada, que é detida a 100% incorpora a sociedade mãe. Ora, o facto de o legislador ter autonomizado a hipótese da al. c) em relação à alínea a) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC mostra bem como se entendeu necessário tratar estas operações com autonomia, o que se explica pelo facto de estar aqui ausente a necessidade de uma relação de troca de participações, já que as ações próprias adquiridas são as mesmas que serão transferidas para os sócios da incorporada”.

… Importa referir que o Centro de Estudos Fiscais através do seu parecer n.º 27/2005 refere que nas definições constantes nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 67.º do CIRC exige-se sempre “a atribuição aos sócios de partes representativas do capital social das sociedades beneficiárias”, encontrando-se a contrario afastadas do âmbito de aplicação deste regime as operações que não verifiquem este requisito, sendo para tanto indiferente o facto das operações só envolverem empresas pertencentes a um grupo”.

O Relatório cita os outros argumentos aduzidos nos Pareceres do CEF: a neutralidade fiscal é aplicável a operações taxativamente contempladas no artigo 67.º do CIRC, tal resultaria da “intenção do legislador”, que se refere a operações de fusão e cisão de sociedades e de entrada de ativos, tal como definidos nos ns.º 1 a 3, “intenção essa também indiciada pela epígrafe deste artigo” (definições e âmbito de aplicação), o regime de neutralidade aproxima-se de um verdadeiro regime de benefícios fiscais, como foi expressamente qualificado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no Acórdão Leur-Bloem (de 17 de julho de 1997, C-28/95); na medida em que estabelece uma exceção mais vantajosa para o contribuinte, ao regime de tributação-regra, não se poderá olvidar que o artigo 9.º do EBF consagra expressamente que “as normas que estabelecem benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica”.

Acrescenta o Relatório de Inspeção inexistir “interesse económico na operação de fusão, já referido no ponto C.6 do presente relatório, previsto no n.º 10 do art.º 67.º do CIRC e requisito também essencial para a observância da neutralidade fiscal da operação”.

 

iii) A fundamentação da Requerente

 

48. Segundo a Requerente, os Serviços baseiam-se em dois pareceres do Centro de Estudos Fiscais de 2004 e de 2005 (Pareceres ns. 45/2004 e 27/2005) e numa informação vinculativa de 2004, associada ao primeiro parecer, emitida no âmbito do processo n.º 1204/2001: tais pareceres não só não se aplicarão factualmente ao caso (porque no caso dos pareceres trata-se de uma cisão-fusão, e no caso da A ..., de uma fusão inversa – n.º 232 do RI) como a fundamentação não estará correta.

A interpretação de que a fusão inversa não está prevista no artigo 67.º do CIRC é ilegal face ao direito interno e ao Direito Europeu (n.º 230 do RI). Ela pressuporia que ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do ex-artigo 67.º do CIRC, a entrega de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária teria que decorrer de um aumento de capital (n.º 235 do RI), por contraposição à alínea c) do n.º 1 desse mesmo artigo.

Pelo contrário, para a Requerente, a fusão inversa está contida na alínea a) do n.º 1 do ex-artigo 67.º do CIRC, implica troca de participações e atribuição de ações da incorporante aos acionistas, e é por isso suscetível de beneficiar do regime de neutralidade fiscal (n.º 231 do RI). A inclusão na alínea c) do n.º 1 do ex- artigo 67.º do CIRC do regime de neutralidade fiscal das situações em que a sociedade mãe é a sociedade beneficiária da fusão e a sociedade afiliada é a sociedade incorporada, é uma clarificação relativa a uma situação em que não há emissão de ações: não há troca de participações nem atribuição de ações da sociedade incorporante (ns.º 237-240 do RI), “criando uma situação distinta da alínea a) do mesmo preceito”.

No n.º 239 do RI, a Requerente entende que a alínea c) introduz um regime que vai para além do da Diretiva das fusões e cisões, porque este faria referência expressa à atribuição aos sócios da incorporada de títulos representativos do capital da sociedade incorporante; uma vez que nas fusões diretas de uma participada de títulos representativos do capital de uma sociedade que a detém a 100% não existe tal atribuição porque os títulos que representam o capital da incorporada são extintos, a alínea c) teria que ficar consagrada expressamente para não haver dúvidas que o regime português abrange tal situação no regime de neutralidade.

A alínea c) pretenderá esclarecer que mesmo nos casos em que não há atribuição aos sócios da sociedade incorporante por extinção dos títulos da incorporada, também é garantida a neutralidade fiscal – a alínea c) pretende alargar o regime de neutralidade e não restringi-lo (n.º 241 do RI).

Além disso, segundo a Requerente, é errado dizer que na fusão inversa não ocorre troca de participações (ns. 243-244 do RI) e que por isso a alínea a) do n.º 1 do ex-artigo 67.º do CIRC não se aplicaria, pois os pareceres do CEF confundiriam os conceitos de ações próprias no sentido de titularidade e no sentido rigoroso do termo, e não refletem a realidade ao defender que a sociedade incorporante e Requerente adquiriria as ações próprias para depois as transferir para o acionista da incorporada (ns. 245-246 do RI). Na sequência da fusão, a B ... SGPS tornou-se sócia da Requerente, uma vez que a sociedade incorporada foi extinta (ns. 247-251 do RI). E em conclusão, o ato de correção aritmética para o ano de 2007, em sede de IRC (matéria tributável) no valor 4.242.231,50€, respeitante à C ... SGPS, deve ser anulado.

A Requerente invoca ainda o argumento histórico, dizendo que na versão originária, antes da introdução de uma redação que resulta da Diretiva 90/434/CEE, o CIRC abrangia todos os tipos de fusão, sem qualquer distinção. A Diretiva também não poderia ser interpretada restritivamente (parágrafo 1 da exposição de motivos e art.º 2.º a) i) da Diretiva).

O elemento literal da alínea a) do n.º 1 do ex-art.º 67.º do CIRC, e do n.º 4 do art.º 97.º do Código das Sociedades Comerciais iria no mesmo sentido de não excluir a fusão inversa (ns. 262-263 do RI). Por outro lado ainda, o conceito de fusão do art.º 67.º do CIRC é um conceito amplo e autónomo do Código das Sociedades Comerciais atendendo primacialmente à realidade económica, ou substância económica dos factos, não se justificando uma interpretação restritiva desse conceito (por exemplo porque se trataria de um benefício fiscal) e apoiada em conceitos de outros ramos de Direito (ns. 268-270 do RI).

 

iv) Cumpre decidir:

 

49. As fusões inversas têm aumentado, e pode questionar-se, em termos gerais, por que são utilizadas em vez da fusão da afiliada na sociedade mãe, que é mais simples e cuja neutralidade é inquestionável do ponto de vista fiscal porque a alínea c) do n.º 1 do ex-art.º 67.º do CIRC, renumerado como art.º 73.º, se dirige especificamente a tais fusões.

Tem-se verificado que as razões comerciais ou económicas são múltiplas em ambos os tipos de fusões. Em qualquer dos casos podem existir razões de poupança fiscal; razões de manutenção da imagem comercial da sociedade e consequente cotação da mesma na bolsa de valores ou manutenção e expansão da carteira de clientes; para a fusão inversa podem existir razões ligadas à estrutura patrimonial das sociedades envolvidas (em que a estrutura patrimonial da sociedade-mãe é mais simples do que a da sociedade afiliada); razões ligadas à transferência de dívidas de aquisição da sociedade afiliada; há ainda situações em que a sociedade afiliada é cotada em bolsa e a sociedade-mãe não o é; em que a sociedade afiliada é operativa e a sociedade-mãe é uma holding; em que sociedade afiliada é proprietária de imóveis e de móveis registados, e a sua dissolução implicaria o cumprimento de diversas formalidades burocráticas8.

Analisemos os diversos argumentos que justificaram as correções por parte dos Serviços de Inspeção Tributária.

 

  1. A interpretação das definições no art.º 67.º do CIRC e o regime de tributação neutra das operações de fusão

 

50. Em primeiro lugar, cabe saber se o n.º 1 do ex-art.º 67.º do CIRC contém uma enumeração taxativa das fusões para efeitos de benefício do regime de neutralidade fiscal, como defendem os referidos Serviços. A questão de saber se o regime de neutralidade fiscal se aplica às operações previstas taxativamente no art.º 67.º não se coloca em termos diferentes das regras de interpretação da lei em geral, e da lei fiscal, em especial.

 

51. As operações destinatárias da neutralidade são as definidas na lei (ex-artigos 67.º e 68.º Código do IRC e Diretiva das Fusões, 90/434/CEE, de 23 de julho de 1990), como resulta das exigências da reserva de lei fiscal do art.º 165.º, n.º 1, alínea i) e art.º 103.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa. Mas nem a reserva de lei nem a existência de uma definição legal implicam, necessariamente, taxatividade9, nem uma interpretação restritiva dos tipos de operações abrangidas. Também a interpretação da lei fiscal segue as regras gerais de interpretação da lei, sendo certo que a reserva de lei fiscal proíbe a integração analógica. Por isso, a letra da lei é o ponto de partida e o limite da interpretação. Para sabermos se uma disposição contém uma enumeração taxativa devemos procurar o sentido da letra da lei, a finalidade do regime e ainda o enquadramento sistemático das definições do art.º 67.º do CIRC na subsecção que rege o regime das fusões em IRC. Além do mais, se a enumeração resultar da transposição da Diretiva e o regime interno for idêntico ao regime da Diretiva, a interpretação tem que ser conforme à Diretiva, mesmo que se trate de situação puramente interna (V. n.º 62 infra). O elemento histórico é relevante para averiguar a finalidade da lei, mas é, em si mesmo, um elemento secundário de interpretação. O elemento subjetivo (a intenção do legislador) é ainda menos relevante e muito difícil de demonstrar (e nos nossos sistemas constitucional e de Direito Europeu é muito difícil saber quem é o legislador), e não se deve confundir a intenção da lei (isto é, a finalidade da lei), esta sim elemento principal de interpretação, com a intenção de quem a elaborou e/ou aprovou.

 

52. Acrescente-se também, e desde já, que foi decidido no acórdão da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11, de 20 de dezembro (Relator Conselheiro Valente Torrão), que o ex-art.º 67.º do CIRC não contém uma definição taxativa das fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações. Da argumentação nesse acórdão, que parte de elementos históricos de interpretação, para uma interpretação sistemática e da finalidade da lei, resulta que a interpretação de tal preceito deve ter em conta, nomeadamente, se os requisitos legais para a atribuição do regime de neutralidade fiscal foram observados (constantes do ex-art.º 68.º do CIRC). É esta a posição que adotamos quanto ao caso que aqui se julga, seguindo as considerações expostas no ponto 52, no acórdão do STA, e os argumentos que se expõem de seguida.

 

  1. O acórdão citado da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11

 

53. O acórdão citado da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11, nega a taxatividade do ex-art.º 67.º do CIRC e começa por fazê-lo recorrendo a elementos históricos de interpretação da lei portuguesa e da Diretiva comunitária na versão originária (Diretiva 90/434/CEE de 23 de julho de 1990) (pontos VI.6 e ss. do referido acórdão). Os argumentos históricos apontam no sentido de que o âmbito das operações de fusão e de cisão beneficiárias do regime de neutralidade não deve ser interpretado taxativamente.

Desde logo, o acórdão lembra o n.º 11 do Decreto Preambular que aprovou o CIRC (Decreto-Lei n.º 442-B/88): “Outra área em que se faz sentir a necessidade de a fiscalidade adotar uma postura de neutralidade é a que se relaciona com as fusões e as cisões de empresas. É que a reorganização e o fortalecimento do tecido empresarial não devem ser dificultados, mas antes incentivados, pelo que, refletindo, em termos gerais, o consenso que ao nível da CEE, tem vindo a ganhar corpo neste domínio, criam-se condições para que aquelas operações não encontrem qualquer obstáculo fiscal à sua efetivação desde que, pela forma como se processam, esteja garantido que apenas visam um adequado redimensionamento das unidades económicas”.

Prossegue o acórdão, citando o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de julho, que veio alterar o regime das fusões e cisões, transpondo a Diretiva 90/434/CEE, o qual se refere a “preocupações de neutralidade fiscal”. Cita ainda o preâmbulo da própria Diretiva: “(1) … as fusões, as cisões, as entradas de ativos e as permutas de ações entre sociedades de Estados-membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo a realização e o bom funcionamento do mercado comum; que essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-membros; que importa, por conseguinte, instaurar, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional”; e que “(4) … o regime fiscal comum deve evitar a tributação das fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações, salvaguardando os interesses financeiros da sociedade contribuidora ou adquirida”. 10

O regime interno e de Direito Europeu apontam pois para as finalidades da neutralidade fiscal das operações de fusão e de cisão, de eliminação de entraves à reorganização e fortalecimento do tecido empresarial, e de um mercado interno sem distorções de concorrência.

 

  1. Um Regime Especial de Tributação: Diferimento da Tributação das Mais-Valias

 

54. O regime da neutralidade da tributação em IRC das fusões e outras operações de reestruturação é um regime especial, como nos diz a epígrafe da subsecção IV: “Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais”, na redação de 2007, aplicável ao caso, e dada pelo art.º 27.º da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro. O regime é especial no sentido em que tem um objeto limitado, aplicando-se às operações de reestruturação empresarial referidas, e em que não é considerado na determinação do lucro tributável das sociedades fundidas ou cindidas ou da sociedade contribuidora, no caso da entrada de ativos, qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência das referidas operações, nem são consideradas como proveitos ou ganhos, nos termos do n.º 2 do art.º 34.º, as provisões constituídas e aceites para efeitos fiscais que respeitem aos créditos, existências e obrigações e encargos objeto de transferência (ex-art.º 68.º n.º 1 do CIRC)11.

 

55. Neste regime especial, a lei adia a tributação das mais-valias para o momento em que as ações são alienadas a terceiros (i.e. fora do âmbito das operações de reestruturação definidas no ex- art.º 67.º do CIRC), pois só aí existe verdadeira realização das mais-valias (porque afetas a finalidades distintas). A configuração de todo o regime confirma que a sua finalidade (e justificação) é a de tratar de forma fiscalmente neutra tais operações, não as desincentivando, pois a tributação imediata das mais-valias criaria elevados custos12.

Também o referido acórdão da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11, se refere a um “regime de adiamento, até à sua realização efetiva, da tributação das mais-valias relativas aos bens transferidos, aplicado aos bens que estejam afetos a esse estabelecimento estável [e que] permite evitar a tributação das mais-valias correspondentes, garantindo ao mesmo tempo a sua tributação posterior pelo Estado da sociedade contribuidora, no momento da sua realização” (ponto VI.7).

No quadro da reestruturação, os ativos são afetos à atividade empresarial do grupo, que opera em continuidade, e por isso a tributação das mais-valias é adiada, desde que verificadas certas condições, nomeadamente, desde que se observe o disposto no n.º 3 do ex-artigo 68.º do Código do IRC: “a aplicação do regime especial determina que a sociedade beneficiária mantenha, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais objeto de transferência pelos mesmos valores que tinham nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora antes da realização das operações, considerando-se que tais valores são os que resultam da aplicação das disposições deste Código ou de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal”.

O n.º 4 contém requisitos adicionais para a determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária da operação. Diz-nos a alínea a) do n.º 4 do ex-art.º 68.º do CIRC: “O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de ativos.” Além disso, as amortizações e reintegrações dos ativos transferidos têm de ser efetuados de acordo com o regime que vinha a ser seguido nas sociedades fundidas (alínea b) do nº 4 do ex-artigo 68º CIRC). E as provisões que foram transferidas deverão ter para efeitos fiscais o mesmo tratamento que era aplicado nas sociedades fundidas (alínea c) do nº 4 do ex-artigo 68º CIRC). Em suma, observadas as condições do n.º 3 e do n.º 4, não existe um incremento patrimonial resultante da operação de reestruturação, e por isso se justifica o regime de neutralidade fiscal.

 

  1. O regime do art.º 67.º e 68.º do CIRC e os benefícios fiscais

 

56. A interpretação sistemática do regime de neutralidade fiscal das operações de reestruturação empresarial bem como a finalidade desse regime e o elemento histórico de interpretação demonstram que tal regime não constitui um benefício fiscal no sentido rigoroso do termo. Não é pois de aceitar a interpretação dos Serviços de Inspeção Tributária, de que o regime em apreço constitui um benefício fiscal e que por isso deve ser interpretado restritivamente.

O Tribunal de Justiça da União Europeia utilizou o termo “tax advantage” na versão inglesa do caso Leur Bloem, C-28/95, de 17 de julho de 1997, a propósito do regime da diretiva das fusões, traduzido em português para “benefício fiscal” e fê-lo em conjunto com o termo “atribuição dos benefícios da diretiva” (paras. 35, 36, 38). Ultrapassando o problema resultante das diversas versões linguísticas dos acórdãos e da legislação Europeia, versões essas igualmente válidas, pode dizer-se que, em geral, o Tribunal de Justiça utiliza abundantemente os termos benefício fiscal, concessão fiscal, ou vantagem fiscal.

Cabe ao intérprete averiguar o sentido jurídico-fiscal dessas expressões, e pode dizer-se que o Tribunal de Justiça a elas recorre nos seguintes casos: para se referir a um regime harmonizado que elimina distorções e discriminações (como é o caso da Diretiva das fusões) ou para se referir a um regime discriminatório que é mais benéfico para os sujeitos passivos que não exercem as liberdades fundamentais do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ou dos ex-Tratados da CEE ou da CE) do que para os sujeitos passivos que exercem tais liberdades fundamentais: veja-se, quanto à segunda situação, a título de exemplo, o caso Avoir Fiscal13 (para. 3) sobre um crédito de imposto para evitar a dupla tributação económica; o caso Saint-Gobain14 (para. 32) sobre o mesmo assunto, mas referente a uma situação triangular; o caso Marks & Spencer15 sobre dedução à matéria tributável da sociedade-mãe de prejuízos transfronteiriços de filiais (para. 38); o próprio caso Leur Bloem sobre os requisitos para a aplicação da Diretiva 90/434/90 (para. 35)16.

Interpretação diferente do caso Leur Bloem – isto é, considerar que o Tribunal de Justiça se referia a um benefício fiscal stricto sensu, concedido pelo regime da Diretiva 90/434/CEE, e portanto objeto de interpretação restritiva – seria contraditória com a afirmação pelo mesmo Tribunal nesse caso (para. 36), de que o regime fiscal comum estabelecido na Diretiva se aplica indistintamente a todas as operações de fusão, cisão, entrada de ativos e de permuta de ações, independentemente dos seus fundamentos17.

Os benefícios fiscais são definidos no art.º 2.º n.º 1 do EBF: são regimes excecionais que prosseguem finalidades públicas extrafiscais superiores aos da tributação que impedem. Nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do EBF, podem traduzir-se em isenções, reduções de taxas, reduções à matéria coletável e à coleta, amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais com as características definidas no art.º 2.º n.º 1.

O regime de neutralidade fiscal das operações de reestruturação empresarial do CIRC, ocorridas em território português, não prossegue finalidades públicas extrafiscais e não constitui um regime excecional: trata-se de não penalizar a racionalização empresarial e de não onerar fiscalmente mais-valias que mais se assemelham a mais-valias potenciais, pois no quadro da reestruturação empresarial, não existe um incremento patrimonial, desde que, como vimos, se observe o disposto nos ns. 3 e 4 do ex-artigo 68.º do Código do IRC. O regime especial de neutralidade fiscal das operações de reestruturação empresarial não contém uma isenção de mais-valias, mas um adiamento da sua tributação para o momento da efetiva realização das mesmas (fora do âmbito da reestruturação).

O mesmo raciocínio se aplica às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações envolvendo sociedades de dois ou mais Estados Membros da União Europeia, no quadro da Diretiva das fusões (Diretiva 90/434/CEE e Diretiva 2009/133/CE de 19 de outubro de 2009, versão condensada), em que o Estado da sociedade contribuidora tem que adiar a tributação das mais-valias para o momento da alienação a terceiros, mas cabendo-lhe nesse momento a competência para a tributação das mais-valias apuradas aquando da fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de ações (Ponto 2 do Preâmbulo da Diretiva 2005/19/CE de 17 de fevereiro de 2005, que altera a Diretiva 90/434/CEE, de 23 de julho de 1990). Na verdade, esta Diretiva estabeleceu um sistema comum para eliminar distorções que colocavam em desvantagem as operações respeitantes a sociedades de diferentes Estados Membros em comparação com idênticas operações respeitantes a sociedades do mesmo Estado Membro, Ponto 2 do Preâmbulo da Diretiva 90/434/CEE, de 23 de julho de 1990. Deve-se pois entender que a Diretiva 90/434/CEE abrange também as fusões inversas no seu art.º 2.º (a) 1.º parágrafo18.

E em última analise idêntico raciocínio se aplica também ao caso dos impostos à saída quando as sociedades transferem a sede, direção efetiva ou mesmo um estabelecimento estável para outro Estado Membro, desde que tal transferência não seja tributada se ocorrer dentro do mesmo Estado Membro (veja-se o recente acórdão do Tribunal de Justiça C-38/10, Comissão v. República Portuguesa, de 6 de setembro de 2012, confirmando jurisprudência anterior). Não se trata, em nenhum dos três casos, de benefícios fiscais, mas da eliminação de distorções fiscais e de tratamento neutro e não discriminatório das referidas operações.

Questão diferente é a de existir um benefício fiscal, como o que constava do art.º 26.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), atual art.º 27.º, isentando as mais-valias fiscais realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais a não residentes sem estabelecimento estável em território português e que possa converter o adiamento da tributação das mais-valias por virtude de uma operação de fusão, cisão, entrada de ações ou permuta de ativos, em isenção. A existência desse artigo 26.º do EBF pode induzir a comportamentos de planeamento fiscal, mas não legitima, em si mesma, a interpretação restritiva do ex-art.º 67.º do CIRC19.

 

  1. As fusões inversas, as cisões-fusões em que a sociedade beneficiária é detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida e os aumentos de capital

 

57. Por seu turno, o argumento de que a alínea a) do n.º 1 do ex-artigo 67.º não conteria as fusões inversas porque exigiria um aumento de capital não é válido nem perante a nossa legislação das sociedades comerciais nem é exigido na lei fiscal, nem tão pouco na Diretiva 90/434/CEE e subsequentes alterações em 2005. Podemos ainda encontrar um argumento paralelo na Diretiva de Reuniões de Capitais, em que o Tribunal de Justiça entendeu estarem isentas de imposto sobre as reuniões de capital as fusões inversas, pois, embora não existindo um aumento de capital, existe um aumento de valor dos ativos da sociedade beneficiária20.

O ex-art.º 67.º do Código do IRC, além de transpor a Diretiva 90/434/CEE, e de se aplicar a fusões internas e a fusões envolvendo sociedade ou sociedades de outros Estados Membros (ex-art.º 67.º n.º 7), reproduz os tipos de fusão previstos no Código das Sociedades Comerciais, os quais por seu turno, transpõem a 3.ª Diretiva relativa às fusões das sociedades por ações, Diretiva 78/855/CEE.21 Mais do que isso, as operações de reestruturação empresarial previstas na Diretiva 90/434/CEE reproduzem as operações previstas na Diretiva 78/855/CEE. A Diretiva 78/855/CEE refere-se apenas aos casos de «fusão mediante incorporação» (capítulo II), «fusão mediante constituição de uma nova sociedade» (capítulo III) e «incorporação de uma sociedade numa outra que possua, pelo menos, 90% das ações da primeira» (capítulo IV). Por isso, e uma vez que a Diretiva 78/855/CEE não tinha uma regulamentação específica quanto às fusões inversas, também a Diretiva 90/434/CEE não prevê expressamente o caso desse tipo de fusões.

Para além de todos estes regimes terem sido influenciados pela Diretiva 78/855/CEE, uma das condições subjacentes para a aplicação do regime de neutralidade fiscal do ex-art.º 67 e seguintes do CIRC, é que as operações sejam válidas na perspetiva da lei societária: o regime especial de neutralidade é aplicável a todas as operações de fusões e cisões, desde que válidas do ponto de vista da lei comercial, nomeadamente, desde que protegidos os interesses de sócios minoritários e credores. Perante a validade da operação do ponto de vista societário, ela deve ser reconhecida para efeitos do Direito Fiscal – i.e., para efeitos do ex- art.º 67.º do Código do IRC 22.

Nos autos não se questiona que a fusão da C ... e da B ... Indústria na A ... tenha sido válida à luz do Direito societário. Em nenhuma das disposições sobre a fusão de sociedades, do Código das Sociedades Comerciais, do Código do IRC ou da Diretiva 90/434/CEE se exige aumento de capital para a validade de uma operação de fusão.

O aumento de capital só seria exigível para proteger os sócios, caso as reservas livres disponíveis da sociedade contribuidora não fossem suficientes para necessária garantia de participação dos acionistas da sociedade contribuidora23, nomeadamente, se alterassem a proporção das participações sociais em face dos mesmos sócios da mesma sociedade, se aumentassem obrigações de todos ou alguns sócios, ou se afetassem direitos especiais de que fossem titulares alguns sócios (n.º 2 do art.º 103.º do CSC): no caso do sócio único da A ... após a fusão, a D... SGPS, nada disso aconteceu em relação à sua situação anterior. A questão da transmissão dos encargos financeiros da B ... para a A ... não veio colocar um problema de sobre-endividamento desta, nem veio aumentar as obrigações da D..., dado que esta também era sócia única da B ..., pelo que, também sob este prisma, não podia ser suscitada a invalidade da fusão24.

No mesmo sentido de que o ex-art.º 67.º não exige um aumento de capital como requisito para o regime fiscal de neutralidade, vai o acórdão da 2.ª Secção do STA de 20 de dezembro de 2011, ponto VI.7, a propósito de um caso de cisão fusão, em que a sociedade beneficiária era detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida.

 

  1. As cisões-fusões em que a sociedade beneficiária é detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida e as trocas de participações sociais

 

58. O citado acórdão da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11, de 20 de dezembro de 2011, veio considerar que as cisões-fusões em que a sociedade beneficiária é detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida, caso em que não se verifica a relação de troca de participações, estão cobertas pelo regime de neutralidade fiscal. E fê-lo, apesar de a transferência de património da sociedade cindida para a beneficiária não ter implicado aumento de capital nesta, e de tais cisões não estarem expressamente previstas no ex-art.º 67.º do CIRC; bastou estar provado, como era o caso, que a cisão operada na recorrida teve por objeto a reorganização da estrutura societária, que o património foi destacado pelo valor contabilístico e registado com o mesmo valor na sociedade beneficiária, e que o n.º 6 do art.º 68.º se aplicava ao caso, por fazer referência a participações da sociedade beneficiária no capital da sociedade cindida25 (ponto VI.8). Estes mesmos elementos encontram-se verificados no caso dos autos.

Lembra também o acórdão que até à alteração do ex-art.º 67.º, pelo Decreto-Lei n.º 132/92, “nem relativamente às sociedades fundidas, nem relativamente às sociedades cindidas, se relevava o facto de, eventualmente, as sociedades beneficiárias serem detentoras da totalidade do capital das sociedades fundidas ou cindidas” (ponto VI.6).

 

  1. Troca de participações e atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias no caso das fusões inversas

 

59. Ora, no caso dos autos, o Relatório de Inspeção transcrito parcialmente no n.º 47 supra, diz-nos que na fusão inversa a sociedade controlada incorpora a sociedade mãe, a incorporante adquire, como ações próprias, aquelas que eram detidas pela incorporada, devendo ao mesmo tempo entregar essas ações aos sócios da sociedade mãe que se dissolve.

Na argumentação dos Serviços de Inspeção Tributária no caso dos autos existe atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias, mas ela não decorrerá de entradas de património efetuadas pelas sociedades incorporadas uma vez que a sociedade beneficiária era afiliada da incorporada: “…está ausente a necessidade de trocas de participações já que as ações próprias adquiridas são as mesmas que serão transferidas para os sócios das incorporadas. Não há lugar a anulação de participações.”

Este argumento aparece relacionado com a falta de previsão expressa das fusões inversas no ex-art.º 67.º, e portanto, relacionado com o argumento da taxatividade rejeitado pelo STA no acórdão que se vem a citar, n.º 865/11, de 20 de novembro de 2011, sobre o caso da cisão-fusão.

No entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária, a exceção consignada na alínea c) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC, que corresponde ao art.º 116.º do Código das Sociedades Comerciais, é apenas a fusão direta em que a mãe incorpora a filha detida a 100% e neste caso a mãe limita-se a anular o valor da participação detida, pelo que não há necessidade de aumentar o capital.

Em sentido diferente, entende-se que na fusão inversa existe atribuição aos sócios de partes representativas do capital, como resulta do art.º 112.º do Código das Sociedades Comerciais, não exigindo a lei comercial nem a lei fiscal, aumento de capital em caso de fusão inversa (V. n.º 58): as fusões por incorporação implicam a extinção da(s) sociedade(s) incorporada, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante e ficando os sócios das sociedades extintas sócios da sociedade incorporante26. Mesmo que se defendesse que não existiu troca das participações que o sócio (D...) detinha na C ... e na B ... pela participação na Requerente, sociedade incorporante, há sempre extinção das participações antigas e aquisição das participações novas: o sócio das sociedades extintas torna-se sócio (direto) da sociedade incorporante27, tal como na fusão por incorporação sem participações prévias entre as sociedades envolvidas28.

Foi o que aconteceu no caso dos autos, em que a D... que era acionista da C ... e da B ... ficou acionista da Requerente, uma vez que as sociedades incorporadas C ... e B ... foram extintas. Assim, no caso dos autos, a totalidade das ações da A ... detidas pela C ... foram atribuídas diretamente à acionista (D... SGPS, SA) das sociedades incorporadas C ... e B ... – e aceita-se que por isso não houve a fixação de outros critérios de avaliação de relações de troca das participações sociais.

 

60. De onde se conclui que a fusão inversa cabe na letra do art.º 67.º n.º 1 alínea a), ainda que se fizesse uma interpretação literal do preceito e se defendesse a taxatividade da enumeração desse art.º 67.º n.º 1– o que não se defende aqui.

 

61. Mas mesmo que se admitisse que na fusão inversa não há atribuição de partes sociais aos sócios no sentido em que não há aumento de capital – cf. acórdão da 2. Secção do STA, n.º 865/11 –, mas “apenas” o capital da sociedade incorporante, já foi decidido pelo STA nesse mesmo acórdão que a atribuição de partes representativas do capital social das sociedades beneficiárias, no sentido mais amplo do termo, não é condição de neutralidade fiscal.

 

Na verdade, resulta também do caso da cisão-fusão tratado no acórdão da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11, que o regime de neutralidade fiscal das cisões, no n.º 2 do ex-art.º 67.º, abrange as cisões em que não há atribuição aos sócios de partes representativas do capital social das sociedades beneficiárias, apesar de esta última referência constar sempre das alíneas que definem cisão. O STA negou assim uma interpretação literal do preceito e consequente taxatividade valorizando, repita-se, a interpretação sistemática e a finalidade de tratamento fiscal neutro das operações de reestruturação empresarial, desde que válidas segundo a lei comercial.

Continuando a seguir o mesmo acórdão do STA, a atribuição de participações aos sócios não é assim requisito de neutralidade fiscal, mas é um benefício a favor dos sócios, isto é um requisito para sua proteção (V. art.º 10.º da Diretiva n.º 78/855/CEE, de 9 de outubro de 1978, citada pelo acórdão n.º 865/11, ponto VI.7): deve ser possível determinar se a relação de troca é justa e razoável, através do projeto de fusão e da redação de um relatório escrito, até da nomeação de peritos independentes.

 

  1. As razões subjacentes à defesa de uma interpretação taxativa e restritiva do art.º 67.º do CIRC

 

62. As razões que estarão na base da interpretação taxativa e restritiva das definições contidas no art.º 67.º do CIRC são razões antiabuso, como já foi avançado pela doutrina29. Cabe referir dois aspetos a este propósito: um é o de que o n.º 10 do art.º 67.º contém uma cláusula específica antiabuso, e que é a aplicação dessa cláusula que permite o controlo do abuso, não sendo legítimo restringir à partida o âmbito de aplicação do regime de neutralidade (i.e., a interpretação do alcance e âmbito de aplicação dos números 1 a 7 do art.º 67.º). Não tendo sido utilizado o procedimento antiabuso previsto no ex-art.º 63.º do CPPT, não pode a finalidade antiabuso ser prosseguida através da interpretação restritiva do art.º 67.º n.º 1 alínea a) do CIRC.

O outro aspeto está relacionado com a evolução do Direito Europeu: é atualmente ato claro que a partir do momento em que a nossa lei adota os conceitos da Diretiva das Fusões, n.º 90/434/CEE, para as fusões internas (e outras operações internas de reestruturação definidas no art.º 67.º), como é o caso, esses conceitos passam a ser conceitos de Direito Europeu e têm de ser interpretados uniformemente, para as situações internas e transfronteiriças, cabendo a última palavra de interpretação ao Tribunal de Justiça.30

Isto significa que a interpretação do âmbito do ex-art.º 67.º do CIRC tem que ser conforme à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao âmbito da neutralidade fiscal das fusões transfronteiriças (i.e. envolvendo sociedades de dois ou mais Estados-Membros).

É também ato claro que do esquema geral da Diretiva 90/434/CEE resulta que o sistema fiscal comum cobre diferentes vantagens fiscais e se aplica sem distinção a todas as fusões, cisões, transferência de ativos ou permuta de ações, independentemente das razões serem financeiras, económicas ou simplesmente fiscais31, pelo que em relação ao caso dos autos não é legítimo restringir o âmbito do ex-art.º 67.º do CIRC através de uma interpretação literal taxativa.

E é outrossim ato claro que a reação legal a um comportamento fiscal abusivo não pode ser feita através de presunções inilidíveis de tal comportamento (por exemplo, os casos Cadbury Schweppes32, Lankhorst Hohorst33, Thin Cap GLO34, SGI35), nomeadamente, proibindo à partida as fusões inversas. Pelo contrário, tem que ser provado o comportamento abusivo no caso concreto.36 Assim sendo, não se podem excluir as fusões inversas da definição de fusão por incorporação do art.º 67.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, com base no argumento de que elas podem ter razões exclusivamente fiscais, pois essa exclusão operaria como uma presunção inilidível de abuso, a qual é contrária ao Direito Europeu.

 

63. Pelas razões expostas, conclui-se que a interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC (atual art. 73.º) pelos Serviços de inspeção Tributária é ilegal.

 

f) Dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros na Requerente com o financiamento contraído pela B ...

 

64. Cabe agora apreciar a legalidade da liquidação de IRC de 2007 respeitante à Requerente com referência à correção ao lucro tributável, sobre que exclusivamente incide a impugnação objecto do presente pedido arbitral, que concerne aos encargos financeiros no montante de €342.418,19, a que corresponde o valor proporcional de imposto e juros liquidados de €104.340,61.

A respeito desta correção, o Relatório de Inspeção, que se dá como inteiramente reproduzido no ponto XIX dos factos provados, desenvolve o seguinte discurso justificativo:

- “A 31/12/2007 (data do lançamento na contabilidade), via fusão, a A ... registou na conta 23146 – Financiamento Médio/Longo Prazo o montante de €12.350.000 a crédito (...), reconhecendo desta forma na sua contabilidade um passivo de médio e longo prazo.

Aquele financiamento, no montante de 12.350.000€, foi contraído pela B ... Indústria (...) para com aquele dinheiro pagar as ações da C ..., bem como a dívida contraída pela C ... SGPS para pagamento da compra das ações da A .... Verifica-se que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição de partes de capital social da A ..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, isto é, a sociedade adquirida, a A ..., passa a suportar os encargos financeiros e outros com a aquisição dela própria” (ponto 7.2).

- “À luz do art. 23.º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, podemos concluir que os custos financeiros e outros, nomeadamente o imposto de selo, decorrentes deste financiamento, que após fusão ficou registado na conta 23146 não contribuíram para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A ..., na medida em que, aquele empréstimo quando contraído foi utilizado unicamente para pagamento das ações da A ... na medida em que o único ativo da C ... SGPS era precisamente as ações da A ...” (ponto III.2.1);

- “aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A ... e sim com a atividade e interesse da D..., pelo que aqueles custos [são] comprovadamente dispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos obtidos pela A ...” (ponto IX).

 

65. Por seu lado, a Requerente, para sustentar o vício de violação de lei apontado a esta correção “por violação frontal ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC”, deduz fulcralmente fundamentos consistentes, tão simplesmente, em meros enunciados contrafactuais. Com efeito, sobre a dedutibilidade fiscal dos custos incorridos com o financiamento inicialmente contraído pela B ..., que, por efeito da fusão, foi transmitido para a própria Requerente, no RI, para além da observação de que está hoje assente que a “Administração fiscal apenas pode não aceitar como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos quando manifestamente se comprovar que os fundos obtidos foram aplicados em fins estranhos à atividade da empresa” (art. 308 do RI), alega-se fundamentalmente o seguinte:

- “a fusão poderia ter ocorrido com a B ... SA como incorporante – situação na qual os encargos com o financiamento continuariam a deduzir-se naquela sociedade” (cfr. arts. 294 e 300 do RI);

- “o Grupo B ... poderia (...) ter recorrido ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Empresas (RETGS) para poder beneficiar do aproveitamento dos custos e subsequentes prejuízos gerados na B ... Indústria com o citado financiamento” (arts. 299, 303 e 306 do RI).

Pois bem, tendo em conta que, como já cima se explicitou (n.º 38), para decidir sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros advenientes do empréstimo em questão, o que importa, no ponto, é a objetividade da operação documentalmente provada nos autos e a sua relação com os tópicos constantes do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, não cabe aqui senão verificar, como refere a própria Requerente, se os fundos obtidos foram concretamente aplicados em fins estranhos à atividade da empresa que deles é devedora. Elementos hipotéticos, como são as opções, com muita frequência copiosas e diversas, que a empresa poderia ter tomado, ou as possibilidades de estruturação das operações de outras formas, também elas muitas vezes numerosas, não relevam para a apreciação da matéria sub judice, dado que não se cuida aqui de situações virtuais, de situações que poderiam ter acontecido mas não aconteceram, mas sim de ocorrências verificadas na realidade da vida, tal como se consideraram provadas. Efetivamente, o que cabe desenvolver por este Tribunal é a fiscalização da legalidade do ato tributário impugnado tendo em atenção os elementos concretos do caso submetido à sua apreciação e o complexo das avaliações feitas e das justificações apresentadas pela Administração Tributária.

Vejamos então, nesta base, a questão suscitada quanto à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela Requerente, após a fusão, com o empréstimo contraído pela sociedade incorporada B ....

 

66. Deve começar-se por recordar que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados são dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no art. 23.º do CIRC, n.º 1, al. c), segundo o qual, na redação em vigor em 2007, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente “encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”.

Assim, nos termos desta disposição legal, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1), explicitando mesmo a al. c) do n.º 1 desta disposição que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”.

Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo art. 23.º do CIRC, tem sido objecto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência em ordem à resolução dos casos concretos que tem de enfrentar, pelo que a solução que se vai dar ao caso sub judice se arrima diretamente na aplicação das diretrizes jurisprudenciais desenvolvidas neste âmbito, como, aliás, o impõe o princípio elementar constante do n.º 3 do art. 8.º do Cód. Civil.

Pois bem, principia-se por assinalar que, em síntese muitas vezes reiterada, o Supremo Tribunal Administrativo declarou quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais o seguinte: “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4).

Nesta sequência, o Supremo Tribunal Administrativo já precisou devidamente no seu acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele art. 23º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “[p]ara que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando nos seus acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc. 01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11, que: “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”. Noutra vertente, encontra-se igualmente devidamente explicitado que é pressuposto na aplicação do art. 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (vd. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06).

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração, tendo em atenção à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

Essa dedutibilidade fiscal supõe, então, que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, maxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora. Consequentemente, como observa MARIA DOS PRAZERES LOUSA, “O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável” in Estudos em homenagem à Dr. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 349, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”. Noutra fórmula que encontramos em RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, p. 87, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc), então tal custo não deve ser havido por indispensável”.

 

67. Tendo em conta estas diretrizes, para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, cabe verificar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do empréstimo de que os juros suportados são a remuneração, por outras palavras, importa ponderar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.

Ora, procedendo ao apuramento e rastreamento do uso e destino do financiamento –nos termos de um bem conhecido “tracing approach” (sobre este método e sua aplicação cfr. o clássico trabalho de ARNOLD, General Report, in Cahiers de Droit Fiscal International, vol. 79a (1994), Deductibility of interest and other financing charges in computing income, pp. 498 a 500) –, retira-se, com evidência, da matéria de facto dada como provada que os fundos em apreço possuem como finalidade, destino e uso a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade D... SGPS, pelo que a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que dele é devedora, a aqui Requerente, mas sim com ativos detidos pela sua própria sócia.

Isto resulta, direta e imediatamente, do próprio contrato de empréstimo que foi celebrado, conforme se conclui dos factos dados como provados nos n.ºs VII e VIII. É que o empréstimo que se encontra em apreciação constitui um mútuo de escopo, modalidade de mútuo que se caracteriza por o mutuário, para além de se obrigar à restituição do capital e dos juros (arts. 1142.º e 1145.º do Cód. Civil), se comprometer ainda à aplicação das quantias mutuadas no âmbito de um fim específico, acordado com o mutuante (sobre o mútuo de escopo, vd., por todos, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. III, Contratos em especial, 7.ª ed., Coimbra, 2010, pp. 423-424). Na verdade, se se confrontar as estipulações do contrato de financiamento dado como integralmente reproduzido em VII verifica-se que compreendem um clausulado de destinação dirigido a fixar, em termos vinculativos para o mutuário, a afetação específica das quantias mutuadas, afetação essa que, por resultar da vontade das partes, permite configurar no caso um mútuo de escopo voluntário ou de fim convencionado. Assim, nos termos da cláusula 2.º, n.º 1, al. a) do contrato de financiamento, já acima citada em VII, o empréstimo concedido à B ... tem por “finalidade necessária e exclusiva habilitar a CREDITADA com fundos para esta adquirir e pagar aos Vendedores parte do preço, de montante igual, das ACÇÕES C ... que vai adquirir” (sublinhados nossos), prevendo-se também logo, conforme cláusula 17ª, n.º 1 já acima citada em VIII, que: “O BANCO declara o seu acordo de princípio à reestruturação empresarial do GRUPO B ..., consubstanciada na fusão por incorporação da B ... e da C ... na A ...”.

Deste modo, tendo em conta estas cláusulas e a fusão realizada, impõe-se concluir que a finalidade do financiamento em causa respeita estritamente à aquisição das participações sociais da Requerente, cuja propriedade pertence à D.... Observe-se que isto é inteiramente reconhecido pela Requerente no seu RI, dado que se alega que a operação de financiamento destinou-se a permitir à B ... adquirir a C ... e a Requerente (cfr. no RI os arts. 7: “operação de financiamento prévia à fusão que permitiu à primeira (B ..., SA) adquirir a C… SGPS, SA e a Requerente”, 63: “aquisição indireta da Requerente pelo Grupo B ..., através da aquisição do capital e suprimentos da C ... SGPS, SA pela B ... Indústria, SA e pela D... SGPS”, 162 e 163: “financiamento incorrido pela B ... (...) para aquisição da C ... SGPS SA e respetivos créditos”, “financiamento esse que (...) se demonstrou indispensável para que aquela pudesse adquirir (indiretamente) a ora Requerente”, 196: “os custos suportados pela B ... Indústria se revelaram indispensáveis à aquisição do controlo da ora Requerente – objetivo comercial pretendido – através da aquisição da sociedade que a detinha (C ... SGPS, SA), o que implicou (...) a aquisição de parte do capital e dos créditos sobre tal sociedade”).

As participações sociais em causa fazem, então, parte do património da D..., sócia da Requerente, e não da própria Requerente (caso em que constituiriam ações próprias), pelo que a titularidade e o aproveitamento de tal ativo, a cuja aquisição é imputável o financiamento ocorrido e os encargos financeiros com ele suportados pela Requerente, sem qualquer contrapartida, redunda exclusivamente em benefício da sócia D... e não da Requerente.

Consabidamente, o ativo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações, o que constitui proveitos do pertinente exercício). Precisamente, verifica-se no caso que a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este ativo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a Requerente), mas sim uma entidade distinta, no caso a sua única sócia (a D...).

Ativo este que, importa frisar, é constituído pelas próprias ações da Requerente, incorrendo esta, assim, em custos com empréstimo que serviu para a própria aquisição do seu capital por outra entidade. Não é possível, por isso, deixar de lembrar aqui o desfavor com que o próprio legislador olha para este tipo de situações nos termos que decorrem do art. 322.º do Código das Sociedades Comercial, que dispõe, no seu n.º 1, que: “Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer outra forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira ações representativas do seu capital”.

Temos, pois, que os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na contabilidade da Requerente, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro, no caso a sua sócia única D... SGPS.

Inexiste, pois, aqui o “balanceamento ou matching” entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos, que se deve considerar como relevante em sede de exigência da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais conforme disposto pelo art. 23.º do CIRC (cfr. o acórdão do TCA Sul de 24.4.2012, processo n.º 05251/11).

Por tudo isto, não se pode deixar de considerar certeira a seguinte observação da Requerida AT (art. 25.º da sua Resposta): “A empresa que gera fluxos financeiros positivos, a A ..., suporta custos financeiros com um financiamento que não respeita à atividade formal que desenvolve, e por outro lado, ao longo dos tempos ficará descapitalizada dos valores que pagará ao banco pelo financiamento (amortização da dívida e pagamento de juros), cujo beneficiário é tão só e apenas a acionista D..., ficando esta, através deste esquema, titular de 90% do capital da A ..., sem no entanto despender meios financeiros relevantes.

Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, não tem lugar “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual “os custos indispensáveis equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (para citar o acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11).

 

68. Deste modo, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela Requerente ter resultado de fusão (não sendo necessário considerar aqui a eventual subsunção de uma operação de merger leveraged buy-out ou fusão alavancada à proibição constante do art. 322.º, n.º 1 do CSC – cfr. a este respeito INÊS PINTO LEITE, “Da proibição de assistência financeira. O caso particular dos Leveraged buy-outs” in Direito das Sociedades em Revista, ano 3, vol. 5 (2011), pp. 163 a 167), cabe declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa com os encargos financeiros respeitantes a tal empréstimo não satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo art. 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos custos em consideração ao interesse empresarial e à atividade produtiva próprios da Requerente.

Nestes termos, julga-se improcedente o vício de violação de lei por infração ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC imputado à liquidação de IRC de 2007 da Requerente no que concerne à correção ao lucro tributável respeitante aos encargos financeiros no montante de €342.418,19 fiscalmente desconsiderados pela AT.

 

g) Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

69. Por fim, importa apreciar o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 … relativas à Requerente, tendo em conta, desde logo, que, como acima se decidiu, se julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC de 2007 da Requerente, sendo, pois, devido o imposto em causa.

Nos termos do n.º 1 do art. 94.º do CIRC, na redação aplicável aos factos, atual art. 102.º do CIRC, “sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária”. Por seu turno, estabelece o art. 35.º da LGT, no seu n.º 1 que: “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Pois bem, sustenta a Requerente que não lhe deverá ser imputada responsabilidade por juros compensatórios porquanto “atuava de boa fé e depositava legítimas expectativas na correção da sua conduta em deduzir efetivos encargos financeiros em que incorreu”.

Porém, em face dos factos dados como provados, considera-se que se verifica in casu a responsabilidade por juros compensatórios, dado o nexo de causalidade adequada que se verifica entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e a censurabilidade, a título de dolo ou negligência, da atuação realizada.

Na verdade, conforme resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs VII, VIII, XIII e XIV, a dedução fiscal pela Requerente dos encargos relativos ao empréstimo contraído pela B ... constituiu o explícito desenlace assumido no âmbito de uma operação, delineada ab initio, de fusão alavancada. Recorde-se, na verdade, que no contrato de financiamento bancário que foi celebrado ficou logo estabelecido, como se referencia no facto provado sub VIII, a “fusão por incorporação da B … e da C ... na A ...”.

Não se trata, pois, aqui de qualquer retardamento da liquidação resultante de compreensível divergência de critérios de qualificação de custo entre a Administração e o contribuinte ou de erro desculpável, mas antes a consideração fiscal como custos da Requerente dos encargos financeiros relativos ao empréstimo celebrado para aquisição de participações no seu próprio capital constitui uma atuação intencionalmente desenvolvida em ordem à produção do resultado de imputação de tais custos à esfera jurídica da Requerente, não obstante tais encargos aproveitarem diretamente à sua sócia única.

Nestes termos, improcede a impugnação relativa à contestada liquidação dos juros compensatórios.

 

 

 

V. Decisão

 

70. Face ao exposto, deliberam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos respeitantes à B ... de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 … e acerto de contas n.º 2011 …, relativos a 2007;

  2. julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos respeitantes à C ... de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 …, e acerto de contas n.º 2011 …, relativos a 2007;

  3. julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos respeitantes ao exercício de 2007 da Requerente de liquidação de IRC n.º …e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011…1, e acerto de contas n.º 2011 …, na parte impugnada relativa à correção atinente aos encargos financeiros no montante de €342.418,19.

 

Custas a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, à fixação do respetivo montante.

 

Lisboa, 4 de Janeiro de 2012

 

 

Domingos Brandão de Pinho

 

 

Ana Paula Dourado

 

 

João Menezes Leitão

 

Declaração de voto de vencido

 

 

Acompanho inteiramente a decisão, exceto quanto aos pontos f) (Dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros na Requerente com o financiamento contraído pela B ...) e g) (Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios), que se funda em orientação que considero não ser aplicável ao caso das fusões. A presente declaração de voto destina-se a explicitar, como é devido (art.º 22.º, n.º 5, do RJAT) e sucintamente, as razões que me afastam da posição que fez vencimento.

 

  1. A orientação que faz vencimento parte de jurisprudência constante do STA, Secção do Contencioso Tributário, e entende que “é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração, tendo em atenção à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros“ (p. 61 do acórdão).

 

  1. Essa jurisprudência, que considero em si mesma correta, diz respeito à dedutibilidade de custos assumidos por uma sociedade do grupo a favor de outra sociedade do mesmo grupo (por exemplo, assunção de prejuízos de uma sociedade dominada por uma sociedade dominante, em que o STA considerou, e bem, que perante o art.º 23.º, os prejuízos são da primeira e não da segunda – acórdão do STA, 2. Secção, de 10.7.2002, proc. 0246/02, Relator Conselheiro Brandão de Pinho; ou dedutibilidade de quantias correspondentes a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada- acórdão do STA, 2. Secção, de 7.2.2007, proc. 01046/05, Relator Conselheiro António Calhau).

 

  1. O argumento do primeiro acórdão, reiterado em outros acórdãos pelo STA, é o de que os proveitos e os custos são apurados em relação a cada sujeito passivo, mesmo no caso de empresas com relações especiais: A fonte produtora em causa é a da sociedade dominante, não a das sociedades participadas e para que determinada verba seja considerada custo da primeira é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, e não por outras sociedades ainda que em relação de domínio. Tem que se averiguar se as verbas em causa estão diretamente relacionadas com qualquer operação comercial da sociedade que as pretende deduzir como custo fiscal ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, ou se, e para os mesmos efeitos, pelo menos são reportadas à atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, ou se se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.

 

  1. Caso a resposta seja negativa, nestes casos, o STA não reconhece a transmissão de verbas entre sociedades para efeitos fiscais. Em relação aos encargos financeiros utilizados a favor de uma empresa associada, eles não são subsumíveis ao art.º 23.º n.º 1 alínea c), porque não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração. A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.

 

  1. Em suma, para o STA, “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação” (V. acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02; acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05; de 20.5.2009, proc. 01077/08; de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11).

 

  1. Neste contexto, é pressuposto na aplicação do art. 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (vd. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06).

 

  1. Recordados os argumentos do STA, cabe saber se pode ser transposto o mesmo raciocínio para o caso das fusões.

 

  1. A primeira questão é a de saber se a indispensabilidade dos encargos financeiros deve ser julgada quanto à sociedade fundida ou quanto à sociedade beneficiária da fusão. Tal juízo tem que ser feito, num primeiro momento, na perspetiva da sociedade que contraiu o encargo financeiro e não pode ser feito na perspetiva individualizada da sociedade beneficiária da fusão. Não é questionado que os encargos assumidos pela sociedade fundida são dedutíveis por esta, nos termos do art.º 23.º n.º 1 alínea c) do CIRC (juros de capitais alheios aplicados na exploração).

 

  1. São dados como provados no acórdão (ponto XIX), os seguintes factos:

 

- “A 31/12/2007 (data do lançamento na contabilidade), via fusão, a A ... registou na conta 23146 – Financiamento Médio/Longo Prazo o montante de €12.350.000 a crédito (...), reconhecendo desta forma na sua contabilidade um passivo de médio e longo prazo.

Aquele financiamento, no montante de 12.350.000€, foi contraído pela B ... Indústria (...) para com aquele dinheiro pagar as ações da C ..., bem como a dívida contraída pela C ... SGPS para pagamento da compra das ações da A .... Verifica-se que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição de partes de capital social da A ..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, isto é, a sociedade adquirida, a A ..., passa a suportar os encargos financeiros e outros com a aquisição dela própria” (ponto 7.2).

 

  1. A partir do momento em que o património da sociedade fundida é globalmente transferido para a sociedade beneficiária da fusão (ex-art.º 67.º n.º 1 alínea a) do CIRC, aplicável ao caso) com extinção das sociedades fundidas, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros assumidos devem ser avaliados, para efeitos jurídico-fiscais, no contexto da fusão.

 

  1. A fusão implica a transferência de direitos e obrigações para a sociedade beneficiária (art.º 112.º a) do CSC), e, neste caso, temos duas linhas interpretativas possíveis para julgar o requisito de indispensabilidade de um custo: uma linha é considerar que desde que o custo tenha sido considerado dedutível na esfera da sociedade fundida, continua, em princípio, a ser dedutível na esfera da sociedade beneficiária da fusão, dado que a dívida é transferida para esta última sociedade e a sociedade fundida perdeu a sua existência; e só assim não acontecerá se tiver existido um comportamento abusivo ou uma transferência de dívida que viole a lei (por exemplo, porque não é observado o princípio da intangibilidade do capital da sociedade beneficiária). A outra linha interpretativa implica ponderar a perspetiva da exploração comercial do conjunto das entidades envolvidas, numa interpretação que valoriza a substância sobre a forma (art. 11.º n.º 3 da LGT). A relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, deve ter em conta as finalidades conjuntas das entidades envolvidas na fusão.

 

  1. Em casos de aquisição alavancada, ambas as linhas referidas têm sido seguidas noutros ordenamentos jurídicos: a primeira linha, a de aplicação em princípio do regime regra, seguida por correção com base em abuso, é adotada pela administração fiscal e a aplicação da cláusula geral antiabuso controlada pelos tribunais franceses (V. Casos com aquisição alavancada: veja-se por exemplo um caso de permuta de ações, com distribuição excecional de dividendos: Conseil D’État n. 320313, de 27.1.2011, Relatora Mme Cécile Isidoro; LBO et abus de droit, Procédures Fiscales, Revue de Droit Fiscal, n. 15, de 14.4.2011, pp. 36-42; cfr. Também, um caso de permutas de ações: Conseil D’État n. 301934, 08.10.2010, Relator M. Jean-Marc Anton; e um caso de entrada de ativos: Conseil D‘ État n. 313139, de 8.10.2010,Relator M. Patrick Quinqueton);

 

  1. A segunda linha interpretativa é adotada no ordenamento jurídico alemão explicitamente para os casos de fusão inversa: desde que o capital social fique salvaguardado, entende-se que não há distribuição oculta de dividendos e a dívida é transferida para a sociedade beneficiária da fusão (a sociedade-afiliada): veja-se a este propósito Thomas Rödder/Peter Wochinger “Downstream Merger mit Schuldenübergang”, DStR, 2006, pp. 684-689, e a jurisprudência e doutrina aí citadas).

 

  1. No caso dos autos, entendo que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados são, em princípio, dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no art. 23.º do CIRC, n.º 1, al. c), segundo o qual, na redação em vigor em 2007, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente “encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. No caso dos autos, a “indispensabilidade“ e a “aplicação na exploração“, estiveram associadas à operação de fusão, dado que esta operação foi acordada com a banca financiadora do empréstimo (cfr. ns. VII. e VIII do acórdão dos factos dados como provados), pelo que a interpretação na perspetiva da exploração comercial do conjunto das entidades envolvidas, implica o reconhecimento da dívida e juros como custos fiscais da sociedade beneficiária da fusão.

 

  1. Em geral, na fusão inversa, mesmo que a indispensabilidade dos juros relativos a um empréstimo tivessem sido originariamente avaliados só ao nível da sociedade-mãe (o que não foi o caso), devem passar a ser avaliados, para efeitos fiscais, no contexto do conjunto negocial da empresa (V. Thomas Rödder/Peter Wochinger “Downstream Merger mit Schuldenübergang”, DStR, 2006, p. 685).

 

  1. Nos termos do ex-art.º 68.º n.º 1 do CIRC, se a afiliada recebe um património contabilístico negativo da sociedade-mãe, a perda ocorrida não tem efeitos fiscais, e desde que o capital social fique salvaguardado não há distribuição oculta de dividendos. Quando o património do balanço comercial da sociedade beneficiária não é suficiente para cobrir a perda, então deve haver aumento de capital, mas dos factos dados como provados pelos autos não foi esse o caso.

 

  1. O(s) sócio(s) da sociedade-mãe passa(m) a ser sócio(s) da afiliada, e a comparação do saldo dos bens patrimoniais da sociedade-mãe e afiliada antes e depois da fusão, mostra que, em regra, os sócios da sociedade-mãe não têm vantagens patrimoniais, e que não há consequências na avaliação contabilística do património. Ocorre apenas uma diminuição na cadeia de participações, sem influência na posição patrimonial do(s) sócio(s).

 

  1. Não releva aqui o argumento, segundo o qual, a dedutibilidade destes montantes equivaleria à aquisição de ações próprias proibidas por lei, pois não é esse o resultado patrimonial no caso dos autos. Não existe neste caso manipulação da vontade social, pois o acionista D... mantém o interesse na detenção dos títulos da Requerente.

 

  1. Também não existe no caso dos autos uma lesão do princípio da intangibilidade do capital social, o qual tutela o capital enquanto garantia de terceiros, o qual poderia decorrer do facto de o capital social ser alimentado com base no patrocínio da própria sociedade, em vez de existirem contribuições externas dos acionistas. Os encargos assumidos junto de uma instituição bancária, que foi informada dos planos de posterior fusão inversa, não colocam em perigo, potencial ou real, a situação económica da sociedade.

 

  1. Admitindo então que o art.º 23.º n.º 1 alínea c) do CIRC tem que ter em conta a atividade do conjunto da empresa que participa na operação de fusão e não apenas a beneficiária da mesma (a Requerente), caberia de seguida averiguar se as motivações para a fusão inversa foram essencial ou principalmente fiscais, aplicando-se o art.º 38.º n.º 2 da LGT quanto à dedutibilidade dos juros.

 

  1. Caberia averiguar, nos termos do art.º 38.º n.º 2 da LGT se os negócios foram artificiosos, se as finalidades da fusão inversa foram essencial ou principalmente fiscais (no caso, a dedutibilidade dos encargos financeiros assumidos pela sociedade-mãe) e se havia outros negócios jurídicos que dessem origem a idênticas vantagens fiscais, isto é, se a dedutibilidade dos custos teria sido alcançada por outros meios (a fusão direta ou o Regime Especial de Tributação de Grupos de Empresas): art.º 38.º n.º 2 da LGT. O Conseil D’État francês entendeu no caso acima citado que a constituição de holdings que intervêm em operações de alavancagem não implicam um comportamento abusivo, se existir um interesse financeiro e patrimonial duradouro nas participações, se a sociedade filha tiver uma capacidade de empréstimo superior ao de outras sociedades do grupo, e contribuir com os seus ativos para garantir o empréstimo, facilitando a criação ou aquisição de outras sociedades (Conseil D’État n. 320313, de 27.1.2011, Relatora Mme Cécile Isidoro).

 

  1. Mas aplica-se também quanto a esta questão o despacho interlocutório, pois deveria ter sido aplicado o procedimento previsto no ex-artigo 63.º n.º 1 do CPPT, o qual estipulava que “[a] … liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.”

 

  1. Como tal, julgo que deveria ter sido considerado procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos respeitantes ao exercício de 2007 da Requerente de liquidação de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 … e 2011 …, e acerto de contas n.º 2011 …, na parte impugnada relativa à correção atinente aos encargos financeiros no montante de €342.418,19.

 

 

Discordo pelas razões apontadas do juízo que presidiu à decisão relativa aos pontos f) e g), no início identificados, pelo que, nessa parte, votei contra.

 

 

 

Lisboa, 4 de janeiro de 2013

 

 

Ana Paula Dourado

 

 

 

 

Declaração de voto de vencido

 

1. Não obstante a detida análise efetuada sobre a inclusão da figura da fusão inversa no âmbito das definições legais constantes do então art. 67.º, n.º 1 do CIRC (atual art. 73.º), não subscrevo a decisão que fez vencimento quanto à questão da “ilegalidade da interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC”, nem a fundamentação que a ela conduziu.

Passo a expor, nos termos mais breves possíveis, as razões que me conduzem a diferente entendimento.

 

2. A título preliminar, não posso deixar de assinalar que tenho para mim que o que importa para o presente processo arbitral é estritamente a resolução do litígio em atenção ao seu objecto e termos. Assim, muito embora reconheça que a ausência de uma disciplina jurídica especificamente destinada à figura da fusão inversa, desde logo no CSC, obriga o aplicador a um trabalho analítico mais intenso, não julgo, porém, que devam ser apreciados tópicos que não assumem relevância crítica para a decisão por não servirem para determinar ou influenciar o seu teor, mesmo que as partes se tenham comprazido em discutir tais assuntos. Com a devida vénia, afigura-se-me que, em parte, a fundamentação exarada sobre a questão da “ilegalidade da interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC” encarreira por estes caminhos, que, por não me parecerem pertinentes para a apreciação da ilegalidade da liquidação em causa, não julgo ser necessário trilhar aqui (sempre confesso, contudo, que, em tese, a nível de construção, são bem outras e até opostas as veredas que escolheria nas encruzilhadas dogmáticas com que se depara neste campo, como sucede, por exemplo, com o enquadramento do regime da neutralidade fiscal em sede de benefícios fiscais).

Mas, sobretudo, o que me afasta, a este propósito, da fundamentação que sustenta a decisão que fez vencimento é que me parece que as considerações dogmáticas desenvolvidas acabaram por obnubilar a operação concreta, na sua exata configuração material e patrimonial, que se encontrava em causa e cuja subsunção às definições do então art. 67.º, n.º 1 do CIRC era, afinal, o cerne da questão suscitada da ilegalidade da liquidação efetuada pela Administração Tributária.

 

3. Nesta sequência, permito-me observar que a operação de fusão realizada, que surge designada como “dupla fusão inversa”, pela qual se procedeu à incorporação da B ... e da C ... na Requerente, passando a D... SGPS a deter diretamente a totalidade do capital social da Requerente (cfr. os pontos XIV e XV da matéria de facto dada como provada), só tinha que ser valorada no presente processo arbitral em relação ao seu particular segmento pelo qual a C ..., que detinha 90% das participações sociais da Requerente, sendo os restantes 10% ações próprias (cfr. o ponto IV), foi incorporada nesta mesma Requerente. Com efeito, o que se encontrava em apreciação no âmbito desta questão é a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC n.º 2011 … e de juros compensatórios n.ºs 2011 …e 2011 …, e acerto de contas n.º 2011 …, que respeitam à C .... Mais especificamente, tratava-se de verificar a legalidade da correção aritmética à matéria tributável de IRC de 2007 da C ..., que se encontra na base da liquidação adicional indicada, resultante do apuramento de uma mais-valia fiscal no montante de €4.241.231,50, considerada não escriturada nem declarada fiscalmente em razão da recusa pela AT da aplicação ao caso do regime da neutralidade fiscal constante dos então arts. 67.º e seguintes do CIRC.

Considerando, então, a concreta configuração desta fusão inversa da C ... na Requerente, cabe começar por destacar que, conforme se observa no Relatório de Inspeção dado como reproduzido no ponto XXVII, antes da fusão, o ativo da C ... no montante de €15.500.831,09 era composto essencialmente pela rubrica de investimentos financeiros e trespasses (goodwill), sendo que os investimentos financeiros (conta 411102 – A ...), no montante de €3.983.510,19, refletia o valor nominal das ações da A ... adquiridas aos anteriores acionistas enquanto que a conta 436-Goodwill no montante de €11.510.439,81 correspondia ao goodwill obtido na aquisição das ações assente na diferença entre o custo de aquisição e o valor nominal e, pelo seu lado, o passivo da C ..., no montante de €13.701.216,23, era composto por créditos de acionistas (€10.815.508,33 da B ... e €2.883.678,91 da D...).

Depois, ainda quanto à configuração da operação, importa assinalar que esta particular downstream merger foi concretizada mediante a aquisição direta das participações sociais na sociedade incorporante pela sócia da sociedade incorporada e não mediante o esquema dito de “aquisição de trânsito” em que a sociedade incorporante, em resultado da fusão, passaria a deter, transitoriamente, todas as participações dela própria, assumindo, por um instante lógico, a natureza de Kein-Mann-Gesellschaft (vd. a este respeito ELDA MARQUES, in COUTINHO DE ABREU (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. II, Coimbra, 2011, pp. 271-272). Na verdade, na ausência de explícitas indicações normativas, configuram-se doutrinalmente duas modalidades distintas possíveis para resolver o problema das participações no capital da incorporante que são detidas pela incorporada no momento da fusão: numa modalidade, a sociedade incorporante emitiria novas ações a favor dos sócios da incorporada e anularia as participações que estavam na titularidade da incorporada e que se tornaram, por força da fusão, ações próprias, ou então mantinha essas ações, com constituição de uma reserva indisponível, tendo que se observar, em qualquer caso, as regras sobre ações próprias; noutra modalidade, as ações na sociedade incorporante detidas pela sociedade incorporada seriam atribuídas diretamente aos sócios da sociedade incorporada. Independentemente da modalidade que se deva julgar mais consonante com os dados do nosso ordenamento, o que interessa aqui fixar é que, conforme resulta dos pontos XIV a XVI da matéria de facto, foi esta última a modalidade adotada.

 

4. Pois bem, em face destes dados fácticos atinentes à configuração da operação de fusão inversa em apreciação, verifica-se que, no âmbito da incorporação da C ... pela Requerente, esta não recebe senão o passivo daquela, pois o ativo foi destinado diretamente à sócia da incorporada D.... Como se observa, com razão, na resposta da AT (arts. 221.º, 222.º, 228.º, 229.º e 230.º) as ações da incorporante não são apenas um dos elementos do ativo que se transmitiria com a fusão, configuram o próprio ativo da incorporada. Assim, nos moldes em que a operação foi concretizada, como este ativo é pura e simplesmente atribuído à sócia da incorporada, isto implica que a incorporante, na absorção da incorporada, apenas incorpora passivo.

Por isso, de modo divergente com a decisão que fez vencimento, entendo que esta operação não se enquadra no regime da neutralidade fiscal previsto nos então arts. 67.º e seguintes do CIRC.

 

5. Desde logo, tendo em conta a premência que se pretende atribuir ao teor literal das definições constantes do n.º 1 do então art. 67.º do CIRC, capaz até de inviabilizar o recurso, em sede de al. a) do n.º 1 do mesmo art. 67.º, aos instrumentos jurídicos comuns da interpretação restritiva ou da redução teleológica, não posso deixar de assinalar que a operação em causa não tem enquadramento nos termos exatos daquela disposição da al. a) do n.º 1 do art. 67.º.

É que, tal como foi concretizada, a operação em causa não implica uma “transferência global do património” da sociedade incorporada para a sociedade incorporante ou, noutros termos, não ocorre a transferência da sociedade incorporada para a sociedade incorporante do “conjunto do ativo e do passivo que integra o seu património”. Lembre-se, com efeito, que, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 67º (atual art. 73), considera-se fusão a operação pela qual se realiza “a transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas”. Acrescente-se também que na Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes (com as alterações posteriores, designadamente as resultantes da Diretiva 2005/19/CE do Conselho, de 17 de Fevereiro de 2005 que altera a Diretiva 90/434/CEE relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes) – atualmente a Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de Outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro – o art. 2.º, a) define “fusão” como a operação pela qual “uma ou mais sociedades transferem, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do ativo e do passivo que integra o seu património para outra sociedade já existente, mediante atribuição aos respetivos sócios de títulos representativos do capital social da outra sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos”.

Na operação concreta em apreço não se transfere para a incorporante o conjunto do ativo e do passivo ou a totalidade do património – a única realidade que se vê que seja transferida é o passivo. Como tal, esta concreta operação de fusão inversa não está compreendida, em termos literais, na al. a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC.

 

6. Esclareço, aliás, que subscrevo inteiramente a douta observação da fundamentação da decisão que fez vencimento de que “é atualmente ato claro que a partir do momento em que a nossa lei adota os conceitos da Diretiva das Fusões, n.º 90/434/CEE, para as fusões internas (e outras operações internas de reestruturação definidas no art.º 67.º), como é o caso, esses conceitos passam a ser conceitos de Direito Europeu e têm de ser interpretados uniformemente, para as situações internas e transfronteiriças”.

Sucede, precisamente, que não vejo como é que se pode considerar, à luz da Diretiva Fusões, que uma operação como aquela que está causa, se concretizada em termos transfronteiriços, seja suscetível de beneficiar do regime da neutralidade fiscal (diferimento da tributação).

Como é sabido, o regime fiscal comum instituído pela Diretiva Fusões assenta, no que para aqui importa, no princípio da conexão dos ativos transferidos com um estabelecimento estável da sociedade beneficiária no Estado da sociedade incorporada. Como se refere nos considerandos (6) e (7) da Diretiva Fusões (na versão codificada): “O resultado das operações de fusão, cisão e entradas de ativos será normalmente quer a transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária da entrada quer a afetação dos ativos a um estabelecimento estável desta última sociedade”. “O regime de adiamento, até à sua realização efetiva, da tributação das mais-valias relativas aos bens transferidos, aplicado aos bens que estejam afetos a esse estabelecimento estável, permite evitar a tributação das mais-valias correspondentes, garantindo ao mesmo tempo a sua tributação posterior pelo Estado-Membro da sociedade contribuidora, no momento da sua realização”. Deste modo, o art. 4.º, n.º 1 da Diretiva estabelece que: “A fusão, a cisão ou a cisão parcial não implicam qualquer tributação das mais-valias determinadas pela diferença entre o valor real dos elementos do ativo e do passivo transferidos e o respetivo valor fiscal”, sendo que se entende (al. b) do n.º 1) por “«Elementos do ativo e do passivo transferidos», os elementos do ativo e do passivo da sociedade contribuidora que, em consequência da fusão, da cisão ou da cisão parcial, sejam efetivamente afetos ao estabelecimento estável da sociedade beneficiária situado no Estado-Membro da sociedade contribuidora e concorram para a formação dos resultados a tomar em consideração para a determinação da matéria coletável dos impostos”.

Nestes termos, o diferimento da tributação, a neutralidade fiscal ao nível da sociedade, que foi consagrado pela Diretiva depende da conexão dos elementos do ativo e do passivo com um estabelecimento estável da sociedade incorporante no Estado da sociedade incorporada, sendo por este veículo do estabelecimento estável que se assegura o direito do Estado da sociedade contribuidora tributar posteriormente, no momento da realização, as mais-valias relativas aos bens transferidos.

Ora, na situação em apreço, configurando, para efeitos desta análise, a sua aplicação transfronteiriça, as participações sociais que constituem o único ativo da incorporada nunca formariam um estabelecimento estável da sociedade incorporante, pois seriam atribuídas ao sócio da incorporada. Acresce que, como é sabido, um mero conjunto de participações sociais não é suscetível de constituir um estabelecimento estável.

Nestes termos, uma fusão transfronteiriça configurada nos termos daquela que se encontra em apreciação no presente processo arbitral, tendo em atenção o contexto da disposição europeia em causa e o objetivo prosseguido pela regulamentação em que se insere, não poderia beneficiar do regime da neutralidade fiscal previsto pela Diretiva, sujeitando-se antes a uma tributação plena de acordo com as regras gerais que fossem aplicáveis.

 

7. Precisamente, também tendo em atenção o contexto da disposição legal da al. a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC (atual art. 73.º), e o objetivo prosseguido pela regulamentação em que se insere, julgo que a operação de fusão inversa em causa neste processo arbitral não tem enquadramento no regime da neutralidade fiscal consagrado nos indicados arts. 67.º e seguintes do CIRC.

É que tal operação, pura e simplesmente, não envolve qualquer diferimento da tributação dos ativos da incorporada na esfera jurídica da sociedade incorporante, pois nenhuns ativos são recebidos pela incorporante que suportem o diferimento, verificando-se tão simplesmente, a definitiva não tributação das mais-valias originariamente associadas a esses ativos, a que acresce o facto de a sociedade incorporante ter visto a sua posição patrimonial prejudicada com a receção do passivo proveniente da incorporada.

Nestes termos, não ocorre, no caso, qualquer diferimento da tributação em conformidade com a regulação a tanto dirigida objecto do então art. 68.º do CIRC. Ora, a aplicação deste art. 68.º do CIRC é absolutamente indispensável, como claramente se conclui do disposto no então art. 70.º, n.º 1 do CIRC que faz depender a aplicação aos sócios da sociedade incorporada do regime aí previsto da condição de ser aplicável à fusão de sociedades o regime especial estabelecido no artigo 68.º.

 

8. Por estes motivos, entendo que a particular operação de fusão inversa realizada, pela qual a C ... foi incorporada na Requerente, não se enquadra nas previsões legais delimitativas constantes do art. 67.º, n.º 1 do CIRC, pelo que, nesta base, diferentemente da decisão que fez vencimento, não julgaria procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional e de juros compensatórios de 2007 respeitantes à C ... com base na consideração de que “a interpretação do regime da neutralidade do art. 67.º do CIRC (atual art. 73.º) pelos Serviços de inspeção Tributária é ilegal”.

 

Lisboa, 4 de Janeiro de 2013

 

João Menezes Leitão

1 Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.

2 Nos termos do art. 12.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira, abreviadamente designada por AT, sucedeu à Direção-Geral dos Impostos “em todos os procedimentos e processos, designadamente, graciosos e judiciais, seja qual for a sua natureza, sem necessidade de observância de quaisquer formalidades”.

3 O doc. n.º 15 constitui apenas balanço da Requerente e não também cópia do seu extrato bancário, como, por lapso, se indica no art. 38 do RI.

4 Atualmente, na sequência do aditamento promovido pelo art. 13.º do Decreto-Lei n.º 122/2009, de 21 de maio, o artigo 23.º-A do Cód. do Registo Comercial estabelece que: “No momento do registo do encerramento da liquidação ou da cessação de atividade, consoante o caso, deve ser obrigatoriamente indicado o representante para efeitos tributários, nos termos do n.º 4 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, para comunicação obrigatória, e por via electrónica, aos serviços da administração tributária”.

5 Melhor se diria o “representante da entidade objecto de cessação de atividade”. Como aquela expressão está consagrada na prática administrativa, não vale a pena tentar contrariá-la.

6 Projeto de Fusão por Incorporação das Sociedades Comerciais “B….” e “C…” (sociedades incorporadas) na “A…S.A.” (sociedade incorporante), de 17 de setembro de 2007.

7 Sob a epígrafe “Sinopse da operação de que resultou a dupla fusão inversa”, no ponto C-6, do Título II., “Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção”.

8 V., por exemplo, Martin Klein/Markus StephanblomeDer Downstream Merger – aktuelle umwandlungs- und gesellschaftsrechtliche Fragestellungen”, ZGR 3/2007, p. 352; Andrea Gianella, “La Fusione inversa”, Rivista della Società, 2008, pp. 1156-1157; Gilberto Gelosa/Massimo Insalaco, Fusioni e Scissioni di Società, Profili Civilistici e Tributari, 2. Ed., Milano, 2002, p. 107.

9 Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal, Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 143-158 e 331-339.

10 V. também o estudo de J.L. Saldanha Sanches, “Fusão inversa e neutralidade (da administração) fiscal”, Fiscalidade 34, pp. 13-14.

11 Nem quaisquer ajustamentos em inventários e as perdas por imparidade e outras correções de valor que respeitem a créditos, inventários e as provisões relativas a obrigações e encargos objeto de transferência aceites para efeitos fiscais (na redação atual: art.º 74.º n.º 1 do CIRC).

12 J.L. Saldanha Sanches, “Fusão inversa…”, cit., pp. 9-13; Ponto 2 do Preâmbulo da Diretiva 2005/19/CE de 17 de fevereiro de 2005, que altera a Diretiva 90/434/CEE, de 23 de junho de 1990.

13 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso 270/83, 28 de janeiro de 1986.

14 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-307/97, 21 de setembro de 1999.

15 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-446/03, 13 de dezembro de 2005.

16 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-28/95, 17 de julho de 1997.

17 Caso Leur-Bloem, cit., para. 36.

18 Neste sentido, Ottmar Thomes, “Merger Directive” ECTL Suppl. 28, December 2004, pp. 70-71. Esta interpretação conforme à Diretiva tem sido proferida pela Administração Fiscal espanhola em informações vinculativas: V0450-88 de 27/2/2008; V0965-06 de 19/5/2006.

19 V. a referência ao ex-art.º 26.º do EBF no parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 45-2004, Reg. 22/04, pp. 16-17.

20 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, caso C-46/04, Aro Tubi Trafilerie SpA v Ministero dell’Economia e delle Finanze, de 30 de março de 2006, para. 37.

21 Raúl Ventura, Comentário ao CSC – Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Coimbra, 1990, pp. 12, 15-18, 22-23.

22 Ver, mutatis mutandis, o acórdão citado da 2.ª Secção do STA, n.º 865/11: VI.8. Como exemplo de Direito Comparado, também a Administração Fiscal alemã bem como o Supremo Tribunal Federal Financeiro alemão aceitam a neutralidade fiscal das fusões inversas (downstream mergers), apesar de, até 2010, não existir uma disposição prevendo especificamente este tipo de fusões. As fusões inversas eram tratadas de forma semelhante às fusões por incorporação em que a sociedade beneficiária detém uma participação no capital da sociedade fundida (upstream mergers); na ausência de disposição expressa sobre as fusões inversas, a administração fiscal alemã foi estabelecendo algumas limitações à neutralidade fiscal das fusões inversas, nomeadamente, em caso de transferência de dívidas que provoquem o sobre-endividamento da sociedade beneficiária da fusão: Thomas Rödder/Peter Wochinger “Downstream Merger mit Schuldenübergang”, DStR, 2006, pp. 684 e ss.; Ralf Rasche, “Steuerliche Risiken beider Abwärtsverschmelzung (‘Down-stream merger’)”, GmbHR 22 2010, pp. 1188 e ss.; Thomas Rödder/Michael Schaden, “Zur Besteuerung des Down-Stream Merger”, Ubg 1,2011, pp. 40 e ss.; no plano do Direito Societário, a doutrina italiana também aceita a legitimidade das fusões inversas: Andrea Gianella, cit.; e a neutralidade do regime fiscal, se a fusão for válida perante o Direito societário, apesar de a administração fiscal italiana não ser favorável à aplicação do regime de neutralidade às fusões inversas: Gilberto Gelosa/Massimo Insalaco, cit., pp. 234-238.

23 Para o Direito alemão: Martin Klein/Markus StephanblomeDer Downstream Merger…”, cit., p. 360.

24 V. esta questão no Direito alemão tratada por Martin Klein/Markus StephanblomeDer Downstream Merger…”, cit., pp. 364-369.

25 Quando a sociedade beneficiária detém uma participação no capital da sociedade fundida ou cindida, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas naquelas sociedades em consequência da fusão ou da cisão.

26 V. J.L. Saldanha Sanches, “Fusão Inversa…”, cit., pp. 25-30, e a doutrina aí citada.

27 V. Raúl Ventura, cit. pp. 246-247.

28 No mesmo sentido, a propósito do Direito italiano, Gilberto Gelosa/Massimo Insalaco, cit., p. 234.

29 Para a doutrina nacional, V. J.L. Saldanha Sanches, cit., pp. 18-20.

30 Tribunal de Justiça da União Europeia, caso C-126/10, Foggia, de 10 de novembro de 2011, para. 21 e jurisprudência anterior citada; por exemplo, entre outra, caso C-352/08, Zwijnenburg, de 20 de maio de 2008, para. 33.

31 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-321/05, Kofoed, de 5 de julho de 2007. Diz-nos o texto em inglês, no parágrafo 30: “it is clear … from the general scheme of Directive 90/434 that the common tax rules which it lays down, which cover different tax advantages, apply without distinction to all mergers, divisions, transfer of assets or exchanges of shares irrespective of the reasons, whether financial economic or simply fiscal, for those operations (see Case C-28/95 Leur-Bloem [1997] ECR I-4161 paragraph 36)”. Esta jurisprudência foi reiterada pelo Tribunal de Justiça no caso Foggia, cit., para. 31.

32 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-196/04, de 12 de setembro de 2006.

33 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-324/00, de 12 de dezembro de 2002.

34 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-321/05, de 13 de março de 2007.

35 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Caso C-311/08, de 21 de janeiro de 2010.

36 V. Caso Leur-Bloem, cit., para. 42.