Decisão Arbitral
Requerente: A…, N.I.F…, com domicílio na …, …, …-… …
Requerida: Administração Tributária e Aduaneira
I. Relatório
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No dia 15.09.2015 o contribuinte A…, N.I.F…, com domicílio na …, …, …-… …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01.10.2015.
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Em 12.10.2015 foi efectuada a designação das juristas Sras. Dra. B… e C…, em representação da Requerida.
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Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 16.11.2015.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal ficou constituído em 01.12.2015.
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São fundamentos:
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O impugnante é proprietário de uma quota-parte correspondente a 50% do prédio urbano, composto de terreno para construção, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho do Porto - doc. 1.
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Em Março de 2015, o impugnante recebeu a notificação da liquidação de Imposto do Selo com o n.º 2015…, referente ao ano de 2014, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida,
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A qual aplica ao montante de 1.246.959,90 €, correspondente ao valor patrimonial tributário do referido prédio, a taxa de 1,00 % - doc. 2.
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Dessa liquidação resulta para o impugnante a obrigação de entregar ao Estado a importância de 6.234,80 €, de que já pagou 4.156,52 € - docs. 2 a 5. Ora,
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A fundamentação da liquidação esgota-se na invocação da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS),
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A qual, contudo, só com flagrante inconstitucionalidade se tornou aplicável à propriedade do imóvel em causa...
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O Requerente alega que a norma na qual se baseiam as liquidações impugnadas – estabelecida na verba 28.1 da TGIS -, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e, especificamente em matéria de tributação do património, no artigo 104.º, n.º 3, da Constituição, enquanto a Requerida sustenta a constitucionalidade da referida norma, e, consequentemente, a validade das liquidações impugnadas.
II. Saneamento
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
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Não ocorrem quaisquer nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.
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O tribunal protelou o prazo para prolação da decisão por 10 dias até dia 13 de junho.
III. Fundamentação
III.1 Matéria de facto
Consideram-se os seguintes
a) Factos provados
1. O impugnante é proprietário de uma quota-parte correspondente a 50% do prédio urbano, composto de terreno para construção, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho do Porto - doc. 1.
2. Em Março de 2015, o impugnante recebeu a notificação da liquidação de Imposto do Selo com o n.º 2015…, referente ao ano de 2014, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida.
3. A qual aplica ao montante de 1.246.959,90 €, correspondente ao valor patrimonial tributário do referido prédio, a taxa de 1,00 % - doc. 2.
4. Dessa liquidação resulta para o impugnante a obrigação de entregar ao Estado a importância de 6.234,80 €, de que já pagou 4.156,52 € - docs. 2 a 5.
5. Em 3 de Dezembro de 2015 o requerente veio juntar aos autos o comprovativo do pagamento da terceira prestação do IS cuja liquidação se impugna, no valor de € 2.078,26.
b) Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
c) Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia quanto à matéria de facto.
III.2 Direito
A questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, mormente igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva.
Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:
- Por um lado, nem todos os proprietários de imóveis de valor tributário igual ou superior a € 1.000.000 estão sujeitos a este encargo tributário, mas apenas aqueles que o sejam de prédios urbanos afetos à habitação ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com exclusão de todos os que o sejam em relação aos demais prédios urbanos ou rústicos.
- Da mesma forma, considera a Requerente violado o princípio da igualdade por os proprietários de prédios urbanos afetos à habitação ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de valor tributário superior a € 1.000.000 sofrerem o encargo do imposto pela totalidade do valor patrimonial tributário daqueles imóveis quando os proprietários do mesmo tipo de prédios urbanos de valor tributário inferior a € 1.000.000 não sofrem qualquer tributação.
- O critério da capacidade contributiva pressupõe tributação igual para quem tem a mesma capacidade contributiva e tributação diferente para aqueles cuja capacidade contributiva é diferente, em função dessa mesma diferença. Como corolário do princípio da igualdade (tributária), impõe-se que o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva de cada um.
- Ora no caso de um terreno destinado à construção de uma pluralidade de habitações, o prédio constitui mera matéria-prima de um processo produtivo, que tem em vista a produção de bens novos – é, claramente, um factor de produção.
- Assim, mesmo que se possa conceber que a propriedade do imóvel em causa constitua indício de uma certa capacidade contributiva do impugnante,
- Não se trata daquela capacidade contributiva que a Lei n.º 55-A/2012 – mesmo incorrendo em inconstitucionalidade – visou atingir através do aditamento da verba nº 28.1 à TGIS, pois...
- Tal equivaleria a tributar o investimento produtivo, em vez de tributar os bens de luxo.
- A Requerente considera que a isto se soma a circunstância de a verba 28.1 da TGIS infringir a proibição constitucional da dupla tributação jurídica (que também é, no caso, uma dupla tributação económica) que se deduz do princípio da capacidade contributiva,
- Pois, ao fazer tributar simultaneamente – na pessoa do mesmo sujeito passivo – a titularidade de direitos reais em sede de IMI e em sede de IS, o legislador distorce a coerência entre os impostos e a coerência do sistema fiscal no seu conjunto,
- Se o legislador da Lei n.º 83-C/2013, ampliando o alvo definido pela Lei n.º 55-A/2012, passou a visar também a capacidade contributiva revelada pela detenção de terrenos para construção,
- Não pode, sem violar o princípio da igualdade ao ponto do arbítrio, tributar os destinados à construção de edifícios para habitação e poupar os que se destinam à construção de edifícios para comércio e serviços.
-Em contrapartida, entende a AT que:
- No que tange à verba 28.1 da TGIS, é um facto incontornável que a sua nova redacção, alterada pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014), alargou expressamente o seu campo de incidência aos “terrenos para construção”, o que não tinha sucedido com a Lei nº 55-A/2012, de 29/10. 9º, sendo certo que a esta nova redacção, previsivelmente por razões de certeza e segurança jurídicas, não foi atribuída natureza interpretativa, o que obsta à sua aplicação aos factos tributários ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor – o que não sucede no caso vertente,
- O legislador, ao reconhecer a necessidade de se expressar com uma maior precisão, acabou justamente por demonstrar ter sido sempre seu intento tributar em sede de imposto de selo-verba 28.1 os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos afectos a habitação com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.
- E, portanto, a AT sempre esteve certa em apelar para uma interpretação que atendesse ao espírito da norma, procurando sistematizá-la no contexto mais vasto da codificação dos impostos sobre o património, designadamente no código do Imposto Municipal sobre os Imóveis.
- A AT sempre preconizou o entendimento de que, embora não expressamente previstos na lei, os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos, de harmonia com nº 1 do artigo 2º do CIMI e com o nº 1 do artigo 6º, do mesmo diploma legal, para os quais remete o nº 2 do artigo 67º do CIS, estavam igualmente sujeitos a tributação em sede de imposto de selo – verba 28.1 da TG. 18º, procurando sistematizar essa tributação no código do IMI e nas regras de avaliação dos prédios urbanos e promovendo uma interpretação da expressão “afectação habitacional”, à luz dos critérios interpretativos ínsitos no artigo 9º do Código Civil, que permitisse determinar com exactidão o momento em que essa “afectação” ocorria, a AT sempre defendeu que esse momento correspondia à atribuição do alvará para construção.
- o legislador, através do artigo 192º da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2014, alterou a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, no sentido de justamente alargar o seu campo de incidência objectiva.
- a liquidação em apreço foi já promovida à luz deste novo enquadramento legal. Ou seja, a expressão “terrenos para construção” que não constava da redacção da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, passou a constar expressamente da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não advindo desta alteração quaisquer dificuldades interpretativas quanto à sujeição dos mesmos a tributação, considerando o disposto no artigo 9º Código Civil, que permite eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
- Não pode pois "ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
- Além disso, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n°s 2 e 3 da mesma disposição do Código Civil.
- Quanto à questão da alegada falta de coerência do sistema fiscal decorrente da tributação simultânea – na pessoa do mesmo sujeito passivo – dos direitos reais em sede de IMI e em sede do IS, e consequente inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devem as alegações do Requerente também improceder.
- Porquanto, a sobreposição de normas de incidência em causa pode realmente integrar uma situação de dupla tributação, tratando-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag.396).
- Entende finalmente a AT que se encontram totalmente salvaguardados os princípios da igualdade da capacidade contributiva.
- Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os mesmos pressupostos de facto e de direito.
- Que se aplica indistintamente a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, que incide, portanto, sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
- Ora o princípio da igualdade, interpretado em termos materiais, não é violado, antes pelo contrário, é densificado em todos os casos em que a ordem jurídica dê tratamento materialmente igual àqueles que, como se diz, no art. 161º do CPTA se encontram, “na mesma situação jurídica”.
- Para além de que a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, a arrecadação de receita, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes, o que só se revelaria censurável se manifestamente indefensável face ao princípio da proporcionalidade.
- Acresce que corolário do princípio da igualdade é a capacidade contributiva consagrada no artigo 104º da CRP que traduz a ideia de que todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos aferido por um mesmo critério, essa capacidade contributiva, a qual é aferida pelo legislador atendendo a indicadores que averiguam a sua força económica.
- Assim, entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da capacidade contributiva (artigo 104º da CRP) justamente porque como fundamentou o legislador “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.”
Fundamentação da decisão arbitral:
O artigo 13.º da Constituição da República estabelece o princípio da igualdade nos seguintes termos:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O artigo 103.º da Constituição, sobre o sistema fiscal, dispõe o seguinte:
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
Por fim, e ainda com relevância para a presente análise, o n.º 2 do artigo 104.º da Constituição estabelece que:
2. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
A Requerente sustenta a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados na violação do princípio da igualdade, mormente fiscal. O princípio da igualdade fiscal desdobra-se em duas vertentes: a da generalidade e a da uniformidade dos impostos. Na vertente da generalidade dos impostos, o princípio da igualdade fiscal determina que o dever de pagar impostos é universal, enquanto na vertente da uniformidade implica a adoção de um mesmo critério de tributação para todos os contribuintes.
Nas palavras de Casalta Nabais, “o princípio da igualdade fiscal exige que o que é (essencialmente) igual, seja tributado igualmente, e o que é (essencialmente) desigual, seja tributado, desigualmente na medida dessa desigualdade.”[1] Um dos critérios para aferir o que é igual e o que é desigual é o critério da capacidade contributiva, que impõe que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo imposto (igualdade horizontal) e que os contribuintes com diferente capacidade contributiva paguem impostos diferentes - qualitativa e/ou quantitativamente – (igualdade vertical). O princípio da igualdade proíbe, assim, o arbítrio, isto é, só deverá considerar-se violado se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável.
Tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que devem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010).
A verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, esta verba tem a seguinte redação:
28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.
A argumentação da Requerente foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11-11-2015, proferido no processo n.º 542/14, em termos que, no que para aqui importa, se acompanham.
No sentido da constitucionalidade da norma constante da verba 28.1, na redação atual, já se pronunciaram também tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD – vejam-se os processos 495/2015-T e 515/2015-T.
- Contra a corrente acima exposta, surgiu, agora, muito recentemente, a decisão no processo nº 507/2015-T — proferida em Tribunal Arbitral, —, em que os árbitros sustentam a inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela [2]
O presente Tribunal Arbitral, não desvalorizando o citado Acórdão do CAAD, entende que não se vislumbram razões sérias, neste caso, para não aplicar a mesma doutrina defendida pelo Tribunal Constitucional em diversos Acórdãos citados nesta e noutras decisões do CAAD sobre o mesmo tema, mesmo considerando que estas decisões têm como objecto prédios urbanos para habitação, na linha, aliás, do que já sucedeu com decisões arbitrais anteriores já citadas acima.
No que concerne ao facto de se tratar de dois impostos com base no mesmo facto tributário, entende o Tribunal Constitucional, no que aqui se concorda, que «da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...) «Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional».
Quanto à proibição de arbítrio, entendeu o Tribunal Constitucional que «Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”».
Quanto à questão da dupla tributação, o entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui se reitera, é o seguinte: «(…) as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro).»
No que concerne ao argumento de que sujeitos passivos com idêntica capacidade contributiva não se encontram abrangidos pela incidência da verba n.º 28 apenas porque os imóveis dos quais são proprietários têm um valor patrimonial tributário abaixo de € 1.000.000,00, por exemplo € 999.999,00, refere-se no citado acórdão do Tribunal Constitucional o seguinte: «Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão. Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.»
É certo que, na situação de facto subjacente à análise do Tribunal Constitucional não se encontrava, como na presente, um terreno para construção. No entanto, não se vislumbram razões sérias, neste caso, para não aplicar a mesma doutrina, na linha, aliás, do que já sucedeu com decisões arbitrais anteriores já citadas acima.
Nestes termos, o tribunal considera, no caso concreto, não verificada a inconstitucionalidade da norma constante da verba 28.1 da TGIS por violação do princípio da igualdade.
IV. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar improcedentes:
O pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas;
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.234,80 (seis mil, duzentos e trinta e quatro euros e oitenta cêntimos).
VI. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14 de junho de .2016
O Árbitro
Ana Teixeira de Sousa
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.)
[1] José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Teses Almedina, 2009, p. 435.
[2] Nos termos deste acórdão do CAAD encontra-se subjacente a ideia de que, diferenciar os casos em que as construções previstas ou autorizadas tenham ou não valor superior a € 1 milhão, está a questão que respeita aos terrenos para construção, que é da estes evidenciarem uma potencialidade e não uma efetividade de valor. Ou seja, reconhece-se que a situação dos terrenos para construção é diferente da dos edifícios construídos e de que, portanto, a norma deveria criar condições para o tratamento diferente do que é desigual.
Assim se conclui que a norma em questão é inconstitucional por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
Adicionalmente o Tribunal Arbitral entendeu que é inconstitucional a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na parte relativa a terrenos para construção, a empresas que exerçam a actividade de compra de terrenos para construção e para revenda uma vez que é inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos