Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 254/2015-T
Data da decisão: 2016-06-24  IVA  
Valor do pedido: € 28.755,52
Tema: Imposto Sobre o Valor Acrescentado – Artigo 19.º, n.º 3, do CIVA; operação simulada; ónus da prova
Versão em PDF

          

                                                                                                         

Decisão Arbitral

 

O árbitro Francisco Carvalho Furtado (árbitro em Tribunal Arbitral Singular), designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, decide o seguinte:

 

I.                   Relatório

 

1. A Requerente A…, Lda, pessoa colectiva n.º…, com sede na …, … –…, …-… …, notificada dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Juros Compensatórios, relativos ao ano de 2008, no montante global de € 28.755,52, vem apresentar, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daqueles actos.

 

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

3. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação daqueles actos de liquidação de imposto e de juros compensatórios.

 

3.1. A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, praticados por referência ao ano de 2008.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

4.2. As partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

4.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 8 de Julho de 2015.

4.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

a)      As liquidações adicionais que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral supra resultaram de acção de inspecção realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e que incidiu sobre os períodos de tributação compreendidos nos anos civis de 2008 e 2009;

b)      Não obstante, as referidas liquidações não têm por fundamento qualquer facto apurado ou verificado na inspecção realizada, mas em factos apurados numa outra inspecção a um outro contribuinte, de quem a Requerente foi cliente;

c)      Os factos que sustentaram as liquidações em apreço, dizem respeito ao âmbito da actividade da fornecedora da Requerente sendo que sobre os mesmos não pode responder por não os conhecer, nem ter qualquer obrigação de os conhecer;

d)     Na inspecção à Requerente não se apurou qualquer facto que indicie a simulação de negócio, pelo contrário, evidenciou-se que pagou as facturas emitidas;

e)       Os factos ocorridos antes da entrega dos painéis à Requerente não eram por si conhecidos, já que também se apurou que à fornecedora cabia a responsabilidade e custos da sua entrega;

f)       Na inspecção tributária realizada à sociedade fornecedora a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que a mesma não dispunha de armazéns, que não comprou os painéis à B… e que a “C…” também não podia ter transportado os painéis por ter cessado a sua actividade em 2000.

g)      Quanto à Requerente, em qualquer das acções de inspecção realizadas, se retirou qualquer conclusão, limitando-se a constatar que era cliente da primeira;

h)      A Autoridade Tributária e Aduaneira, na verdade não podia fazê-lo, uma vez que não investigou a Requerente limitando-se a declarar que sendo Cliente da D… foi parte interveniente no, alegado, conluio simulatório na compra e venda de painéis e respectiva emissão de facturas falsas;

i)        A Autoridade Tributária e Aduaneira considera que a Requerente está obrigada a demonstrar a veracidade das suas operações:

j)        Face à regularidade da situação contributiva da Requerente, esta beneficia de presunção da veracidade das suas declarações e, assim sendo, só se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse encontrado em actos/factos por si praticados que indiciassem que simulou a aquisição de painéis é que sobre a mesma recairia o ónus da contraprova de tais factos.

k)      A Requerida não fez prova dos factos que alega e em que sustenta a sua pretensão;

l)        Deste modo, as liquidações sub juditio, não só não têm como fundamento quaisquer indícios de conluio da Requerente com a D…, como os factos apurados na inspecção efectuada à Requerente revelam que esta sempre agiu de acordo com a lei, não tendo sido detectada, qualquer irregularidade fiscal;

m)    Mas, ainda que assim não fosse, a Requerente faz prova de inexistência de negócio simulado, demonstrando que a D…, vendia, pelo menos desde 2002 e até, pelo menos 2010, painéis a empresas do ramo do frio, entre as quais se incluía;

n)      A Requerente possuía os ditos paneis no seu inventário;

o)      Alguma da mercadoria, que foi inutilizada por uma intempérie, ainda se encontra abandonada nas imediações das instalações da Requerente;

p)      Nas suas facturas não indica individualmente os painéis pois tratam-se de serviços de empreitada em que os mesmos são incluídos;

q)      Termina pedindo a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação de IVA e de Juros Compensatórios.

 

6. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida) apresentou resposta alegando, em síntese, o seguinte:

a)      As correcções efectuadas no âmbito do procedimento inspectivo em análise, tiveram como fundamento a factualidade descrita no RIT, a qual foi obtida pela análise contabilística da Requerente

b)      Não resulta do Relatório de Inspecção Tributária que as correcções efectuadas à Requerente se fundamentam apenas em factos apurados na inspecção desenvolvida junto do sujeito passivo D…;

c)      A Requerida pode utilizar os elementos de prova recolhidos nas diligências inspectivas realizadas ao emitente das facturas como dispõe os artigos 13.º, al. b) e 29.º, n.º 1, al. a), n.º 3 do RCPITA.

d)     Da análise aos registos contabilísticos da Requerente, os serviços de inspecção não encontraram nenhum documento (guia de remessa e/ou transporte) que pudesse comprovar o efectivo transporte de materiais para as suas instalações;

e)      As facturas evidenciavam que local “de carga” eram as instalações da D…, o que não era fisicamente possível e, como tal, é falso;

f)       A D… só empregava uma funcionária administrativa pelo que não tinha os recursos humanos adequados;

g)      A referida funcionária era titular da conta de depósitos à ordem com o NIB…, no E…, mas os movimentos eram efectuados exclusivamente por F… que era sócio gerente da D…;

h)      Por referência à indicada conta bancária constataram os serviços de inspecção a existência de cheques sacados que foram levantados por G…, sócio-gerente da Requerente;

i)        Em face dos indícios coligidos, é evidente que as facturas não titulam operações reais, o que não é desmentido pelo mero facto de estas terem sido pagas pela Requerente;

j)        Os fluxos financeiros não podem considerar-se aptos a provar a transmissão de mercadorias, se inexistirem factos comprovativos de que as mesmas circularam entre vendedor e comprador, situação que se verifica in casu;

k)      Pela realidade encontrada pelos serviços de inspecção e descrita no Relatório de Inspecção Tributária, a conclusão é a de que as facturas emitidas pela D… para a sua alegada cliente a Requerente - acima identificadas, e supostamente relativas ao fornecimento de painéis frigoríficos, correspondem a negócio simulado e, por essa razão, o IVA nelas mencionado não é dedutível à luz do disposto no artigo 19º, nº 3 do CIVA.

l)        A falta de guia de transporte, ou até da indicação de uma empresa de transporte que tenha efectuado o mesmo, é um forte indício de que o transporte dos painéis, tal como é referido nas facturas em questão, não tenha existido.

m)    A empresa que terá transportado a mercadoria em causa já se encontrava com actividade cessada em IVA desde 2000.

n)      Houve o aparente pagamento de determinadas facturas, no entanto foi apurado pela DF de … que houve a emissão de cheques em nome da secretária da D…, aos gerentes das empresas utilizadoras das facturas falsas, incluindo o sócio-gerente da Requerente;

o)      Assim, os factos apurados e os elementos obtidos no decurso do procedimento inspectivo, alguns facultados pela Requerente, levaram os serviços de inspecção a concluir que o apuramento da matéria tributável não podia se efectuado com base naquilo que havia sido declarado, cessando a presunção de veracidade da contabilidade consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

p)      Sendo que, efectuada a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam as correcções à matéria tributável declarada, passou a incumbir à Requerente a prova que coloque em causa os montantes apurados, designadamente cabe-lhe o ónus de comprovar a veracidade dos valores inscritos nas declarações submetidas, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT.

q)      Termina pedindo a absolvição da instância.

 

7. Em 25 de Janeiro de 2016 foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas pelas Partes.

 

8. Em 10 de Fevereiro de 2016 a Requerente apresentou as suas alegações.

 

9. Em 26 de Fevereiro de 2016 a Requerida apresentou as suas alegações.

 

II.                Saneamento

 

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

12. O processo não enferma de nulidades.

13. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.             Questões a decidir

 

14. Nos presentes autos as questões a decidir são:

a)      Determinar se a Requerida apresentou indícios suficientemente fortes de simulação das operações tituladas nas facturas identificadas nos autos;

b)      Determinar o ónus da prova;

c)      Determinar se a Requerente demonstrou a veracidade das suas operações, e se os actos de liquidação em apreço são legais, à luz do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA.

 

IV.             Mérito

 

IV.1. Matéria de facto

 

15. Factos provados:

 

15.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.ºs OI2012…/OI2013… (Relatório de Inspecção Tributária);

b)     A requerente foi notificada das conclusões da acção de inspecção (Procedimento Administrativo);

c)      Nas conclusões da acção de inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu que:

 

- Obrigações fiscais

 

11.3.2.4.1- Em sede de IVA

 

Compulsados os ficheiros do sistema informático da DGCI verificou-se que o obrigado tributário deu cumprimento. dentro do prazo estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 41º do CIVA. às obrigações declarativas decorrentes dos imperativos legais fixados na alínea c) do n.º 1) do artigo 29º do mesmo código, reportadas aos exercícios em análise.

 

11.3.2.4.2 - Em sede de IRC

 

Através da base de dados do sistema de consultas de IRC, constata-se que a sociedade procedeu à entrega, dentro dos prazos legais previstos nos nºs 1 do artigo 120° e 2 do artigo 121º do CIRC, das obrigações declarativas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 117° - modelo 22 e declaração anual de informação contabilística e fiscal - IES, referentes aos anos económicos em análise.

 

d)     No que respeita à fundamentação das correcções efectuadas a Autoridade Tributária e Aduaneira afirmou que:

 

- IVA deduzido indevidamente

 

Nos anos de 2008 e 2009 o sujeito passivo terá adquirido ao fornecedor "D…, Lda.", NIF…, que se encontra indiciado como emitente de faturação falsa, as mercadorias constantes das seguintes faturas:

. Exercício de 2008

 

 

 

Nº da fatura

Data

Base tributável

IVA  

4.492,03

Total

25.882,63

 

11-02

21.390,60

 

06-06

22.453,20

4.715,17

27.168,37

03-09

18.737,67

3.747,53

22.485,20

17-09

21.746,34

4.349,27

26.095,61

28-11

11.708,93

2.341.79

14.050,72

11-12

17.293,06

3.458,61

20.751,67

Total

 

113.329,80

23.104 40

136.434,20

 

 

Exercício de 2009

 

Nº da fatura

Data

Base tributável

IVA

 

 

Total

03-07

18.636,60

3.727 32

22.363,92

09-07

12.877,94

2.575,59

15.453,53

07-09

22.966,27

4.593,25

27.559,52

28-09

18.506,30

3.701,26

22.207,56

09-10

21.414,24

4.282,85

25.697,09

12-10

18.459,36

3.691,87

22.151,23

20-10

15.603,84

3.120,77

18.724,61

26-10

17.602,56

3.520,51

21.123,07

10-11

18.771,84

3.754,37

22.526,21

11-11

21.911,52

4.382,30

26.293,82

27-11

18.388,64

3.673,73

22.042,37

Total

 

€205.139, 11

41.023,82

246.142,93

 

              - cópias das faturas emitidas pela D… em Anexo 2.

 

Relativamente à referida empresa "D…" foram apurados, em procedimento inspetivo levado a cabo pela DF de …, os seguintes factos:

 

a)     A "D…" tem sede em Viseu e as suas instalações operacionais eram constituídas apenas por uma sala no…, em Viseu.

 

b)     O pessoal ao seu serviço era unicamente o seu gerente, Sr H…e uma secretária,a Sra I… .

 

c)      Os equipamentos operacionais que a empresa utilizava na sua actividade eram algum equipamento administrativo, pouco relevante, e dois veículos ligeiros de passageiros.

 

d)      De acordo com a sua contabilidade todos os bens vendidos (chapas de aço inox) aos seus clientes. nos quais se inclui a "A…", foram adquiridos ao seu alegado fornecedor B…, NIF…, com sede no Cartaxo.

 

e)     A sociedade B…, conforme foi apurado pelas DF de … e DF de … não vendeu qualquer bem à "D…". nem dela recebeu qualquer pagamento.

 

f)       Na contabilidade da "D…" não existe nenhuma evidência de que esta tenha recorrido a terceiros para lhe armazenarem ou transportarem os produtos/mercadorias alegadamente vendidos. Também não foi exibido nenhum comprovativo de que tivessem sido transportados bens das instalações do seu alegado fornecedor B… para as suas instalações.

 

g)     As faturas emitidas pela "D…" referem que os bens foram transportados das suas instalações para a morada dos seus clientes.

 

h)     Não se obteve nenhuma evidência de que tenham sido transportadas quaisquer mercadorias por ordem da D…; também não foi encontrada nem facultada pela D… ou pelos clientes, uma única guia de transporte.

 

i)       Para além disso, a "D…" afirmou, através de fax enviado à A…, em 2008-01-01, que "todos os transportes de mercadorias ocorrem por nossa conta e responsabilidade, ou por uma empresa contratada pela D…, mas com os custos a serem suportados por nós"; indicou, no mesmo fax, que os transportes eram efetuados pela "C…, Lda., NIF…. Porém, a "C…" encontrava-se com a atividade cessada - em sede de IVA, desde 2000-04-20, nos termos do artº 33°, nº 1, alínea b) do CIVA (ao tempo) e, em sede de IRC, desde 2009-12-31. Também, conforme ficou provado na ação inspetiva efetuada pela DF…, não consta da contabilidade da D… qualquer pagamento a terceiros por transportes efectuados.

 

Ê certo que a A… procedeu ao pagamento das faturas emitidas pela D…; no entanto, os meios financeiros, só por si, não podem considerar-se meios de prova subjacentes à transmissão de mercadorias, dada a inexistência de factos comprovativos de que as mesmas circularam entre vendedor e comprador.

 

De referir, ainda, que na "A…" não existe nenhum documento (guia de remessa e/ou transporte) que pudesse comprovar o efetivo transporte de materiais para as suas instalações. Além disso, as faturas conhecidas, emitidas pela "D…", em 2008 e 2009, referem como local de carga "as nossas instalações". Ora tal facto não pode ser verdadeiro uma vez que a "D…" não possuía instalações onde pudesse ser efetuada a carga.

Os factos descritos constituem evidência objetiva de que as faturas emitidas pela "D…não correspondem a efetivas transmissões de bens/mercadorias, pois esta não os podia ter vendido porque não os adquiriu nem tinha capacidade para os produzir e, por outro lado, não está comprovada a movimentação física dos referidos bens, entre as instalações do fornecer (D…) e o seu cliente (A…) conforme as próprias faturas referem. Na realidade as instalações da "D…" não permitiam que os bens em questão ali fossem armazenados e descarregados ou carregados.

 

Conjugando todos os factos mencionados e, embora existam pagamentos da "A…"  para o seu alegado fornecedor "D…", tem que se concluir que associado às faturas emitidas pela "D…" não existem verdadeiras transmissões de bens, pois esta não tinha os bens para os poder vender e, por outro lado, não foi comprovada a movimentação física da mercadorias.

 

Salienta-se, ainda, que a "D…" não dispunha nem de armazéns para a guarda da mercadoria nem de pessoal para prestar os alegados serviços, bem como não existe evidência de que tenha recorrido a subcontratação para o efeito.

 

Perante o quadro descrito. tem que se concluir que as facturas emitidas pela D…  para o seu alegado cliente A…, acima identificadas, e supostamente relativas ao fornecimento de painéis frigoríficos, correspondem a negócio simulado e, por essa razão. o IVA nelas mencionado não é dedutível à luz do disposto no artigo 19º. 3 do CIVA.

 

Quadro resumo de IVA deduzido indevidamente

 

Período

IVA deduzido indevidamente

 

4.492,03

 

Total 200803T

4.492,03

 

4.715,17

Total 200806T

4.715,17

 

3.747,53

 

4.349,27

Total 200809T

8.096,80

 

2.341,79

 

3.458,61

Total 200812T

5.800,40

 

Quadro resumo de IVA deduzido indevidamente

 

Período

IVA deduzido indevidamente

 

3.727,32

 

2.575,59

 

4.593,25

 

3.701,26

Total 200909T

14.597,42

 

4.282,85

 

3.691,87

 

3.120,77

 

3.520,51

 

3.754,37

 

4.382,30

 

3.673,73

Total 200912T

26.426,40

 

 

e)      Os Serviços de Inspecção Tributária não procuraram saber junto dos Clientes da Requerente se foram aplicados painéis frigoríficos nos serviços prestados (Depoimento da testemunha arrolada pela Requerida);

f)       A Requerente foi notificada do acto de Liquidação adicional de IVA n.º…, referente ao período de 03/08, no valor de 4.492,03€ (Requerimento Inicial);

g)      A Requerente foi notificada do acto de Liquidação de Juros Compensatórios n.º…, referente ao período 03/08, no valor de 1.174,57€ (Requerimento Inicial);

h)     A Requerente foi notificada do acto de Liquidação adicional de IVA n.º…, referente ao período de 06/08, no valor de 4.715,17€ (Requerimento Inicial);

i)        A Requerente foi notificada do acto de Liquidação de Juros Compensatórios n.º…, referente ao período 06/08, no valor de 1.183,83€ (Requerimento Inicial);

j)       A Requerente foi notificada do acto de Liquidação adicional de IVA n.º…, referente ao período de 09/08, no valor de 8.096,80€ (Requerimento Inicial);

k)     A Requerente foi notificada do acto de Liquidação de Juros Compensatórios n.º…, referente ao período 09/08, no valor de 1.952,11€ (Requerimento Inicial);

l)        A Requerente foi notificada do acto de Liquidação adicional de IVA n.º…, referente ao período de 0812, no valor de 5.800,40€ (Requerimento Inicial);

m)   A Requerente foi notificada do acto de Liquidação de Juros Compensatórios n.º…, referente ao período 0128, no valor de 1.340,61€ (Requerimento Inicial);

n)     A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social o comércio, instalação e assistência técnica a compressores industriais (Doc. 1 junto à petição inicial);

o)      No ano de 2008 a sociedade D…, Lda emitiu as seguintes facturas à Requerente (Anexo 2 ao Relatório de Conclusões da Acção de Inspecção):

 

Nº da fatura             

Data

Base tributável

IVA  

4.492,03

Total

25.882,63

 

11-02

21.390,60

 

06-06

22.453,20

4.715,17

27.168,37

03-09

18.737,67

3.747,53

22.485,20

17-09

21.746,34

4.349,27

26.095,61

28-11

11.708,93

2.341.79

14.050,72

11-12

17.293,06

3.458,61

20.751,67

Total

 

113.329,80

23.104 40

136.434,20

 

d)     Em 15 de Abril de 2015 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

15.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e as afirmações das Partes constantes das respectivas peças processuais, não havendo controvérsia sobre os mesmos.

 

16. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

IV.2. Matéria de Direito

 

Do mérito

Como se deixou observado, a Requerida sustenta a sua pretensão no artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA. Ou seja, a Requerida considera que as facturas emitidas à Requerente pela sociedade D…, Lda, correspondem a negócio simulado, não sendo o IVA liquidado passível de dedução na esfera da última.

 

Desde logo, e sem prejuízo da argumentação das Ilustres Juristas designadas em representação da Requerida, a verdade é que a legalidade dos actos de liquidação terá que ser aferida em função da argumentação constante do Relatório de Inspecção Tributária na justa medida em que é este o documento que motiva os actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade se pede.

 

Em face do exposto, importa, em primeiro lugar delimitar o conceito de “negócio simulado”. Posteriormente, haverá que analisar e distribuir o ónus da prova de forma a aquilatar se as Partes lograram demonstrar os factos por si invocados, nos termos legalmente adequados.

 

O n.º 3, do artigo 19.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado dispõe que “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.”. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Atenta a referida disposição legal, se outro sentido não decorrer da lei fiscal, deve entender-se que o Direito Tributário, que é fundamentalmente um direito de sobreposição, utiliza os conceitos elaborados por outros ramos de direito no mesmo sentido que aí têm, não tendo o intérprete-aplicador a faculdade geral de o alterar. Uma vez que a lei fiscal nada estatui relativamente ao conceito de «simulação», deve entender-se que o legislador fiscal acolheu o termo ou conceito no mesmo sentido que tem no ramo de direito que o elaborou – Direito Civil.

Desde logo, pode afirmar-se que a simulação de negócio jurídico, não obstante não esgotar o âmbito das categorias de negócios ilícitos, nem sequer a categoria dos negócios celebrados em fraude à lei, no essencial, e na medida em que é celebrado com uma finalidade contrária à lei, reconduz-se à figura da fraude à lei.

 

O conceito de simulação vem definido no artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual se pode ler o seguinte: “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.” A este propósito, aliás, o Ilustre Professor Luís A. Carvalho Fernandes (in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 369) refere o seguinte “A simulação consiste no acordo entre declarante e declaratário no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real, no intuito de enganarem terceiros.”

 

Daqui se infere que são elementos característicos da simulação os seguintes: a divergência entre a vontade e a declaração; o acordo ou conluio entre as partes; e a intenção de enganar terceiros. Neste sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Março de 2008, proferidos no processo 412/2008-8, do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Dezembro de 1998, no processo n.º 9821113 e do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Fevereiro de 2008, sob o número 08B180, entre outros. Em primeiro lugar, a simulação pressupõe que o lado externo da declaração negocial - a declaração - e o seu lado interno - a vontade - não coincidam. Esta divergência entre a vontade e a declaração pode ser absoluta, caso em que o declarante, não querendo celebrar qualquer negócio jurídico, diz querer fazê-lo e celebra um negócio jurídico qualquer, ou relativa, quando o declarante, querendo celebrar um negócio jurídico, diz querer e celebra um negócio jurídico diferente. A identificação da divergência, quer absoluta, quer relativa, pressupõe a identificação da vontade real do declarante e a sua comparação com a declaração negocial produzida. Assim, na simulação absoluta, sob a capa da declaração não se esconde nenhuma vontade negocial, mas sim a ausência de qualquer vontade negocial. Na simulação relativa, pelo contrário, sob a capa da declaração esconde-se uma declaração negocial com ela divergente, o negócio jurídico que corresponde à vontade real do declarante, designado negócio dissimulado.

 

A simulação pressupõe também que (i) não haja erro na declaração, isto é, que o declarante conheça a divergência entre a sua declaração e a sua vontade, (ii) e que não haja reserva mental, ou seja, que o declaratário também a conheça. O conceito de simulação exige, porém, mais do que a simples consciência ou representação do declarante sobre a divergência entre a sua vontade e a sua declaração. Na verdade, para que se possa falar de simulação é também necessária a existência de um acordo ou de um encontro de vontades sobre a própria simulação entre os dois sujeitos - declarante e declaratário. Assim, é ainda elemento constitutivo do conceito de simulação um acordo fraudulento sobre a própria divergência entre um e outro - acordo esse que se designa por pacto simulatório. Ora, este pacto simulatório manifesta-se paradigmaticamente numa contra-declaração, pela qual as partes declaram a sua vontade real ou a sua vontade de se querer vincular nos termos do negócio simulado.

 

Por último, e uma vez verificada a divergência entre declaração e vontade, bem como o acordo sobre ela, para que se possa falar de simulação é ainda necessário verificar-se a intenção fraudulenta do pacto simulatório, destinada a enganar terceiros. Quando o pacto simulatório visa apenas enganar, mas não prejudicar terceiros, a simulação diz-se inocente. A simulação diz-se fraudulenta quando o pacto simulatório se destina não só a enganar mas também a prejudicar terceiros. Analisados que estão todos os requisitos exigidos por lei para a configuração de uma situação como sendo simulada, importa perceber se, no caso sub judice, se encontram os mesmos preenchidos. Em concreto importa aferir se a Requerida coligiu indícios de simulação que sejam aptos a colocar em causa a presunção de veracidade de que goza a escrita da Requerente.

 

Sobre este aspecto, a Requerida invoca no Relatório de Inspecção Tributária – pois apenas os factos aqui invocados motivam o acto de liquidação - diversos factos de que se salienta:

 

a)      A D… não tinha os recursos humanos e físicos necessários para o armazenamento e transporte dos bens que alega ter alienado, nem recorreu a terceiros para o efeito;

b)      O suposto fornecedor da D… (B…) não terá alienado qualquer bem à D… nem desta recebeu qualquer pagamento;

c)      As facturas emitidas pela D… fazem referência a que os bens foram transportados das suas instalações, o que não seria possível dado que inexiste instalação física que permitisse o armazenamento;

d)     A Requerente não exibiu qualquer guia de transporte que demonstrasse o transporte e recepção das mercadorias;

e)      O pagamento, por parte da Requerente, das facturas emitidas pela D… não é suficiente para demonstrar a veracidade das transacções.

 

Faz-se notar que, já no âmbito do processo arbitral, a Requerida invocou que os valores pagos pela Requerente foram devolvidos ao seu sócio-gerente através de movimentação de conta bancária aberta em nome de funcionária da D…. Porém, a verdade é que a inspecção tributária, no seu relatório de conclusões, não fez qualquer menção a esse facto. Deste modo, não pode este Tribunal considerá-lo na sua apreciação, sob pena de se admitir fundamentação à posteriori. Com efeito, a Inspecção Tributária nem sequer se “apropriou” do relatório de conclusões da inspecção à D…, não o tendo integrado e junto ao relatório de conclusões da inspecção realizada à Requerente.

 

Vejamos, então, se os factos descritos constituem indícios fortes da existência de operações simuladas.

 

Os factos descritos nas alíneas a) a c), supra resultam, como defende a Requerente no seu requerimento inicial, de situações detectadas na esfera da sociedade fornecedora da Requerente. Ora, tais factos não são de apreensão imediata por parte do receptor de um documento contabilístico – a factura. Ou seja, trata-se de factos verificados na esfera da D…, e relativamente aos quais a Autoridade Tributária e Aduaneira não invocou sequer que a Requerente os conhecia ou tinha obrigação de conhecer.

 

No que respeita ao facto de inexistir guia de transporte, a verdade é que, na data a que se reportam os factos, tal documento não se mostrava obrigatório podendo consistir na própria factura. Ora, a Autoridade Tributária e Aduaneira não alega que as facturas não constituíram o documento de transporte, limitando-se a assinalar a inexistência de guia de transporte o que, por si só, não é evidência de qualquer irregularidade.

 

Por outro lado, encontra-se demonstrado nos autos indício de que existiram transacções comerciais entre a D… e a Requerente, consubstanciado nos pagamentos efectuados.

 

Destarte não foram coligidos, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e no âmbito do procedimento inspectivo realizado à Requerente, indícios suficientemente fortes no sentido de as operações económicas tituladas nas facturas identificadas, serem simuladas. Aliás, nas peças procedimentais que visam fundamentar os actos de liquidação em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não invoca que os factos descritos eram do conhecimento da Requerente, que com eles se conformou com o intuito de lesar o Estado.

 

O visado pela norma (artigo 19.º, n.º 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) referente à impossibilidade de dedução do Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado é o adquirente – no caso a Requerente. É aquele (sujeito passivo) que o legislador pretende que não distorça operações económicas, com o intuito único de exercer o direito à dedução.

 

Em face da conclusão alcançada importa verificar o seu impacto na distribuição do ónus da prova.

 

Em matéria tributária, as regras de distribuição do ónus da prova encontram-se previstas no artigo 74.º, da Lei Geral Tributária, o qual determina que o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos. Sobre a concreta aplicação desta disposição legal já se pronunciou sobejamente a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo. No Acórdão proferido no Processo n.º 0591/15, proferido em 17 de Fevereiro de 2016, foi decidido que “Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

 

Ora, como se deixou observado, a Requerida, louvando-se o esforço e a extensão da argumentação em sede de processo arbitral, que não encontra paralelo no relatório de conclusões da acção de inspecção realizada à Requerente, não logrou– no relatório de conclusões da acção de inspecção – abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte. Com efeito, os elementos coligidos respeitam apenas à fornecedora D…, sendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez seus os elementos de prova e factos que terão sido apurados na inspecção tributária realizada à D…, nem sequer alega que os mesmos são ou podiam ser do conhecimento da Requerente. Mais, no depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Requerida foi expressamente afirmado que os Serviços de Inspecção não investigaram se os bens adquiridos tinham sido, pela Requerente, instalados nos respectivos Clientes dado que assumiu que os mesmos não podiam sequer existir. Este facto era essencial para a descoberta da verdade material e eventual afastamento da presunção de que a Requerente beneficia e foi ignorado e desconsiderado pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Em face dos factos, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou abalar a presunção de veracidade de que beneficia a escrita da Requerente (que a Requerida afirma que se encontra devidamente organizada e cumpridas as obrigações fiscais acessórias), conforme postula o artigo 75.º, da Lei Geral Tributária.

 

Destarte, é impostergável a conclusão de que a Autoridade Tributária e Aduaneira não deu cumprimento ao ónus de prova que sobre si recai, impondo-se a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de imposto em apreço, por violação do artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA.

 

Por fim, sendo ilegais e anulados os actos de liquidação de imposto, também o serão necessariamente os actos de liquidação de juros compensatórios por não se verificarem os pressupostos a que alude o artigo 35.º, da Lei Geral Tributária, designadamente a existência de uma situação de atraso na liquidação do imposto.

 

Em face da solução alcançada, mostra-se inútil, e portanto proibido, conhecer da questão que se prende com a verificação da demonstração, pelo Requerente, da veracidade das operações realizadas.

 

V.                Decisão

 

Termos em que decide o presente Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido formulado pela Requerente, anulando os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado e de Juros Compensatórios contestados.

 

VI.             Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e no n.º 2 do artigo 297.º, ambos do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.755,52 (vinte e oito mil, setecentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).

 

VII.          Custas

 

De acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.530,00 (mil, quinhentos e trinta euros), a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 24 de Junho de 2016.

 

O Árbitro

 

 

 

Francisco de Carvalho Furtado

(Árbitro único)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico.