Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 737/2015-T
Data da decisão: 2016-05-19  IMT Selo  
Valor do pedido: € 28.487,20
Tema: IMT/IS – Artigo 236.º da Lei n.º 83.º-C/2013 de 31 de dezembro (Regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH)
Versão em PDF

 

 

Decisão Arbitral

 

 

1. Relatório

1.1 A… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., NIPC …, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, doravante designada por «Requerente», NIPC …, com sede na …, em …, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 04 de dezembro de 2015, tem por objeto a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação dos atos de liquidação n.ºs ... do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), de 04-11-2015, no montante de 24 894,25€ e ... do imposto do selo, da mesma data, no montante de 3 592,95€, no valor total de 28 487,20€ (vinte e oito mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e vinte cêntimos), melhor identificados no referido pedido de pronúncia arbitral, respeitantes à aquisição da fração autónoma identificada pelas letras “AF” do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ....

 

1.3 Requer ainda a condenação da Requerida à restituição dos montantes pagos, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).  

 

1.4 O Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 17 de dezembro de 2015.

 

1.6 O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 Em 02 de fevereiro de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 17 de fevereiro de 2016.

 

1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 18 de fevereiro de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo optado, contudo, por não o fazer.

 

1.11 Em 16 de março de 2016, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.12 Ou, caso assim não seja entendido, se determine a notificação do Ministério Público, para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.

 

1.13 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova além da que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 17 de dezembro de 2015, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.14 Foi ainda designada a data de 26 de maio de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

 

1.15 As Partes foram notificadas desse despacho em 17 de março de 2016, tendo, oportunamente, apresentado as suas alegações.

 

1.16 Nestas, a Requerida invoca as exceções dilatórias da incompetência material, absoluta, do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações e a da ilegitimidade passiva da Requerida, previstas, respetivamente, nas alíneas a) e e) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

2. Saneamento

2.1 Porque as exceções dilatórias invocadas poderão constituir obstáculo ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, cfr. artigos 576.º, n.º 2, e artigo 278.º, n.º 1, alíneas a) e d) do CPC, deverão as mesmas ser oficiosa e prioritariamente conhecidas – artigos 578.º e 608.º, n.º 1, do mesmo código.

 

2.2 Assim:

a)        Da incompetência material do Tribunal Arbitral

Para a Requerida, o Requerente pretende a desaplicação do artigo 236.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014) pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos.

 

Assim, o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. A) e d) e 281.º, n.º 1, als. A) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional].

 

Não tendo o Tribunal Arbitral competência para apreciar esta questão, dado que se pretende a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas.

 

Porém não é propósito do tribunal arbitral declarar a (in)constitucionalidade da norma em causa, como é óbvio, mas tão somente pronunciar-se quanto à sua aplicação aos factos concretos, avaliando a legalidade ou não dessa aplicação, competência esta que emana da alínea a), n.º 1, artigo 2.º do RJAT.

 

Termos em que se julga improcedente a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

 

b)        Da ilegitimidade passiva da Requerida

Face ao que vimos de referir quanto à invocada exceção precedente, também a relativa à ilegitimidade passiva da Requerida será de julgar improcedente, uma vez que não está em causa a apreciação da fiscalização abstrata da constitucionalidade da norma referida, mas tão somente a sua aplicação a factos concretos, ou seja aos atos impugnados.

 

2.3 Em conformidade com o exposto declara-se, o tribunal, regularmente constituído e materialmente competente para conhecer da presente ação, em sede declarativa.

 

2.4 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.5 O processo não enferma de nulidades.

 

2.6 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

3. Posição das Partes

   3.1 Do Requerente

 

Alega que as liquidações são ilegais por inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa.

 

Entende, ainda, que as mesmas são nulas ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), porquanto ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, e como tal são impugnáveis a todo o tempo.

 

 Termina pugnando pela integral procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  3.2 Da Requerida

 

Defendendo-se, por impugnação, a AT invoca que no ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos atos é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade, incluindo para os praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a pronunciar-se nesse mesmo sentido.

Que a declaração de nulidade aparece reservada aqueles atos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, contendendo com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso nos autos.

Que os atos em apreço, caso fossem violadores do princípio da legalidade tributária, seriam anuláveis, mas não nulos.

 

Sustenta ainda que a lei em questão não é ferida de retroatividade, não tendo estabelecido nenhum novo requisito para aplicação da isenção prevista no regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), mas apenas tendo concedido um prazo para cumprimento de um requisito já subjacente ao próprio regime, prazo esse que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.

Assim, não se trata de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas, regular o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido.

 

Em face do exposto, entende que a norma em apreço não é inconstitucional, devendo ser declarado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

4. Objeto do litígio

 

A questão que constitui o thema decidenduum consiste em aferir da legalidade das liquidações de IMT e IS, constantes do pedido de pronúncia arbitral, efetuadas ao abrigo do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014).

 

5.Fundamentação

    5.1 Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

   5.1.1 Em 28 de janeiro de 2014, o requerente adquiriu uma fração autónoma identificada pelas letras “AF” do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ....

 

   5.1.2 Esta aquisição ficou isenta de IMT, ao abrigo da alínea a), n.º 7, artigo 8.º do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro, por a referida fração autónoma se destinar exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 

   5.1.3 Beneficiou ainda de isenção de IS, previsto na verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao abrigo do n.º 8 do artigo 8.º do referido regime especial.

 

   5.1.4 Em 06 de outubro de 2015 foi efetuada a liquidação n.º ... do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), no montante de 24 894,25€.

 

   5.1.5 Na mesma data foi efetuada a liquidação n.º ... do imposto do selo, no montante de 3 592,95€.

 

   5.1.6 Estas liquidações tiveram por base o disposto no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, conjugado com o n.º 16 do artigo 8.º do referido regime, aditado pelo artigo 235.º da mesma lei, em virtude de, com a venda da referida fração autónoma, as isenções supra terem ficado sem efeito. 

 

   5.1.7 O IMT e IS liquidados foram pagos em 05 de novembro de 2015.

 

 

 

5.2. Factos não provados

        5.2.1 Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

5.3. Motivação

5.3.1 No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto.

       

 

       

5.4. Matéria de Direito

Os artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009) aprovaram um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei, ou seja até 31-12-2013[1] e aos imóveis pelos mesmos adquiridos no mesmo período.

Este regime teve em vista criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de dezembro de 2020.

 

A fls. 16/17 do Relatório da Proposta de Lei n.º 226/X[2] (Orçamento do Estado para 2009) pode ler-se: “Criação dos Fundos de Investimento Imobiliário em Arrendamento Habitacional - Merece igualmente referência a iniciativa em matéria de criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional. Com esta iniciativa pretende-se criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020. O presente regime é aplicável a fundos e sociedades constituídas nos cinco anos subsequentes à entrada em vigor da lei e aos imóveis por aqueles adquiridos nesse período.

No essencial, vem prever-se a criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário cujo activo total seja constituído, numa percentagem não inferior a 75%, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente. Deste modo, pretende-se criar as condições necessárias, à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo ou à sociedade, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel que arrendem ao fundo.

Propõe-se que o regime fiscal destes fundos contemple:

” (…) Isenção de IMT nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente ou de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.

Isenção de Imposto do Selo em todos os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, bem como com o exercício da opção de compra (…)” (sublinhado e negrito, nossos).

 

Esta Proposta de Lei foi aprovada em 28 de novembro de 2008, passando a constar da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 (artigo 8.º do referido especial) nos seguintes termos:

 

“Artigo 8.º

Regime tributário

1— Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.

2 — Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais -valias e as menos -valias resultantes da alienação das unidades de participação.

3 — Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.

4 — As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo -se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.

5 — São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.

6 — Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 — Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 — Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

9 — Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.

10 — Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

11 — As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.

12 — Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de verificar-se, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares ser tributados autonomamente, às taxas previstas no artigo 22.º do mesmo diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.

13 — As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba” (negrito nosso).

 

Verifica-se deste modo que é pressuposto da isenção de IMT e IS, prevista nos n.ºs 7, alínea a) e 8 supra, que os prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanos se destinem exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 

Nesta medida, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, mas sim um requisito ab initio do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), aliás, decorrência natural dos objetivos e motivações que presidiram à criação destes fundos.

 

Para cumprimento do disposto na alínea a), do n.º 7, do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel mas antes uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente.

 

Ora, o Requerente não comprova de forma alguma neste processo o preenchimento desse requisito.

 

Assim, sempre que àqueles prédios ou frações autónomas seja dado outro destino ou se verifique a alienação dos mesmos (porque neste caso o pressuposto em que assentou a isenção – o arrendamento para habitação permanente – já não poderá ser cumprido), a isenção fica sem efeito, conforme decorre do n.º 3 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que preceitua:

Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”

 

Nestes casos impendia sobre o sujeito passivo o dever de solicitar a liquidação do IMT, no prazo de 30 dias a contar da caducidade da isenção e, no mesmo prazo, efetuar o seu pagamento, cfr. n.º 1 do artigo 34.º e n.º 6 do artigo 36.º do CIMT, respetivamente.

 

Sob pena de a Autoridade Tributária e Aduaneira (o chefe de finanças) promover a sua liquidação oficiosa e notificar o sujeito passivo para efetuar o pagamento, no prazo de 30 dias, sem prejuízo dos juros compensatórios e da sanção correspondente, cfr. n.º 1 do artigo 38.º do CIMT.

 

Quanto ao imposto do selo previsto na verba 1.1 da respetiva tabela geral, verifica-se o mesmo ónus por parte do sujeito passivo por força do disposto no n.º 4 do artigo 23.º e n.º 4 do artigo 44.º do CIS. 

 

É certo que o artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014) deu nova redação ao referido artigo 8.º daquele regime especial aplicável aos FIIAH, aditando para o efeito os números 14 a 16, com a seguinte redação:

“14 — Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior” (sublinhado e negrito, nossos).

 

Como norma transitória no âmbito do mesmo regime, preceitua o artigo 236.º da referida lei:

“1— O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014 (sublinhado nosso).

 

Deste modo sempre que os prédios ou frações autónomas vierem a ser alienados, deverá o sujeito passivo solicitar à AT, antes da alienação, a liquidação do imposto devido nos termos do n.º 15 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH.

 

O que o n.º 16 trouxe de novo foi apenas a alteração do prazo para requerer a liquidação dos impostos e pagamento dos mesmos.

 

Com efeito, antes do aditamento deste preceito, a liquidação dos impostos era solicitada à AT pelo sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da caducidade da isenção, sob pena de a AT promover a sua liquidação oficiosa.

 

Porém, com a nova redação, o sujeito passivo passou a solicitar a liquidação igualmente à AT, mas antes da alienação do prédio ou fração autónoma.  

 

Assim, o referido n.º 16, conjugado com o n.º 15 do artigo 8.º do regime especial, não altera a substância ou requisitos da isenção estabelecida pela alínea a), tendo uma natureza mais processual/operativa – lendo-se que caso haja alienação de imóveis que não tenham sido objeto de contrato de arrendamento, as isenções cessam (nomeadamente a da alínea a) do nº 7), devendo o sujeito passivo solicitar a liquidação do respetivo imposto.

 

Entendemos assim que não está em causa a retroatividade ou não da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal. O racional para atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início – “As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento…”.

 

Quanto à questão da nulidade ou anulabilidade dos atos tributáveis em apreço, por alegada violação do n.º 3 do artigo 103.º da CRP (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei), o Tribunal Arbitral entende que os mesmos seriam anuláveis e não nulos, caso fossem violadores do princípio da legalidade tributária.

Com efeito, nos termos do artigo 133.º do [antigo] Código do Procedimento Administrativo (CPA), serão nulos, apenas, os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

 

Já os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, são anuláveis, cfr. artigo 135.º do [antigo] CPA.

 

Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt:

“I - A sanção que geralmente recai sobre um acto administrativo inválido é a sua anulabilidade (art. 135.º do CPA), sendo que a lei só determina a sua nulidade quando lhe falte qualquer um dos seus elementos essenciais ou quando expressamente o sancione com essa forma de invalidade - art.º 133.º do mesmo diploma. Deste modo, só são nulos os actos administrativos especificamente indicados na lei - é o caso dos enumerados no n.º 2 daquele art.º 133.º - e aqueles a que falte um dos seus elementos essenciais.

II - Por elementos essenciais do acto administrativo para efeitos do art.º 133.º, nº1, do CPA, deve entender-se os elementos integrantes do próprio acto administrativo contidos no art.º 120.º do mesmo código e, por isso, os mesmos têm a ver com a sua densificação, a qual decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios que os afectam[3]”.

 

“Quando está em causa a violação de direitos fundamentais que não preenchem o «núcleo duro», nem se pode enquadrar nos denominados direitos análogos, nem a eventual violação dos mesmos não gera a nulidade, mas antes a mera anulabilidade[4]”.

 

Com efeito, no ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos atos é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade, incluindo para os praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a pronunciar-se nesse mesmo sentido.

 

Assim, a declaração de nulidade aparece reservada aqueles atos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, contendendo com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso nos autos.

 

Porém, para o caso sub judice, pouco importará a categoria da invalidade dos atos – se nulo ou anulável -, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, face ao disposto na alínea a), n.º 1, artigo 10.º do RJAT, conjugado com a alínea a), n.º 1, do artigo 102.º do CPPT, n.º 1 do artigo 43.º do CIMT e n.º 2 do artigo 49.º do CIS.

 

Por todo o exposto, entendemos que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo em apreço não enfermam de qualquer vício, sendo de manter, por conseguinte, na ordem jurídica.

 

 

 

***

  

 

 

6. Decisão

    Em face do supra exposto, decide-se:

 

·         Julgar improcedentes as exceções dilatórias invocadas (incompetência material do Tribunal Arbitral e ilegitimidade passiva da Requerida); e

 

·         Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMT n.º ... e IS n.º ..., nos montantes de 24 894,25€ e 3 592,95€, respetivamente, efetuadas em 04 de novembro de 2015, respeitantes à aquisição da fração autónoma identificada pelas letras “AF” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., mantendo os referidos atos tributários na ordem jurídica.

 

 

 

7- Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 28 487,20€.

 

 

8- Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 530,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19-05-2016

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.



[1] Prorrogado até 31-12-2015, cfr. artigo 234.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31-12

[2] Disponível em https://www.parlamento.pt/OrcamentoEstado/Documents/oe/2009/RelatorioOE2009.pdf

[3] Acórdão do STA de 03-03-2004 (Processo n.º 01938/03)

[4] Acórdão do TCAN de 03-07-2013 (Processo n.º 01795/10.9BEBRG)