Os árbitros José Baeta Queiroz (árbitro presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 25 de setembro de 2015, a sociedade comercial A… – … Unipessoal, Lda., NIPC …, com sede na Avenida …, …, …, Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2014 …, respeitante ao exercício de 2010, das respetivas liquidações de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, com o valor total a pagar de € 1.790.611,54, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015….
A Requerente juntou 13 (treze) documentos e arrolou uma testemunha, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte (que mencionamos maioritariamente por transcrição):
- A referida liquidação adicional de imposto resulta de uma correção à matéria tributável de IRC efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da AT, no valor de EUR 11.194.291,77, respeitante à desconsideração, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, do gasto correspondente aos juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados, considerando no essencial que tais encargos não são indispensáveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“Código do IRC”), na redação à data dos factos;
- No contexto descrito, deu entrada - no dia 22 de dezembro de 2014 - junto do Serviço de Finanças Lisboa …, uma Reclamação Graciosa contra a referida liquidação, tendo a Requerente sido notificada do respetivo indeferimento expresso, através da carta registada com aviso de receção recebida no dia 30 de junho de 2015;
- A AT alega não serem dedutíveis como gastos os juros suportados pela Requerente e que resultam de empréstimos contratados para aquisição de 70% do capital social da B… - …, Sociedade Unipessoal, Lda II & Comandita;
- Entendendo que tal participação social já pertencia a uma “empresa do grupo” – a C… –, resultando de tal facto uma manifesta inexistência de interesse económico na aquisição da participação social, não sendo os gastos com juros indispensáveis para a realização de proveitos, o que obstaria – na opinião da AT – à sua dedução nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;
- Ademais, insinua ainda que, uma vez que a Requerente arrendava o espaço à B…, o montante das rendas já incorporava os encargos financeiros suportados por esta para aquisição do imóvel utilizado, passando adicionalmente a suportar os encargos financeiros com a aquisição das participações sociais da mesma, cuja valorização se deve essencialmente ao valor do imóvel, gerando uma duplicação de deduções;
- A operação de aquisição da participação financeira não foi efetuada entre entidades do mesmo grupo, mas sim entre entidades gestoras que representam fundos de investimento totalmente independentes entre si;
- Sendo que o facto de ambas as entidades gestoras serem detidas por uma entidade comum, não poderá nunca ser entendido como uma estrutura de grupo capaz de sustentar a ausência de interesse económico na aquisição da participação social, facto em que a AT baseia – no essencial – a desconsideração fiscal dos juros, nem tão pouco capaz de exercer direta ou indiretamente uma influência significativa nas decisões de gestão uma da outra (para efeitos de preços de transferência);
- A AT faz depender a irracionalidade económica da operação e, consequentemente, a não dedutibilidade dos gastos, da premissa falaciosa de que as duas entidades gestoras / os dois fundos, eram dois bolsos de uma mesma entidade cúpula, capaz de influenciar as decisões de ambas para o seu próprio interesse;
- A aquisição das participações sociais da B… foi realizada pela Requerente por razões puramente económicas e não por razões fiscais, pelo que os juros incorridos pela Requerente sempre seriam de considerar dedutíveis porquanto foram indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora;
- A fundamentação subliminar apresentada pela AT aponta predominantemente para uma lógica de abuso, camuflada pela falta de interesse económico, pelo que a desconsideração fiscal dos encargos financeiros não poderia nunca ter sido feita ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, mas, quanto muito, ao abrigo da Cláusula Geral Anti-Abuso, o que não foi feito (ou eventualmente ao abrigo da aplicação das regras sobre preços de transferência);
- Ainda que na génese da aquisição estivessem motivações fiscais, estas sempre se deveriam ter por legítimas quer ao abrigo do direito, constitucionalmente reconhecido, ao planeamento fiscal, quer ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo que este argumento (invocado pela AT) não deverá ser igualmente determinante;
- Os fundamentos utilizados pela AT para sustentar a liquidação supra identificada não têm base legal bastante, incorrendo a liquidação no vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto;
- Quanto ao fundamento utilizado pela AT de que a aquisição do complexo comercial …, que determinou um elevado financiamento por parte da Requerente, teve como objetivo principal a criação de despesa fiscal, importa referir que a transação teve necessariamente de ocorrer a preço de mercado, uma vez que se tratou de uma transação entre fundos de investimento com diferentes investidores, em estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis;
- Nem podia ser de outra forma, uma vez que os investidores do fundo de investimento D… pretendiam ser remunerados (a preços de mercado) pela venda dos ativos e o fundo E… pretendia ter no seu ativo participações sociais (imóveis) adquiridas e valorizadas, igualmente, a preço de mercado, isto é, os primeiros não aceitariam receber menos do que o justo valor dos ativos e os segundos não aceitariam pagar mais do que esse valor;
- Considerando que (a) a transação ocorreu em 2007, ano em que os ativos imobiliários atingiram valores muito altos face aos praticados posteriormente em resultado da crise económico-financeira subsequente, (b) o complexo comercial F… foi comprado ao preço de mercado, e (c) em 2007, havia uma grande facilidade de acesso ao crédito dada a disponibilidade de capital existente, os investidores do fundo E… entenderam que seria mais vantajoso adquirir parte do complexo comercial F…, incluindo 70 % do capital social da B…, através de recurso a financiamento;
- Contudo, a concessão deste financiamento, ficou dependente de este ficar alocado à Requerente ou à B…, uma vez que eram estas as duas entidades que detinham os ativos do complexo comercial F… – imóveis e lucros operacionais resultantes da exploração do F… – e que, por esse motivo, se encontravam em condições de prestar garantias;
- A necessidade de nivelar o financiamento com os bens dados em garantia (sejam eles os próprios imóveis ou quotas de sociedades) resulta de imposições decorrentes da negociação do financiamento com o banco, o qual queria garantir que o financiamento se encontrava registado na sociedade que libertava maiores níveis de cash-flow e, portanto, se encontrava em melhores condições para satisfazer as obrigações financeiras inerentes ao passivo;
- Pelo que, a aquisição de 70% do capital social da B… e os financiamentos contratados não visaram obter uma poupança fiscal ao nível da Requerente mas tiveram uma motivação económica que foi a de obter financiamento e prestar as garantias necessárias para pagar o preço pela aquisição da referida participação social da B…;
- Adicionalmente, a presente operação teve ainda como finalidade a criação de uma unidade de negócio em Portugal, na qual se concentraram o conjunto de atividades económicas diretamente relacionadas com o F…, nomeadamente a gestão do imóvel propriamente dito e, bem assim, a gestão das atividades comerciais nele desenvolvidas;
- Efetivamente, o facto de a Requerente adquirir 70% do capital social da B… permitiu-lhe ter um maior controlo sobre o seu negócio a montante, na medida em que passou a ser a proprietária maioritária, ainda que indiretamente através da B…, do imóvel de cuja sua atividade dependia integralmente;
- O facto de a Requerente estar a pagar uma renda à B… e esta, por sua vez, estar a imputar 70% da sua matéria coletável à Requerente, não foi o motivo para aquisição da referida participação social da B…;
- Não tem qualquer sentido afirmar-se que na estrutura societária do complexo comercial F… existe uma duplicação de encargos ao nível da Requerente, a qual resulta dos juros que suporta e dos juros que contribuíram para o apuramento da matéria coletável da B… que lhe é posteriormente imputada, na medida em que respeitam a duas realidades económicas completamente distintas: por um lado, os encargos registados na B… respeitam à aquisição do imóvel; por outro lado, na esfera da Requerente, os encargos financeiros referem-se à aquisição da participação (a valor de mercado) da B…, ou seja, considerando igualmente o passivo financeiro contabilizado no seu balanço e associado ao imóvel;
- Nem seria necessário “recorrer” à transparência fiscal, nem à presente estrutura societária para se “obter” uma poupança fiscal pois, idêntico resultado seria conseguido se ambas as empresas estivessem abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”);
- Não obstante serem vários os argumentos que a AT utiliza para fundamentar a correção à matéria coletável da Requerente no valor de EUR 11.194.291,77, e que determinou imposto a pagar no valor de EUR 1.790.611,54, tal correção fundamenta-se – no essencial - no facto de a AT não considerar dedutível para efeitos fiscais a totalidade dos encargos financeiros (EUR 11.194.291,77);
- Segundo afirma a AT, os juros suportados pela Requerente no exercício de 2010 em resultado do empréstimo obtido para aquisição de 70% do capital social da Fórum B… não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora da Requerente, nos termos do artigo 23.° do Código do IRC, pelo que deverão ser acrescidos à matéria coletável daquele exercício;
- Note-se que o artigo 23.° do Código do IRC é o único fundamento legal invocado pela AT para a correção efetuada;
- É pois à luz deste único fundamento legal invocado pela AT que a correção em causa e a liquidação agora reclamada devem ser apreciadas, sendo que no entender da Requerente, a questão fulcral é a de saber se os juros objeto de correção (resultantes, repita-se, de empréstimos contraídos para adquirir uma participação social) tem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente;
- No quadro do conceito de indispensabilidade dos custos, é indiscutível que estamos perante uma decisão de gestão da Requerente (em último do fundo de investimento E…) no que concerne à aquisição de 70% do capital social da B…, com o objetivo de incrementar os proveitos e deste modo dar origem a rendimentos tributáveis, estando portanto cumprido o teste para aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, no que à dedução fiscal dos gastos relacionados com tal aquisição;
- Sendo que é indiscutível que a aquisição de 70% do capital social da B… que detêm um ativo imobiliário de elevado valor, é sempre uma operação capaz de potencializar o incremento de proveitos (nem que seja com a venda da participação), pelo que os gastos relacionados com tal aquisição deverão ser sempre aceites para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;
- Para suportar documentalmente o gasto com os encargos financeiros, a Requerente tem na sua posse (i) os contratos de empréstimos que deram origem ao pagamento dos juros, (ii) mapas com o cálculo dos juros e retenção na fonte por período de vencimento, (iii) extratos de contas evidenciando o pagamento de juros e acréscimos de custos e (iv) ordens de pagamento e respetivos extratos bancários com evidência do pagamento dos juros;
- O facto de a operação ter sido conduzida entre fundos cujas unidades de participação são detidas por participantes diferentes e, consequentemente, com interesses diferentes, será bastante para demonstrar a racionalidade económica da operação, na medida em que, nada mais será de exigir para a verificação desde requisito do que a certeza de que a operação respeitou condições de mercado;
- Em relação à operação cujo interesse económico está a ser questionado, a AT já havia reconhecido esse mesmo interesse económico com o deferimento do pedido de manutenção dos prejuízos fiscais feito pela Requerente ao abrigo do artigo 47.º do Código do IRC (à data dos factos) – processo n.º …/07;
- A AT tomou então conhecimento da transação na sua globalidade incluindo, portanto, a aquisição por parte da Requerente de uma participação de 70% no capital da B…, nos exatos termos que agora são colocados em causa pela AT, pelo que a atuação desta parece configurar um venire contra factum proprium que viola o princípio da justiça e boa-fé a que está vinculada, nos termos do artigo 55.º da Lei Geral Tributária;
- A atuação da AT criou no espírito da Requerente uma confiança (bastante) razoável, de caráter legítimo, uma vez que podia razoavelmente presumir que a posição assumida refletia, à data, o entendimento jurídico da AT perante todos os casos que merecessem tratamento análogo;
- Ou seja, a atuação da AT constituiu uma atuação administrativa criadora de confiança, a situação de confiança verificou-se e a Requerente investiu nessa confiança na medida em que agiu em conformidade com as orientações da AT;
- Ora, o princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e que tem acolhimento no Direito da União Europeia (vinculando o Estado Português e as entidades que o representam), assume-se como princípio classificador do Estado de Direito Democrático, e implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado;
- O que a AT verdadeiramente faz no presente Relatório é apreciar a bondade dos atos de gestão praticados na operação de aquisição de 70% do capital social da B…, sendo que em momento algum apreciou verdadeiramente a questão de indispensabilidade dos gastos, nos termos do artigo 23° do Código do IRC;
- Em resultado da não consideração dos encargos financeiros como gasto fiscal no valor de EUR 11.194.291,77, no exercício de 2010, a Requerente passou de uma situação de prejuízo fiscal para lucro tributável;
- Deste modo, os pagamentos especiais por conta referentes aos exercícios de 2008 e 2009, no valor total de EUR 123.097,88, que se encontravam no exercício de 2010 pendentes para dedução, foram deduzidos oficiosamente pela AT aquando da emissão da liquidação de IRC n.º 2014 … que ora se reclama;
- Os referidos pagamentos especiais por conta no valor total de EUR 123.097,88, haviam já sido deduzidos pela Requerente na autoliquidação de IRC, referente ao exercício fiscal de 2013;
- No entanto, face à liquidação oficiosa de IRC de 2010, designadamente à dedução dos pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, a AT procedeu igualmente à correção oficiosa da liquidação n.º 2014 … (IRC de 2013), na qual desconsiderou uma dedução de pagamentos especais por conta de igual valor;
- A liquidação adicional referente ao exercício de 2010 carece de fundamento legal, pelo que após a anulação da mesma, deverá a liquidação n.º 2014 … referente a IRC de 2013 ser igualmente corrigida pela AT, no sentido de se deduzir os pagamentos especiais por conta, referentes a 2008 e 2009, no valor de EUR 123.097,88, conforme autoliquidação de IRC de 2013 apresentada pela Requerente;
- Deste modo, após anulação da liquidação n.º 2014 … (IRC 2010) de que ora se reclama e correção da liquidação n.º 2014 … (IRC 2013), deverá o valor de EUR 123.097,88 ser igualmente devolvido à Requerente;
- Nos dias 23 e 27 de março de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto relativo à liquidação adicional de IRC do exercício de 2010 e acrescidos, no montante de, respetivamente, EUR 1.790.611,54, e EUR 52.837,58;
- Assim, caso a interpretação efetuada pela AT seja considerada ilegal e venha a ser anulada a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, deverá a Requerente ser ressarcida pelo período de tempo em que se viu privada da quantia indevidamente paga, sendo-lhe devidos juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento até ao efetivo e integral reembolso por parte da AT.
1.2. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:
«A) Seja anulada a correção à matéria coletável de IRC de 2010, no montante de EUR 11.194.291,77, com o fundamento de que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzida na errónea aplicação do artigo 23.º do Código do IRC;
B) Seja anulada a liquidação de IRC n.º 2014 … e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014… na qual se apura o valor global de imposto e acrescidos de EUR 1.843.449,12, referente ao exercício fiscal de 2010, com fundamento de que a mesma padece de vício de violação de lei, procedendo-se ao reembolso das quantias entretanto indevidamente pagas pela Requerente acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências;
D) Seja corrigida a liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, no sentido de se considerar a dedução de pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, e em consequência, seja reembolsado à Requerente o valor de EUR 105.303,10 resultante da diferença entre o valor de EUR 2.543.431,28 (que deveria ter sido reembolsado pela AT) e o valor de EUR 2.438.128.18 (que foi reembolsado pela AT), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.»
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 9 de outubro de 2015.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Conselheiro José Baeta Queiroz, o Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 23 de novembro de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 9 de dezembro de 2015.
6. No dia 26 de janeiro de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a sua consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta (que mencionamos maioritariamente por transcrição):
A Requerida começa por invocar a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, esgrimindo a seguinte argumentação:
- Resulta claramente do pedido formulado sob a alínea D) que a Requerente pretende que o Tribunal profira decisão corretiva da liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, como consequência da anulação da liquidação de IRC n.º 2014 …, referente ao exercício de 2010;
- Ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido, tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal, uma vez que, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, conjugada com o disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT;
- Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de atos de liquidação, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, inexistindo qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação;
- É manifesto que não se insere no âmbito destas competências, a apreciação do pedido de correção da dita liquidação, efetuado pela Requerente, o que obsta à apreciação do mérito dessa pretensão;
- Por assim ser, a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer do referido pedido formulado nos presentes autos pela Requerente;
- Nesta medida, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Em seguida, a Requerida passa a defender-se por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:
- As correções, meramente aritméticas, feitas pela AT que deram origem à liquidação adicional ora impugnada, e que foram mantidas em sede de reclamação graciosa, tiveram como fundamento o art. 23º do CIRC, não tendo sido aceites os juros contabilizados nas contas de encargos financeiros no exercício de 2010 nas contas 6911 – juros de financiamento obtidos, 691391 – outros empréstimos obtidos – G…, LDA e 6921392 – outros empréstimos obtidos-outros juros – H…, no montante global de € 11.194.291,77, e como tal procedeu-se a uma correção correspondente à totalidade desses gastos, por não concorrerem para a formação do lucro tributável;
- Os serviços entenderam que os gastos em questão não eram indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e que os mesmos não se encontravam devidamente documentados;
- Embora as correções efetuadas tenham tido assento legal no art. 23º do CIRC, as mesmas efetuaram-se na sequência e como consequência do apurado em sede de inspeção tributária, na qual foi analisada e investigada aprofundadamente a operação de financiamento a fim de a “desmontar” e verificar o seu mérito, mas sempre visando determinar se a requerente satisfazia os pressupostos do art. 23.º do CIRC relativamente à indispensabilidade do custo;
- Não é demonstrado, de forma convincente, que o financiamento apenas seria possível através de uma sociedade residente em Portugal por os ativos suscetíveis de constituírem garantia se encontrarem em Portugal, tanto mais que um dos empréstimos concedidos por uma das entidades relacionadas – pela I… – não tinha associada qualquer garantia;
- Também não demonstra a Requerente que o facto de deter 70% do capital social da B… e passar a ter um maior controlo do seu negócio a montante, sobre o imóvel de cuja atividade dependia integralmente, seja uma vantagem, uma vez que a mesma também diz que a proprietária do imóvel se limitava a fazer uma exploração “de forma passiva” (“paredes nuas”)”, por isso, não se descortina onde reside a aludida vantagem;
- É evidente que a decisão do grupo de alocar à requerente a participação no B… e o financiamento associado à respetiva aquisição, bem como a concomitante alteração da estrutura de propriedade do F…, do ponto de vista tributário, teve uma forte repercussão na esfera jurídica da requerente decorrente dos gastos financeiros que passou a suportar, daí poder afirmar-se que o fator fiscal não esteve, certamente, ausente no processo de decisão;
- Do ponto de vista operacional tudo se manteve inalterado, ou seja, a B… continuou a explorar de forma passiva o imóvel, mantendo o seu arrendamento à requerente e esta continuou a assegurar a gestão do complexo comercial;
- Com efeito, nada se alterou no que respeita às relações comerciais estabelecidas entre a Requerente e a B…, pois a Requerente paga e continua a pagar uma renda pela exploração do complexo comercial à B…;
- Por força da aplicação do regime da transparência fiscal, a integração, no lucro tributável da Requerente, de 70% da matéria coletável imputada pela B…, tem como efeito que 70% dos encargos registados por este sujeito passivo, a título de amortizações do imóvel, juros e outros encargos inerentes, bem como 70% dos rendimentos provenientes das rendas, passam a ser assumidos como gastos e rendimentos próprios, consequentemente, é inegável que o seu lucro tributável é influenciado pela dupla dedução de encargos financeiros, com origem diferente, é certo, mas que têm em comum o facto de respeitarem direta e indiretamente ao mesmo bem – o imóvel do F…;
- Isto é, os juros que, no seu todo, contribuem para o apuramento do lucro tributável da Requerente, diferentemente do que a requerente pretende, não respeitam a duas realidades economicamente distintas, mas antes, como resultado da aplicação do regime da transparência fiscal reconduzem-se a única realidade económica: o imóvel cuja exploração é feita pela requerente;
- O gasto inscrito pela Requerente decorrente dos empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da B…, antes de mais, não resiste a um juízo que teste a prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo;
- A dedutibilidade dos gastos financeiros, por força do princípio da indispensabilidade previsto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, e concretizado na sua alínea c), pressupõe que os capitais alheios cedidos por terceiros sejam aplicados na exploração da empresa, o que aponta para a existência de um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa;
- O caso sub judice reveste-se de alguma singularidade que resulta no facto de o efeito final, no lucro tributável da Requerente, da imputação da matéria coletável, vai consubstanciar-se apenas nos gastos suportados pela entidade transparente, onde se incluem os encargos financeiros suportados com a aquisição/construção do imóvel;
- Temos assim que os encargos financeiros suportados pela Requerente adicionam-se aos encargos financeiros suportados pela B… e não têm contraponto na obtenção de proveitos fiscais presentes ou futuros gerados por esta entidade, sob a forma de dividendos ou de eventuais mais-valias;
- Assim, a detenção e consequente gestão dessa participação não só não se liga ao objeto social da Requerente como também a onera excessivamente, não só pela duplicação de encargos financeiros, como também em termos de necessidade de gestão de uma participação social que até ali ela não detinha;
- Por isso, quer pelo efeito de “duplicação” dos encargos financeiros suportados pela Requerente, quer porque não a AT não descortinou qualquer ligação entre tais gastos e as atividades prosseguidas pela Requerente ou pela B…, é de concluir que não se encontra preenchido o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, e, portanto, a desconsideração da sua dedutibilidade não enferma de qualquer vício de ilegalidade;
- O custo foi igualmente considerado indevidamente documentado por estar apenas suportado em documentos internos dos quais não decorre a necessária relação entre o custo suportado pela Requerente e o efetivo recebimento pelas entidades beneficiárias desse pagamento;
- De facto, sempre seria necessária a existência de um documento externo que comprovasse os efetivos pagamentos de empréstimo supostamente efetuados pela Requerente;
- A operação em causa no presente processo foi analisada sob a perspetiva do custo realizado e se o mesmo era, ou não, indispensável e estava devidamente documentado tendo sido esse o fundamento que determinou a correção e não o da eventual falta de uma racionalidade económica da operação;
- Ou seja, o reconhecimento, ou não, de interesse económico na operação de aquisição da participação social da B… não interfere com os juízos relativos à dedutibilidade dos gastos que decorrem de tal operação, cuja formulação segue um racional diferente pois têm por base o preenchimento dos requisitos enunciados no n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC;
- Pelo que, não tem a Requerente qualquer razão quando invoca que a presente liquidação foi feita em claro venire contra factum proprium e em violação do princípio da confiança, uma vez que no âmbito do presente processo esteve em causa a apreciação da operação segundo outra ótica, a da dedutibilidade, ou não, do custo;
- Donde, estando corretas e conformes à lei as correções efetuadas pela AT, no montante de € 11.194.291,77 correspondente a juros suportados pela Requerente no ano de 2010 e referentes a empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da B…, por os mesmos não preencherem os pressupostos do art. 23º do CIRC, devem as mesmas ser mantidas bem como as liquidações adicionais ora impugnadas;
- No caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
A Requerida remata assim o seu articulado:
«Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgada procedente a excepção invocada absolvendo-se a requerida da instância, ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.»
7. Em 3 de março de 2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por reproduzida –, tendo-se, ainda, procedido à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.
8. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
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II.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
A Requerida arguiu esta exceção, invocando a seguinte argumentação que aqui recuperamos:
- Resulta do pedido formulado sob a alínea D) que a Requerente pretende que o Tribunal profira decisão corretiva da liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, como consequência da anulação da liquidação de IRC n.º 2014 …, referente ao exercício de 2010;
- Ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido, tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal, uma vez que, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, conjugada com o disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT;
- Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de atos de liquidação, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, inexistindo qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação;
- É manifesto que não se insere no âmbito destas competências, a apreciação do pedido de correção da dita liquidação, efetuado pela Requerente, o que obsta à apreciação do mérito dessa pretensão;
- Por assim ser, a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer do referido pedido formulado nos presentes autos pela Requerente;
- Nesta medida, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência, nos seguintes termos que importa respigar:
- A partir da análise das diversas alíneas do pedido formulado pela Requerente, verifica-se que (i) o peticionado na alínea B) é consequência do peticionado na alínea A) e (ii) o peticionado na alínea D) é consequência do peticionado nas alíneas A) e B);
- Verifica-se, assim, que a Requerente se limitou a enumerar todas as consequências que deverão ser atendidas pela AT aquando da execução da decisão do CAAD, caso a mesma se venha mostrar favorável à pretensão da Requerente;
- No caso em apreço, verifica-se que, caso a presente ação venha a ser julgada procedente, nos exatos termos peticionados pela Requerente, a AT terá, igualmente e nos termos do artigo 100.º da LGT, de proceder à imediata correção da liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013;
- Assim, a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal Arbitral terá, ainda que indiretamente, como seu efeito mediato, um impacto na liquidação de IRC do exercício fiscal de 2013;
- Pelo que, a exceção invocada não deve proceder, por infundada.
Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do CPTA aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (art. 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.
Como ponto de partida para a apreciação desta questão, temos de atender ao teor literal do pedido formulado pela Requerente, relativamente ao qual a Requerida entende que se verifica a suscitada incompetência material do Tribunal Arbitral, o qual passamos, por isso, a transcrever:
«D) Seja corrigida a liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, no sentido de se considerar a dedução de pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, e em consequência, seja reembolsado à Requerente o valor de EUR 105.303,10 resultante da diferença entre o valor de EUR 2.543.431,28 (que deveria ter sido reembolsado pela AT) e o valor de EUR 2.438.128.18 (que foi reembolsado pela AT), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.»
Este pedido formulado pela Requerente emerge diretamente do alegado nos artigos 226.º a 231.º do pedido de pronúncia arbitral, a saber:
- Em resultado da não consideração dos encargos financeiros como gasto fiscal no valor de EUR 11.194.291,77, no exercício de 2010, a Requerente passou de uma situação de prejuízo fiscal para lucro tributável;
- Deste modo, os pagamentos especiais por conta referentes aos exercícios de 2008 e 2009, no valor total de EUR 123.097,88, que se encontravam no exercício de 2010 pendentes para dedução, foram deduzidos oficiosamente pela AT aquando da emissão da liquidação de IRC n.º 2014 … que ora se reclama;
- Os referidos pagamentos especiais por conta no valor total de EUR 123.097,88, haviam já sido deduzidos pela Requerente na autoliquidação de IRC, referente ao exercício fiscal de 2013;
- No entanto, face à liquidação oficiosa de IRC de 2010, designadamente à dedução dos pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, a AT procedeu igualmente à correção oficiosa da liquidação n.º 2014 … (IRC de 2013), na qual desconsiderou uma dedução de pagamentos especais por conta de igual valor;
- A liquidação adicional referente ao exercício de 2010 carece de fundamento legal, pelo que após a anulação da mesma, deverá a liquidação n.º 2014 … referente a IRC de 2013 ser igualmente corrigida pela AT, no sentido de se deduzir os pagamentos especiais por conta, referentes a 2008 e 2009, no valor de EUR 123.097,88, conforme autoliquidação de IRC de 2013 apresentada pela Requerente;
- Deste modo, após anulação da liquidação n.º 2014 … (IRC 2010) de que ora se reclama e correção da liquidação n.º 2014 … (IRC 2013), deverá o valor de EUR 123.097,88 ser igualmente devolvido à Requerente.
Acresce que, como a própria Requerente afirma na resposta a esta matéria de exceção, «da análise das diversas alíneas do pedido formulado pela Requerente, verifica-se que (i) o peticionado na alínea B) é consequência do peticionado na alínea A) e (ii) o peticionado na alínea D) é consequência do peticionado nas alíneas A) e B)».
Dito isto. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato tributário, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.
Na verdade, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...».
Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
Assim, conclui-se que tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que este Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido formulado na alínea D).
No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente – os formulados nas alíneas A) e B) –, apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere “sem efeito”, como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que «um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal».
Assim, é julgada procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido formulado na alínea D) – «Seja corrigida a liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, no sentido de se considerar a dedução de pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, e em consequência, seja reembolsado à Requerente o valor de EUR 105.303,10 resultante da diferença entre o valor de EUR 2.543.431,28 (que deveria ter sido reembolsado pela AT) e o valor de EUR 2.438.128.18 (que foi reembolsado pela AT), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.» –, pelo que se absolve da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a este pedido, não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.
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Não existem outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas unipessoal, tendo sido constituída em 29 de maio de 2000 e iniciado a atividade em 19 de junho de 2000, sendo que, no ano de 2010, tinha por objeto social «o arrendamento, exploração e gestão do centro comercial designado “F…”, incluindo a aquisição de quaisquer bens ou direitos, móveis ou imóveis, conforme necessário para os referidos fins». [cf. Doc. 9 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
b) Na data da sua constituição, a Requerente era detida pela sócia única “C…”, com sede na Alemanha, sendo que, a partir de 31 de julho de 2007, a Requerente passou a ser detida pela sócia única “H…”, NIPC …. [cf. Doc. 9 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
c) A Requerente, a 31 de dezembro de 2010, apresentava-se enquadrada e inserida num grupo constituído segundo o seguinte organograma [cf. PA junto aos autos]:
d) Como decorre do dossier de preços de transferência referente ao exercício de 2010, da Requerente, o “E…” é um sub-fundo do “Q…”, um fundo comum aberto especializado na colocação de investimentos em fundos, lançado pelo “R…”, em 4 de junho de 2007. [cf. PA junto aos autos]
e) O referido fundo é identificado como uma forma contratual de investimento coletivo que opera sob as leis do Grão-Ducado do Luxemburgo e que aprovou uma estrutura destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus proprietários, por uma empresa gestora comum, a “S…”. [cf. PA junto aos autos]
f) O fundo “E…” é dirigido a investidores institucionais europeus, com o objetivo de criação de uma carteira de retalho pan-europeia diversificada, tendo o mesmo investido em imóveis, em Espanha e Portugal, através das suas participadas “L…”, “H…” e “M…”. [cf. PA junto aos autos]
g) A sociedade comercial “B… – …, Sociedade Unipessoal, Lda. II & Comandita”, NIPC …, foi constituída como sociedade anónima, em 27 de fevereiro de 1997, com a firma “T…, S. A.”, tendo sido transformada, em setembro de 2000, em sociedade em comandita, tendo então por sócio comanditário o “C…”, titular de uma participação social no valor nominal de € 9.999.995,00, e por sócia comanditada a Requerente, titular de uma participação social no valor nominal de € 5,00. [cf. PA junto aos autos]
h) Em 31 de outubro de 2007, o “C…”, sócio comanditário da “B…” procedeu à divisão da sua participação social nesta sociedade em duas partes, uma no valor nominal de € 6.999.995,00, que transmitiu à Requerente, e outra no valor nominal de € 3.000.000,00, que transmitiu à “M…, SARL”. [cf. PA junto aos autos]
i) No ano de 2010, a “B…” tinha por sócia comanditária a “M…, SARL”, titular de uma participação social no valor nominal de € 3.000.000,00, e por sócia comanditada a Requerente, titular de uma participação social no valor nominal de € 7.000.000,00, sendo o seu objeto social a «compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial “F”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a supra mencionada actividade». [cf. PA junto aos autos]
j) A “B…” é uma sociedade de simples administração de bens e, como tal, está sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Código do IRC, imputando aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. [cf. PA junto aos autos]
k) O “Complexo Comercial F…” inclui: o Centro Comercial “F…”, composto por 216 lojas, 34 restaurantes, um complexo de cinemas e um espaço de lazer; e um Retail Park junto do centro comercial, composto por 3 lojas, um armazém, um centro de controlo e 204 espaços de estacionamento [cf. PA junto aos autos]
l) A “B…” é proprietária das frações autónomas “C” a “AO” do Centro Comercial “F…”. [cf. PA junto aos autos]
m) Em 1 de setembro de 2005, foi celebrado um Contrato de Arrendamento entre a “B…”, enquanto senhoria, e a Requerente, enquanto arrendatária, pelo qual aquela deu de arrendamento a esta as frações autónomas “C” a “AO” do Centro Comercial “F…”, pelo prazo de seis meses a contar de 1 de julho de 2002, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.750.000,00. [cf. PA junto aos autos]
n) As condições contratuais fixadas naquele Contrato de Arrendamento vigoraram até ao mês de agosto de 2010 – tendo a “B…” recebido um valor mensal de € 1.750.000,00 pelas frações do Centro Comercial, e um valor mensal de € 50.000,00 pelo Retail Park –, sendo que, em 1 de dezembro de 2010, as partes acordaram em rever em baixa, com efeitos desde agosto de 2010, a renda mensal pelas frações do Centro Comercial, que passou a ser de € 1.400.000,00, e a renda mensal pelo Retail Park, que passou a ser de € 40.000,00. [cf. PA junto aos autos]
o) Os valores das rendas pagas pela Requerente à “B…” são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “FSE – Fornecimentos e Serviços Externos” e contabilizados nas contas de gastos “626111 – Rendas F…” – que apresentava, em 32/12/2010, um valor de € 15.400.000,00 – e “626112 – Rendas U… (Retail Park)” – que apresentava, em 32/12/2010, um valor de € 440.000,00. [cf. PA junto aos autos]
p) A Requerente é a responsável direta pela administração quotidiana do Centro Comercial, desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a respetiva promoção estratégica. [cf. PA junto aos autos]
q) A Requerente celebra “contratos de utilização de loja” com cadeias de lojas ou outro tipo de utilizadores, usualmente denominados por lojistas, que enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes, sendo que nesses contratos, entre outras obrigações, os lojistas comprometem-se a pagar uma retribuição mensal constituída pela soma de duas parcelas – uma fixa (remuneração mínima) e outra variável – e a comparticipar nas despesas e encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. [cf. PA junto aos autos]
r) Os valores (retribuição mensal fixa e variável e outras despesas), faturados pela Requerente a cada um dos lojistas são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “Rendas e serviços prestados”. [cf. PA junto aos autos]
s) A Requerente adquiriu a aquisição da participação social detida pelo “C…” na “B,,,”, supra referida na alínea h), pelo valor de cerca de 175,3 milhões de Euros, tendo para tal recorrido a três financiamentos, a saber: um junto da “H…”, no valor de € 96.844.069,52; outro junto do “K… – Sucursal em Portugal”, no valor de € 35.800.000,00; e um outro junto do “I… – …, Sociedade Unipessoal, Lda.”, no valor de € 42.663.800,00. [cf. PA junto aos autos]
t) O recurso a financiamento para realizar aquela operação foi decidido pelos investidores do fundo “E…” que entenderam que seria a decisão mais vantajosa e racional.
u) Eram condições essenciais para a concessão do financiamento que este estivesse o mais próximo possível do ativo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras), pelo que o mesmo teria de ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, ou seja, a Requerente ou a “B…”.
v) A “B…” já tinha um financiamento garantido com hipoteca do sobredito imóvel de que é proprietária (cf. supra alínea l)), pelo que apenas a Requerente se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais, a saber: o penhor das ações da “B…” e os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial “F…”.
w) O referido financiamento obtido junto da “H…” foi realizado em 31 de outubro de 2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31 de outubro de 2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25% [cf. PA junto aos autos]
x) O mencionado financiamento contraído junto do “K… – Sucursal em Portugal” foi realizado em 31 de outubro de 2007, por um prazo de 10 anos, ou seja, com data de vencimento a 31 de outubro de 2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro correspondente à V… a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b.. [cf. PA junto aos autos]
y) O dito financiamento obtido junto do “I… – …, Sociedade Unipessoal, Lda.” foi realizado em 31 de outubro de 2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31 de outubro de 2017, e as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 1 de julho de 2009, publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%. [cf. PA junto aos autos]
z) Os referenciados financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial “F…” (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da “B…” (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da “B…”).
aa) Os encargos financeiros relacionados com os aludidos financiamentos foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “6911 – Juros de financiamento obtido (empréstimo da K…)”, “691391 – Outros empréstimos obtidos – outros juros – G…, Lda. (empréstimo do I…)” e “691392 – Outros empréstimos obtidos – outros juros – H… (empréstimo da H…)”. [cf. PA junto aos autos]
ab) Os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos pela Requerente atingiram os seguintes montantes ao longo dos anos, até ao exercício de 2010 [cf. PA junto aos autos]:
ac) No exercício de 2010, a Requerente suportou os seguintes encargos financeiros atinentes aos financiamentos supra referidos nas alíneas s), w), x) e y), cujo valor total ascendeu a € 11.194.291,77 [cf. Doc. 10 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:
ad) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2013…, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito parcial – IRC –, incidente no exercício de 2010 – em virtude de terem sido identificadas situações de risco, nomeadamente apuramento de prejuízos fiscais em anos sucessivos, alterações no capital próprio resultantes da transição POC/SNC e encargos financeiros elevados –, a qual foi realizada pela Equipa … da Divisão … do Departamento … dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa. [cf. PA junto aos autos]
ae) Em 19 de fevereiro de 2014, no âmbito do referido procedimento inspetivo, foi a Requerente notificada, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 31.º, n.ºs 1 e 4 do art. 59.º e art. 63.º da LGT, e ainda do art. 37.º do RCPIT, para apresentar os seguintes documentos [cf. PA junto aos autos]:
af) Nessa sequência, a Requerente apresentou os seguintes documentos aos Serviços de Inspeção Tributária: extratos das transferências bancárias efetuadas e extratos das contas 6911, 691391 e 691392, nas quais estão contabilizados os juros dos sobreditos financiamentos que a Requerente obteve. [cf. PA junto aos autos]
ag) Os valores declarados pela Requerente, através da Informação Empresarial Simplificada (IES) e da declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC, foram os seguintes ao longo dos anos, até ao exercício de 2010 [cf. PA junto aos autos]:
ah) Através de ofício dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 16/05/2014, remetido por carta registada (RC…PT), foi a Requerente notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição, tendo ali sido propostas as seguintes correções em sede de IRC [cf. PA junto aos autos]:
ai) A Requerente exerceu aquele direito de audição, nos termos constantes do Doc. 8 anexo à P. I. e do PA junto aos autos, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
aj) As correções propostas ao IRC da Requerente, referente ao exercício de 2010, mencionadas em ah), foram integralmente mantidas no Relatório da Inspeção Tributária, tendo o exercício de direito de audição por parte da Requerente sido objeto de apreciação pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos constantes daquele Relatório e que aqui se dão por reproduzidos. [cf. PA junto aos autos]
al) No Relatório da Inspeção Tributária é apresentada a seguinte fundamentação para as mencionadas correções meramente aritméticas efetuadas ao IRC da Requerente, atinente ao exercício de 2010 [cf. PA junto aos autos]:
am) A Requerente foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º …, datado de 23/06/2014, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RC…PT). [cf. Doc. 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
an) Em virtude das referenciadas correções, foram efetuadas a liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, datada de 30/06/2014, respeitante ao exercício de 2010, no montante de € 831.931,86, as liquidações de juros compensatórios n.º 2014 …, no valor de € 77.561,71 e n.º 2014 …, no valor de € 109.788,52, bem como a compensação n.º 2014 …, datada de 10/07/2014, e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, na qual foi apurado um valor total a pagar de € 1.790.611,54, com data limite de pagamento voluntário a 08/09/2014. [cf. Docs. 1 e 2 anexos à P. I.]
ao) A Requerente procedeu ao pagamento integral do referido montante de € 1.790.611,54, o que fez em 23/03/2015, a que acresceu o valor de € 52.837,58, que a Requerente pagou em 27/03/2015. [cf. Docs. 12 e 13 anexos à P. I.]
ap) Em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido – que teve por objeto os atos tributários supra referidos na alínea an), tendo a Requerente ali peticionado o seguinte [cf. Doc. 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:
aq) A referida reclamação graciosa foi autuada sob o n.º …2015… no Serviço de Finanças de Lisboa - …, tendo sobre a mesma recaído o seguinte projeto de decisão [cf. PA junto aos autos]:
ar) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º …, datado de 26.05.2015, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RD…PT), daquele projeto de decisão e para, querendo, exercer o direito de audição. [cf. PA junto aos autos]
as) A Requerente não exerceu o direito de audição, pelo que o aludido projeto de decisão foi convertido em decisão definitiva e, consequentemente, a reclamação graciosa foi indeferida, por despacho datado de 25 de junho de 2015, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, com a fundamentação supra referida na alínea aq). [cf. Doc. 5 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
at) A Requerente foi notificada, através de ofício da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 26.06.2015, remetido por carta registada (RD…PT) recebida em 30.06.2015, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa. [cf. Docs. 5 e 6 anexos à P. I. e PA junto aos autos]
au) Em data concretamente não apurada, a Requerente deduziu um pedido de autorização de dedução de prejuízos fiscais, sem a limitação prevista no n.º 8 do art. 52.º do Código do IRC, que foi deferido por Despacho, datado de 17/05/2012, da Subdiretora-Geral do IR, proferido por subdelegação de competências, exarado na informação n.º …/2012 da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. [cf. Doc. 7 anexo à P. I.]
av) Em 25 de setembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que a operação de aquisição de 70% do capital social da “B…” pela Requerente, realizada com recurso aos referenciados financiamentos junto da “H…”, do “K… – Sucursal em Portugal” e do “I… – …, Sociedade Unipessoal, Lda.”, teve como finalidade a criação de uma unidade de negócio em Portugal, na qual se concentraram o conjunto de atividades económicas diretamente relacionadas com o Centro Comercial “F…”, nomeadamente a gestão do imóvel propriamente dito e, bem assim, a gestão das atividades comerciais nele desenvolvidas.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos e, ainda, na prova testemunhal produzida.
Relativamente ao facto provado constante da alínea ac), cumpre aqui tecer algumas considerações adicionais, na justa medida em que a AT entendeu que «havia uma manifesta insuficiência do preenchimento dos requisitos formais, por a Requerente não ter apresentado quaisquer documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos e que não era desajustada a exigência formal de prova, até pelo facto de estrarmos perante sociedades com relações especiais» e, por isso, considerou que os documentos justificativos/comprovativos dos custos em apreço que foram apresentados pela Requerente «não permitiam um eficaz controlo das relações económicas, quer do lado da requerente quer do beneficiário, uma vez que, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro».
Antes de mais, é uma contradictio in terminis aludir, como faz a AT, à indispensabilidade de custos que não se têm por comprovados. De facto, a questão da indispensabilidade só se coloca perante custos comprovados, ou seja, quando aquela se coloca não está mais em causa a existência de um custo, mas sim a sua qualificação [é, por isso, curioso notar que no Relatório de Inspeção Tributária a ordem dos fatores resulta invertida, pois primeiramente é abordado o «critério da indispensabilidade» e só depois é que se analisa o «cumprimento dos requisitos formais» (cf. alínea al))]. A questão que se coloca quando se aborda o tema da indispensabilidade é, efetivamente, saber se um determinado custo corretamente contabilizado – custo contabilístico – possui ou não as características que o tornam subsumível ao conceito legal de custo fiscal.
Dito isto. É um facto que na contabilidade da Requerente não existem documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos, ou seja, faturas e/ou notas de débito atinentes aos mencionados encargos financeiros por ela suportados durante o exercício de 2010. No entanto, seguindo aquela que julgamos ser doutrina[1] e jurisprudência pacíficas, compulsado o documento n.º 10 anexo à petição inicial e cujo conteúdo consta igualmente do processo administrativo junto aos autos, afigura-se-nos sem dúvida alguma que a Requerente comprovou ter incorrido/suportado os aludidos custos.
Relativamente ao depoimento prestado por W… – testemunha arrolada pela Requerente e que depôs de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foi inquirida, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que o seu depoimento nos mereceu total credibilidade –, importa aqui fazer uma brevíssima súmula do mesmo, referindo os seus aspetos essenciais:
Enquanto consultor da “Y”, esteve envolvido nas operações em causa nos autos e, por isso, relatou de forma circunstanciada o desenrolar das mesmas, tendo-o feito em total consonância com o que, a esse propósito, é descrito no pedido de pronúncia arbitral.
Segundo referiu, tratou-se de operações entre fundos de investimentos – representados pelas respetivas entidades gestoras, atuando no interesse dos respetivos investidores –, as quais foram sujeitas à supervisão das autoridades alemãs e luxemburguesas, não tendo as mesmas consubstanciado a reorganização de qualquer grupo empresarial.
Mais disse que houve avaliação dos bens e dos ativos sobre os quais incidiram as referidas operações.
Segundo é do seu conhecimento direto, a mencionada aquisição da participação social da Requerente na “B…” justificou-se pelas exigências colocadas pelas entidades financiadoras para efetuarem os respetivos financiamentos, na justa medida em que pretendiam assegurar o serviço da dívida com as fontes de rendimento existentes.
Questionado sobre o interesse da aquisição da dita participação social, na ótica da Requerente, nada acrescentou para além do que, a este respeito, está vertido no pedido de pronúncia arbitral.
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Relativamente à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.
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III.2. DE DIREITO
III.2.1. DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC E SUA APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
§1. Enquadramento geral
Nos presentes autos está em causa um pedido de anulação de uma liquidação adicional de imposto, resultante de uma correção à matéria tributável de IRC efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da AT, no valor de EUR 11.194.291,77, respeitante à desconsideração, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, do gasto correspondente aos juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados, uma vez que foi considerado, no essencial, que tais encargos não eram indispensáveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“Código do IRC”), na redação à data dos factos.
Em síntese, pede-se a anulação da liquidação adicional, que procedeu à correcção da matéria coletável da Requerente no valor de EUR 11.194.291,77, e que determinou imposto a pagar no valor de EUR 1.790.611,54, com base no facto de a AT não considerar dedutível, para efeitos fiscais, a totalidade dos encargos financeiros suportados pelos juros pagos pela Requerente, no exercício de 2010, em resultado do empréstimo obtido para aquisição de 70% do capital social da B….
A AT considerou que tais gastos não eram comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora da Requerente, nos termos do artigo 23.° do Código do IRC, pelo que deveriam ser acrescidos à matéria coletável daquele exercício e que, por outro lado, não se encontravam documentalmente comprovados.
Está em causa, neste contexto, apreciar a legalidade do juízo administrativo de não dedutibilidade fiscal dos juros relativos ao financiamento em causa e da consequente correção à matéria colectável.
Cumpre, em primeiro lugar, proceder ao enquadramento teórico do disposto no artigo 23.º do Código do IRC para, a final, se subsumir a factualidade dos presentes autos à referida disposição.
§2. Da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos
Ao tempo a que se referem os factos controvertidos, o artigo 23º do CIRC dispunha, na parte que aqui importa considerar:
«Artigo 23.º
Gastos
1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;
i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: a sua indispensabilidade.
O que se deve entender por “indispensabilidade”?
Entre nós, duas análises são habitualmente convocadas sobre qual deve ser a interpretação apropriada do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23º do CIRC.
A primeira é de autoria de TOMÁS TAVARES, in “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1999, p.7-180; e a segunda de ANTÓNIO M. PORTUGAL, in “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004.
Na primeira das mencionadas obras, TOMÁS TAVARES analisa extensivamente a questão relativa à interpretação do conceito de indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC.
O autor aponta três possíveis interpretações, defendendo que apenas uma delas constitui a solução correta.
Um primeiro entendimento traduzir-se-ia numa relação necessária ou obrigatória entre custos suportados e proveitos obtidos. Tal entendimento de indispensabilidade significaria que só a “absoluta necessidade” de um gasto para obter um rendimento (proveito) permitiria deduzi-lo como componente negativa do lucro tributável. O autor qualifica de absurda uma tal interpretação. Fá-lo nos seguintes termos[2]: “ …o afunilamento proposto por esta conceção levaria à desconsideração fiscal de certos decaimentos suportados, verdadeira e realmente, pela organização, em clara e flagrante violação do princípio da capacidade contributiva….Em segundo lugar, dado que, no limite, nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa, dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes. Ora a verdade é que o Direito Tributário não pode censurar uma infrutífera política empresarial…O Direito Fiscal tem de reconhecer o direito ao erro do dono do negócio.”
Uma segunda interpretação do conceito de indispensabilidade – significando “conveniência” – é tratada pelo autor nos seguintes termos[3]: “ …este desiderato não se ergue como diapasão interpretativo, quer em atenção aos inúmeros problemas práticos que coloca, quer, sobretudo, porque também consente no controlo administrativo sobre o mérito das decisões empresariais. Efetivamente, a conveniência é um conceito frágil, com uma significação aberta e indefinida, que propicia a imiscuição da máquina administrativa nas opções económicas dos contribuintes”.
Por fim, o autor perfilha a tese segundo a qual a correta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das atividades resultantes do seu escopo societário.
Essa tese é expressa nos seguintes termos[4]: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.
E continua[5]: “ …A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.
Saliente-se que o texto citado não nos deixa dúvidas sobre qual a posição do autor (os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa). Porém, o certo é que um excerto desse texto, em particular a relação entre gastos e atividade produtiva, tem servido propósitos interpretativos do conceito de indispensabilidade que até o próprio autor já eliminou claramente, no acórdão relativo ao processo n.º 12/2013-T, do CAAD.
A. MOURA PORTUGAL, discutindo o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001.
De todo o modo, este autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adota a seguinte posição[6]:
“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objeto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo do aplicador da lei[7]”.
No caso sub judice, o artigo 23.° do Código do IRC é o único fundamento legal invocado pela AT para a correção efetuada pelo que é à luz deste preceito que deve ser apreciada a correção e a consequente liquidação adicional reclamadas.
Na verdade, a fundamentação da Administração Fiscal podia ter sido sustentada ao abrigo da Cláusula Geral Anti-Abuso ou nos termos da aplicação das regras sobre preços de transferência, o que, reitere-se, não aconteceu.
É, por isso, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC que deve ser apreciado o caso sub judice, procurando-se indagar se os juros objeto de correção, e resultantes dos contratos de empréstimo contraídos pela Requerente tendo em vista a aquisição de 70% do capital social da B…, tem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente.
Entendemos que sim, de harmonia com o iter argumentativo que se segue.
Vejamos o que T. TAVARES refere sobre os empréstimos intra-grupo[8]:
“Estas operações (suprimentos gratuitos de uma participante a uma participada) correspondem, portanto, a atos normais de gestão, não obstante a aparente desconformidade com o interesse da entidade sacrificada (...) A ratio dessas opções legais radica no facto de que, com elas, a sociedade prossegue a sua atividade empresarial com um fito lucrativo…”.
E em nota 427, a p. 150 da referida obra, sustenta o autor o seguinte: “Em nossa opinião, essa operação (pagar juros pela obtenção de um empréstimo, cujo produto se empresta, sem juros, a uma outra entidade) pode inserir-se no escopo lucrativo da entidade sacrificada…”.
Em suma, as obras doutrinais mais frequentemente convocadas, conexas com a questão em apreço nos presentes autos, afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos.
Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou no interesse da empresa, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.
A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de TOMÁS TAVARES quanto ao tema aqui em apreciação - segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui atividade ou interesse daquela - foi amplamente desfeita pelo próprio, como a seguir se observa.
No processo n.º 12/2013-T, no âmbito CAAD, onde foi árbitro único, T. TAVARES decide da dedutibilidade destes gastos com os seguintes fundamentos:
“A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.
O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua actividade.
Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e directa – e ainda assim exercer adequadamente a sua actividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efectuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua actividade”.
Assim, equiparar a noção de indispensabilidade a uma relação com a atividade produtiva ou a um obrigatório nexo de causalidade com a obtenção de rendimentos não é, pois, posição sufragada pela doutrina de referência.
Além do que já se disse, e ainda sobre esse nexo de causalidade, veja-se a posição de DIOGO LEITE DE CAMPOS E MÓNICA LEITE DE CAMPOS[9]: “Admitir um juízo administrativo a posteriori sobre a gestão financeira, comercial, etc., da empresa, envolveria o risco constante de este juízo se apoiar sobre elementos suplementares que não existiam, ou não existiam claramente, no momento da tomada de decisão e que não podiam ter sido levados em conta. A administração fiscal não tem que julgar se uma empresa foi bem ou mal gerida”.
Veja-se, também, RUI MORAIS que, em sentido idêntico, sustenta[10]: “A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.
E prossegue[11]: “Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma corelação direta com a obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”
Para concluir da seguinte forma[12]: “Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test… Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc., então tal custo não deve ser havido por indispensável.”
Conclua-se esta digressão doutrinal com J. L. SALDANHA SANCHES, que afirma[13]:“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.
Vejamos agora jurisprudência sobre a questão, num plano geral, relativa à indispensabilidade e seu significado.
No processo 03022/09 – Acórdão de 6 de Outubro de 2009 – do TCA Sul julgou-se o seguinte litígio. Uma sociedade (A) cedeu a outra (B) a respetiva atividade de comercialização de máquinas. No âmbito dessa cedência também o pessoal de A passou para a sociedade B, e A deixou de exercer atividade comercial, limitando-se a receber rendas de um prédio. Todavia, aquando da referida cedência, ficara acordado entre A e B que a primeira suportaria eventuais encargos com indemnizações ao pessoal caso fossem negociadas rescisões.
Num dado exercício tais negociações ocorreram e A suportou um certo montante de custos relacionados com as ditas indemnizações que a sua contabilidade registou. A inspeção tributária desconsiderou esses custos, por, em seu entender, “a empresa se encontrar sem atividade e sem pessoal (tendo como proveitos apenas as rendas recebidas), considerando-se que este custo não se torna necessário para a formação de proveitos, conforme o artigo 23.º do CIRC”.
No acórdão proferido, o TCAS trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos: “Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)
Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.
A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.
Também sobre este assunto, e tendo por referência uma decisão do TCA Norte – processo 00624/05.OBEPRT, acórdão de 12 de Janeiro de 2012 – aí se afirma: “Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.
Por fim, em acórdão de 29/3/2006 – processo n.º 1236/05 –, o STA sustenta que: “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.
A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º do CIRC tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.
Tem-se assim afastado uma ligação necessária aos proveitos; um obrigatório nexo de causalidade.
Afastada tem sido também a possibilidade de a Administração Fiscal julgar do acerto das decisões de gestão relativamente à efetiva obtenção de proveitos (sindicada a posteriori), desde que essas decisões sejam tomadas no âmbito do interesse empresarial.
Aqui chegados, importa abordar desenvolvidamente a noção de atividade empresarial.
§3. Do conceito de "atividade" dos entes empresariais
Atividade há de significar o conjunto de ações ou atos que determinam ou influem na vida empresarial. Tendo os entes societários um escopo ou objetivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual tais entes coletivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os atos de gestão que contribuam para tal fim hão de constituir a atividade das empresas.
Deve assimilar-se essa atividade à ”atividade produtiva”? Entendemos que não. Nenhuma disposição legal autoriza uma tal identidade de conceitos, a interpretação económica das operações empresariais afasta totalmente aquela equiparação, e a doutrina (onde, supostamente, existira uma base interpretativa que justificaria tal assimilação) não só não a sustenta como já a rejeitou.
A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós-venda, etc.. Inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.
A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "atividade produtiva", tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.
Até porque, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “ativos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.
Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).
Nesta parametria, importa pois sublinhar que a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.
A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.
Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.
O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.
A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos.
Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
Se a atividade das empresas tem como um dos seus traços marcantes o uso e gestão dos ativos, o que se deve então entender por ativos e que funções desempenham no contexto da prossecução da atividade, da exploração, ou do escopo empresarial?
§4. Conceito de ativo e de fonte produtora
Veja-se, antes de mais, a definição que o sistema contabilístico contém para “ativo”. É a seguinte: “é um recurso controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados, e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade”.
Esta definição deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um ativo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a atividade das empresas, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial, financeira, administrativa) consoante a natureza dos ativos que a sustentam.
A amplitude dos ativos registados no balanço é muito significativa. Temos ativos físicos (v.g., mercadorias, ativos fixos tangíveis), ativos incorpóreos (intangíveis), dinheiro e equivalentes (v.g., caixa e depósitos), ativos financeiros de longo prazo (v.g., investimentos financeiros); direitos contratuais (v.g., clientes, empréstimos concedidos, outra contas a receber).
Um elemento patrimonial, de natureza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um ativo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.
O facto de se tratar de rendimentos potenciais ou esperados, não desqualifica um ativo: de um ativo espera-se, estima-se, que dele fluam benefícios económicos futuros.
A aquisição de ativos físicos (como os edifícios ou as máquinas) também é efetuada esperando que a taxa de rendibilidade prevista para esses ativos supere o custo do capital que os financia. Estamos, no domínio dos investimentos, físicos ou financeiros, na situação de comparar expectativas de rendibilidade com o custo dos capitais que financiam os ativos.
A natureza potencial da geração de resultados é inerente a qualquer tipo de investimento, e não apenas aos ativos financeiros. E o que comanda a aquisição de uns e de outros será o interesse da empresa, o qual deriva sempre de uma avaliação prévia da sua lucratividade esperada ou prospetiva.
O risco constitui elemento presente na atividade económica, tornado incerta a obtenção de rendimentos de muitos investimentos realizados. Além disso, aos instrumentos de capital próprio (v.g., quotas, ações, prestações suplementares) estão associados rendimentos contingentes, e não fluxos contratualizados ou certos.
Quer isto dizer que um ativo financeiro que se traduza numa participação de capital numa certa entidade terá rendimentos sujeitos à variabilidade (desvio padrão ou volatilidade) do desempenho dos entes nos quais se investiu, e não a natureza de uma remuneração pré fixada ou determinística.
A atividade económica empresarial envolve, em maior ou menor grau, risco e incerteza. Se assim não fosse, não se observariam tantas iniciativas empresariais que ficam aquém do êxito que os seus promotores esperariam.
Na verdade, a realização de investimentos é efetuada com base em expetativas ou previsões de rendimentos futuros; mas não é possível determinar com certeza absoluta que essa aplicação de fundos (investimento) gerará retorno para os capitais investidos na medida das estimativas efetuadas.
Casos haverá em que o retorno até pode superar essas estimativas. Outros ocorrerão nos quais esse retorno é nulo, ou eventualmente negativo, quer por vicissitudes da envolvente externa às empresas (crises económicas e financeiras), quer por más decisões de gestão das entidades empresariais, ou uma combinação de ambas as causas.
Como já se disse, a existência de risco na atividade empresarial implica que, em variadas circunstâncias, os gastos não originem proveitos, sendo os investimentos não lucrativos.
O custo deve evidenciar um propósito ou um intuito de obtenção de rendimento, ou de manutenção da fonte produtora, e isso basta para a respetiva dedutibilidade.
Exigir um teste adicional de um obrigatório nexo de causalidade com proveitos não decorre da lei, nem a doutrina o sustenta, e a jurisprudência também dele se afastou. Como se mostrou anteriormente, a tese do "nexo de causalidade" não é um bom caminho interpretativo do conceito de indispensabilidade que integra o artigo 23º do CIRC.
Há operações no interesse da empresa (ocasionando custos) que, a posteriori, se revelam não geradoras de rendimento.
As causas para que tal aconteça são múltiplas: evolução de elementos macroeconómicos que a empresa não controla (taxas de juro, inflação, preço de matérias primas), a evolução da procura dos bens ou serviços ser mais fraca do que o previsto, ineficiência da gestão, entre outras.
Ora, no caso sub judice, os financiamentos contratados não visaram obter uma poupança fiscal ao nível da A… mas tiveram uma motivação económica que foi a de obter financiamento (e prestar garantias) necessárias para pagar o preço pela aquisição da referida participação social da B….
Pode aqui afirmar-se que, economicamente, fazia sentido concentrar, na mesma entidade, os riscos da operação com os fluxos de rendimento gerados ao nível da A….
Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados, tal como qualquer outro gasto, depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1), explicitando mesmo a al. c) do n.º 1 desta disposição que os juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”.
Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do CIRC, tem sido objeto, como vimos, de devido tratamento jurídico pela jurisprudência em ordem à resolução dos casos concretos que tem de enfrentar.
O Supremo Tribunal Administrativo declarou por diversas vezes, quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, que “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa” (cf., por exemplo, os acórdãos do STA de 29.3.2006, processo n.º 01236/05 e de 15.6.2011, processo n.º 049/11; na esteira destas decisões e no mesmo sentido, ver, por exemplo, o acórdão do TCA Sul de 16.10.2014, processo n.º 06754/13).
Trata-se, consequentemente, de saber se os juros objeto de correção (resultantes de empréstimos contraídos para adquirir uma participação social) tem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente.
Por outras palavras, para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do financiamento, de que os juros suportados são a remuneração ou, dito de outra forma, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.
Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respetivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros sendo por conseguinte necessário averiguar a necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo dos custos em apreciação, isto é, o gasto inscrito pela Requerente decorrente dos empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da B….
Com efeito, na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo.
Assim, o Supremo Tribunal Administrativo declarou, no acórdão de 10.7.2002, processo n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando, nos acórdãos subsequentes de 7.2.2007, processo n.º 01046/05, de 20.5.2009, processo 01077/08, de 30.11.2011, processo n.º 0107/11 e de 30.05.2012, processo n.º 0171/11, que “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”.
Noutra vertente, encontra-se igualmente explicitado pela jurisprudência que é pressuposto exigível da aplicação do artigo 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (cf. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, processo n.º 01276/06 e de 18.12.2008, processo n.º 02515/08).
Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, tenha perfeito cabimento verificar se os pressupostos de dedutibilidade fiscal dos custos com juros se mostravam satisfeitos em atenção à atividade da Requerente e ao período de tributação em causa sendo o único pressuposto exigível da aplicação do artigo 23.º do CIRC, sublinhe-se, a consideração individualizada de cada empresa ou instituição, não podendo aqui interferir critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos.
§5. A dedutibilidade dos custos no caso sub judice
Como resulta da factualidade dada como provada e supra exposta, no caso em apreço, a compra de 70% do capital social da B…, por parte da A…, constituiu parte de uma transação ocorrida entre fundos de investimento com diferentes tipos de investidores podendo, consequentemente, o correspondente financiamento ser entendido no contexto da atividade da empresa (Requerente) uma vez que se insere no seu escopo societário.
A contratação, pela Requerente, dos financiamentos sub judice, que visaram proceder à aquisição de 70% do capital social da B…, decorreram, por outras palavras, de um ato de gestão que se inseria, claramente, no objeto societário da Requerente: «o arrendamento, exploração e gestão do centro comercial designado “F…”, incluindo a aquisição de quaisquer bens ou direitos, móveis ou imóveis, conforme necessário para os referidos fins».
Como tal, é indiscutível que se verifica a indispensabilidade dos custos subjacentes à operação de financiamento em causa, à luz quer das posições doutrinárias anteriormente explanadas, quer da jurisprudência citada.
Significa isto que os encargos financeiros, suportados no exercício de 2010, e imputáveis à aquisição de 70% do capital social encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente tendo potencialidade para geração de lucros na esfera jurídica desta.
Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, verifica-se “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual “os custos indispensáveis equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (cf. acórdão do STA de 30.11.2011, processo n.º 0107/11).
Deste modo, impõe-se declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa, com os encargos financeiros respeitantes à contração de empréstimos em resultado de uma operação de aquisição de capital social, satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo artigo 23.º do CIRC.
Não é legítima, consequentemente, a correção operada pela AT, objeto dos presentes autos, uma vez que, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”
De forma idêntica, considera RUI DUARTE MORAIS[14] que, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável” o que, claramente, ficou por demonstrar nos presentes autos.
Nestes termos, os encargos financeiros suportados no ano de 2010, correspondentes a juros suportados pela Requerente e referentes a empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da B…, são considerados dedutíveis fiscalmente, por serem necessários à obtenção dos seus proveitos ou à manutenção da fonte produtora, possuindo nexo de causalidade económica com a atividade da Requerente, estando preenchidos os pressupostos do artigo 23º do CIRC, pelo que a desconsideração da sua dedutibilidade enferma do vício de ilegalidade.
Em consequência, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, ocorre o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, imputado à correção ao lucro tributável operada relativamente ao IRC de 2010 da Requerente, o que inquina irremediavelmente a liquidação de IRC controvertida.
Resultando do exposto a anulação, na totalidade, da liquidação de IRC que é objeto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios arguidos pela Requerente.
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III.2.2. DO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do montante de € 1.843.449,12 (um milhão oitocentos e quarenta e três mil quatrocentos e quarenta e nove euros e doze cêntimos), indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
O art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo art. 24.º do RJAT.
O art. 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do art. 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade da liquidação de IRC controvertida, por erro nos pressupostos de direito e de facto, é imputável à AT por, naquela liquidação de imposto, ter procedido à incorreta interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do referido montante de € 1.843.449,12 (um milhão oitocentos e quarenta e três mil quatrocentos e quarenta e nove euros e doze cêntimos), indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde as respetivas datas de pagamento (cf. facto provado ao)) –, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido formulado na alínea D) – «Seja corrigida a liquidação de IRC n.º 2014 … do exercício fiscal de 2013, no sentido de se considerar a dedução de pagamentos especiais por conta no valor de EUR 123.097,88, e em consequência, seja reembolsado à Requerente o valor de EUR 105.303,10 resultante da diferença entre o valor de EUR 2.543.431,28 (que deveria ter sido reembolsado pela AT) e o valor de EUR 2.438.128.18 (que foi reembolsado pela AT), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.» – e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido.
b) Considerar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da correção à matéria coletável de IRC de 2010, no montante de € 11.194.291,77 (onze milhões cento e noventa e quatro mil duzentos e noventa e um euros e setenta e sete cêntimos), por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, consubstanciada na errada interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC e, consequentemente:
- declarar ilegais a liquidação de IRC n.º 2014 …, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014 …, a compensação n.º 2014 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, com o valor total a pagar de € 1.790.611,54 (um milhão setecentos e noventa mil seiscentos e onze euros e cinquenta e quatro cêntimos), todas referentes ao exercício de 2010, com a sua consequente anulação;
- declarar ilegal o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…, com a sua consequente anulação;
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o montante de € 1.843.449,12 (um milhão oitocentos e quarenta e três mil quatrocentos e quarenta e nove euros e doze cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, calculados desde as respetivas datas de pagamento, à taxa legal, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.843.449,12 (um milhão oitocentos e quarenta e três mil quatrocentos e quarenta e nove euros e doze cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 24.174,00 (vinte e quatro mil cento e setenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Lisboa, 23 de maio de 2016.
Os Árbitros,
(José Baeta Queiroz)
(Nuno Cunha Rodrigues)
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Como salienta Rui Duarte Morais (Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro/2007, Coimbra, Almedina, 2009, p. 80), «a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva».
[2] Op. cit. pp. 132-133.
[7] Citando VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, pp. 847-848, o autor destaca o seguinte trecho:” …Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.
[9] In Direito Tributário, 2000, p. 165.
[10] RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 86.
[13] J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215.
[14] In Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.