Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 209/2015-T
Data da decisão: 2016-04-27  IRC IVA  
Valor do pedido: € 67.439,75
Tema: IVA/IRC – Competência do Tribunal; cumulação de pedidos; isenção de IVA [arts 9º-8) e 10º-c) e d), do CIVA]; distorsão da concorrência
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr Paulo Lourenço e Dr José Coutinho Pires, (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 1-6-2015, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

A… CIPRL, (doravante designada por A…), pessoa colectiva n.º …, com sede na Alameda …, …, na cidade de ..., que integra o Serviço … correspondente ao Serviço de Finanças de ... …, da Direcção de Finanças de …, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 2°, n.º 1, al. a) e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT),  requerer a constituição de Tribunal Arbitral  com vista a obter    a declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de IVA, dos respectivos juros compensatórios e da liquidação oficiosa de IRC, identificadas infra, realizadas pela ATA - Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante apenas designada por AT) na sequência do relatório de inspecção elaborado no âmbito da ordem de serviço 012014… (cfr. doc. n.º 1):

 

Liquidações adicionais de IVA (cfr. doc. n.º 2):

 

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento  de cobrança  n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

 

 

 
 
 

 


- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …);

- n.º… (documento de cobrança n.º …); e

- n.º… (documento de cobrança  n.º …).

 

Liquidações de juros compensatórios (cfr. doc. n.º 2):

 

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento  de cobrança nº  …);

- n.º… (documento de cobrança  n.º …);

- n.º … (docmnento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento  de cobrança nº …); e

- n.º … (documento de cobrança n.º …).

 

Liquidação adicional de IRC (cfr. doc. n.º 3):

 

- n.º 2014….

 

1.      Alegou no essencial:

 

Entre 8 de Maio de 2014 e 3 de Novembro de 2014, a Requerente foi sujeita a um procedimento externo de inspecção, realizado pela AT, inicialmente de âmbito parcial sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e que, em 9 de Outubro de 2014, em cumprimento do despacho do Chefe de Divisão, foi alargado a âmbito geral, "por se terem verificado situações em sede de IRC, que implicavam a devida análise em sede de outros impostos, nomeadamente o IVA".

O procedimento externo de inspecção incidiu, assim, de forma geral sobre o exercício de 2010 e resultou "de proposta na sequência da acção especial - 2013, efectuada (...) [aos] sujeitos passivos que apresentem irregularidades em três (3) ou mais critérios, de acordo com os limites definidos centralmente na aplicação Selecção de Contribuintes".

Uma vez concluídos os actos de inspecção foi a ora Requerente notificada do projecto de inspecção tributária, tendo, tempestivamente, à luz dos arts. 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), exercido o seu direito de audição expondo as razões de facto e de direito que, em seu entender, obstariam às correcções aí projectadas.

Por se considerar essencial à descoberta da verdade material, a ora requerente, a título de prova, arrolou ainda a testemunha – B… - a ser inquirida sobre toda a matéria, para apuramento dos factos alegados.

Não obstante o aí expendido, a AT entendeu manter as correcções projectadas.

 

Resulta do relatório da inspecção tributária que "da análise global do sujeito passivo, da sua operacionalidade e de todas as actividades desenvolvidas pelo mesmo, dos registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte às operações praticadas "a AT concluiu pela verificação de um conjunto de irregularidades passíveis de originar correcções quer em sede de IVA, quer em sede de IRC e que se mostram elencadas no Mapa Resumo das correcções resultante da acção de inspecção.

A Requerente não se conforma, porém, com as conclusões do relatório de inspecção quanto às alegadas irregularidades, que conduziram às liquidações adicionais no valor de 57.689,03 € e dos consequentes juros compensatórios, no valor de 9.750,72 €.

 

O Relatório de Inspecção promove correcções em relação ao IVA das prestações de serviços das piscinas e da pista de atletismo, bem como ao arrendamento de outras instalações.

Por outro lado, promove ainda correcções em relação ao fornecimento e serviços externos e ao abate do imobilizado.

O relatório supra mencionado apresenta as seguintes conclusões:

A A… tem a seu cargo a gestão da denominada Cidade … da qual fazem parte o Pavilhão Multiusos, o Complexo de Piscinas, o Parque Aquático … e a Pista de Atletismo …, para além de outros equipamentos.

No que respeita a esta exploração, constatou a AT que a Requerente, nas prestações de serviços prestadas no Complexo das Piscinas, não aplica o IVA em virtude de considerar tratar-se de uma operação isenta por força do disposto na al. 8) do art. 9° do CIVA.

No que respeita ao Complexo de Piscinas, entende a AT que "deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA (pela aplicação da taxa reduzida de IVA, conforme alínea a) do n.º 1 do art. 18º do CIVA e verba 2.15 da Lista Anexa a este diploma), de acordo com o apuramento discriminado no quadro, que se junta no anexo III, cujo resumo consta do quadro seguinte":

 

 
 

 

 

 
 
 

 


Alega, para o efeito que "o sujeito passivo não reúne os requisitos necessários para aplicar a isenção prevista na alínea 8) do art. 9º do CIVA, uma vez que se encontra em concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto."

Segundo a AT, "a A… [encontra-se] numa situação de concorrência directa com outras entidades, pois na cidade e concelho de ... existem entidades que possuem piscinas cobertas para a prática desportiva e recreativa e prestam o mesmo tipo de serviços, como é o caso de um hotel sito na cidade ou a "piscina dos …" também esta sita na cidade ou as piscinas (também cobertas) na freguesia de …, também no concelho" (sublinhado nosso), tendo concluído que o sujeito passivo "está sujeito a tributação pelas operações realizadas no Complexo de Piscinas, na medida em que como se comprovou a realização destas operações conduz a distorções de concorrência efectivas."

Defende, igualmente, a AT que o sujeito passivo, nos serviços que presta aos utentes, quer na pista de atletismo, quer no aluguer de instalações para a prática de actividades relacionadas com a prática desportiva, encontra-se sujeito a imposto e dele não isento, nos termos do art. 9º, n.º 8 do CIVA.

Na verdade, estando em causa prestações de serviços relacionadas com a prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA (pela aplicação da taxa reduzida (Verba 2.15 da Lista I), conforme art. 18, n.º 1 alínea a), do CIVA"

Alega, repetidamente, a AT que no "sujeito passivo não estão reunidos os requisitos necessários para estar isento de IVA, (conforme elencado nas alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA), (...) pois encontra-se em situação de concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto, nomeadamente com entidades sujeitas a IVA que possuem recintos (pavilhões cobertos e ou campos de futebol ou outros) onde se pratica desporto, estabelecimentos estes que existem nas redondezas, que permitem a prática das mesmas modalidades desportivas, como é o caso dos pavilhões desportivos e dos pavilhões indoor que existem não só na cidade, mas também no concelho."

Quer isto dizer que a AT concluiu no seu Relatório que a Requerente não reúne os requisitos necessários para estar isenta de IVA, em virtude de entrar em concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto na cidade e concelho de ..., ou seja, a AT fundamenta a sua decisão exclusivamente no facto de, no seu entendimento, o SP não cumprir o requisito da al. d) do art. 10° do CIVA.

 

No que respeita às conclusões dorelatório de inspecção, quanto ao fornecimento e serviços externos, resulta do mesmo que "da análise aos documentos de suporte constantes da contabilidade, verifica-se a existência de gastos indevidos no ano em análise, já que engloba na subconta 6221 - serviços especializados - Trabalhos especializados, as facturas emitidas pela empresa "C… …, Lda (...)."

Alega a AT que "foram suportados pelo sujeito passivo despesas, contabilizadas ao longo do ano em apreço (...) [que] configuram gastos que comprovadamente não são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora."

Como expõe a AT "estas facturas são relativas à elaboração de um projecto tipo para piscinas e projecto de repetição, despesa esta suportada pela A… (...) inserido num processo de construção de cinco novos Complexos de Piscinas no concelho de ..., em que a Câmara Municipal está envolvida, equipamentos desportivos que vão ser, depois de concluídos, geridos pela A…. "

Por esta razão, entende que "o sujeito passivo não podia assim deduzir o IVA suportado, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 20º do CIVA (...) não sendo essas aquisições necessárias para a prestação dos serviços e não podendo ser consideradas despesas normais da exploração, o sujeito passivo nãopoderia deduzir o respectivo IVA. "

 

A)    DA NULIDADE DO RELATÓRIO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

Não alega a AT quais as características da piscina coberta de "um hotel" a que faz referência e os preços por este praticados, tudo por comparação com os equipamentos disponibilizados, serviços prestados e preços praticados pela Requerente, justificando em que medida se verifica essa concorrência.

De igual modo, tal como não o faz em relação ao referido "hotel", também não o faz em relação às "piscinas dos bombeiros" e piscinas da freguesia de ….

Por outro lado, o relatório é igualmente omisso quanto às características e semelhanças entre a pista de atletismo e outros equipamentos explorados pela Requerente por comparação com "recintos (pavilhões cobertos e ou campos de futebol ou outros) onde se pratica desporto, estabelecimentos estes que existem nas redondezas", que aliás nem sequer são identificados.

 

 
 
 

 


Também no que respeita aos custos desconsiderados, a AT resume-se a alegar que "da análise aos documentos de suporte constantes da contabilidade, verifica-se a existência de gastos indevidos" que "não são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora."

A verdade é que é a AT que tem o ónus de provar a existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente os factos concretos existentes e comprovados que demonstrem uma efectiva concorrência que, por essa via, justifiquem as correcções que suportam a liquidação. (Cfr Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 03629/09, de 06-10- 2010, disponível em www.dgsi.pt: (…) X) -A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao principio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis para proceder às correcções que suportam a liquidação. XI) -Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - ao tempo consagrado no artº 75º da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade. (...) -No que tange à patente insuficiência instrutório por parte da AF no procedimento, por não  ter  realizado  as  necessárias  diligências  na devida altura,  não é legalmente  admissível que o  fizesse depois,   na fase contenciosa, pois isso constituiria uma fundamentação formal e substancial a posteriori e a substituição do poder  judicial à Administração,  acto proibido pelo sacrossanto princípio  da separação depoderes (...) Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários.

O n. º 1 do artigo 63.º do RCPIT estabelece que os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do Relatório de Inspeção podem fundamentar-se nas suas conclusões. Isto significa que deve existir um cuidado redobrado ao nível da fundamentação das correções fiscais concretizadas nesse relatório, sob pena de o próprio ato tributário não estar devidamente sustentado, em termos de fundamentação. - Jorge Manuel Araújo Breia de Matos, in A problemática da fundamentação das correções do relatório de inspeção tributária, tese de Mestrado em Direito de Ciências Jurídico - Económicas, realizado sob a orientação da Professora Doutora Glória Teixeira, disponível in www.cije.up.pt/download-file/l 124.

 

A fundamentação das correções tem que obedecer a um discurso justificativo, através de um enunciado que tenha como objetivo exprimir a relevância material da correção. Exige-se capacidade para esclarecer as razões que levaram à correção, à opção efetuada, tendo em atenção que existe uma margem de discricionariedade, em algumas dessas opções, que importa justificar adequadamente. A declaração fundamentadora tem que ser um discurso capaz de sustentar uma correção. (Jorge Manuel Araújo Breia de Matos, ob cit.).

Acresce que, como se sabe, não estando alegados determinados factos mencionados no relatório e não sendo estes do conhecimento oficioso, não pode o juiz sobre eles pronunciar-se sem violar o princípio do dispositivo e incorrer em excesso de pronúncia (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24-05-2012, proferido no âmbito do processo n.º 00731/09.0BEPNF, disponível  in www.dgsi.pt).

Ora, considerando que o relatório de inspecção é absolutamente omisso quanto aos factos que justificam as correcções e que se encontra impedida de aditar novos factos nesta fase processual, é manifesto que o relatório é nulo por falta de fundamentação.

 

B)    DA PRETERIÇÃO DAS DILIGÊNCIAS DE PROVA TENDENTES À DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL

 

As liquidações ora em crise devem ser declaradas nulas, uma vez que o relatório de inspecção tributária que lhes deu causa padece do mesmo vício, em virtude de ter ignorado por completo a argumentação expendida pelo Autor em sede de audição prévia.

A Requerente, a título de prova, arrolou uma testemunha, por forma a que esta fosse inquirida sobre toda a matéria, para apuramento dos factos então alegados.

Ora, apesar de, no relatório de inspecção, a AT pretender demonstrar que acolheu e analisou tudo o expendido pela ora requerente aquando do seu exercício de audição, tal circunstancialismo não corresponde à realidade, porquanto se inibiu de inquirir uma testemunha que tinha conhecimentos capazes de colocar em causa os factos alegados no projecto do relatório de inspecção e infirmar as suas conclusões.

 

De facto, face aos elementos de prova, designadamente testemunhal, que a Requerente arrolou na sua exposição, a AT tinha a obrigação de ter procedido à produção da prova arrolada e sua apreciação.

Porém, em momento algum, a testemunha arrolada foi ouvida no âmbito daquele procedimento.

Afirma Jorge Lopes de Sousa que "o órgão instrutor poderá não realizar as diligências requeridas se as considerar desnecessárias para apuramento dos factos que interessam para a decisão, sem prejuízo da legalidade da sua decisão ser contenciosamente controlável e, por isso, poder, em impugnação contenciosa, anular-se a decisão procedimental se se entender que deixaram de ser realizadas diligências necessárias para um correcto apuramento dos factos.

Não poderá, porém, o órgão instrutor, sem um juízo concreto sobre a desnecessidade de realização de determinadas diligências, afastar a possibilidade de utilização no procedimento de algum tipo de meio de prova admitido em direito, a não ser que exista disposição especial que preveja o seu afastamento (cfr. Código do Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, vol. I, 2006, pp. 415 e 416).

Ou seja, é necessário proceder às diligências probatórias requeridas pelo contribuinte, ainda que sejam consideradas impertinentes por parte da Administração Fiscal, porquanto a prova arrolada se revelava essencial à satisfação do interesse público, ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento dos factos que sustentam o cancelamento dos beneficios fiscais, o que, aliás, configura uma obrigação da AT, tal como preceitua o art. 58º da LGT.

Além disso, ao não proceder às requeridas diligências probatórias, a AT revela um censurável autoritarismo, na medida em que restringe o seu exame crítico à prova que é favorável ao seu interesse económico.

Acresce que os elementos trazidos aos autos pelo contribuinte deverão ser obrigatoriamente tidos em consideração na fundamentação do relatório de inspecção, nos termos do n.º 7 do art. 60º da LGT, o que na verdade não aconteceu, uma vez que as diligências de prova requeridas na audição prévia foram totalmente ignoradas, não tendo a AT se pronunciado quanto às mesmas.

Posto isto, é manifesta a ilegalidade das liquidações ora em crise, porquanto o relatório de inspecção que lhes deu causa padece de uma notória omissão de pronúncia por parte da AT quanto aos argumentos expendidos e aos meios de prova indicados.

 

De facto, dispõe o n.º 2 do art. 125º do Código de Procedimento Administrativo que "(...) equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. (..) ".

E é certo que "os actos tributários carecem de fundamentação, que, desde logo, tem de traduzir-se numa declaração formal, externa ou explícita, ou seja, numa manifestação (declaração) exterior consubstanciada num discurso expresso pelo autor do acto num texto eque dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as circunstâncias concretas, a motivaçãofuncional do acto,  os  motivos  por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação. " - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de Janeiro de 2004, relatado por Francisco Rothes, disponível em www.dgsi.pt.

 

Pelo exposto, as liquidações adicionais ora em crise devem ser declaradas nulas, uma vez que o relatório de inspecção tributária que lhes deu causa padece do mesmo vício, por insuficiente fundamentação, nos termos dos artigos 125º, n.º 2 e 135° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ex vi artigos 2°, alínea c) da LGT e 2º, alínea d) do CPPT, em virtude de ter ignorado por completo a argumentação expendida pelo Autor em sede de audição prévia e não ter procedido à realização da prova requerida.

 

D)  DA ACTIVIDADE DESENVOLVIDA PELA REQUERENTE

 

A ora requerente, constituída por escritura pública de 22 de Janeiro de 1999, é uma cooperativa de interesse público (régie-cooperativa), detida em 89,26% pelo Município de …, sendo uma pessoa colectiva de direito público ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 31/84 de 21 de Janeiro – (cfr. informação disponível no site oficial http://www...).

 

Desde 1999 que o Município partilha a gestão dos seus equipamentos desportivos com a Cooperativa "A…" com o propósito, definido pelo Município, de que tais equipamentos se constituíssem como elemento central para o fomento da actividade desportiva regular, competitiva ou de manutenção e que, concomitantemente, permitissem a  ... reforçar a sua capacidade de acolher manifestações desportivas ou culturais de vulto, susceptíveis de atrair públicos numerosos, com as vantagens económicas daí decorrentes, e de afirmar o Município como território de eleição para a prática desportiva.

A partilha dessa gestão é realizada através da celebração de Protocolos de Colaboração - cfr. Protocolo de Colaboração que constituiu o anexo o Anexo II do projecto de relatório de inspecção.

Trata-se, em síntese, de fomentar e incentivar a prática desportiva no concelho de ..., privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo e desenvolvendo projectos de animação sócio desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer.

A requerente tem, assim, por objecto principal:

 

a)  Fomentar a actividade do desporto, utilizando as infra- estruturas e criando as que se tornem necessárias para ofim que pretende desenvolver;

b)  Incentivar a prática do desporto na comunidade em geral;

c)  Dotar de conhecimentos técnicos os agentes envolvidos nas diversas modalidades;

d)  Possibilitar à comunidade em geral e aos jovens emparticular, uma alternativa mais saudável e enriquecedora para a ocupação dos seus tempos livres;

f)   Integrar crianças e grupos dejovens marginalizados;

 

g) Possibilitar aosjovens fora do sistema educativo, oufora de qualquer outra estrutura de formação, a igualdade de oportunidade no acesso à prática do desporto;

h) Promover acções deformação profissional;

i)   Promover e participar em Festas e Festivais, bem como em iniciativas de lazer e tempos livres.

j)   Gerir todas as instalações disponíveis, adaptando os espaços para a prestação de serviços na área da restauração, através da criação de serviços de restauração, catering, bares de venda de bebidas.

l)   Compra e venda de todos os produtos alimentares, confecção e venda de todo o tipo de refeição, quer para consumo nesses estabelecimentos quer para /ora desses;

m) Garantir à comunidade e aos jovens em particular, todas as condições necessárias de acesso à prática desportiva em segurança, dotando a Cidade … com um Centro Médico de Apoio ao Desporto, de acompanhamento e de avaliação da prática desportiva. "(cfr. art. 2° dos Estatutos da A… - … Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada que segue junto sob o documento n.º 4)

Ao abrigo destas atribuições, a requerente direcciona o seu campo de actuação em duas principais vertentes:

a)   A gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada a Cidade … (Pavilhão Multiusos, o Complexo de Piscinas, o … - Piscinas de recreio e diversão ao ar livre e a Pista de Atletismo …) as Piscinas de …, as Piscinas de … e nove pavilhões desportivos (o Pavilhão Municipal de …, o Pavilhão … (…), o Pavilhão Desportivo de …, o Pavilhão do …, o Pavilhão Municipal … - … e os Pavilhões Gimnodesportivos das Escolas EB ... de …, …, … e …);

b)  O fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de ..., privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo, desenvolvendo projectos de animação sócio desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer.

 

A A… gere, ainda, administrativamente o D… - …, um serviço inovador e pioneiro no País, vocacionado para todos desportistas, estejam ou não integrados no sistema federado ou no escolar, que foi reconhecido como uma extensão dos Centros de Medicina Desportiva do ....

A Requerente, nas actividades que desenvolve com o objectivo de promover a prática de desporto pela população, não actua em actividades concorrenciais, actua apenas e só no estrito cumprimento das suas "atribuições" legais e fins para os quais foi criada, sendo portanto isenta de imposto nos termos do art. 9º, n.º 8 do CIVA.

Pelos serviços prestados pela A… à população é cobrada uma taxa, definida na tabela definida pelo Município, não cabendo à Requerente definir o preço a cobrar aos utentes pelos serviços prestados.

 

As taxas a cobrar, pela requerente, na gestão do parque desportivo municipal são discutidas, aprovadas e anualmente fixadas pelo Município em Assembleia Municipal, conforme documentos juntos sob o n.º 5).

O art. 13º A da Sexta Directiva, intitulado "Isenções em beneficio de certas actividades de interesse geral", na redação então em vigor, previa, designadamente:

"1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias. os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

(...)

 

m) Certas prestações de serviços estreitamente conexas com a prática do desporto ou da educação fisica, efectuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que praticam o desporto ou aeducação física;

(...)

 

2. (...)

 

b)  As prestações de serviços e as entregas de bens ficam excluídas do beneficio da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n. º 1, se:

-nãoforem indispensáveis à realização das operações isentas;

-se destinarem, essencialmente, a obter para o organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efectuadas em concorrência directa com as empresas comerciais sujeitas ao (IVA)."

 

A nível nacional, dispõe a alínea a) do n.º 1 do art. 1º do Código de Imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) que "estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal."

Por sua vez, são sujeitos passivos do imposto "as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas  colectivas (IRC)" (cfr. art.º 2, n.º 1 alínea a) do CIVA).

Contudo, o art. 9º do CIVA, enumera um conjunto de operações, as quais, por serem consideradas de interesse geral e social e com fins de relevante importância, ficam abrangidas pela isenção aí prevista, com vista a desonerar, quer administrativamente, quer financeiramente, tais actividades.

Prescreve o artº 9º, n.º 8 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) que estão isentas de imposto "as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa, que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação fisica a pessoas que pratiquem essas actividades."

De harmonia com o n.º 19 daquele normativo legal, encontram-se, também, isentas "as prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos.

Assim, as prestações de serviços a favor de pessoas que praticam desporto ou educação fisica, podem beneficiar da isenção prevista no n.º 8, do artigo 9º, do Código do IVA, desde que essas prestações tenham uma estreita conexão com a prática do desporto e sejam indispensáveis à sua realização, sejam e,fectuadas por organismos sem fins lucrativos e que os beneficiários efectivos das referidas prestações sejam pessoas que praticam desporto ou educação fisica.

Estabelece o art. 10° do CIVA que "para efeitos de isenção apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que simultaneamente:

a)       Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

b)       Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

c)        Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

d)       Não entrarem em concorrência directa com sujeitos passivos de imposto. "

 

A Administração Tributária fundamenta a sua decisão exclusivamente no facto de considerar que a requerente não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, uma vez que entra em concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto na cidade e concelho de ... e por isso não cumpre o requisito da al. d) do artigo 10º do CIVA.

O entendimento sufragado pela AT contradiz frontalmente as Informações Vinculativas que têm sido emitidas pela própria a propósito desta matéria.

Na Informação Vinculativa proferida no processo n.º …, por despacho de 2014-04- 01, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, afirma-se que "os serviços disponibilizados pelos Municípios, que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades, no caso, piscinas, beneficiam da isenção prevista na alínea 8) do artigo 9) do CIVA, quando os beneficiários efectivos dos referidos serviços sejam os praticantes  dessas actividades (...)" - cfr. doc. n.º 6.

Esta Informação Vinculativa versou sobre o caso de uma Autarquia que elaborou um protocolo com uma Fundação para passar a efectuar a exploração directa das piscinas daquela entidade, tal como sucede no caso dos presentes autos!

Na Informação Vinculativa proferida no Processo nº … (por despacho de 2013-09-23, do SDG do IVA) considerou-se que "a isenção prevista no artigo 9. 8) do CIVA que tem por finalidade prosseguir o objectivo de promover a prática de desporto por largas camadas da população, através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação fisica, fornecidos por organismos sem fins lucrativos directamente às pessoas que praticam desporto ou educação fisica, desde que "o exercício dessa actividade não se inscreva num quadro de puro repouso e de relaxamento" (v., o acórdão C- Processo: nº … 18/12, n.º 22). Assim, enquadram-se nesta isenção a utilização de piscinas municipais, a participação em aulas de hidroginástica, de hidrobike e de ginástica, a prática de squash, de musculação e cardio-fitness. "- cfr. doc. n.º 7.

 

Na Informação Vinculativa proferida no Processo nº … (por despacho de 28-04-2011, do SDG do IVA) considerou-se que " A isenção prevista no n. º 8 do artigo 9.º opera quando os serviços são efectuados pelos respectivos organismos directamente às pessoas que pratiquem as actividades aí contempladas. (...) - cfr. Doc nº 8.

Ora, conforme decorre das sobreditas Informações Vinculativas a AT têm vindo a considerar que, na medida em que as entidades que não prossigam fins lucrativos e promovem a prática de desporto pela população, as actividades por si desenvolvidas nesse sentido não constituem actividades concorrenciais.

O conceito de concorrência ou de "distorção de concorrência" como é comummente designado é um conceito indeterminado.

 

Sabendo-se que tal conceito não se encontra definido nem na regulamentação comunitária (Directiva do IVA), nem na legislação nacional (CIVA) deverá ser entendido e interpretado tendo por referência a jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Assim, relativamente ao conceito de "distorção de concorrência", o TJUE tem entendido que para que haja concorrência é necessário que, à data da operação, exista um mercado com direitos ou bens equiparáveis, e que estes possam ser transmitidos entre entidades privadas (cfr. Acórdão do TJUE de 26 de Novembro de 2007, Caso T-Mobile, Proc. C-284/04, Colect. 2007, p. I-05189).

A qualidade de sujeito passivo (...) deve em princípio ser avaliada no momento da prestação, pelo que é também nesse momento que se deve verificar da influencia sobre a concorrência. - cfr. BERNARDO BASTOS DE ALMEIDA, in Distorção de concorrência no sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado - Distorção ao princípio da neutralidade, pág. 24, disponível in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/ l 0400. l 4/l 3324/l/Disserta%C3%A 7%C3%A 3o%20Bernardo%20AlmeidaFinal .

Acresce que, essa distorção de concorrência tem de ser real e não meramente potencial.

 

Assim, para se verificar um acto de concorrência tem de existir um mercado e existir um risco real de que a isenção possa, por si só, provocar distorções de concorrência. - neste sentido Ac. TJUE de 20/11/20013, caso Taksatorringen, proc. C-08/01.

 

"Na verdade, só é acto de concorrência aquele que tem repercussões sobre o mercado, influenciando, directa ou indirectamente, a clientela: o acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir em termos de clientela, posições vantajosas no mercado.

A concorrência não é, assim, susceptível de ser definida em abstracto, seja através de critérios de classificação das actividades económicas (CAE) ou mesmo pela simples complementaridade ou afinidade das várias actividades em confi·onto.

A concorrência só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa é saber se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela.

(...)

 

O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual." (cfr. Jorge Patrício Paúl, "Os pressupostos da concorrência desleal, Almedina, 1997, pág.42).

O Relatório da Inspeção é absolutamente omisso quanto à concretização fáctica, isto é, quanto à fundamentação material e formal deste conceito no caso concreto, o que, por si só, conduz à ilegalidade das   liquidações.

A verdade é, in casu, como se demonstrará, os serviços concretamente prestados pela requerente ao abrigo da referida isenção de IVA não são susceptíveis de causar concorrência ao mercado onde se insere, desde logo porque não existe no mercado geográfico local e do concelho em geral, qualquer operador que preste os serviços iguais aos prestados pela ora requerente globalmente considerados.

Desde logo porque inexiste no mercado qualquer outro parque desportivo tal como o explorado pela requerente, designadamente que disponha de condições fisicas semelhantes àquelas de que dispõe o parque explorado pela requerente e que ofereça aos seus utentes os serviços por esta prestados.

É consensual e expressamente reconhecido pela generalidade dos observadores que aqueles desideratos foram integralmente realizados, com ... a ocupar hoje um lugar reconhecido nos circuitos nacionais e internacionais do desporto e dos grandes eventos culturais, atraindo atletas, praticantes e públicos locais, nacionais e internacionais.

 

Pelas suas valências, versatilidade e especificidade, como está bom de ver, não existe, no mercado onde a Requerente se insere, qualquer outro complexo desportivo com características sequer aproximadas.

Atente-se que, só em 2013, frequentaram os equipamentos e actividades promovidas pela Requerente, os seguintes números de utentes:

-   Complexo de Piscinas …: Utentes inscritos em aulas:

                                                           3.500 / ano;

-   Utentes inscritos em regime livre: 7.200 Acessos ano;

-   Total: 120.000 utentes.

-   …  Parque  de  Diversões  - Piscinas  Ar  Livre  Acessos:

                                                           100.000 / ano.

-   Piscinas Municipais de …: Utentes inscritos em aulas: 1.200.

                        Utentes inscritos em regime livre: 1.100 Acessos ano, num total de 35.000-

-   Pista de Atletismo …: Acessos ano: 20.000 utentes (atletismo, futebol,  rugby).

-    9 Pavilhões Desportivos do Concelho: Mais de 11.000 horas de ocupação anual exercendo atividade mais de 150.000 utilizadores/ano.

-    Campo de Jogos do Parque de Lazer de …: Cerca de 500 horas de ocupação anual exercendo atividade neste espaço mais de 10.000 utilizadores/ano.

-   Multiusos  de …: 156.000 entradas em eventos.

 

-    Centro de Medicina Desportiva de …: Atendimento a 3800 utentes por ano.

 

Serviços Desportivos:

 

Atividade Sénior: mais de 2.000 utentes / ano.

 

 

 
 
 

 


Férias e Oficinas ATL para jovens: mais de 2.000 jovens/ano;

 

Liga Mini: cerca de 600 jovens inscritos anualmente Jogos da Comunidade: 700 participantes por ano Mini Olimpíadas: cerca de 600 participantes por ano.

Assim, não existindo no mercado direitos ou bens equiparáveis, inexiste, como está bom de ver, distorção de concorrência.

Os serviços prestados pelo "hotel sito na cidade" direccionam-se no sentido de proporcionar aos seus utentes um bem-estar pleno, num ambiente de grande tranquilidade num espaço composto por apenas uma piscina interior climatizada de pequenas dimensões (15 metros x 6 metros), jacuzzi, saunas e banho turco, salas de hidromassagem e massagem subaquática, duche escocês, duche vichy e uma zona de relaxamento e tratamentos SPA - cfr. doc. n.º 9.

Ou seja, concluiu a AT, a Requerente actua concorrencialmente com um spa que dispõe de uma piscina certamente 10 vezes inferior à piscina do Complexo da Cidade …!!!!

Relativamente às piscinas dos bombeiros e às piscinas na freguesia de …, de dimensões muito inferiores às exploradas pela aqui requerente, logo incomparáveis e impossíveis para a prática de todas as actividades aí levadas a cabo.

Deve ainda dizer-se que apesar de nunca alegado por parte da AT no sobredito relatório, também estas se encontram-se sujeitas mas isentas de imposto conforme documentos que se juntam sob os números 10 e 11.

Face ao exposto, pode concluir-se que a requerente não se encontra em concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto, pelo que, atento o exposto, demonstrado está que a requerente não concorre, em momento algum com outros sujeitos passivos de imposto, quer na cidade quer no concelho de ..., reunindo, em si, todos os requisitos necessários à isenção de IVA nos termos do art. 9°, n.º 8 do CIVA.

Mas para que dúvidas não restem, sempre se dirá que:

 

• o Pólo de ... da Universidade do …, nos serviços desportivos que presta, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 12),

•  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 13),

• os Bombeiros das …, nos serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 14),

•  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 15),

•  o E…, nos serviços prestados nas Piscinas do Estádio Municipal, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 16),

•  o          Clube  Desportivo  da  …,  nos  serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 17).

 

Aliás, assim sucede por todo o País:

 

•  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 18),

•  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 19),

•  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 20),

•  o F… na exploração que faz das Piscinas Municipais de … não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 21)

•  o          Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 22),

•    o          Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 23),

•    o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 24).

No que respeita à pista de atletismo, construída em homenagem aos atletas internacionais … … e …, a Pista de Atletismo … foi inaugurada em 2 de Março de 2002, sendo um dos equipamentos desportivos vocacionado para o atletismo mais moderno do país.

 

Ocupando uma área total de 18.300 m2, está dotada com 8 corredores em piso sintético e equipada para todas as modalidades do atletismo, possuindo 4 balneários com uma capacidade total de 300 utentes em utilização simultânea, para além de uma bancada para 1.200 pessoas.

 

 
 
 

 


Os nove pavilhões desportivos, por seu turno, estão vocacionados para a prática desportiva formal e informal.

Quatro deles surgiram do entendimento institucional entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de … e estão integrados em Escolas EB ... do Concelho (…, …, … e …).

Acrescem os pavilhões de …, …, …, de aquecimento do Multiusos de … e do F…, todos eles abertos à prática desportiva geral e aos treinos e competição de um número significativo de clubes e associações desportivas ….

Quanto à pista de atletismo e estas intituladas pela AT como "outras instalações", também inexistem quaisquer outras instalações desportivas de características e condições semelhantes, porquanto não existe no mercado onde a Requerente se insere quaisquer outras pistas de Atletismo!!!!

Tanto assim é que a AT, no seu relatório, foi incapaz de fundamentar a existência de um mercado concorrencial àquele em que opera a Requerente.

Não indicando um único operador no mercado de … que ofereça os serviços prestados pela requerente nas condições em que esta o faz.

E não procede a tal indicação certamente por não ignorar que, efectivamente, tal operador não existe no mercado de …!!!!

Pelo que, atento o exposto, demonstrado está que a Requerente não concorre, em momento algum com outros sujeitos passivos de imposto quer no concelho, quer na cidade de ….

Quer quanto às piscinas, quer quanto à pista de atletismo e aos demais pavilhões desportivos, a AT, no seu relatório, não fundamenta nem explica por que motivo os serviços pelos outros operadores de mercado entram em concorrência com os serviços prestados pela Requerente.

In casu, a AT nem sequer alegou no seu relatório se os outros operadores de mercado são ou não entidades isentas.

Decidiu-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24-05-2012, proferido no âmbito do processo n.º 00731/09.0BEPNF, disponível in www.dgsi.pt: “(...) Por outro lado, resulta do artigo 13. n.º 1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que a atividade inquisitória do juiz se deve circunscrever aos factos alegados pelas partes e àqueles que forem do conhecimento oficioso. Sendo que os factos relatados no relatório também não são do conhecimento oficioso do iuiz, salvo nos casos a que alude o artigo 264, nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil. Não estando alegados determinados factos mencionados no relatório e não sendo estes do conhecimento oficioso, não pode o iuiz sobre eles pronunciar-se sem violar o princípio do dispositivo e incorrer em excesso de pronúncia. O que ali se dá como provado, não só não foi alegado por nenhuma das partes como também não consta do relatório de fiscalização e não se encontra sequer nas decisões graciosas posteriormente proferidas. Este facto foi ventilado pela primeira vez pela testemunha da Fazenda Pública em audiência do tribunal, sem que a Fazenda Pública (a parte que nisso poderia estar interessada) tivesse manifestado a vontade de dele se aproveitar nos termos epara os efeitos do artigo 264, n.º 3 do Código de Processo Civil. E mesmo que o tivesse feito, jamais poderia aproveitar à legalidade do ato porque a fundamentação a posteriori dos atos da administração tributária não é admissível (...)” (neste sentido DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM  SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA,  in   «Lei

Geral Tributária Comentada e Anotada», 2. º edição Revista e Aumentada, Vislis 2000, pág. 327 e jurisprudência aí citada)."

Pelos motivos expostos, as liquidações adicionais de IVA que pela presente se colocam em crise e que derivam, como se disse, do relatório de inspecção realizada à Requerente, resultam de uma errónea qualificação do facto tributário devendo, por isso, ser declaradas ilegais e em consequência anuladas, nos termos do art. 99 alínea a) do CPPT.

Neste sentido veja-se o parecer emitido pelo Sr. Dr. G… (que ora se junta sob doc. n.º 25) que, debruçando-se sobre estas questões, concluiu que:

1   - A A… preenche todos os requisitos previstos no artigo 1Oº do CIVA, pelo que deve ser considerada como organismo sem finalidade lucrativa para efeitos de isenção prevista no nº 8 do artigo 9° do CIVA;

2   - Poderá haver dificuldade em concluir que a A… respeita a condição expressa na al. d) do artigo 10º do CIVA e de que os descritos serviços que presta ao público entram em concorrência directa com outros sujeitos passivos do imposto sobre o valor acrescentado.

3   - Contudo, para se falar em concorrência directa devemos estar em presença da prestação dos mesmos serviços por parte de vários operadores e não de serviços similares ou sucedâneos (caso em que estamos em presença de concorrência indirecta), devendo ainda atender-se se há ou não interferência nas regras do mercado, considerando para isso a importância das operações do organismo em termos absolutos no sector económico em que se inserem.

4   -   Não pode haver concorrência directa por parte da A… nas actividades que desenvolve identificadas no nº 8 do artigo 9º do CIVA já que:

-   Não há operadores económicos que ofereçam os mesmos serviços prestados pela A…, designadamente, com a possibilidade de utilização das instalações da grandeza, complexidade e apetrechamento concedido pelas instalações municipais geridas pela A…, pelo que não havendo o mesmo produto não há concorrência directa;

-   As actividades da A… estão limitadas ao espaço e consumidores do concelho de …, pelo que as suas operações não produzem qualquer impacto ou importância no mercado das actividades físicas e desportivas, não lhe sendo possível causar qualquer distorção na concorrência desse mercado.

5   - De acordo com o prescrito no primeiro parágrafo do artigo 133º da Directiva 2006/112/CE, os Estados- Membros só podem subordinar a isenção às condições aliprevistas - e também enumeradas nas alíneas do artigo 10º do CIVA -, aos organismos que não sejam de direito público.

6   - O artigo 10° do CIVA pretende impor as suas condições a todos os organismos sem distinguir organismos de direito público e organismos que não sejam de direito público como deveria fazer em respeito pela citada regra da Directiva, pelo que aquele desrespeita o direito comunitário que vincula o legislador nacional a legislar de forma a que sejam aplicados no território nacional as disposições impostas pela Directiva no que se refere às condições e restrições de reconhecimento da isenção.

7   - Sendo a norma do primeiro parágrafo do artigo 133º da Directiva 2006/112/CE uma norma precisa e incondicional e não tendo sido revertida da forma devida para o direito nacional pelo Estado Português, goza aquela regra comunitária de efeito directo no nosso ordenamento jurídico, permitindo à A… opor-se a uma eventual liquidação do IVA por parte da Administração Fiscal, alegando aquele normativo comunitário ou invocá-lo junto dos Tribunais.

8   - As actividades operadas pelo A… enquadráveis na previsão do nº 8 do artigo 9º do CIVA estão, pois, isentas de IVA, de acordo com o disposto no seu artigo 1Oº e no artigo 133º, primeiro parágrafo da Directiva 2006/112/CE.

9   - Os mesmos serviços estão isentos de IVA quer sejam prestados a pessoas singulares, quer a entidades ou pessoas colectivas, pois o conceito de pessoas previsto no nº 8 do artigo 9° do IVA não é, nem pode ser, restringido às pessoas singulares.

1O - Estão ainda isentas de IVA as operações de locação de imóveis (com as excepções previstas nas alíneas do nº 29 do artigo 9º do CIVA, devendo entender-se para efeitos do IVA que a isenção abrange apenas a locação "paredes nuas"). Se o imóvel é locado com a prestação de serviços acessórios ou complementares, devem ser acrescidos de IVA os valores respeitantes à prestação de serviços e dele isentos os montantes pagos pela locação do imóvel.

 

 
 
 

 


DO DEMÉRITO DAS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO QUANTO AO FORNECIMENTO E SERVIÇOS EXTERNOS

Do Protocolo de Colaboração celebrado entre a Câmara Municipal de … e a Requerente, em 19 de Abril de 2010, é estipulado que ''ficam excluídas do âmbito de gestão e manutenção correntes, permanecendo como responsabilidade da Câmara:

(...)

 

b)  a realização de obras cíveis de reformulação, ampliação ou restauro dos edifícios

(...) "

 

Atente-se, contudo, que tal âmbito de exclusão é relativo, única a exclusivamente aos equipamentos desportivos já existentes e sob exploração da expoente, a saber:

a)    Pavilhão Municipal de …;

b)   Pavilhões das Escolas EB... … (…), …, …, … e … Pavilhão Multiusos (Cidade …);

c)    Pista de Atletismo … (Cidade …)

d)   Complexo Municipal de Piscinas (Cidade …)

e)    Parque Aquático … (Cidade …);

f)    Pavilhão Municipal de …;

g)    Pavilhão da H… (cfr. art. 4° do aludido Protocolo).

Ora, o projecto em causa, constitui um projecto "ex novo", alheio à transferência para a expoente, por parte da Câmara Municipal de …, do direito de uso e exploração daqueles equipamentos desportivos.

ln casu, o projecto desenvolvido pela Requerente nada tem que ver com o protocolo celebrado com o Município a que se alude no relatório de inspecção, dizendo antes respeito a um projecto exclusivamente desenvolvido pela exponente no âmbito dos fins que a mesma prossegue.

Conforme se deixou dito supra, a Requerente visa, estatutária e essencialmente, o fomento da actividade desportiva na comunidade em geral utilizando as infra-estruturas e criando as que se tomem necessárias para o fim que pretende desenvolver (cfr. alínea a) do art. 2º dos Estatutos da A… - … Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada).

No prosseguimento do seu objecto a Requerente decidiu implementar um plano de desenvolvimento e criação de novas piscinas, com vista à sua exploração e para beneficiação da comunidade.

Para tanto, contratou serviços especializados à C… …, Lda. para o desenvolvimento de um projecto de construção de piscinas - cfr. doc. n.º 26.

O referido projecto que, numa óptica de investimento, permitirá no futuro alargar o seu campo de actuação através da exploração dessas mesmas piscinas.

Resulta à saciedade que os custos suportados pela exponente inserem-se no seu escopo.

 

A melhor interpretação da norma do art. 23º do CIRC é aquela que sustenta que o significado de indispensabilidade se deve encontrar por recurso à integração directa da despesa no escopo ou fim de interesse societário.

A noção legal de indispensabilidade deve, assim, ser apreendida numa perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, do objectivo de obtenção ou maximização do lucro.

Os custos indispensáveis equivalem, pois, aos gastos contraídos no interesse da empresa.

 

Assim, in casu, porque os gastos suportados pela requerente têm uma relação causal directa com a actividade por si desenvolvida e visam concretamente implementar novas áreas de actuação, devem ser aceites fiscalmente.

 

DAS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO QUANTO AO ABATE DE IMOBILIZADO

Conforme resulta do ponto 15 do relatório de inspecção ora em crise, afirma a AT que "de acordo com os registos contabilísticos e respectivas declarações fiscais foi contabilizado como gasto, o valor de 20.229,00 €, na subconta 6873-Gastos e perdas em investimentos não financeiros-Abates."

Contudo, continua a AT no ponto 20 do referido projecto de relatório, "não tendo sido os pressupostos estipulados por lei cumpridos pelo sujeito passivo, não será de considerar este gasto no apuramento da matéria tributável."

No que a esta parte respeita, face ao que vem referido no relatório de inspecção, a requerente, em virtude de ter incorrido em evidente lapso, propõe-se a proceder à sua correcção e regularização.

Conforme se deixou dito supra, a requerente discorda inteiramente das conclusões constantes do relatório de inspecção.

Contudo, à cautela, cabe nesta sede retirar as consequências jurídico-fiscais das correcções que a Administração Tributária levou a cabo.

Conforme resulta do relatório de inspecção, a Requerente é um "sujeito passivo misto, com pro rata, nos termos alínea a) do n.º 1 do art. 2º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (...), enquadrado no regime normal deperiodicidade mensal", porquanto exerce, simultaneamente, uma actividade isenta nos termos art. 9° do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante CIVA), e outras actividades a título oneroso, sujeitos a IVA e dele não isentas.

A Requerente é, assim, um sujeito passivo misto, na medida em que, face ao art.º 20 do CIVA, no exercício da sua actividade efectua, em simultâneo, operações tributáveis que conferem direito à dedução e operações isentas que não conferem este mesmo direito.

Significa que a determinação da percentagem a deduzir é aferida com base na relação entre os volumes de negócios gerados pelas actividades que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não possibilitam tal dedução.

Assim, a operarem-se tais correcções, o pro rata fixado em 54% fixar-se-á em 97%.

 

O que quer isto dizer que, afinal, as correcções levadas a cabo pela AT representam para a requerente um crédito de IVA no valor de 10.131,88 €.

Desta correcção resulta, a favor da Requerente, uma diferença líquida de 67.820,91 €.

 

 
 
 

 


Assim sendo, tendo em conta a correção da AT, no montante de 57.689,03 €, a Requernte tem a seu favor a diferença de 10.131,88€.

Por assim ser, deve a AT ser condenada a reconhecer a actualização do pro-rata, nos termos expostos.

 

DOS JUROS COMPENSATÓRIOS LIQUIDADOS

 

Na exacta medida em que as liquidações adicionais de imposto, ora notificadas, são ilegais, devendo, consequentemente, ser anuladas, as liquidações dos juros compensatórios são igualmente ilegais e devem ser objeto de anulação.

 

2.      A AT, por seu lado, apresentou tempestiva resposta, contestando os fundamentos do pedido bem como excecionando a incompetência deste Tribunal Arbitral e suscitando o que denominou de “questão prejudicial” nos seguintes termos: “(...) Caso assim não se entenda, ou seja, caso o tribunal não dê por provada a excepção supra invocada, sempre deverá o mesmo dar por prejudicado o conhecimento de todas as questões que não as relativas à estrita apreciação da legalidade da liquidação nº 2007 ….

(...) Cumpre, antes de mais, distinguir no presente pedido de pronúncia arbitral a parte do pedido dirigida à declaração de ilegalidade do acto tributário, com fundamento em vícios de forma e de violação de lei, da parte do pedido dirigida à declaração da inexigibilidade da liquidação com fundamento na notificação da liquidação após prazo de caducidade. (...) Na verdade, encontra-se pendente processo de Oposição no TAF de Sintra, tendo por objecto a exigibilidade da liquidação ora controvertida, com fundamento quer na inexistência da pretendida responsabilidade solidária (art. 204º, nº 1 alínea b) do CPPT), quer na falta de notificação ao Requerente da liquidação dentro do prazo de caducidade (art. 204º, nº1 alínea e) do CPPT). (...) A Oposição deduzida corre termos no TAF de Sintra sob o nº 720/12.7BESNT, tendo a Representação da Fazenda Pública sido notificada para contestar, nos termos do art. 210º do CPPT, até 13/11/2012, ou seja, em data anterior à da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

(...) Em síntese, importa pois acautelar que o presente pedido de pronúncia arbitral seja expurgado de qualquer questão em matéria tributária que não comporte a apreciação da legalidade do acto de liquidação, como são as questões referentes à sua exigibilidade, as quais para além de estarem excluídas das matérias compreendidas no âmbito da jurisdição arbitral em matéria tributária, só podem ser apreciadas em sede da Oposição à Execução, oposição essa que se encontra pendente no TAF de Sintra.

(...) Delimitado o único objecto da presente impugnação a ser apreciado pelo Tribunal Arbitral, não assiste razão ao Requerente, como em seguida se demonstrará(...)”.

 

3.      Por despacho de 2-8-2015 foi a Requerente notificada para responder às exceções suscitadas pela AT, o que foi oportunamente feito, embora extravasando o âmbito dessa resposta conforme bem assinalou a AT e que foi objeto de despacho concordante de 26-11-2015.

Neste mesmo despacho o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a decisão à luz do disposto no artigo 21º-1 e 2, do RJAT.

 

Reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT)

Por despacho de 4-1-2016, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e designou data para produção de prova testemunhal que, após adiamento a pedido da Requerente, teve lugar no dia 10-2-2016.

Por despacho de 20-1-2016 e pelas razões aí invocadas, o Tribunal decidiu prorrogar de novo o prazo para a decisão final.

 

Alegações finais

Por despacho de 10-2-2016, no ato de inquirição de testemunhas, foi decidido, com a concordância das partes, que estas apresentassem as suas alegações finais por escrito no prazo sucessivo de 10 dias.

 

Só a Requerida apresentou alegações no prazo regulamentar, em que, no essencial, manteve as posições assumidas no articulado de resposta.

As alegações da Requerente deram entrada no CAAD para além do prazo regulamentar e por isso não são consideradas pelo Tribunal.

 

Saneamento do processo

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é absolutamente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

 

 
 
 

 


A questão da cumulação de pedidos

A Requerida na sua resposta suscita a questão da “ilegal cumulação de pedidos”, convocando o disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT, que refere que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.” Posto isto, conclui, em breve síntese, o seguinte:

i.         que a Requerente nos presentes autos, cumula o pedido de anulação de acto de liquidação de IVA com o pedido de liquidação de IRC, pelo facto de ambas as liquidações adicionais resultarem da mesma acção inspectiva,

ii.       pese embora, no seu entendimento de tal circunstância não resulte estarem reunidos os pressupostos para a cumulação de pedidos,

iii.     concretizando que “os factos concretos em que assentem as correcções efectuadas para efeitos de IVA não são os mesmos que foram tidos em conta para as correcções efectuadas para efeitos de IRC”,

iv.     constituindo o IVA um imposto geral sobre o consumo de bens, enquanto o IRC é um imposto que incide sobre o rendimento das empresas e outras entidade colectivas, não se verifica a identidade de tributos a que faz apelo o artigo 104º do CPPT, “não está em causa a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito: no que toca ao IVA a requerente faz apelo a normas do CIVA para sustentar a sua posição de anulação do acto, no que toca ao IRC, a normas do CIRC”,

v.       concluindo pela inverificação dos pressupostos para a cumulação de pedidos, pugnando pela sua absolvição da instância.

 

Notificada para se pronunciar sobre as excepções suscitadas pela AT, veio a Requerente no que concerne à “ilegal cumulação de pedidos”, fazer o cotejo entre o disposto no artigo 104º do CPPT e o artigo 3º, 1 do RJAT, convocando para tanto o comentário do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, [1]extraindo o seguinte: “No artigo 104º do CPPT prevêem-se possibilidades de cumulação de pedidos para o processo de impugnação judicial, mas limitadas aos casos em que é idêntico o tributo, para além da identidade de fundamentos de facto e de direito.

 

No artigo 3º, nº 1 do RJAT permite-se a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. O facto de no artigo 3º, nº 1 do RJAT não se fazer referência à identidade dos tributos revela que não existe em relação aos tribunais arbitrais a limitação relativa à identidade de tributos que é feita no artigo 104º do CPPT, pelo que, por exemplo pode ser pedida a um tribunal arbitral a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de IVA e IRC que tenham subjacente a mesma materialidade fáctica detetada em ação de inspeção”.

Sublinha ainda, louvando-se no autor e obra citados que, relativamente à identidade de situações fáctica e de questões de direito a apreciar, “não é necessário, para ser viável a cumulação de pedidos (…) que haja uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja essencialmente idêntica a questão jurídico – fiscal a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão.

Os factos serão essencialmente os mesmos quando foram comuns às pretensões do autos (…) de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos”,

Aduz ainda a Requerente que as liquidações adicionais subjacentes aos presentes autos resultam das conclusões de um procedimento externo de inspecção, realizado pela AT, no período compreendido entre 8/5/2014 e 3/11/2014, inicialmente tendo por objecto o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, sendo posteriormente alargado ao imposto sobre o valor acrescentado,

Conclui pela improcedência da excepção suscitada pela Requerida.

 

Decidindo:

Em defesa das suas posições ambas as partes convocam os pertinentes normativos: artigo 104º do CPPT, e nº 1 do artigo 3º do RJAT, que dispõem, respectivamente como segue:

 

Artigo 104º- Cumulação de pedidos e coligações de autores

Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão

 

Artigo 3º - Cumulação de pedidos, coligação de autores e impugnação judicial

1- A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Em jeito de síntese, subscrevendo e revendo-nos do que dimana do recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/01/2016, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Ascensão Lopes (Proc. 01265/13)[2] poder-se-á concluir quanto ao “estado da arte” no que à interpretação do artigo 104º do CPPT respeita, o seguinte:

“VI – Tendo ocorrido no caso dos autos desde logo a cumulação de impugnações de IVA e IRC tal não obsta ao prosseguimento dos autos, para conhecimento dos vícios imputados aos actos de liquidação, pois que em ambos os casos de está perante tributos com a natureza de impostos (artigo 104º do CPPT)”

Retirando-se ainda do mesmo aresto:

“(…) sobre esta questão[3] este STA não tem tido uma pronúncia uniforme. Assim nos acs., de 13/3/2002, rec., nº 26752; de 26/3/203, rec., nº 131/03; de 3/7/2003, rec., nº 538/03; de 10/4/2004, rec., nº 1911/03, de 10/3/2005m rec., nº0139/04; de 25/5/2005, rec., nº 0400/05; de 6/3/2008, rec., nº 0879/07, entendeu-se que, face ao disposto no art. 104º do CPPT, é inviável a cumulação se for diversa a natureza dos impostos em causa (imposto sobre o consumo, imposto sobre o rendimento e imposto sobre o património) faltando, então, um dos pressupostos dessa cumulação (e no mesmo sentido, se pronuncia também o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp 180/181 – anotações ao arti. 104º).

Já nos acs., de 16/11/2011, rec. nº 0608/11, de 24/10/2012, rec., nº 0747/12, e de 6/3/2013, rec., 0137/12, entendeu-se, diferentemente, que, no artº 104º do CPPT, a “identidade do tributo”, exige apenas a identidade “da natureza” dos tributos impugnados.”

Posição idêntica à que acaba de referir-se, extrai-se igualmente do acórdão do mesmo tribunal nº 0747/2012, de 24/10/2012[4]: “O facto de as impugnações respeitarem a IVA e a IRC – sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento – não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de imposto (artigo 104º do CPPT)”.

 

 
 
 

 


Revelado, sinopticamente, o “estado da arte” quanto à interpretação (que subscrevemos) do artigo 104º do CPPT que, essencialmente, faz apelo à classificação dos tributos decorrente do disposto nos artigos 3º e 4º da LGT, enfatizando a sua natureza e não já a sua identidade, conclui-se neste segmento inexistir qualquer “cumulação ilegal de pedidos” como defende a AT não lhe assistindo por esta via qualquer razão, o mesmo se verificando e para o que aqui releva tendo como pano de fundo o disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT.

Assim, no âmbito do regime jurídico da arbitragem tributária, e tendo por referência o disposto no nº 1 do artigo 3º do respectivo Regime, a admissibilidade da cumulação de pedidos, afigura-se não estar já dependente da natureza dos tributos (independentemente da interpretação que se subscreva relativamente ao artigo 104º do CPPT), outrossim, fazendo-a depender da “identidade de situações e de questões de direito a apreciar”.

A norma sob escrutínio faz depender a possibilidade de cumulação de pedidos da verificação de dois requisitos também eles cumulativos: (i) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e, (ii) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Brevitatis causa, [5] haverá que ter em consideração que as regras de cumulação de pedidos têm subjacente razões de economia processual a aconselhar, como já foi dito[6], a celeridade da decisão e o são objectivo de evitar decisões contraditórias.

Deste modo estando em causa a apreciação dos mesmos factos, justificar-se-á, por via de regra a cumulação de pedidos, no pressuposto que as questões de direito (potencialmente distintas perante tributos diferentes) não sejam elas próprias objecto de controvérsia.

“É esse o alcance do artigo 3º nº 1, ao não exigir uma absoluta identidade de questões de facto e de direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial”.[7]

Essencialidade essa de resto já sinalizada pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[8], na seguinte nota: “os factos serão essencialmente os mesmos quanto forem comuns às pretensões do autos ou autores, de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos”.

 

 
 
 

 


Subsumindo:

Descendo ao caso concreto, a verdade é que o pedido de anulação formulado pela Requerente, quer quanto às liquidações adicionais de IRC, quer quanto ao IVA tiveram origem na mesma acção inspectiva levada a cabo pela AT, de cujo relatório inspectivo se pode, aliás retirar que: “ da análise global do sujeito passivo, da sua operacionalidade e de todas as actividades desenvolvidas pelo mesmo, dos registos contabilísticos e correspondentes documento de suporte às operações praticadas” terão sido detectadas irregularidades com reflexo em sede de IVA e IRC, que estarão na origem das liquidações adicionais que a Requerente põe em causa no presente pedido de pronúncia arbitral.

Pelo que, sem necessidade de mais quaisquer considerações, e face ao que vem de dizer-se, se concluiu pela legalidade da cumulação de pedidos formulados pela Requerente, improcedendo consequentemente a excepção da ilegalidade da mesma suscitada pela AT no âmbito da sua resposta.

 

A questão da (in)competência material do Tribunal para conhecer do pedido subsidiário

A AT, na sua resposta e por excepção, suscita também a questão da “incompetência material do Tribunal Arbitral para o conhecimento do pedido subsidiário efectuado”, pedido esse que se consubstancia na condenação da Requerida em reconhecer a correcção do cálculo do pro rata, passando este a fixar-se em 97% em vez de 54%, daí resultando, segundo a Requerente, um crédito de IVA a seu favor no montante de 10.131.88 €.

Argumenta a AT, em defesa da sua tese, e em breve síntese, que o pedido em causa consubstancia um pedido de regularização e de reembolso de IVA, que o mesmo havia sido já sido apreciado e indeferido pela Direcção de Finanças de …, subscrevendo a posição de decorre do Relatório de Inspecção Tributária (artigos 21º a 25º), acrescendo ainda que não se está perante “um acto tributário de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta susceptível de ser apreciado por esta jurisdição arbitral”, reiterando que, a AT, em sede administrativa “nem sequer apreciou o mérito do pedido de alteração de percentagem do pró rata formulado pela requente dado que o inferiu por intempestividade”, não estando, por consequência em causa a legalidade de qualquer acto de liquidação, sindicável pela jurisdição arbitral tributária.

A Requerente na sequência do despacho arbitral de 02 de Agosto de 2015, veio responder à excepção suscitada pela AT, alegando que o pedido subsidiário em causa “consubstancia, apenas e só, uma decorrência da improcedência da acção e manutenção das liquidações em litígio” e que “apenas se requereu, no caso deste Tribunal entender não assistir razão à requerente [….] a condenação da AT a reconhecer a correcção do cálculo pro rata, passando o pro rata fixado em 54% a fixar-se em 97%, reconhecendo-se à Requerente um crédito de IVA no valor de 10.131,88 €.”

Conclui alegando não assistir qualquer razão à AT e pugnando pela improcedência da excepção em causa.

 

Decidindo:

Antes de nos pronunciarmos sobre a excepção que agora nos ocupa, haverá de ter-se em consideração que a Requerente, em sede da IVA, é um sujeito passivo misto, com pro rata, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, e enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, exercendo actividades eventualmente isentas de IVA nos termos do disposto no artigo 9º do CIVA, em simultâneo com outras actividades exercidas a título oneroso, sujeitas a imposto e dele não isentas.

Utilizando a Requerente, sujeito passivo misto para efeitos de dedução do IVA, o método do pro rata ou da percentagem de dedução, calculará “a sua percentagem do direito à dedução do imposto através de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do nº 1 do artigo 20º, e no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

O imposto é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução (nºs 1 e 4 do artigo 23º)”[9].

A Requerente tendo utilizado para exercício de dedução do IVA o método referido, e de acordo com as tabelas a cuja elaboração procedeu, evidenciadas quer no seu direito à audição subsequente à sua notificação do projecto de Relatório de Inspecção Tributária (cfr. processo administrativo apenso, artigo 88º do direito de audição), quer no pedido de pronúncia arbitral, (cfr. artigo 205º) terá alcançado o pro rata em 54%, pelo que a manterem-se as liquidações adicionais de IVA promovidas pela AT, esse valor indiscutivelmente terá que ser corrigido para 97%.

Ora, é precisamente sobre esta alteração que a Requerente alicerça o seu pedido subsidiário, através do cotejo das suas declarações de IVA com as correcções propostas pela Requerida, donde resultará um “crédito” a seu favor de 10.131.88 €, que reclama nos precisos termos que se retiram do seu pedido: “[….] deverá a AT ser condenada a reconhecer a correcção do cálculo do pro rata, passando o pro rata fixado em 54% a fixar-se em 97%, reconhecendo-se à Requerente um   crédito de IVA sobre no valor de 10.131,88 €”.

Relativamente a esta pretensão da Requerente, por si já suscitada, como referido, no âmbito do seu exercício do direito de audição a coberto do artigo 60º da LGT e 60º do RCPIT, a AT, teve já oportunidade de se pronunciar no Relatório de Inspecção Tributária, no sentido da intempestividade do direito à revisão e correcção do pro rata, pelas razões expressas no Relatório de Inspecção Tributária, (cfr. páginas 26 e 27), reiteradas, na sua essencialidade, no seu articulado de resposta (cfr. artigos 159º a 174º), a que acresceu a incompetência material do Tribunal Arbitral para o seu conhecimento.

 

Da competência material do Tribunal Arbitral

O artigo 2º do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, define o âmbito material da arbitragem em matéria tributária atribuindo aos tribunais arbitrais, competência para apreciação das pretensões que defluem das alíneas a) e b) como segue:

“a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”

Por outro lado, decorre do artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Administração Tributária se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, a exclusão da vinculação da AT à jurisdição arbitral das “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigo3 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

De acordo com Jorge Lopes de Sousa[10] a actividade dos tribunais arbitrais em matéria tributária restringir-se-á “à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da  Administração  Tributária,  bem  como  de  outros  atos  administrativos  relativos  a   questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do nº 1 do  art. 97º do CPPT”.

A questão da competência material dos tribunais arbitrais tributários tem sido por diversas vezes suscitada junto dos mesmos, podendo consensualizar-se para o que aqui releva, que a sua competência, com as limitações assinaladas, se circunscreve aos actos tributários de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte pagamento por conta, fixação de valores patrimoniais e de determinação de matéria colectável ou tributável, e não já a outros actos administrativos em matéria tributária, previstos, nomeadamente, no nº 2 do artigo 97º do CPPT.

Estes últimos só serão sindicáveis por via de acção administrativa especial, regulada nos artigos 50º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A possibilidade de o processo arbitral tributário ser um meio alternativo à acção administrativa especial de impugnação não está prevista no RJAT, nem tão pouco estava prevista na lei de autorização legislativa.[11]

Dúvidas parecem não subsistir que ao pedido subsidiário formulado pela Requerente no âmbito do presente processo, subjaz um pedido de regularização e reembolso de IVA, subscrevendo-se aqui a posição que a esse respeito sustenta a AT.

É pois dentro deste contexto e tendo em consideração o quadro normativo supra traçado, que haverá que encontrar resposta para o pedido em causa.

Para tanto, seguir-se-á de perto o que resulta do processo nº 48/2015-T com cuja fundamentação e sentido decisório, neste segmento, nos identificamos:

“Segundo alguma doutrina, o conceito de reembolso de IVA utilizado para os efeitos dos números 4 e seguintes do artigo 22º do Código de IVA corresponde uma situação em que, do saldo apurado no período, resulta um crédito de IVA a favor do sujeito passivo que terá utilidade em períodos seguintes (numa lógica de conta-corrente), a menos que use a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo, obviando ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes. De tal modo que “o pedido de reembolso, assim como a sua apreciação pela Autoridade Tributária não constituem factos jurídicos, uma vez que não constituem per si qualquer facto que determine uma alteração jurídica de qualquer uma das partes”[12]

Igualmente se pode recolher do acórdão arbitral de 4/4/2013, no âmbito do processo nº 238/2013- T (também citado pelo que se vem seguindo) que “no que concerne ao pedido de reembolso, não   se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas, em cumprimento de anteriores actos de liquidação”.

 

Subsumindo:

Descendo ao caso concreto que nos ocupa, o pedido veiculado pela Requerente tendo como pressuposto a consideração da manutenção das liquidações adicionais em sede de IVA promovidas pela AT, tem implícito um pedido de revisão, correcção e reembolso de IVA em resultado da alteração do pro rata.

É claro e sem margem para quaisquer dúvidas esse o sentido da pretensão da Requerente quando no seu pedido de pronúncia arbitral (e já anteriormente expresso em sede de exercício do direito de audição) insere tal pretensão sob o epíteto “DAS CONSEQUÊNCIAS JURIDICO – FISCAIS DAS CORRECÇÕES REALIZADAS” para concluir como se retira do seu pedido que “caso assim não se entenda, sempre deverá a AT ser condenada a reconhecer a correcção do cálculo do pro rata fixado em 54% a fixar-se em 97%, reconhecendo-se à Requerente um crédito de IVA sobre no valor de 10.131.88 €”.

Ora, de tudo o que vem dito, e sem necessidade de outras considerações, verifica-se a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido subsidiário da Requerente em causa, ficando prejudicado o conhecimento da intempestividade suscitada quanto ao direito da Requerente à revisão e correcção do pro rata.

Não há outras questões prévias, exceções ou nulidades a apreciar. Cumpre apreciar o mérito do pedido principal.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos provados essenciais para apreciar e decidir o pedido, são os seguintes:

a) A ora requerente, constituída por escritura pública de 22 de Janeiro de 1999, é uma cooperativa de interesse público (régie- cooperativa), detida em 89,26% pelo Município de …, sendo uma pessoa colectiva de direito público ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 31/84 de 21 de Janeiro - cfr. informação disponível no site oficial: http://www....

 

b) O sujeito passivo de acordo com as bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), encontra-se coletado para o exercício das seguintes atividades:

Tipo

Código

Designação

CAE Principal

93192

OUTRAS ACTIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.

CAE

Secundário

 

90040

EXPLORAÇÃO DE SALAS DE ESPECTÁCULOS E ACTIVIDADES CONEXAS

CAE

Secundário

 

56210

 

FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES PARA EVENTOS

CAE

Secundário

 

86906

 

OUTRAS ACTIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E

 

 

 

c)  O seu campo de atuação direciona-se em dois eixos fundamentais:

·        Gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada, no ano em análise (2010), o Pavilhão Multiusos, o Complexo de Piscinas, o … - Piscinas de recreio e diversão ao ar livre, as Piscinas de …, a Pista de Atletismo …, o Pavilhão Municipal de …, o Pavilhão … (…), o Pavilhão Desportivo de …, o Pavilhão do F…, o Pavilhão Municipal … - … e os Pavilhões Gimnodesportivos das Escolas EB ... de …, …, … e …;

·        Fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de …, privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo, desenvolvendo projetos de animação sócio - desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer. São os casos do Projeto de Atividades de Enriquecimento Curricular (educação física), o Projeto de Iniciação ao Atletismo, as Férias Desportivas, os Torneios Desportivos, entre muitos outros. A A… gere ainda administrativamente o D… - … de …, um serviço vocacionado para todos os desportistas, estejam ou não integrados no sistema federado e/ou no escolar.

d) No âmbito da gestão do parque desportivo municipal e do fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de …, a A… desenvolve vários projetos que visam a concretização dos seus objetivos, como é o caso:

·        Projeto de Enriquecimento Curricular

 

 
 
 

 


É um projeto complementar ao plano educativo, que contempla as Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e que permite à A…, através de professores licenciados em educação física, dar aulas semanais de iniciação físico-desportiva a todos os alunos das escolas do Concelho.

·        Férias Desportivas

Destinada a crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos, a A… desenvolve um projeto de ocupação dos tempos livres dos jovens nos períodos de interrupção da atividade escolar - Páscoa, Verão e Natal. Aproveitando as infra-estruturas desportivas que gere e os professores de educação física ao seu serviço, procura ser uma ocupação, para os jovens em cada um dos períodos, com atividades desportivas e lúdicas.

e)  É um "sujeito passivo misto, com pro rata, nos termos alínea a) do n.º 1 do art. 2º do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado (...), enquadrado no regime normal deperiodicidade mensal", porquanto exerce, simultaneamente, uma actividade isenta nos termos art. 9° do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante CIVA), outras actividades a título oneroso, sujeitos a IVA e dele não isentas.

f)  No que se refere ao seu enquadramento fiscal ao nível de Imposto sobre o Rendimento (IRC), a Requerente é um sujeito passivo (SP) de imposto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei DL n.º 442-B/88, de 30 de novembro, enquadrado no regime de tributação dos rendimentos na Redução de Taxa – Estatuto Fiscal Cooperativo (art.º7º, n.º3 da Lei n.º85/98, de 16 de dezembro) com a redação dada pela Lei 53-A/2006 de 29 de dezembro, em vigor à data dos factos tributários.

g)  No ano de 2010, para efeitos de IRC, o sujeito passivo apresentou os seguintes valores:

 

DESCRIÇÃO

VALORES

Resultado Liquido

€156.043,48

Prejuízo Fiscal

€1.494.354,22

Tributações autónomas

€3.521,10

 

h) Entre 8 de Maio de 2014 e 3 de Novembro de 2014, a requerente foi sujeita a um procedimento externo de inspecção, realizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), inicialmente de âmbito parcial sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC);

i)   Em 9 de Outubro de 2014, em cumprimento do despacho do Chefe de Divisão, foi alargado a âmbito geral, "por se terem verificado situações em sede de IRC, que implicavam a devida análise em sede de outros impostos, nomeadamente o IVA";

j)   Uma vez concluídos os actos de inspecção foi a ora requerente notificada do projecto de relatório, tendo, tempestivamente, à luz dos arts. 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), exercido o seu direito de audição expondo as razões de facto e de direito que, em seu entender, obstariam às correcções aí projectadas;

k) Resulta do relatório final de inspecção tributária que "(...)da análise global do sujeito passivo, da sua operacionalidade e de todas as actividades desenvolvidas pelo mesmo, dos registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte às operações praticadas (...)"a Administração Tributária concluiu pela verificação de um conjunto de irregularidades passíveis de originar correcções quer em sede de IVA, quer em sede de IRC e que se mostram elencadas no Mapa Resumo das correcções resultante  da acção de inspecção;

l)   O Relatório de Inspecção promoveu correcções:

1  - quanto às prestações de serviços e iva liquidado:

1.1.   - nas piscinas

1.2.   - na pista de atletismo e aluguer de outras instalações 2 - quanto ao fornecimento e serviços externos

2  - quanto ao abate de imobilizado.

m)                                              No sobredito Relatório são formuladas as seguintes conclusões:

-A A… tem a seu cargo a gestão, para além de outros equipamentos, da denominada Cidade … da qual fazem parte o Pavilhão Multiusos, Complexo de Piscinas, Parque Aquático … e a Pista  de Atletismo  …

-No que respeita a esta exploração, constatou a AT que a Requerente, nas prestações de serviços prestados no Complexo das Piscinas, não aplica o IVA em vittude de considerar trata-se de uma operação isenta por força do disposto na al. 8) do art. 9° do CIVA.

-No que respeita ao Complexo de Piscinas, entende a AT que "deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA (pela aplicação da taxa reduzida de IVA, conforme alínea a) do n. º 1 do art. 18º do CIVA e verba 2.15 da Lista Anexa a este diploma), de acordo com o apuramento discriminado no quadro, que se junta no anexo III, cujo resumo consta do quadro seguinte":


 

-Alega, para o efeito, que "o sujeito passivo não reúne os requisitos necessários para aplicar a isenção prevista na alínea 8) do art. 9º do CIVA, uma vez que se encontra em concorrência directa com outros sujeitos passivos de imposto. ("A A… [encontra-se] numa situação de concorrência directa com outras entidades, pois na cidade e concelho de … existem entidades que possuem piscinas cobertas para a prática desportiva e recreativa e prestam o mesmo tipo de serviços, como é o caso de um hotel sito na cidade ou a "piscina dos bombeiros" também esta sita na cidade ou as piscinas (também cobertas) na freguesia de … também no concelho (...)” e (...) "está sujeito a tributação pelas operações realizadas no Complexo de Piscinas, na medida em que como se comprovou a realização destas operações conduzem a distorções de concorrência efectivas. "

-o sujeito passivo, nos serviços que presta aos utentes, quer na pista de atletismo, quer no aluguer de instalações para a prática de actividades relacionadas com a prática desportiva, encontra-se sujeito a imposto e dele não isento, nos termos do art. 9º, n.º 8 do CIVA (...) pois, estando em causa prestações de serviços relacionadas com a prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA (pela aplicação da taxa reduzida (Verba 2.15 da Lista I), conforme art. 18, n.º 1 alínea a), do CIVA"

-"da análise aos documentos de suporte constantes da contabilidade, verifica-se a existência de gastos indevidos no ano em análise: engloba na subconta 6221 -serviços especializados - Trabalhos especializados, as facturas emitidas pela empresa "C… …, Lda (...). "

 

-"foram suportados pelo sujeito passivo despesas contabilizadas ao longo do ano em apreço (...) [que] configuram gastos que comprovadamente não são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora."

-as facturas são relativas à elaboração de umprojecto tipo para piscinas e projecto de repetição, despesa esta suportada pela A… (...) inserido num processo de construção de cinco novos Complexos de Piscinas no concelho de …, em que a Câmara Municipal está envolvida, equipamentos desportivos que vão ser, depois de concluídos, geridos pela A…. "

-"o sujeito passivo não podia assim deduzir o IVA suportado, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 20º do CIVA (...) não sendo essas aquisições necessárias para a prestação dos serviços e não podendo ser consideradas despesas normais da exploração, o sujeito passivo nãopoderia deduzir o respectivo IVA. "

m) As correções em causa deram origem às liquidações adicionais de IVA e IRC que são objecto dos presentes autos, e que têm como data de pagamento voluntário o dia 28.02.2015 (IVA) e como data de notificação à Requerente o dia 22.12.2014 (IRC).

n)   A ora Requerente, constituída por escritura pública de 22 de Janeiro de 1999 é uma cooperativa de interesse público (régie- cooperativa), detida em 89,26% pelo Município de …, sendo uma pessoa colectiva de direito público ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 1º do Decreto-Lei n.º 31/84 de 21 de Janeiro - cfr. informação disponível no site oficial: http://www....;

o)   Desde 1999 que o Município partilha a gestão dos seus equipamentos desportivos com a Cooperativa "A…" com o propósito, definido pelo Município, de que tais equipamentos se constituíssem como elemento central para o fomento da actividade desportiva regular, competitiva ou de manutenção e que, concomitantemente, permitissem a … reforçar a sua capacidade de acolher manifestações desportivas ou culturais de vulto, susceptíveis de atrair públicos numerosos, com as vantagens económicas daí decorrentes, e de afirmar o Município como território de eleição para a prática desportiva;

p)   A partilha dessa gestão é realizada através da celebração de Protocolos de Colaboração - cfr. Protocolo de Colaboração que constituiu o anexo o Anexo II do projecto de relatório de inspecção;

q)   O objeto social da Requerente é o que consta do art. 2° dos Estatutos da A… - … Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada - documento n.º 4, junto com o requerimento inicial);

 


r)     Ao abrigo destas atribuições, a requerente direcciona o seu campo de actuação em duas principais vertentes:

1ª A gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada a Cidade … (Pavilhão Multiusos, o Complexo de Piscinas, o … - Piscinas de recreio e diversão ao ar livre e a Pista de Atletismo …) as Piscinas de …, as Piscinas de …, e nove pavilhões desportivos (o Pavilhão Municipal de …, o Pavilhão … (…), o Pavilhão Desportivo de …, o Pavilhão do F…, o Pavilhão Municipal …-… e os Pavilhões Gimnodesportivos das Escolas EB … de …, …, … e …);

2ª O fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de …, privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo, desenvolvendo projectos de animação sócio desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer.

s)    A A… gere, ainda, administrativamente o D… - … de …, um serviço inovador e pioneiro no País, vocacionado para todos desportistas, estejam ou não integrados no sistema federado e/ou no escolar, que foi reconhecido como uma extensão dos Centros de Medicina Desportiva do ....

t)     Pelos serviços prestados pela A… à população é cobrada uma taxa fixada pelo Município de …, não cabendo assim à Requerente definir o preço a cobrar aos utentes pelos serviços prestados;

u)   As taxas a cobrar, pela requerente, na gestão do parque desportivo municipal são discutidas, aprovadas e anualmente fixadas pelo Município em Assembleia Municipal (Doc 5, junto com a PI);

v)   Pelas suas valências, versatilidade e especificidade, não existe, no mercado onde a Requerente se insere, qualquer outro complexo desportivo com características sequer aproximadas;

x)  Em 2013, frequentaram os equipamentos e actividades promovidas pela Requerente, os seguintes números de utentes:

-     Complexo de Piscinas de …: Utentes inscritos em   aulas: 3.500 / ano

-     Utentes inscritos em regime livre: 7.200 Acessos ano

-     Total:120.000 utentes

- …  Parque  de  Diversões   -Piscinas  Ar  Livre:   Acessos: 100.000 / ano

- Piscinas Municipais de …: Utentes inscritos em aulas: 1.200

 

 

Utentes inscritos em regime livre: 1.100 Acessos ano total: 35.000

- Pista de Atletismo …: Acessos ano: 20.000 utentes (atletismo, futebol, 1ugby)

- 9 Pavilhões Desportivos do Concelho:

Mais de 11.000 horas de ocupação anual exercendo atividade mais de 150.000 utilizadores/ano.

-     Campo de Jogos do Parque de Lazer de …:

Cerca de 500 horas de ocupação anual exercendo atividade neste espaço mais de 10.000 utilizadores/ano.

- Multiusos de …: 156.000 entradas em eventos

- Centro de Medicina Desportiva de …: Atendimento a 3800 utentes por ano.

Serviços Desportivos:

Atividade Sénior: mais de 2.000 utentes / ano

Férias e Oficinas ATL para jovens: mais de 2.000 jovens/ano;

Liga Mini: cerca de 600 jovens inscritos anualmente Jogos da Comunidade: 700 participantes por ano Mini Olimpíadas: cerca de 600 participantes por ano.

z) Os serviços prestados pelo "hotel sito na cidade" direccionam-se no sentido de proporcionar aos seus utentes um bem-estar pleno, num ambiente de grande tranquilidade num espaço composto por apenas uma piscina interior climatizada de pequenas dimensões (15 metros x 6 metros), jacuzzi, saunas e banho turco, salas de hidromassagem e massagem subaquática, duche escocês, duche vichy e uma zona de relaxamento e tratamentos SPA (Doc 9, com a PI);

aa) As piscinas dos bombeiros e as piscinas na freguesia de …, são de dimensões muito inferiores às exploradas pela Requerente [e, por isso incomparáveis e impossíveis da prática de todas as actividades aí levadas a cabo]

bb) Estas encontram-se sujeitas mas isentas de imposto (IVA) (Docs 10 e 11, juntos com a PI);

cc) O Polo de … da Universidade do …, nos serviços desportivos que presta, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 12),

dd) O Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc.13),

ee) Os Bombeiros das …, nos serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 14),

ff) O Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 15),

gg) o E…, nos serviços prestados nas Piscinas do Estádio Municipal, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 16),

hh) O Clube Desportivo da …, nos serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc.17).

ii) E essa não sujeição a IVA também acontece noutros casos, designadamente:

-  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 18),

-  o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 19),

- o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 20),

•    o F… na exploração que faz das Piscinas Municipais de … não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 21)

• o       Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc 22),

•    o          Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não  sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 23),

•    o Município de …, nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 24),

jj) A pista de atletismo explorada pela Requerente, construída em homenagem aos atletas internacionais … … e …, a Pista de Atletismo “…” foi inaugurada em 2 de Março de 2002, sendo um dos equipamentos desportivos vocacionado para o atletismo mais modernos do país,ocupando uma área total de 18.300 m2, está dotada com 8 corredores em piso sintético e equipada para todas as modalidades do atletismo, possuindo 4 balneários com uma capacidade total de 300 utentes em utilização simultânea, para além de uma bancada para 1.200 pessoas.

kk) Os nove pavilhões desportivos, por seu turno, estão vocacionados para a prática desportiva formal e informal.

 

Quatro deles surgiram do entendimento institucional entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de … e estão integrados em Escolas EB ... do Concelho (…, …, … e …).

ll) Acrescem os pavilhões de …, …, …, de aquecimento do Multiusos de … e do F…, todos eles abertos à prática desportiva geral e aos treinos e competição de um número significativo de clubes e associações desportivas ….

mm) Inexiste na região de … pista de atletismo (não existem mesmo outras pistas de atletismo) e pavilhões desportivos de características e condições semelhantes às que são exploradas pela Requerente;

nn) Do Protocolo de Colaboração celebrado entre a Câmara Municipal de … e a requerente, em 19 de Abril de 2010, foi estipulado que ''ficam excluídas do âmbito de gestão e manutenção correntes, permanecendo como responsabilidade da Câmara:

(...)

b) a realização de obras cíveis de reformulação, ampliação ou restauro dos edifícios

(...) "

oo) Tal âmbito de exclusão é relativo apenas aos equipamentos desportivos já existentes e sob exploração da expoente, a saber:

Pavilhão Municipal de …;

Pavilhões das Escolas EB... … (…), …, …, … e … Pavilhão Multiusos (Cidade …);

Pista de Atletismo … (Cidade …) Complexo Municipal de Piscinas (Cidade …) Parque Aquático … (Cidade …); Pavilhão Municipal de …;

Pavilhão da H… (cfr. art. 4° do aludido Protocolo).

pp) No prosseguimento do seu objecto a Requerente decidiu implementar um plano de desenvolvimento e criação de novas piscinas, com vista à sua exploração para beneficiação da comunidade.

qq) Para tanto a Requerente contratou serviços especializados à C… …, Lda. para o desenvolvimento de um projecto de construção de piscinas - cfr. doc. n.º 26, com a PI;

rr) Projecto que, numa óptica de investimento, lhe permitirá no futuro alargar o seu campo de actuação através da exploração dessas mesmas piscinas.

ss) Os custos suportados pela Requerente inserem-se no seu escopo.

tt) De acordo com os registos contabilísticos e respectivas declarações fiscais foi contabilizado como gasto, o valor de 20.229,00€, na subconta 6873 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros–Abates."

uu) No que se refere ao seu enquadramento fiscal ao nível de Imposto sobre o Rendimento, a Requerente é um sujeito passivo (SP) de imposto, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei DL nº 442-B/88, de 30 de novembro, enquadrado no regime de tributação dos rendimentos na Redução de Taxa – Estatuto Fiscal Cooperativo (art.7º, 3, da Lei n.º85/98, de 16 de dezembro) com a redação dada pela Lei 53-A/2006 de 29 de dezembro, em vigor à data dos factos tributários.

 

Factos não provados

Não ficou demonstrado nem foi alegado pela AT: (Cfr Relatório da Inspeção e Resposta da AT):

-    qual a denominação do hotel a que alude a AT;

-    quais as caraterísticas concretas da piscina coberta desse mesmo hotel;

-    quais os preços praticados pelas entidades (e identificação das mesmas) que disponibilizam os equipamentos adequados e idênticos aos da Requerente;

-    quais as concretas condições de utilização e características das piscinas dos bombeiros da freguesia de …;

-    quais os concretos equipamentos com caraterísticas ou semelhanças quando comparados com a pista de atletismo e outros equipamentos explorados pela Requerente (recintos ou pavilhões cobertos e campos de futebol).

 

Motivação do Tribunal

A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados fundou-se na análise crítica de toda a prova, documental, testemunhal e por depoimento de parte.

Na verdade, quer os documentos quer os depoimentos prestados por quem revelou conhecimento direto dos factos e da realidade existente no concelho de … ao nível dos equipamentos e serviços prestados pelas diversas entidades, alegadamente concorrentes da Requerente.

Na verdade, todos foram no sentido da inexistência nesse mercado de qualquer parque desportivo idêntico ao da Requerente e com complexos de piscinas interiores e de ar livre, pavilhões desportivos e pista de atletismo dalgum modo semelhantes aos da Requerente.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

Os atos objeto dos autos

 

Em causa nos autos estão, relativos ao ano de 2010, os seguintes atos:

a)      As liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios (Doc nº 2, junto com o pedido) e

b)     A liquidação adicional de IRC (Doc nº 3, junto também com o requerimento inicial).

 

Vícios imputados

Segundo a Requerente esses atos de liquidação adicional enfermariam, se bem entendemos, dos seguintes vícios:

a)      Ilegalidade decorrente da nulidade do relatório da AT por falta de fundamentação.

b)     Ilegalidade por preterição de diligências de prova (requeridas) tendentes à descoberta da verdade material.

 

II  – FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

 

O Direito

Cumpre de seguida apreciar as suscitadas ilegalidades. Vejamos então.

Vem o presente pedido de pronúncia arbitral interposto dos actos de liquidação de IVA, dos respectivos juros compensatórios e da liquidação oficiosa de IRC relativas ao ano/exercício de 2010 efectuadas na sequência do relatório da inspecção elaborado no âmbito da ordem de serviço OI2014….

Requer-se, a final, como pedido principal, a declaração de ilegalidade e anulação daquelas liquidações de imposto e juros compensatórios, a restituição das quantias entregues para pagamento das mesmas liquidações oficiosas, acrescidas de juros indemnizatórios, a anulação de todos e quaisquer actos de cobrança, designadamente de compensação e como pedido subsidiário, a condenação da AT a reconhecer a correcção do cálculo do pro rata, passando o fixado em 54% a fixar-se em 97% e reconhecendo-se à requerente um crédito de IVA no valor de €10.131,88.

Conforme se decidiu supra, no saneamento do processo, não é este Tribunal materialmente competente para apreciar e decidir o pedido subsidiário.

Passar-se-á então à análise do pedido principal.

As liquidações adicionais fundam-se no relatório em que culminou a inspeção tributária à Requerente.

Daí que as conclusões deste relatório se considerem a fundamentação desses atos tributários.

 

Importa assinalar que as liquidações adicionais de IVA se fundaram no alegado não preenchimento pela Requerente dos requisitos para isenção de IVA, previstos nos artigos 9º-8), 10º-c) e d), e 20º-1 do Código do IVA uma vez que se encontra em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto.

Isto porque, segundo a AT, a requerente se encontrava em 2010 numa situação de concorrência directa com outras entidades, pois na cidade e concelho de … existem entidades que possuem piscinas cobertas para a prática desportiva e recreativa e prestam o mesmo tipo de serviços, como é o caso de um hotel sito na cidade ou a "piscina dos bombeiros" também esta sita na cidade ou as piscinas (também cobertas) na freguesia de … também no concelho.

Concluiu a AT que a Requerente a realização de operações no complexo de piscinas, na pista de atletismo, no aluguer de instalações para prática desportiva, estão sujeitas a IVA e deste imposto não isentas na medida em que a existir isenção tal conduziria a distorções de concorrência efetiva à luz do citado artigo 9º-8), do CIVA.

Ou seja, estando em causa prestações de serviços relacionadas com a prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA (pela aplicação da taxa reduzida (Verba 2.15 da Lista I), conforme art. 18, n.º 1 alínea a), do CIVA.

 

As disposições legais fundamentais

Para facilidade expositiva transcrevem-se as seguintes disposições legais mais relevantes e que importa ponderar e interpretar:

 

Artigo 9º do CIVA

Estão isentas do imposto:

.....

8)  As prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades;

 

Artigo 10º do CIVA

Conceito de organismos sem finalidade lucrativa

 

Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:

 

a)Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

 

b)Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

 

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

 

d)Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

 

Artigo 20º do CIVA

 

Operações que conferem o direito à dedução

 

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a)                       Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b)                       Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

 

I)Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14º;

II)                     Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III)                   Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 17º;

IV)                   Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do nº 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15º;

V)                     Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI)                   Operações isentas nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do nº 6 do artigo 16º.

 

A AT invoca a fundamentar as liquidações adicionais de IVA e juros que a Requerente se encontra numa situação de concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto, designadamente com entidades sujeitas a IVA que possuem recintos (pavilhões cobertos e ou campos de futebol ou outros) onde se pratica desporto, estabelecimentos estes que existem nas redondezas, que permitem a prática das mesmas modalidades desportivas, como é o caso dos pavilhões desportivos e os pavilhões indoor que existem não só na cidade, mas também no concelho "

No essencial está em causa não só o cumprimento ou não pela Requerente do requisito previsto na citada e transcrita alínea d) do artigo 10º do CIVA, mas e sobretudo se a AT fundamenta esse não cumprimento quando procede às liquidações adicionais.

Mais concretamente, se as liquidações se fundaram em factos concretos existentes e devidamente comprovados, demonstrativos de uma efectiva concorrência que, por essa via, justifiquem as correcções que suportam as liquidações. (Cfr, v. g., Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 03629/09, de 06-10-2010, disponível em www.dgsi.pt: “(…) A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao principio da legalidade, cabendo-lhe o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis para proceder às correcções que suportam a liquidação (...)Nesse sentido, a  AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito-ao tempo consagrado no artº 75º da LGT, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade. (...) -No que tange à patente insuficiência instrutória por parte da AF no procedimento, por não ter realizado as necessárias diligências na devida altura, não é legalmente admissível que o fizesse depois na fase contenciosa pois isso constituiria uma fundamentação formal e substancial a posteriori e a substituição do poder judicial à Administração, acto proibido pelo sacrossanto princípio da separação de poderes (...) Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários.

O n. º 1 do artigo 63.º do RCPIT estabelece que os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do Relatório de Inspeção podem fundamentar-se nas suas conclusões. Isto significa que deve existir um cuidado redobrado ao nível da fundamentação das correções fiscais concretizadas nesse relatório, sob pena de o próprio ato tributário não estar devidamente sustentado, em termos de fundamentação. - Jorge Manuel Araújo Breia de Matos, in A problemática da fundamentação das correções do relatório de inspeção tributária, tese de Mestrado em Direito de Ciências Jurídico- Económicas, realizado sob a orientação da Professora Doutora Glória Teixeira, disponível  in www.cije.up.pt/download-file/l 124.

 

A fundamentação das correções tem que obedecer a um discurso justificativo, através de um enunciado que tenha como objetivo exprimir a relevância material da correção. Exige-se capacidade para esclarecer as razões que levaram à correção, à opção efetuada, tendo em atenção que existe uma margem de discricionariedade, em algumas dessas opções que importa justificar adequadamente. A declaração fundamentadora tem que ser um discurso capaz de sustentar uma correção. (Jorge Manuel Araújo Breia de Matos, ob cit.).

Acresce que, como se sabe, não estando alegados determinados factos mencionados no relatório e não sendo estes do conhecimento oficioso, não pode o juiz sobre eles pronunciar-se sem violar o princípio do dispositivo e incorrer em excesso de pronúncia ( Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24- 05-2012, proferido no âmbito do processo n.º 00731/09.0BEPNF, disponível in www.dgsi.pt).

 

Distorsão da concorrência

O Direito nacional e da União Europeia revelam, como é conhecido, preocupações relativamente à concorrência no sentido de que não devem ser permitidas medidas protecionistas conducentes a uma distorsão dessa mesma concorrência.

Daí que não surpreenda que, perante a possibilidade ou admissibilidade de isenção de IVA relativamente a serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades, não tenha sido ponderada a possibilidade de distorção da concorrência no caso de existência de outras entidades privadas ou estritamente comerciais, que explorem serviços ou atividades idênticas sem aquele benefício fiscal. Diretiva IVA (Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006), no seu artigo 134º, dispõe que “(...) as entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 132.º, nos seguintes casos:

a)  Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;

b)  Quando se destinarem, essencialmente, a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efectuadas em concorrência directa com as empresas comerciais sujeitas ao IVA. (...)” (sublinhado nosso).

E o artigo 132º, da citada Diretiva IVA, no capítulo com a epígrafe “Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, dispõe:

Artigo 132º

1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações: (...)

n)  Determinadas prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efectuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que pratiquem desporto ou educação física.

 

E, no seu artigo 13º, dispõe ainda a sobredita Diretiva:

1.  Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efectuarem essas actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às actividades referidas no Anexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.

2.  Os Estados-Membros podem considerar como actividades de autoridades públicas as actividades realizadas pelos organismos de direito público, quando estejam isentas por força do disposto nos artigos 132º, 135º, 136º, 371º, 374º a 377º, no nº 2 do artigo 378º, no nº 2 do artigo 379º e nos artigos 380º a 390º.

 

Através do Acórdão de 4 de junho de 2009 (Proc C-102/08, |Caso SALIX, Colect., p I-4629, nºs 73 a 76), proferido a respeito da norma de não sujeição atualmente contida no nº 1 do artigo 13º da atual e citada Diretiva IVA, o TJUE considerou que as distorções de concorrência previstas no seu segundo parágrafo podem militar em prejuízo das próprias entidades públicas não sujeitas e não das empresas suas concorrentes submetidas a tributação.

Foi aí entendido, designadamente que “(...) não se pode excluir que a não sujeição a imposto de um organismo de direito público que exerce determinadas atividades e operações que impedem o referido direito à dedução do IVA possa ter repercussões na cadeia de entregas de bens e de prestações de serviços em detrimento dos sujeitos passivos que operam no setor privado (...)”.

 

Todavia, atendendo à diferente formulação da alínea d) do primeiro parágrafo do artigo 133º, da Diretiva atual do IVA, só parecem assumir relevância as distorções da concorrência em detrimento das empresas submetidas a tributação.

A isenção de IVA, em si mesma, é que não pode ser susceptível de provocar distorções de concorrência e isto num mercado onde a concorrência será, em qualquer dos casos, afectada pela presença de um operador que prestará serviços aos seus membros e ao qual está vedada a procura de lucro.

Por conseguinte, o facto de as prestações de serviços efectuadas por uma determinada entidade serem isentas e não o facto de esta entidade satisfazer as demais condições da disposição em causa é que deve ser susceptível de provocar distorções de concorrência para que essa isenção possa ser recusada.

Se, independentemente de qualquer tributação ou isenção, essa entidade tem a garantia de conservar a clientela formada pelos seus membros, então não se pode considerar que a isenção que lhes é concedida é responsável pelo encerramento do mercado aos operadores independentes.

 

Subsumindo:

No caso sub juditio não se revela essa distorsão de concorrência porquanto não está demonstrado, por um lado, a existência concreta de entidades com oferta de serviços equiparáveis aos prestados pela Requerente e, por outro, quais os preços praticados pelas entidades (e identificação das mesmas) que alegadamente disponibilizam os equipamentos adequados e idênticos aos da Requerente e quais as concretas condições de utilização e características das piscinas dos bombeiros da freguesia de … e os concretos equipamentos com caraterísticas ou semelhanças quando comparados com a pista de atletismo e outros equipamentos explorados pela Requerente (recintos ou pavilhões cobertos e campos de futebol).

Por outro lado ainda, ficou demonstrado que os serviços prestados pela A… à população são cobrados na base de uma taxa fixada pelo Município de …, não cabendo assim à Requerente definir o preço a cobrar aos utentes pelos serviços prestados, sendo que, como ficou igualmente demonstrado, pelas suas valências, versatilidade e especificidade, não existe, no mercado onde a Requerente se insere qualquer outro complexo desportivo com características sequer aproximadas.

Para além disso, não é irrelevante o facto de existir um protocolo entre o Município de … e a Requerente donde decorre o desenvolvimento de atividades numa espécie, grosso modo, de concessão de serviço público (prática desportiva) para as populações do concelho de ….

Por tudo quanto ficou demonstrado ou por demonstrar, fica por concluir que a Requerente se encontrasse, em 2010, no mesmo mercado (concorrência direta) de outras entidades privadas não isentas de IVA e que do estatuto fiscal da Requerente adviesse distorção dessa concorrência, designadamente porque as entidades concorrentes diretas da Requerente e não isentas de IVA seriam forçadas a praticar preços aos utentes, por serviços idênticos, superiores aos praticados pela Requerente mercê do facto de não estarem isentas de liquidação de IVA.

Daqui decorre que não se mostra fundamentada e é ilegal, por falta de pressupostos de facto e de direito, a decisão da AT quando procede às liquidações adicionais de IVA com fundamento na distorção da concorrência.

Por outro lado, alega a AT que "(...)da análise aos documentos de suporte constantes da contabilidade, verifica-se a existência de gastos indevidos no ano em análise: engloba na subconta 6221-serviços especializados-Trabalhos especializados, as facturas emitidas pela empresa "C… …, Lda (...)” e que “ (...)"foram suportados pelo sujeito passivo despesas, contabilizadas ao longo do ano em apreço(...)[que]configuram gastos que comprovadamente não são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.(...)"

Como expõe a AT "estas facturas são relativas à elaboração de um projecto tipo para piscinas e projecto de repetição, despesa esta  suportada pela A… (...) inserido num  processo  de construção de cinco novos Complexos de Piscinas no concelho de …, em que a Câmara Municipal está envolvida, equipamentos desportivos que vão ser, depois de concluídos, geridos pela A…. "

Motivo pelo qual entende que "o sujeito passivo não podia assim deduzir o IVA suportado, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 20º do CIVA (...) não sendo essas aquisições necessárias para a prestação dos serviços e não podendo ser consideradas despesas normais da exploração, o sujeito passivo nãopoderia deduzir o respectivo IVA. "

Os factos que sobre tal matéria ficaram demonstrados foram os seguintes (Cfr supra, elenco de factos provados):

“pp) No prosseguimento do seu objecto a Requerente decidiu implementar um plano de desenvolvimento e criação de novas piscinas, com vista à sua exploração para beneficiação da comunidade.

qq) Para tanto a Requerente contratou serviços especializados à C… …, Lda. para o desenvolvimento de um projecto de construção de piscinas

- cfr. doc. n.º 26, com a PI;

rr) Projecto que, numa óptica de investimento, lhe permitirá no futuro alargar o seu campo de actuação através da exploração dessas mesmas piscinas.

ss) Os custos suportados pela Requerente inserem-se no seu escopo.

tt) De acordo com os registos contabilísticos e respectivas declarações fiscais foi contabilizado como gasto, o valor de 20.229,00 €, na subconta 6873 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros- Abates."

Conjugando o disposto nos artigos 23.º e 123.º do CIRC, para que os gastos sejam aceites fiscalmente, terão que obedecer a dois requisitos: serem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora e estarem devidamente suportados por documentos emitidos por entidades externas e de acordo com as normas legais, cabendo o ónus da respetiva prova ao sujeito passivo, conforme resulta do disposto no art.º 23.º do CIRC.

Ora o quadro factual apurado permite concluir, por si só, pela não exclusão da dedução na medida em que, ao contrário do alegado pela AT, não se trata aqui de despesas ou custos não indispensáveis para a manutenção da fonte produtora e, consequentemente, foi corretamente espelhado então na contabilidade da Requerente na subconta 6873 – Gastos e perdas em investimentos não financeiros, sendo o respetivo IVA dedutível à luz do citado artigo 20º-1, do CIVA.

 

A liquidação de IRC

Resultou a liquidação adicional de IRC objeto dos autos da desconsideração pela AT dos documentos de suporte constantes da contabilidade (facturas emitidas pela empresa "C… …, Lda).

Ora como se referiu anteriormente essas facturas espelham despesas ou gastos considerados indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora - Cfr artigos 23º e 123º, do CIRC.

Daí que não tenha sustentação legal e factual a liquidação adicional de IRC sindicada nos autos.

 

 

III                      – DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA, IRC e juros compensatórios, nos termos expostos;

b)      Julgar prejudicada a apreciação do pedido subdsidiário de reconhecimento do crédito de IVA de €10.131,89;

c)      Condenar a AT a restituir à Requerente, com juros indemnizatórios nos termos legais, as quantias eventualmente entregues para pagamento das liquidações ora anuladas e

d)      Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €67.439,75

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da AT.

 

Lisboa, 27-4-2016 O Tribunal Arbitral,

 

 

José Poças Falcão (Presidente)

 

José Coutinho Pires (Árbitro Vogal)

 

Paulo Lourenço (Árbitro Vogal)

 

 

 

 



[1] Guia da Arbitragem Tributária, Coord: Nuno Villa –Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 145 e ss.

 

[2] Disponível em www.dgsi.pt.

[3] Leia-se, cumulação de pedidos de impugnação de tributos de aparente natureza diferente (IVA, IRS e IRC).

[4] Relatado pela Conselheira Isabel Marques da Silva, disponível em www.dgsi.pt.

[5] Sobre o que deve entender-se por “mesmas circunstâncias de facto” ver a abordagem que decorre do processo nº 691/2014-T do CAAD, disponível em www.caad.org.pt.

[6] Acórdão do STA nº 0747/2012, de 24/10/2012.

[7] Ver: Processo nº 720/2014-T do CAAD de 23 de Março de 2015, disponível em www.caad.org.pt.

[8] Obra e local citados.

[9] Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEF, nº 1, 4ª Edição, 2009, páginas 214 e seguintes.

[10] Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almeida, 2013, p. 105.

[11] Ver: artº 124º alínea a) ponto 4 da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril (LOE para 2010).

[12] Apud Afonso Arnaldo/Tiago Albuquerque Dias, “Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In) segurança Jurídica”, Cadernos IVA 2014, Almedina, p.33