Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 784/2015-T
Data da decisão: 2016-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 139.419,48
Tema: IRC - Tributações autónomas; SIFIDE; pagamentos especiais por conta.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-03-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ...-..., concelho de Oliveira de Azeméis, doravante designada por “A...” ou “Requerente”, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou das autoliquidações de IRC relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 67.427,51 (2012) e € 71.991,97 (2013), respectivamente, com a sua consequente anulação nestas partes por afastamento indevido das deduções à colecta.

A Requerente pede ainda o reembolso daquelas quantias, acrescido de juros indemnizatórios contados, no que respeita a € 67.427,51 (exercício de 2012) desde 31-05-2013, e contados no que respeita a € 71.991,97 (exercício de 2013), desde 30-05-2014 quanto a € 63.420,85, e desde 01-09-2014 quanto a € 8.571,12.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-01-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-02-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-03-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 11-04-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

O Tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente entregou no dia 28-05-2013 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, e em 27-05-2014 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013 (Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

b)      De acordo com a declaração de rendimentos entregue, no exercício de 2012, a Requerente apurou um montante de imposto a pagar de € 69.159,79, que se encontra pago (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas em IRC no montante de € 67.427,51, e do apuramento de derrama municipal suportada no montante de € 1.732,28 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)      Com respeito ao exercício de 2013, de acordo com a declaração de rendimentos entregue, a Requerente apurou um montante de imposto a pagar de € 63.420,85, que se encontra pago (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas em IRC de € 71.991,97, deduzida de pagamentos por conta suportados no montante de € 8.571,12, a cujo reembolso a Requerente tinha direito (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

d)     A Requerente dispunha de montantes disponíveis para utilização no exercício de 2012, relativos ao SIFIDE;

e)      No final de 2012 e no final de 2013, a Requerente dispunha de pagamentos especiais por conta por deduzir à colecta de IRC (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas, os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do SIFIDE;

g)      A Autoridade Tributária e Aduaneira não apurou o lucro tributável da Requerente relativo aos anos de 2012 e 2013, por métodos indirectos;

h)      Em 22-05-2015 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013;

i)        Em 14-10-2015, a Requerente foi notificada do despacho de 07-10-2105 proferido por subdelegação pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direcção de Finanças de ... que indeferiu a referida reclamação graciosa (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j)        A referida decisão da reclamação graciosa manifesta concordância com o projecto de decisão que foi notificado à Requerente, cuja cópia consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Matéria de direito

- Considera a reclamante que os montantes pagos a título de tributações autónomas configuram IRC, devendo, por conseguinte, ser considerados como colecta desse imposto para efeitos de dedução previstas naquele artigo, com os seguintes fundamentos:

·         Entendimento consensual da AT e da jurisprudência, nomeadamente Tribunal Arbitral, que as tributações autónomas integram o regime jurídico do IRC sendo devidas a este título e estando, por isso, abrangidas pelo disposto na al. a) do nº 1 do artº 45º, actual artº 23º-A, do CIRC.

·         A Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), num Despacho proferido em 4 de Outubro de 2013, apenas afasta a possibilidade de dedução ao valor das tributações autónomas, dos montantes relativos ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, não impondo qualquer limitação no que respeita à dedução dos montantes relativos a benefícios fiscais ou PEC'S.

·         Na medida em que o pedido de pronúncia colocado à DSIRC incidia também sobre a dedução do SIFIDE e PEC'S à colecta das tributações autónomas, e esta não indicou quaisquer limitações neste âmbito, apenas optou por referir e fundamentar a situação em que o seu entendimento é discordante, a reclamante conclui que a mesma concorda com a dedução do SIFIDE e dos PEC'S ao valor das tributações autónomas.

·         O próprio Código do IRC corrobora este entendimento de que a colecta das tributações autónomas se inclui na colecta do IRC "propriamente dito" (artº 12º e al. a), nº 1 do artº 23-A, ambos do CIRC).

·         Sobre esta matéria se pronunciou favoravelmente o Tribunal Arbitral no procº nº 769/2014-T, de 8 de Abril de 2015.

·         Não faz sentido afastar a dedutibilidade do benefício fiscal SIFIDE à colecta das tributações autónomas, a qual resulta directamente da Lei nº 40/2005, de 3 de Agosto, em conjugação com o artº 90º do CIRC.

·         No que respeita à dedução dos PEC'S, de acordo com o artº 93º do CIRC, a mesma é efectuada após as deduções referidas nas als. a) a c) do nº 2 e com observância do nº 9, ambos do artº 90º do mesmo diploma legal.

·         Tendo por base o valor do SIFIDE e dos PEC'S que se encontravam disponíveis para dedução nos anos de 2012 e 2013, bem como o valor agregado das tributações autónomas apuradas, considera a reclamante que poderia ser deduzido um montante adicional de € 67 427,51, a título de SIFIDE em 2012 e € 71 991,97, a título de PEC em 2013, correspondentes aos montantes das tributações autónomas apuradas nas declarações de rendimentos dos referidos períodos de tributação, resultando o direito a um reembolso no valor total de € 139 419,48.

Do direito a juros indemnizatórios

- A não dedução do benefício fiscal SIFIDE e dos PEC'S ao montante da colecta de tributações autónomas suportadas nos períodos de tributação de 2012 e 2013, resulta do funcionamento do sistema informático da AT, o qual não permite, até à data, a dedução do valor inscrito nos campos 355 e 356 à parcela da colecta do IRC que se encontra reflectida no campo 365, mas apenas ao montante apurado no campo 351, pelo que, não se pode senão concluir pela existência de erro imputável aos serviços.

- A doutrina e a jurisprudência têm adoptado uma posição muito abrangente a respeito do erro imputável aos serviços, tais como: acórdãos do STA nºs 22791, de 15/11/2000, 26167, de 31/10/2001, 26233, de 12/12/2001; Ofício Circulado nº 60 052, de 03/10/2006 do SDG.da Justiça Tributária.

- Assim, a reclamante tem direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios calculados sobre os montantes pagos em excesso, contados, até ao integral reembolso dos mesmos, desde o termo da data para o reembolso oficioso do imposto.

2.3.2 Parecer

Questão decidenda: de acordo com os termos peticionados pela reclamante, a questão que importa agora solucionar consiste em apurar se é possível deduzir o benefício fiscal SIFIDE e os PEC'S, de acordo com o artº 90º nº2 do CIRC, ao valor das tributações autónomas apuradas pelo grupo, adicionando-se, para este efeito, o valor daquelas ao da colecta de IRC.

Matéria de Direito:

Na abordagem desta questão cumpre começar por percorrer o percurso argumentativo apresentado pela reclamante. Assim:

- As tributações autónomas integram o regime jurídico do IRC, sendo devidas a este título e estando, por isso, abrangidas pelo disposto na al. a), do nº 1 do artº 45º (actual artº 23º-A) do CIRC (exemplificando com vários acórdãos do Tribunal Arbitral);

- No âmbito de um Despacho proferido em 4 de Outubro de 2013, a DSIRC apenas afasta a possibilidade de dedução ao valor das tributações autónomas dos montantes relativos ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, não impondo qualquer limitação no que respeita à dedução dos montantes relativos a benefícios fiscais ou PEC'S.

- Conclui-se, que com base no entendimento da DSIRC quanto à natureza das tributações autónomas, a mesma concorda com a dedução do SIFIDE e dos PEC'S apurados no próprio exercício, bem como os que não possam ter sido deduzidos em períodos anteriores por insuficiência de colecta e se encontram disponíveis para dedução, ao valor das tributações autónomas em apreço.

- A redação dada à alínea a) do nº 1 do art. 23º-A do CIRC, pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, veio também atestar que a colecta de tributações autónomas se inclui na colecta de IRC.

- O Tribunal Arbitral no âmbito do processo nº 769/2014-T, de 8 de Abril de 2015, pronunciou-se favoravelmente sobre esta matéria.

Importa, assim, antes de analisar a questão decidenda tecer algumas considerações sobre os argumentos invocados pela reclamante.

- A DSIRC na Informação nº 1980/2013, de 4 de Outubro, analisou a questão da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional às derramas (municipal e estadual) e às tributações autónomas, não correspondendo à verdade que a DSIRC se tenha pronunciado em sentido favorável sobre a dedução do SIFIDE e dos PEC'S à colecta das tributações autónomas.

A posição assumida pela DSIRC nesta Informação resultou do entendimento de que a derrama estadual constitui um imposto acessório do IRC e, enquanto tal, existe por referência a este imposto principal.

Segundo o princípio acessorium sequitur principale, a existência do imposto acessório depende agora da existência do imposto principal, tendo o mesmo regime que este.

Ora, a tributação autónoma não se pode qualificar como um imposto acessório do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, não se lhe aplicando a solução preconizada pela DSIRC para a derrama estadual.

- Quanto à natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC, mais especificamente a não dedutibilidade daquelas tributações para efeitos de determinação do lucro tributável, abrangida não só pela disposição da al. a) do nº 1 do artº 45º do CIRC (de forma implícita) como já expressamente na redacção dada ao artº 23º -A do mesmo diploma legal, dada pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro, é de referir:

·         Apesar das tributações autónomas não constituírem IRC em sentido estrito mas encontrarem-se a este imbricadas (artº 45º nº 1 al. a) e actual artº 23º-A, ambos do CIRC), é inegável que as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, oneram determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC.

·         Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação.

·         De facto, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma como tais despesas o estarão se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto. Ou seja, as referidas tributações apenas intervêm porquanto o sujeito passivo opta por as deduzir ao seu lucro tributável em IRC.

·         O facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeitos de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa.

·         Assim, as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC encontram-se abrangidas não só pela al. a) do nº 1 do artº 45º como pelo actual art 23º -A, ambos do CIRC, isto é, não constituem as despesas com o pagamento dessas tributações autónomas encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

·         Decorre, assim, que às tributações autónomas, não obstante a sua natureza de IRC, apenas são aplicáveis, em face das apontadas especificidades, as normas que no CIRC a elas se destinam e não aquelas que visam regular a tributação do conjunto de rendimentos auferidos num determinado ano, abarcando matérias como a incidência, a determinação da matéria colectável, a taxa, a liquidação e cobrança.

- Quanto à decisão favorável do Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 769/2014-T, de 8 de Abril de 2015, somos a referir que da mesma instância e sobre o mesmo assunto já foi também proferida decisão desfavorável (vide processoº nº 697/2014-T, de 13 de Maio de 2015).

No entanto, sendo a AT uma instituição hierarquizada não está a mesma vinculada às decisões judiciais ou da Arbitragem Tributária proferidas em processos que não aqueles sob escrutínio, como é o caso em concreto.

- Abordado este ponto, iremos analisar a questão decidenda, mais propriamente a interpretação do nº 2 do artº 90º do CIRC e se será possível deduzir o valor do SIFIDE e dos PEC'S ao valor das "tributações autónomas.

Refere o artº 90º, nº 1, al. a) do CIRC, que a liquidação de IRC tem por base a matéria colectável constante das declarações a que se referem os art.ºs 120º e 122º do mesmo diploma legal.

E no seu nº 2 que: "Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais:

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artº 106º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável".

A matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável dos montantes correspondentes a prejuízos fiscais e benefícios fiscais dedutíveis ao lucro tributável (cfr. artº 15º, nº 1, al. a), do CIRC). Por seu turno, o lucro tributável é "constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código" (cf. artº 17º nº 1 do CIRC).

Apurada a matéria colectável, aplicar-se-lhe-á, a seguir, a respectiva taxa do IRC, prevista no artº 87º do CIRC, à data dos respectivos factos tributários, apurando-se, deste modo, a correspondente colecta de IRC.

É a esta colecta que o nº 2 do artº 90º do CIRC manda efectuar as deduções relativas aos benefícios fiscais e ao pagamento especial por conta (PEC).

Efectuar as deduções previstas no nº 2 do artº 90º, mais concretamente a dedução do SIFIDE e dos PEC'S, que não possam ser deduzidos em períodos anteriores por insuficiência de colecta e se encontram ainda disponíveis para dedução, ao montante respeitante às tributações autónomas é um sentido que não encontra qualquer suporte no texto legal, não podendo, por isso, ser aceite tal interpretação, tal como preconiza o artº 9º, nºs 2 e 3 do Código Civil.

Com efeito, se tivesse sido essa a intenção do legislador, tê-lo-ia referido expressamente, dispondo no sentido de que ao montante apurado nos termos do nº anterior e do artº 88º são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada.

É ainda de salientar que, o legislador no CIRC refere-se de modo expresso às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente no art 12º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no art 23º-A, nº 1, na sua versão actual, (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no artº 88º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria colectável das tributações autónomas), no artº 117º nº 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do artº 9º quando houver lugar a tributações autónomas) e no artº 120º nº 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos).

Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas, nomeadamente, nos capítulos que tratam da incidência, liquidação e pagamento.

O próprio artº 88º do CIRC, inserido no "Capitulo IV - Taxas", refere-se especificamente às taxas de tributação autónoma, definindo em concreto o tipo de despesas sujeitas a tributações autónomas e as taxas a aplicar.

Tal como já foi referido, o nascimento da obrigação fiscal nas tributações autónomas é materialmente distinto do facto que gera a imposição fiscal em sede de IRC - enquanto que num resulta de um facto instantâneo, no outro é por via de um facto continuado, enquanto num se tributa alguns tipos de despesa, no outro tributa-se o rendimento. Donde decorre que pode ser devido imposto a titulo de tributações autónomas, independentemente da existência de colecta de IRC ou mesmo de lucro tributável (ex: artº 12º do CIRC- sociedades de transparência fiscal).

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que algumas destas despesas, que pela sua natureza, potência, não poderá ela mesma, através da consideração do seu montante para efeito da dedução dos benefícios fiscais SIFIDE e dos PEC"S, constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

2.4. Juros Indemnizatórios

Quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios o mesmo não se verifica por não se reconhecer razão à reclamante.

3. Conclusão

Perante o exposto, entendemos que o pedido formulado pela reclamante deve ser indeferido.

k)      Em 26-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

No que concerne à alínea d) dos factos provados, relativa ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente nos artigos 25.º a 28.º do pedido de pronúncia arbitral, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigos 123.º e seguintes da resposta).

Quanto aos montantes que a Requerente entende que poderia deduzir a título de pagamentos especiais por conta e benefício fiscal do SIFIDE, não se toma posição sobre a quantificação referida no pedido de pronúncia arbitral, por a sua correspondência ou não à realidade não ter sido apreciada na decisão recorrida, nem o Tribunal Arbitral poderia proferir uma decisão segura com base apenas nos documentos juntos ao processo.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente defende que tem direito a deduzir os valores pagos a título de pagamento especial por conta e SIFIDE à colecta de IRC produzida por tributações autónomas nos exercícios de 2012 e 2013.

O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do SIFIDE.

A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base nas declarações modelo 22 relativas aos anos de 2012 e 2013, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas aos montantes devidos a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que efectuou previstos no SIFIFE.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.

As questões que são objecto do presente processo são, em primeira linha, as de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que a Requerente efectuou abrangidos pelo SIFIDE.

A Requerente formula um pedido subsidiário para a hipótese de se aceitar este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012 e de 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.

Começar-se-á por apreciar esta questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois da sua solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade do SIFIDE e dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas.

 

3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Como se referiu, na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas», «existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo».

Porém, no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que é errada esta interpretação, ao dizer nos artigos 38.º e 39.º da sua Resposta:

 

38.º

Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

39.º

Donde resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.           

 

Sendo assim, conclui-se que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.

De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

Em 2012 vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

 

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

 

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

 

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

 

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

 

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

 

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

 

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

 

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.  

O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ( [2] ) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

            A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [3] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [4] ).

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios
internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicados como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2012 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [5] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.       

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como e o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [6] )

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.3. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta

 

            Como se vê pela decisão da reclamação graciosa, a única razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa, que os pagamentos especiais por conta não são dedutíveis à colecta de tributações autónomas foi a de entender que estas não integram a colecta de IRC.

Como já ficou referido, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que «a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto», sendo «apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» (artigo 38.º da Resposta).

Disse ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 39.º da Resposta que «o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto».

Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, que, como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no citado artigo 38.º da sua Resposta, se aplica também à liquidação das tributações autónomas.

Por outro lado, como já se referiu, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». ( [7] )

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

            Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

            Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ( [8] ), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.

            Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». A estatística da Autoridade Tributária e Aduaneira que atrás se referiu, bem como o próprio caso em apreço, em que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2012 e 2013 e em ambos apresenta apenas tributação autónomas de valor avultado, são elucidativos do problema de constitucionalidade que se coloca.

            De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

            Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ( [9] )

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.

Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ( [10] ), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.

Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:

 Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 93º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 93º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

 

O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».

Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

Por outro lado, ao contrário do que sucede com o SIFIDE, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.

Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.

Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).

As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º ( [11] ), na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.

No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas essas condições para o reembolso, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.

E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC.

 À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).

Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.

Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:

«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo os órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.

Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado». ( [12] )

 

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.

Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quanto à ilegalidade das autoliquidações.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pede o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados, até integral reembolso.

Pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, não há no processo elementos seguros quanto aos montantes do SIFIDE e dos pagamentos especiais por conta que estavam disponíveis para dedução a colecta de IRC no final dos anos de 2012 e 2013, pelo que o direito reembolso deverá ser determinado em execução do presente acórdão.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade dos actos de autoliquidação nas partes relativas à não dedução do SIFIDE, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgado.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

As autoliquidações foram efectuadas pela Requerente, mas é de entender que o erro que a afecta na parte respeitante à não dedução do SIFIDE é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitia à Requerente efectuar a autoliquidação deduzindo o benefício fiscal do SIFIDE ao montante das tributações autónomas. Trata-se de uma situação que, para efeito do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, é equivalente ao preenchimento da declaração segundo «as orientações genéricas da administração tributária», pois estas estão subjacentes ao sistema informático de apresentação da declaração modelo 22, que impedem a dedução do SIFIDE ao montante das tributações autónomas.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

                       

            5. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte respeitante à pretensão da Requerente de dedução à colecta de tributações autónomas do montante disponível do SIFIDE;

– declarar a ilegalidade da autoliquidação relativa exercício de 2012, na parte relativas ao montante disponível do SIFIDE que não foi deduzido ao montante da colecta de IRC resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação na parte respectiva;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa aos pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações por não dedução dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desses pedidos;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias que pagou relativas ao SIFIDE que poderia ter sido deduzido aos montantes das tributações autónomas e a pagar juros indemnizatórios à Requerente, relativamente esse montante desde a data do pagamentos até ao seu reembolso.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 139.419,48.

 

            7. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 50,64% e 48,36%, respectivamente, que correspondem aos valores do decaimento de cada uma das Partes [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], à face dos valores dos pedidos principais formulados.

 

Lisboa, 13 -05-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

(Fernando de Jesus Amado dos Santos)

 

 



[1]               O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[2]              Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrara natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

 [3]             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[4]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[5]              Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

 

De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de  IRC por via do  Pagamento  Especial  por Conta, das Tributações Autónomas e  do  IRC de  exercícios anteriores;

– 34% no período de tributação de 2008, em que  79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

– 36% no período de tributação de 2007, em que  80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

   

 

[6]              OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[7]              Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao até ao 6.º período de tributação seguinte.

[8]              Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08.

                No mesmo sentido, FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 45.

[9]              Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[10]             À face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC (não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação).

[11]             A anterior redacção é a do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que renumerou e republicou o CIRC e em que o artigo 93.º corresponde ao anterior artigo 87.º.

[12]             Direito Fiscal, 7.ª edição, página 151.