Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 735/2015-T
Data da decisão: 2016-05-20  IMT Selo  
Valor do pedido: € 3.566,24
Tema: IMT e IS – FIIAH e SIIAH
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Decisão Arbitral [1]

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 17 de fevereiro de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.       A A..., S. A., Pessoa Colectiva nº..., matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na Avenida de..., nº..., ..., em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), na qualidade de sociedade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário B..., registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 4 de Dezembro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende com o referido pedido de pronúncia arbitral que:

 

1.2.1.           “Sendo as Liquidações assentes no artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), (…) enfermam de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa (…)”;

1.2.2.           “(…) a Autoridade Tributária não deveria ter liquidado o IMT e o IS correspondente às Liquidações (…)”;

1.2.3.           E, em consequência, “(…) deve ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (…) ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda (…)”, devem ser “(…) anuladas as Liquidações” e deve “ser reembolsada a Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido (…) dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

1.3.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite, em 7 de Dezembro de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.       A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 2 de fevereiro de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 17 de fevereiro de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, no prazo máximo de 30 dias:

 

1.7.1.     Apresentar Resposta;

1.7.2.     Solicitar a produção de prova adicional (caso assim o entendesse);

1.7.3.     Remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

1.8.    Em 16 de Março de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve o (…) pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos (…), tudo com as devidas e legais consequências” ou, caso assim não se entenda, “requer-se (…) que seja determinado a notificação ao Ministério Público do (…) acórdão arbitral”.

 

1.9.    Adicionalmente, foi incluído na Resposta um pedido dispensa de apresentação de processo administrativo “(…) atenta à matéria em causa e face ao teor dos documentos já juntos pela requerente (…)”.

 

1.10.  Por despacho arbitral de 17 de março de 2016, foram ambas as Partes notificadas no sentido de se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como sobre a possibilidade de dispensa de apresentação de alegações, tendo ainda sido nele deferido o pedido de dispensa de apresentação de processo administrativo apresentado pela Requerente (e referido no ponto anterior).

 

1.11.  Na mesma data, a Requerida apresentou requerimento no sentido de “(…) informar que prescinde da reunião a que alude o artigo 18 do RJAT, todavia não prescinde da apresentação de alegações”.

 

1.12.  A Requerente, em 23 de março de 2016, apresentou requerimento no sentido de que “(…) nada tem a opor à dispensa da reunião (…), propondo-se apresentar alegações escritas assim que o Tribunal Arbitral o entender conveniente”.

 

1.13.   Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 30 de Março de 2016, e em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis [previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT], decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.13.1.       Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.13.2.       Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações).

1.13.3.       Designar o dia 20 de Maio de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.14.   A Requerente foi ainda advertida que até à data da prolação da decisão arbitral deveria “(…) proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

1.15.   A Requerente apresentou, em 5 de Abril de 2016, alegações escritas no sentido de:

 

1.15.1.       Reiterar a posição já assumida no pedido de pronúncia arbitral quanto ao facto de as liquidações alegadamente assentarem “em norma materialmente inconstitucional, por violação grosseira da regra da irretroactividade fiscal (…)”, o que, segundo a Requerente, determinará “a ilegalidade abstracta das Liquidações”;

1.15.2.       Concluir nos mesmos termos do pedido, ou seja, deverá “ser declarada a nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade, ou subsidiariamente (…) serem anuladas (…) e ser o Requerente reembolsado pela totalidade do montante pago por força das liquidações objecto do pedido (…), acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

1.16.   A Requerida apresentou, em 22 de Abril de 2016, alegações escritas no sentido de:

 

1.16.1.       Reiterar a argumentação desenvolvida em sede de Resposta, “porquanto a argumentação invocada pela Requerente está longe de fundamentar e sustentar qualquer das pretensões formuladas que devem improceder”, “(…) procedendo-se apenas (…) ao reforço de alguns argumentos já aduzidos” e,

1.16.2.       Concluir que deve “(…) ser julgado improcedente o (…) pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se (…) a entidade requerida do pedido (…)”.[2]

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    “A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (…), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante «FIIAH») e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional” e “no seu artigo 8.º (…) estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos FIIAH (…)”, nos termos do qual ficam isentos do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT):

 

2.1.1.     “As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente (…)” e,

2.1.2      “As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra (…) pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento (…)”.

 

2.2.    Ora, conforme alega a Requerente “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) 2014) aditou ao artigo 8.º (…) do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16” nos termos dos quais:

 

2.2.1.     “Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)”;

2.2.2.     “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto”;

2.2.3.     “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos (…) antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

 

2.3.    E, prossegue a Requerente, referindo que “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) veio ainda a consagrar no seu artigo 236º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) o seguinte regime (…)”:

 

2.3.1.     “O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014”;

2.3.2.     “Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos (…) a partir de 1 de janeiro de 2014”.

 

2.4.    Com base nas disposições acima referidas, “(…) a ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (…) dos actos tributários de alienação de imóveis pelo Fundo Montepio Arrendamento”, a seguir identificados:

 

IDENTIFICAÇÃO DO PRÉDIO

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO

IMPORTÂNCIA PAGA (€)

Artigo Matricial ... da União das
Freguesias de ...

... Liquidação de IMT

€ 2.423,84

... Liquidação de IS

€ 1.142,00

 

Das Liquidações efectuadas ao abrigo do artigo 8º do Regime Tributário dos FIIAH e do artigo 236º do Regime Transitório

 

2.5.    Para a Requerente, “o número 14 do artigo 8.º (…) do Regime Tributário dos FIIAH (…) concretizou de forma inequívoca, e pela primeira vez, o significado da expressão prédios urbanos (…)” ao referir que “[são] destinados ao arrendamento para habitação permanente”, sendo que “a introdução desta definição de prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente foi acompanhada da concretização das circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do Regime Tributário dos FIIAH (…)”.

 

2.6.    Assim, para a Requerente “(…) caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data do seu ingresso naquele património, o sujeito passivo deverá solicitar à Autoridade Tributária, nos 30 (trinta) dias subsequentes ao termo do referido prazo a liquidação do imposto respectivo”, devendo também assim proceder no caso de “(i) os prédios serem alienados pelo FIIAH ou (ii) o FIIAH ser liquidado, em ambos os casos, antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH”.

 

2.7.    As alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro ao Regime Tributário dos FIIAH suscitam, segundo a Requerente, “(…) legítimas perplexidades e interrogações às sociedades gestoras dos FIIAH que pretendem cumprir as suas obrigações perante a Autoridade Tributária”, porquanto, “(…) entende-se que as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única (…) quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…)”.

 

2.8.    Neste âmbito, segundo a Requerente, os actos tributários cuja liquidação de IMT e de IS solicitou à Autoridade Tributária “referiam-se a prédios urbanos que integravam o património do B..., à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), ou seja, os abrangidos pelo (…) referido artigo 236.º (…)”, pelo que “a Requerente entende (…) que as Liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas”.

 

Da ilegalidade das Liquidações

 

2.9.    Na verdade, para a Requerente, “o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo B....” e “as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do B... , condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade”, porquanto “no momento em que os prédios - objecto das Liquidações - ingressaram no património do B..., ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e IS previstas (…)” no Regime Tributário dos FIIAH.

 

 

2.10.  Nestes termos, reitera a Requerente, “não estando (…) legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa” (sublinhado da Requerente).

 

2.11.  E, continua a Requerente referindo que “o artigo 236º (…) ao estender a aplicação do actual Regime Transitório dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos antes de 1 de janeiro de 2014 (…) está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado”, pelo que conclui que “a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções (…) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto”.

 

2.12.  E, acrescenta, “(…) a violação do princípio da retroactividade, ora invocada, tem em consideração o entendimento que vem sendo seguido pelo Tribunal Constitucional segundo o qual a proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo tão só os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga (…)”.[3]

 

2.13.  Assim, para a Requerente, “no caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga”.

 

Da nulidade das Liquidações

 

2.14.  Prossegue a Requerente referindo que “segundo o número 1 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo em vigor à data das Liquidações, os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade são nulos (…)”, entendendo “(…) a doutrina prevalente e a douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que nem todos os actos que ferem princípios constitucionais são nulos, só o sendo aqueles que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, isto é, que briguem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e já não aqueles que briguem com o princípio da legalidade tributária”.

 

2.15.  Assim, “em decorrência do que os actos violadores do princípio da legalidade tributária são anuláveis e não nulos”, entende a Requerente que “cabe aqui clarificar se a inconstitucionalidade ora arguida (…) deve ter como consequência a anulabilidade ou a nulidade das Liquidações”.

 

2.16.  Ora, “considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito”, “o seu desrespeito origina a nulidade do acto, in casu, a nulidade das Liquidações”.

 

2.17.  Segundo a Requerente, “nos termos do disposto no artigo 102.º (…), número 3, do CPPT, quando o fundamento da impugnação for a nulidade, a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo” sendo que “a admissibilidade de impugnação do vício da nulidade sem dependência de prazo não afasta a competência do Tribunal Tributário Arbitral, designadamente, por interpretação literal do artigo 10.º (…) do RJAT”.

 

2.18.  Assim, segundo a Requerente, “admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade) das Liquidações determina a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as Liquidações ser anuladas em conformidade (…)”.

 

2.19.  Em suma, conclui a Requerente que:

 

2.19.1.   “Sendo as Liquidações assentes no artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), enfermam de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa (…)”;

2.19.2.   “A Autoridade Tributária não deveria ter liquidado o IMT e o IS correspondente às Liquidações (…)” objecto do pedido;

2.19.3.   “(…) deve ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (…)” ou, “subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem anuladas as Liquidações”;

2.19.4.   Deve “ser reembolsada (…) pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido (…) dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

Da impossibilidade de desaplicação pela AT de norma legal com fundamento em insconstitucionalidade

 

3.2.    No que diz respeito a esta matéria, defende a Requerida que “nos termos (…) da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no (…) Código de Procedimento Administrativo (CPA), que por sua vez determina que os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”.

 

3.3.    Assim, entende a Requerida que “(…) de tais imposições legais decorre que os órgãos e    agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização (…) da conformidade constitucional”.

 

3.4.    Nesta matéria, segundo a Requerida, “(…) resulta que Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la, não podendo (…) ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro do qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público”.

 

3.5.    Ou seja, “vinculada ao princípio da legalidade, a AT não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade”.

 

Da alegada inconstitucionalidade

 

3.6.    Nesta matéria, começa a Requerida por esclarecer que a “(…) Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (…)” que “aprovou um regime especial aplicável aos (…) FIIAH e às (…) SIIAH”, “(…) seria de aplicar aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”.

 

3.7.    “Relativamente ao regime tributário então especificamente previsto (…)”, realça a Requerida que:

 

3.7.1.     “Nos termos do artigo 8.º, n.º 7, alínea a), ficam isentos de IMT as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento (…)”, aplicando tal isenção “(…) aos FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas (…) do respetivo regime jurídico”;

3.7.2.     “(…) nos termos do artigo 8.º, n.º 8, ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”.

 

3.8.    Ora, segundo a Requerida, “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), veio conferir nova redação ao mencionado artigo 8.º, atinente ao regime tributário aplicável aos FIIAH, aditando (…) os números 14 a 16 (…)”, nos termos dos quais:

 

3.8.1.     “Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)”.[4]

3.8.2.     “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto”.[5]

3.8.3.     “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos (…) antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.[6]

 

3.9.    Adicionalmente, refere ainda a Requerida que “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio ainda consagrar, no seu artigo 236.º (…)” uma norma transitória, nos termos da qual “o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014”, sendo que “sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.

 

3.10.  Neste âmbito, para a Requerida, “a nova redacção introduzida pela Lei n.º
83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo
”.

 

3.11.  Assim, para a Requerida “é de concluir (…) que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, de três anos, para o efeito”, pelo que considera que “tais alterações tiveram o cuidado de respeitar o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança”.

 

3.12.  Para a Requerida pode inferir-se “(…) com facilidade, que as isenções em questão não deixaram simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos critérios para concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada”.

 

3.13.  Nestes termos, segundo a Requerida, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”, concluindo ser “(…) manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em  apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra”.

 

3.14.  “Assim, estando em causa a concreta alienação dos imóveis” e “(…) ocorrendo a caducidade da isenção (…) o artigo 8.º, n.º 16 do regime vem apenas concretizar uma medida anti-abuso, isto é, concretizando que prédios que não fiquem em carteira com afectação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade”.

 

3.15.  Prossegue a Requerida referindo que “relativamente à questão da inconstitucionalidade (…), que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”, “sendo entendimento sufragado pela doutrina e pela jurisprudência que o referido preceito normativo apenas proíbe a retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal (…), excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria (…)”, “(…) tal não significa que, no caso dos autos, se possa concluir pela existência de uma circunstância de retroactividade pois (…) a lei nova não veio simplesmente determinar (…) que os imóveis anteriormente adquiridos fossem objecto de tributação em sede de IMT e Imposto do Selo” mas sim, no entender da Requerida, “(…) densificar critérios já previstos na lei antiga (…)”.

 

3.16.  Nestes termos, entende a Requerida ser de concluir que “(…) não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal” mas, “caso o Tribunal venha a acolher a pretensão da Requerente e (…) recuse a aplicação do artigo 236.º do Regime aplicável aos FIIAH, com fundamento em inconstitucionalidade, requer-se (…) seja determinado a notificação ao Ministério Público do (…) parecer arbitral (…)”.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

3.17.  Neste âmbito, segundo a Requerida, “(…) por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermar os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação”, reiterando que “(…) aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua atividade”, “o que, por sua vez determina (…) que não há suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios”.[7]

 

3.18.  Termina a Requerida a sua Resposta requerendo que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos (…) com as devidas e legais consequências”, “ou, caso assim não se entenda, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público do (…) acórdão arbitral”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.[8]

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.[9]

 

4.4.    A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.[10]

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     A Requerente é a sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B...”, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o número de identificação fiscal... .

 

5.2.2.     No âmbito da sua actividade, a Requerente solicitou à Requerida, em 8 de Outubro de 2015 (e com referência à aquisição efectuada em 18 de Dezembro de 2013, pela quantia de EUR 142.800,00 da fracção I do artigo 13º destinado à habitação, sito na Avenida..., Travessa de ... e Rua..., ... Dtº, em Torres Vedras, relativamente à qual havia beneficiado da isenção de IMT e de IS, nos termos do Regime Tributário aplicável aos FIIAH), as seguintes liquidações:

 

IMÓVEL

LIQUIDAÇÃO

IMPOSTO

MONTANTE

Artigo Matricial ... da União das Freguesias de ...

...[11]

IMT

EUR 2.423,84

...[12]

IS

EUR 1.142,40

TOTAL

EUR 3.566,24

 

5.2.3.     As liquidações de IMT e de Imposto do Selo identificadas no ponto anterior estão datadas de 8 de Outubro de 2015 e a Requerente efectuou o seu pagamento em 9 de Outubro de 2015 (ou seja, dentro do prazo limite para o fazer), conforme cópias das transferências bancárias efectuadas e anexadas ao processo com o pedido (doc. nº 2).

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de se determinar se as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, efectuadas em Outubro de 2015, enfermam ou não de vício que possa determinar a sua (i)legalidade.[13]

 

6.2.    Como vimos, no ponto 1.2., supra, a Requerente sustenta o seu pedido no facto de considerar que “(…) as Liquidações assentes no artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…) enfermam de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (…), número 3, da Constituição da República Portuguesa (…)”, entendendo que “(…) a Autoridade Tributária não deveria ter liquidado o IMT e o IS correspondente (…)” e, em consequência “(…) deve ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (…)” ou “(…) subsidiariamente, caso assim não se entenda (…)”, devem ser “(…) anuladas as liquidações (…)”.

 

6.3.    Por outro lado, a Requerida não concorda com a posição da Requerente porquanto “nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade (…) que por sua vez determina que os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”.

 

6.4.    Nestes termos, entende a Requerida que “(…) de tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade (…)”, estando “(…) sujeita à lei e ao direito (…)”.

 

6.5.    Assim, conclui a Requerida que estando “vinculada ao princípio da legalidade, (…) não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade”.

 

6.6.    Nestes termos, refira-se desde já que este Tribunal Arbitral não irá pronunciar-se quanto à questão da alegada (in)constitucionalidade do artigo 236º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, em matéria do regime transitório aí previsto, aplicável aos FIAH e às SIIAH, mas sim apreciar e decidir, no âmbito das suas competências (previstas no artigo 2º do RJAT), da (i)legalidade das consequências que podem decorrer, da sua aplicação, no caso em análise.

 

6.7.    Com efeito, nos termos do disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação (…)nomeadamente, da “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)”, sendo que a competência para proceder à fiscalização da conformidade das normas jurídicas (em particular das Leis e dos Decretos-Leis) com a Constituição é privativa do Tribunal Constitucional, dado tratar-se da competência nuclear daquele Tribunal, assumindo-se este como “guarda” ou garante último da Constituição.[14]

 

6.8.    Assim, este Tribunal Arbitral irá, preliminarmente, aferir se a situação em análise é ou não subsumível no regime do artigo 236º acima referido e, em caso afirmativo, determinar quais as consequências que essa eventual subsunção pode ter nas liquidações de IMT e de Imposto do Selo controvertidas.

 

Regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH

 

6.9.    A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro veio aprovar “o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, dispondo que “o regime (…) é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”, ou seja, entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 (sublinhado nosso).

 

6.10.  De acordo com o regime jurídico previsto no diploma acima identificado, “a constituição e o funcionamento dos FIIAH (…) regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março (…)”. [15]

 

6.11.  Assim, conforme previsto no regime jurídico acima referido, “os FIIAH são constituídos sob a forma de fundos fechados de subscrição pública ou de subscrição particular” e “após o primeiro ano de actividade o valor do activo total do FIIAH deve atingir o montante mínimo de (euro) 10 milhões (…)”, sendo que “quando constituído com o recurso a subscrição pública” deve “ter, pelo menos, 100 participantes, cuja participação individual não pode exceder 20 % do valor do activo total do fundo”.

 

6.12.  “O incumprimento do limite de participação individual previsto” no ponto anterior “determina a suspensão imediata e automática do direito à distribuição de rendimentos do FIIAH no valor da participação que exceda aquele limite”.

 

6.13.  No que diz respeito à composição do património do FIIAH “é aplicável o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, sendo que, pelo menos, 75 % do seu activo total é constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente”.[16] [17]

 

6.14.  “Os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objecto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento” sendo que, “previamente à celebração do contrato de transmissão da propriedade do imóvel para o FIIAH, a respectiva entidade gestora presta ao alienante (…) informação sobre os elementos essenciais do negócio, como seja o preço da transacção, incluindo, também, caso seja aplicável, o valor da renda, as respectivas condições de actualização e os critérios de fixação do preço e os termos gerais do exercício da opção de compra” (sublinhado nosso).

 

6.15.  “O arrendamento (…) constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020”, o qual “(…) só é transmissível por morte do titular” (sublinhado nosso).[18]

 

6.16.  No que diz respeito ao regime tributário aplicável, estão previstas no regime especial diversas isenções, nomeadamente:

 

6.16.1.   A isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) quanto aos rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas.

6.16.2.   A isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

6.16.3.   A isenção de IRS quanto às mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.[19]

6.16.4.   A isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, dos prédios urbanos, destinados ao arrendamento para habitação permanente, que integrem o património dos fundos.

6.16.5.   A isenção de IMT quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.

6.16.6.   A isenção de Imposto do Selo quanto a todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto.

 

6.17.  O regime acima descrito é aplicável, com as devidas adaptações, às sociedades de investimento imobiliário (SIIAH) que venham a constituir-se ao abrigo de lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH.

 

6.18.  Aquando da sua criação, em 2008 (com efeitos a 1 de Janeiro de 2009), o regime tributário acima descrito destacava-se através das suas isenções tributárias, como “medida de estímulo ao arrendamento (…), com o objectivo de aliviar a carga fiscal sobre proprietários e inquilinos”, permitindo-se que as famílias com empréstimos à habitação, e com dificuldade em pagar a prestação do seu crédito, pudessem converter as respectivas prestações, no pagamento de uma renda, mediante a venda do respectivo imóvel ao FIIAH, e a celebração, com a entidade gestora do fundo (SIIAH), de contrato de arrendamento sobre o mesmo imóvel, podendo ainda manter, até 2020, a opção de compra do imóvel.

 

6.19.  Neste âmbito, refira-se que o leque de isenções acima apresentadas configura a noção de benefícios fiscais (no caso, aplicáveis aos FIIAH e às SIIAH), conforme definido no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

6.20.  Com efeito, “os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem”, sendo que “do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude” (sublinhado nosso).[20]

 

6.21.  “Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que (…) são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto”, mas “(…) porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do EBF” (sublinhado nosso).[21]

 

6.22.  Com o Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro) foram introduzidos os números 14, 15 e 16 ao artigo 8º (regime tributário) do regime especial acima referido, nos seguintes termos:

 

6.22.1.   “Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo [22] (nº 14) (sublinhado nosso).

6.22.2.   “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto” (nº 15).

6.22.3.   “Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior” (nº 16) (sublinhado nosso).

 

6.23.  Adicionalmente, a mesma Lei (acima referida no ponto anterior) veio também consagrar, no seu artigo 236º, um regime transitório aplicável aos FIIAH e às SIIAH, nos termos do qual:

 

6.23.1.   “O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014” (nº 1).

6.23.2.   “Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014” (nº 2).

 

6.24.  As alterações acima descritas vieram não só concretizar, de forma inequívoca, o significado da expressão “prédios urbanos prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, mas também vieram precisar as circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do regime tributário aplicável.

 

6.25.  Com efeito, se na redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, se referia que “ficam isentos do IMT, as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, sem se esclarecer os conceitos aí implícitos, com a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro ficou clarificado que “considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” (sublinhado nosso).

 

6.26.  Por outro lado, com os aditamentos decorrentes da Lei do Orçamento do Estado para 2014, veio expressamente concretizar-se que:

 

6.26.1.   Caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de 3 anos, a contar da data do seu ingresso no património do fundo, as isenções previstas, em sede de IMI, IMT e Imposto do Selo, ficam sem efeito (caducam), “devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto liquidado”.

6.26.2.   Caso os referidos prédios sejam, nomeadamente, alienados, antes de decorrido o prazo de 3 anos previsto, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT (antes da alienação do prédio), a liquidação do imposto devido.

 

6.27.  No caso em análise, a Requerente entende que as liquidações de IMT e Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral “enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103º, nº 3 da CRP” (pelo que devem, consequentemente, ser declaradas nulas ou anuláveis), porquanto, “as isenções de IMT e IS não eram”, à data em o imóvel ingressou no património do Fundo de Investimento Imobiliário B..., “condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem (…) sujeitas a qualquer regime de caducidade”.

 

6.28.  Nesta esteira de raciocínio, a Requerente entende que o regime transitório previsto no “artigo 236.º (…) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (…), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014 (…) está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado”, porquanto “(…) a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (…) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto”.

 

6.29.  Assim, entende a Requerente que “não estando (…) legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (….) da Constituição da República Portuguesa” (sublinhado nosso).

 

6.30.  A Requerida não concorda com esta posição uma vez que entende “à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH (…) as isenções em questão (…) exigiam, respetivamente que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o arrendamento para habitação permanente e que a transmissão tivesse por objeto prédios destinados a habitação permanente (…)”, pelo que “os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (sublinhado nosso).

 

6.31.  Ora, no caso em análise, conforme decorre das notas de liquidação anexadas ao processo, as liquidações basearam-se no facto de ter sido dado ao imóvel subjacente destino diferente daquele em que assentou o benefício (conforme cópia das notas de cobrança anexadas aos autos pela Requerente), porquanto o imóvel (descrito no ponto 5.2.2., supra) adquirido em 18 de Dezembro de 2013 foi alienado em Outubro de 2015, não havendo evidência de que esta alienação tenha sido efectuada a favor do arrendatário, nos termos do disposto no artigo 5º do regime especial do SIIAH.

 

6.32.  Assim, não se trata da aplicação do requisito associado com a afectação a um destino específico (arrendamento para habitação permanente), no prazo de três anos introduzido pelo artigo 236º do regime transitório já referido (e respectiva contagem do prazo), mas sim da alienação de um imóvel afecto a um FIIAH gerido pela Requerente, fora do âmbito “das aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento” [conforme previsto no artigo 8º, nº 7, alínea b), nº 8 e artigo 5º, nº 3 do regime especial dos FIIAH] o que, implicitamente, originou que esse imóvel deixasse de estar (ou nunca tivesse estado) afecto, pelo FIIAH, ao fim legalmente previsto no artigo 8º, nº 7, alínea a) e nº 8 daquele regime especial (arrendamento habitacional).

 

6.33.  Adicionalmente, e com o objectivo de dar resposta à questão acima enunciada no ponto 6.1., deverá ser dada também maior atenção à análise da natureza dos Benefícios Fiscais, em geral, e dos previstos no Regime Especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, em particular.

 

Do regime dos Benefícios Fiscais em geral

 

6.34.  Em geral, a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo, porquanto se traduz num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária e, por se poder tratar de um incentivo económico, social ou cultural (prosseguindo finalidades diversas das que presidem ao sistema de tributação regra), devem os benefícios fiscais caracterizar-se pela sua natureza excepcional e pelo fundamento extrafiscal:

 

6.34.1.   Pela sua natureza excepcional, porque obstam à tributação normal;

6.34.2.   Pelo fundamento extrafiscal, na medida em que, a existir um fundamento fiscal, ele deveria ser incorporado no próprio sistema de tributação regra.

 

6.35.  Ora, constituindo o acto de tributar um acto de interesse público haverá que reconhecer que a criação de um benefício fiscal irá alterar o equilíbrio na distribuição da carga fiscal ao tratar de modo desigual os cidadãos, à luz do critério da capacidade contributiva, inviabilizando a aplicação do princípio da igualdade.[23] [24]

 

6.36.  Nestes termos, poder afirmar-se que os benefícios fiscais encerram três requisitos:[25]

 

a)       Desde logo, constituem uma derrogação às regras gerais de tributação;

b)      Em segundo lugar, prosseguem um objectivo social e económico relevante que determina a derrogação da regra geral referida no ponto anterior;

c)       E, por último, atribuem, em consequência, uma vantagem aos contribuintes que deles beneficiam.

 

6.37.  Assim, de acordo com o disposto no artigo 2º do EBF, “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as isenções (…)” (sublinhado nosso).[26]

 

6.38.  Neste sentido, o artigo 2º do EBF considera o conceito de benefício fiscal como sendo um facto impeditivo da constituição da relação tributária, pelo que as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são:

 

6.38.1.   Juridicamente especiais e,

6.38.2.   Factualmente excepcionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes.

 

6.39.  Neste âmbito, a quebra do núcleo essencial da tributação passa, primordialmente, por uma derrogação ao princípio da capacidade contributiva ([27]) porquanto, de acordo com este princípio, a tributação seria praticada de acordo com a situação subjectiva da cada contribuinte, ou seja, o imposto justo é aquele que garante a igualdade material na repartição dos encargos tributários.

 

6.40.  A capacidade contributiva reclama não só a personalização da tributação mas também que o legislador dirija o imposto às três manifestações de riqueza relevantes que indiciem a capacidade económica do contribuinte e que constituem a base tributável, ou seja, a riqueza que angaria (o rendimento), a riqueza que possui (o património) e a riqueza que despende (o consumo).[28]

 

6.41.  Nestes termos, o princípio da capacidade contributiva compreende duas dimensões, que são a de pressuposto e a de limite da tributação:

 

6.41.1.   Como pressuposto ou fonte da tributação, o princípio da capacidade contributiva baseia-se na força económica do contribuinte expressa na titularidade ou utilização da riqueza;

6.41.2.   Como limite ou medida valor do imposto, veda que o legislador adopte elementos de ordenação incidentes sobre os elementos constitutivos do imposto, contrários às exigências de justiça fiscal enunciadas pelo mesmo princípio.

 

6.42.  Por outro lado, os benefícios fiscais podem ser distinguidos como benefícios condicionados, benefícios temporários e benefícios permanentes. [29]

 

6.43.  Os benefícios fiscais condicionados são aqueles cuja eficácia fica dependente da verificação de certos pressupostos acessórios secundários (que são a sua “conditio juris”), distinguindo-se deste modo, dos benefícios ditos puros cuja eficácia não está dependente da verificação de nenhum pressuposto acessório.[30] [31]

 

6.44.  Relativamente aos benefícios temporários, como o nome indica, são concedidos por um período limitado fixado na lei, por contraposição aos benefícios permanentes concedidos para o futuro sem pré determinação da respectiva duração.[32] [33]

 

6.45.  Sendo os benefícios temporários criados com o objectivo de produzirem certos resultados de interesse público relevante, os benefícios de carácter permanente, dada a sua longa duração, têm por inconveniente, a possibilidade de ultrapassado o interesse público prosseguido com a sua concessão, se virem a transformar em favores ou privilégios fiscais.

 

6.46.  Conforme estabelece o artigo 12º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento (…)” pelo que se depreende que, por via de regra, o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respectivos pressupostos (sublinhado nosso).

 

6.47.  Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 5º do EBF, os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (sublinhado nosso).

 

6.48.  Na verdade, no que diz respeito à concessão dos benefícios fiscais, a lei distingue dois tipos de reconhecimento:

 

6.48.1.   Nos benefícios fiscais automáticos, o reconhecimento resulta directa e imediatamente da lei, operando pela simples verificação dos respectivos pressupostos de facto, não carecendo de qualquer acto da administração tributária;

6.48.2.   Nos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este pode ser efectuado por acto administrativo (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento unilateral) ou através de contrato (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento bilateral).

 

6.49.  Para efeitos do acima descrito, dispõe o artigo 65º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”.

 

6.50.  De acordo com o disposto no artigo 7º do EBF, “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (sublinhado nosso).[34]

 

6.51.  Quanto à forma de extinção dos benefícios fiscais, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 14º do EBF, a mesma pode ser provocada pela caducidade, pela alienação de bens para fins diferentes daqueles para que foi concedido o benefício, pela revogação do acto administrativo de concessão e pela renúncia aos benefícios.

 

6.52.  Em qualquer dos casos, de acordo com o disposto no artigo referido no ponto anterior, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra”, sendo que, nos termos do disposto no artigo 9º do EBF, “as pessoas titulares do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30 dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso).

 

6.53.  Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 15º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais (…) é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal”.[35]

 

Da interpretação das normas

 

6.54. Adicionalmente, e com o objectivo de serem entendidos melhor os benefícios fiscais atribuídos aos FIIAH e às SIIAH, será importante atentar nos princípios basilares da interpretação e aplicação das leis fiscais.

 

6.55.  Com efeito, e de acordo com o estabelecido no artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (sublinhado nosso).

 

6.56.  “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”, sendo que “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica” (sublinhado nosso).[36]

 

6.57.  Ou seja, de acordo com preceito acima referido, na interpretação das normas fiscais utilizam-se os princípios e regras gerais de interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica, salvo quando, em resultado da aplicação desses princípios e regras, o intérprete se vir confrontado com uma qualquer dúvida insanável – evento perante o qual lhe é permitido atender à substância económica dos factos tributários.

 

6.58.  E essas regras gerais são, como é de lei, as que se retiram do estabelecido no artigo 9º do Código Civil, nos termos do qual se dispõe que:[37]

 

q   A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (sublinhado nosso).

q   “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).

q   “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (sublinhado nosso).

 

6.59.  Ou seja, a letra da lei é ponto de partida e limite para a sua interpretação e o papel de qualquer aplicador/intérprete é atender ao que a lei diz, ao seu sentido objectivo, e não ao que o legislador putativamente quereria dizer.

 

6.60.  É certo que não pode deixar de se ter presente a teleologia do preceito, palavra que traduz um dos elementos lógicos da interpretação das leis, qual seja, a sua finalidade ou justificação social mas tal não pode contender com o estabelecido no nº 2 do artigo 9º do Código Civil, i.e., mesmo que se entenda que a finalidade do preceito não confere com a sua letra, é esta última que tem que prevalecer (porquanto é ao legislador que cabe mudar a lei, cabendo ao intérprete apenas compreendê-la e aplicá-la).

 

6.61.  Nestes termos, e no âmbito do exercício interpretativo, há que ter em conta que a aplicabilidade das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas no regime especial aplicável aos FIIAH, tal como definidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2009 (como acima vimos no ponto 6.16.), estavam dependentes do cumprimento dos seguintes requisitos:

 

6.61.1.   Existência de FIIAH, constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, nos termos da legislação aplicável, sendo que, pelo menos, 75% do seu activo total fosse constituído por imóveis, destinados a arrendamento para habitação permanente.

6.61.2.   Existência de imóveis, destinados a arrendamento para habitação permanente, cuja aquisição tenha ocorrido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013.

6.61.3.   Existência de mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação de imóvel objecto do contrato a um FIIAH (dentro do prazo referido no ponto anterior), os quais podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, constituindo-se num direito de opção de compra do imóvel (ao FIIAH) susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.

 

6.62.  Assim, verificados os requisitos referidos no ponto anterior, estavam isentas(os):

 

6.62.1.   De IMT as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados à habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento;

6.62.2.   De Imposto do Selo os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados à habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no ponto anterior.[38]

 

6.63.  Caso essas condições não se verificassem, de acordo com o previsto no artigo 14º do EBF, sempre ocorreria a extinção dos benefícios fiscais acima referidos (isenções de IMT e de Imposto do Selo).

 

6.64.  Ora, tendo em consideração a alienação do imóvel identificado no ponto 5.2.2., supra, para fins diferentes daqueles para que foram concedidos os benefícios fiscais acima descritos, tal determinaria (e determinou no caso em análise), a reposição automática da tributação regra.[39]

 

6.65.  Assim, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que o estatuído no nº 16 do artigo 236º do Regime Transitório, aplicado em conjugação com o disposto no nº 15º do mesmo artigo em nada altera a substância ou requisitos de aplicabilidade das isenções estabelecidas pelo artigo 8º, nº 7 e nº 8 do regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, no que diz respeito às liquidações em crise.

 

6.66.  Nestes termos, tendo em consideração as conclusões decorrentes da análise acima apresentada, entende o Tribunal que será negativa a resposta a dar à questão colocada no ponto 6.1., supra, ou seja, que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral não enfermam de qualquer ilegalidade, pelo que deverá ser considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

6.67.  Em consequência da conclusão referida no ponto 6.65., supra, fica prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroactividade do regime previsto pelo artigo 236º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 porquanto, conforme acima demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise derivam do facto de ter sido dado ao imóvel (identificado no ponto 5.2.2., supra) um fim diferente daquele para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo.

 

6.68.  Adicionalmente, fica também prejudicada, pelos mesmos motivos, a análise da questão de serem nulas ou anuláveis as liquidações em crise.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.69.  Nestes termos, tendo em consideração a conclusão apresentada no ponto 6.66., supra, sendo considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, não haverá lugar ao reembolso do imposto (IMT e Imposto do Selo) pago nem haverá, em consequência, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse montante.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.70.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.71.  Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.72.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.73.  Nestes termos, tendo em consideração o acima analisado, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    No caso em análise, tendo em consideração o exposto no capítulo anterior, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade pelas custas arbitrais à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

7.2.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.2.1.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica os actos de liquidação de IMT e de Imposto do Selo objecto do pedido, com as consequências daí decorrentes;

7.2.2.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 3.566,24.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Maio de 2016

 

O Árbitro,

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Não obstante a Requerida não se ter defendido, na Resposta apresentada, por excepção, veio referir no texto das suas alegações que se verifica não só (i) a excepção dilatória respeitante à alegada incompetência material do tribunal [ao referir no ponto 14. das referidas alegações que “(…) será de concluir pela impossibilidade do presente Tribunal arbitral decidir o presente litígio (…)”], bem como (ii) a excepção dilatória relativa à alegada ilegitimidade passiva da Requerida [ao referir no ponto 20. das referidas alegações “(…) atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos arbitrais (…)”], o que determinaria, em qualquer das situações, a verificarem-se, a absolvição da Requerida da instância. Neste âmbito, quanto a estas matérias, vide comentários no Capítulo 4 desta decisão.

[3] Neste âmbito, refere a Requerente os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.

[4] Nº 14 do Regime Tributário aplicável aos FIIAH.

[5] Nº 15 do Regime Tributário aplicável aos FIIAH.

[6] Nº 16 do Regime Tributário aplicável aos FIIAH.

[7] Para este efeito, cita a Requerida o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo nº 01529/14, de 03/04/2015, bem como os Acórdãos nº 0481/13, de 26/02/2014, nº 01916/13, de 12/03/2014, nº 0843/14, de 21/01/2015 e nº 0703/14, de 21/01/2015, todos do STA.

[8] No direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo. Já no direito adjectivo, como pressuposto processual (geral), ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, aquele conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.

Assim, tal como no direito substantivo, para efeitos de verificação da legitimidade das partes, haverá que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos nº 1 e 2 do artigo 30º do CPC, ou seja, em função do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu). Ainda dentro da regra enunciada nos citados nº 1 e 2 do artigo 30º do CPC, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.

De acordo com o nº 3 do artigo 30º do CPC, “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Nestes termos, no apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.

Atentos os pedidos formulados pela Requerente (vide ponto 1.2., supra), e tendo em consideração o disposto no artigo 21º do IMT [nos termos do qual “o IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos (…)”, tendo assim a Autoridade Tributária a competência exclusiva, quer para a liquidação, quer para a cobrança do imposto (vide artigos 36º e seguintes do Código do IMT)], bem como o disposto no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo [nos termos do qual “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”], entende este Tribunal que a Requerida tem legitimidade passiva quanto ao pedido formulado pela Requerente.

[9] Neste âmbito, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação (…)” da “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como da “declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, “a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida” (e não excepcionada), como é o caso do IMT e do Imposto do Selo.

Considerando a Requerente que “(…) a Autoridade Tributária não deveria ter liquidado o IMT e o IS correspondente às Liquidações (…)”, refere a questão da ilegalidade das liquidações e a sua subsequente nulidade/anulabilidade, ainda que suporte os argumentos apresentados na alegada inconstitucionalidade da norma 236º do Regime Tributário do FIIAH, concluindo o pedido arbitral, conforme ponto 1.2., supra, com o entendimento de que “(…) deve ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (…)” ou, “subsidiariamente, caso assim não se entenda (…)”, devem ser “(…) anuladas as Liquidações” e deve “ser reembolsada a Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido (…) dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso” (sublinhado nosso).

Assim, tendo em consideração o pedido de sindicância das liquidações controvertidas, nos termos acima expostos, entende este Tribunal ser materialmente competente para conhecer da (i)legalidade das liquidações controvertidas.

[10] Vide notas de rodapé nº anteriores (8 e 9).

[11] Conforme cópia anexada ao processo com o pedido (doc. nº 1).

[12] Conforme cópia anexada ao processo com o pedido (doc. nº 1).

[13] Neste âmbito, a presente decisão seguirá, de muito perto, o teor da análise e decisão arbitral do processo nº 688/2015, proferida pela signatária em 11 de Abril de 2016, tendo em consideração as semelhanças processuais (de facto e de direito) existentes entre ambos os processos.

[14] As competências do Tribunal Constitucional são múltiplas e variadas, encontrando-se fixadas na Constituição, na Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº28/82, de 15 de Novembro), na Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de Agosto) e na Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei nº 19/2003, de 20 de Junho).

[15] E alterado pelos Decretos-Leis nºs 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro.

[16] O limite percentual definido “é aferido em relação à média dos valores verificados no final de cada um dos últimos seis meses, sendo respeitado no prazo de dois anos a contar da data de constituição do FIIAH, e de um ano a contar da data do aumento de capital, relativamente ao montante do aumento”.

[17] Esta constituição do seu património fazia com que os FIIAH (à data da sua criação) pudessem vir a ser um instrumento potenciador do mercado de arrendamento em Portugal, combatendo a especulação dos preços dos novos arrendamentos e a decadência dos centros urbanos.

[18]O direito de opção de compra previsto (…) cessa se o arrendatário incumprir a obrigação de pagamento da renda ao FIIAH por um período superior a três meses”.

[19] As mais-valias referidas passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º do regime previsto, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.

[20] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 06588/13, de 25 de Junho.

[21] Vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.

[22] De acordo com o estatuído, caso os prédios sejam alienados, mesmo antes de decorrido o prazo previsto, nos termos do artigo 5º do regime (ou seja, no caso do exercício da opção de compra pelos arrendatários, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020, ou pelos seus herdeiros legais), não haverá lugar à liquidação do imposto devido.

[23] De acordo com Costa A., Rainha J. e Pereira M. [in “Benefícios Fiscais em Portugal: Objetivos económico-sociais - sistematização por atividades, legislação”, Coimbra, Livraria Almedina (1977)], os benefícios fiscais são instrumentos de política que visam certos objetivos económicos e sociais, sendo referido que o benefício fiscal existe sempre que uma entidade ou actividade abrangida pela incidência dum imposto fica em situação mais favorável relativamente às que se encontram sujeitas ao regime fiscal geral.

[24] O princípio da capacidade contributiva é caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como um princípio estruturante do sistema fiscal que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária e que tem assento implícito na “Constituição Fiscal”, por força da conjugação do disposto nos artigos nº 103° e 104° da Constituição da República Portuguesa (CRP).

[25] Neste sentido, Freitas, M. [in “Os incentivos fiscais e o financiamento do investimento privado, influência da fiscalidade na forma de financiamento das empresas”, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, (1980)], reconhece que existem três requisitos nos benefícios fiscais: (i) serem uma derrogação às regras de tributação, (ii) constituírem uma vantagem para os contribuintes e (iii) terem um objetivo económico ou social relevante.

[26] Note-se que o EBF publicado pelo Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho (diploma que já sofreu diversas actualizações), prevê no seu preâmbulo que “a multiplicidade e dispersão dos benefícios fiscais, abolidos com a entrada em vigor dos novos impostos sobre o rendimento, a 1 de Janeiro de 1989, constituía um dos aspectos mais criticáveis do sistema tributário português, dada a sua manifesta falta de coerência, as consequências negativas de que era causa no plano da equidade e a receita cessante que implicava”.

Na revisão do regime que se concretizou com a aprovação do Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho (Estatuto dos Benefícios Fiscais), “respeitante sobretudo aos impostos sobre o rendimento, entendeu o Governo acolher princípios que passam pela atribuição aos benefícios fiscais de um carácter obrigatoriamente excepcional, só devendo ser concedidos em casos de reconhecido interesse público; pela estabilidade, de modo a garantir aos contribuintes uma situação clara e segura; pela moderação, dado que as receitas são postas em causa com a concessão de benefícios, quando o País tem de reduzir o peso do défice público e, simultaneamente, realizar investimentos em infra-estruturas e serviços públicos”.

Nessa linha, “(…) são incluídos no Estatuto dos Benefícios Fiscais aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade. Os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente serão, por sua vez, incluídos nos futuros Orçamentos do Estado” (sublinhado nosso).

Nestes termos, “o Estatuto dos Benefícios Fiscais contém os princípios gerais a que deve obedecer a criação das situações de benefício, as regras da sua atribuição e reconhecimento administrativo e o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir maior estabilidade aos diplomas reguladores das novas espécies tributárias e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto dos benefícios fiscais” (sublinhado nosso).

[27] De acordo com Azevedo, R. (in “Estatuto dos Benefícios Fiscais, III Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto), está implícito no conceito de benefício fiscal uma natureza excepcional, sendo que essa excepção constitui, porém, uma vantagem (ou desagravamento) em favor de certa entidade, actividade ou situação.

[28] Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do Processo nº 1067/06, de 29 de Dezembro.

[29] Nesta matéria, vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.

[30] Citando Alberto Xavier (in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974), “(…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários (…)”.

[31] Nos benefícios condicionados, a condição pode revestir uma de duas formas, ou suspensiva (quando o benefício é concedido depois de verificados determinados pressupostos acessórios) ou resolutiva (quando o benefício é concedido mas a sua eficácia fica dependente da verificação dos pressupostos do benefício, cuja não verificação determina a caducidade do mesmo).

[32] Para Alberto Xavier, in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974, (…) a outorga de uma isenção temporária gera para o sujeito que dela beneficia uma expectativa de manutenção do benefício ao longo do período a que respeita – a qual deve ser tutelada em nome do princípio da segurança jurídica – mediante o reconhecimento do direito a que esse benefício não seja suprimido ou suspenso durante o tempo de vigência da isenção (…)”. Assim, ainda segundo o mesmo autor, (…) trata-se de um caso de necessário reconhecimento de direitos adquiridos, que deve conduzir a que eventuais hipóteses de derrogação das normas em que a isenção foi concedida não envolva a perda dos aludidos direitos, que poderão ser invocados contra o estado enquanto durar o período de vigência inicialmente previsto” (sublinhado nosso).

[33] Neste sentido, como afirma Nuno Sá Gomes (in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 165, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991, pág. 145) “os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício”.

[34] Redacção dada pela Lei nº 64/2015, de 1 de Julho (na redacção anterior, a referência para a “Autoridade Tributária e Aduaneira” era efectuada para a “Direcção-Geral dos Impostos”).

[35] Na verdade, pelo facto do benefício fiscal ser concedido “intuitu personae” deverá ser considerado intransmissível, quer “inter vivos”, quer “mortis causa”. Contudo, esta regra da intransmissibilidade comporta duas excepções, previstas no artigo 15º, nº 2 e nº 3 do EBF, a primeira de aplicação automática e a segunda dependente de autorização do Ministro das Finanças. Note-se que, quanto a esta segunda derrogação da regra da intransmissibilidade, esta é meramente aparente, quando não assuma o carácter “mortis causa”, porque faz depender a transmissibilidade “inter vivos” da concessão de um novo benefício, mediante um processo de reconhecimento.

[36] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS de 25 de Junho de 2013 (nº 06588/13), nos termos do qual “especificamente as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva”.

[37] Neste âmbito, citando Oliveira Ascensão (in “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, Lisboa, 3ª edição, 1983, págs. 313 e 315), “devemos partir do princípio que o texto exprime o que é natural que as palavras exprimam, pelo que se pode afirmar que o entendimento literal será normalmente aquele que virá a ser aceite”. Mas, sendo certo que há que reconstruir o pensamento legislativo, há ainda que esclarecer que, nas palavras do mesmo autor, é “(…) decisivo o facto de a lei só valer uma vez integrada na ordem social. (…) Esta integração na ordem social importa o apagamento do legislador após o acto de criação normativa. Torna-se mais importante verificar qual o sentido que a fonte toma na ordem social que visa compor, do que o sentido pelo criador histórico

[38] Verificavam-se assim isenções, em matéria de IMT e de Imposto do Selo, sobre as aquisições de imóveis, nas condições e para as finalidade acima previstas, “quer à entrada quer à saída” do FIIAH.

[39] Neste sentido, cfr. Acórdão do TCAS de 12 de Dezembro de 2012 (nº 5810/12).