DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
A..., com o NIF..., e B..., com o NIF..., ambos residentes em Lisboa (doravante designados por Requerentes), vêm, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2014 (terceira prestação) e ao prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de..., concelho de Lisboa, de que são comproprietários, na proporção de metade cada um, no valor de € 3 583,58 (três mil, quinhentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos).
Cumulativamente, pedem os Requerentes a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, bem como no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo arbitral.
São os seguintes os fundamentos do pedido:
a. No ano de 2014, o prédio de que os Requerentes são comproprietários não se encontrava em propriedade horizontal, sendo constituído por um total de 5 andares e divisões de utilização independente, perfazendo o seu Valor Patrimonial Tributário (VPT) o valor total de € 1 075 080,00;
b. O VPT dos andares e divisões de utilização independente, determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 154 180,00 e € 234 050,00, sendo que nenhuma das partes ou andares de afetação habitacional tem um VPT superior a € 1 000 000,00;
c. Porém, a AT considera que sobre o referido prédio incide o Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, que foi materializado nas seguintes liquidações:
i. Em nome da Requerente A...:
(i) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 1.º andar, no valor de € 379,15;
(ii) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 2.º andar, no valor de € 379,15;
(iii) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 3.º andar, no valor de € 386,45;
(iv) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 4.º andar, no valor de € 390,08;
(v) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 5.º andar, no valor de € 256,96;
ii. Em nome do Requerente B...:
(i) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 1.º andar, no valor de € 379,15;
(ii) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 2.º andar, no valor de € 379,15;
(iii) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 3.º andar, no valor de € 386,45;
(iv) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 4.º andar, no valor de € 390,08;
(v) Documento n.º 2015..., datado de 20/03/2015 – 5.º andar, no valor de € 256,96;
d. Entendem os Requerentes que as referidas liquidações, todas pagas em 18/11/2015, assentam na errada interpretação adotada pela AT, de que haverá sujeição a Imposto do Selo dos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, sempre que o somatório dos VPT dos andares individualmente considerados seja superior a € 1 000 000,00, com a qual se não conformam;
e. A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, tipificou os seguintes factos tributários:
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.» (sublinhado no original);
f. Embora a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não defina o que seja “prédio de afetação habitacional”, o artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, ao dispor que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”, remete para o conceito de prédio urbano estabelecido pelo artigo 2.º, do CIMI, cujo VPT é determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, do mesmo Código;
g. Na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal mas antes a verdade material da situação do imóvel, ou seja, o seu destino ou utilização normal, não sendo feita qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical ou em propriedade horizontal;
h. Não se afigura aceitável, face ao princípio da legalidade fiscal, que a AT considere, para efeitos da norma de incidência, que os prédios urbanos constituídos por várias divisões de utilização independente, destinadas a habitação, devam ser consideradas como um todo;
i. A inscrição matricial dos prédios em propriedade vertical obedece às mesmas regras da inscrição dos prédios em propriedade horizontal; sendo o IMI liquidado autonomamente em relação a cada uma das partes, deverá concluir-se ser o mesmo o critério da incidência do Imposto do Selo;
j. De facto, nas liquidações emitidas pela AT, o imposto incide sobre o VPT de cada andar ou divisão de utilização independente, mas considerando como referência o valor total do prédio, critério que não encontra sustentação legal e viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, assim como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal;
k. O legislador considerou como índice da capacidade contributiva a propriedade de prédios urbanos de afetação habitacional, de elevado valor (de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00), pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza;
l. O legislador entendeu que este valor, quando referido a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente), traduz uma capacidade contributiva acima da média, suscetível de suportar um contributo especial que garanta a justa repartição dos encargos fiscais;
m. Do pensamento legislativo resulta que a existência de um prédio em propriedade horizontal ou em propriedade vertical não é, por si só, indicador de capacidade contributiva, mas que tanto uns como outros devem receber o mesmo tratamento fiscal;
n. Assim, é ilegal e inconstitucional considerar como base de incidência o somatório dos VPT atribuídos às várias partes ou divisões de utilização independente dos prédios em propriedade vertical, por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade em matéria tributária.
Terminam os Requerentes por formular os pedidos de (i) declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, no valor total de € 3 583,58, (ii) condenação da AT na restituição dos valores indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios e (iii) condenação da AT no pagamento das custas do processo arbitral.
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, em 11 de abril de 2016, na qual se defendeu por exceção e por impugnação.
Na resposta primeiramente remetida aos autos, aduziu a AT os seguintes argumentos:
A – Por exceção – da inimpugnabilidade das prestações dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo
a. “Nos termos do art. 2º, nº1, al. a) do RJAT., os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de tributos, do mesmo modo que o art. 97º, nº1, al. a) do CPPT prevê a impugnação da liquidação dos tributos”;
b. (…) refere o professor Casalta Nabais : “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante de imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar conforme o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu, traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) As eventuais deduções à colecta.” (Cfr. Direito Fiscal, 3ª Ed., Almedina, 2005, p. 308);
c. (…) “A liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado e que só pode, evidentemente, ser objecto de uma única impugnação, independentemente do imposto poder ser pago em várias prestações (…)”;
d. “O pagamento de uma das prestações da liquidação efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança de imposto liquidado, evidencia o nº4, do art. 120º do CIMI, aplicável subsidiariamente, segundo o qual “No caso previsto nos nº1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes”;
e. (…) “quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas”;
f. “Com efeito, o art. 23º, nº 7, do Código de Imposto do Selo dispõe que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano (…), aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o art. 44º, nº 5, estabelece que “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba 28 da tabela geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120º do CIMI”;
g. “Por seu turno, o art. 113º, nº 1, do CIMI, aplicável por remissão daquela norma do CIS, estabelece que o imposto é liquidado anualmente e o art. 120º, nº1, do mesmo Código prevê o pagamento em uma, duas e três prestações, respectivamente no mês de Abril, Abril e Novembro, e nos meses de Abril, Julho e Novembro, consoante o seu montante for inferior a € 250, de € 250 a € 500, e superior a € 500”;
h. (…) “Vertendo tal entendimento para o caso em apreço nos presentes autos, em que está em causa apenas e tão-só a impugnação autónoma das notas de cobrança correspondentes às 3ªs prestações dos actos de liquidação da verba 28 da TGIS do ano de 2014, datados de 20/03/2015, que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, e a que corresponde o valor económico fixado ao processo, ocorre a excepção dilatória prevista al. c), do nº1, do art. 89º do CPTA, subsidiariamente aplicável pelo art. 29º, nº1, al, c), do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância”.
B. Por impugnação:
i. (…) “segundo os Autores do pedido de pronúncia arbitral, quando o prédio urbano for composto de andares ou divisões, a sujeição ao imposto de selo é determinada, não em função do valor patrimonial tributário total do prédio, mas em função do valor patrimonial de cada andar ou divisão”, dado o “facto de, para efeitos do imposto municipal sobre imóveis (IMI), nos termos do art. 12º, nº 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente ser considerado separadamente na inscrição matricial”;
j. (…) “Tal interpretação não tem correspondência com a letra da verba 28.1. da Tabela Geral”;
k. (…) “Segundo a verba 28.1., em caso de prédios urbanos com afectação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI)”;
l. (…) “O art. 80º, nº 2, do C.I.M.I. declara que, salvo o disposto nos arts. 84º e 92º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz”, princípio que “apenas é excepcionado relativamente aos prédios mistos em que, segundo o referido art. 84º, cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que, apesar de, nos termos do art. 2º, n º 4, do C.I.M.I., cada fracção autónoma ser havida como constituindo um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição matricial”;
m. (…) “A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente”; “Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”;
n. (…) “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do art. 28º, nº 1, da Tabela Geral”; “É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas”;
o. (…) “Outra interpretação violaria a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.)”;
p. (…) “Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei”;
q. “Concluir-se-á, assim, pela legalidade das liquidações impugnadas, devendo ser considerada como improcedente a pretensão dos Autores e a Requerida absolvida de todos os pedidos”.
A final, requereu a AT que, “atendendo a que a excepção da inimpugnabilidade de cada prestação per se dos actos de liquidação de IS ter natureza estritamente jurídica e a questão controvertida nos autos ser exclusivamente de direito, e ainda, a posição das partes estar plenamente definida nos autos e suportada pelos meios de prova juntos pela Requerente” e, “em consonância com os princípios da cooperação, da boa fé processual e da livre condução do processo consignados, respectivamente, na al. f) do art. 16º, e no art. 19º do R.J.A.T., e ainda com o princípio da limitação de actos inúteis do art. 130º do C.P.C, a dispensa da apresentação do Processo Administrativo, bem como, a dispensa de realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e de apresentação de alegações”.
Na mesma data, foi inserida nos autos e notificada aos Requerentes uma segunda resposta da Requerida, em que a AT invocou a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido dos Requerentes, alegando que:
r. O objeto do processo não é a anulação de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para pagamento da terceira prestação do imposto, matéria que não consta da norma delimitadora da competência dos tribunais arbitrais tributários, ou seja, do artigo 2.º, do RJAT;
s. Não tendo os Requerentes questionado, em tempo, a liquidação do imposto quando foram oportunamente notificados da mesma, para pagamento da 1.ª prestação, ou seja do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo referente ao ano de 2014, não podem vir mais tarde, quando pagam a 3.ª nota de cobrança, e ultrapassada que está a competência do tribunal arbitral, vir a questionar aquela liquidação, que assim se converteu em definitiva.
Juntou ainda a AT cópia da decisão arbitral proferida em 17 de fevereiro de 2016 no Processo Arbitral que correu termos pelo CAAD sob o n.º 557/2015-T, em que os Requerentes impugnaram as segundas prestações das mesmas liquidações de Imposto do Selo, referentes ao mesmo período de tributação (2014) e ao imóvel identificado nos autos, da quantia de € 3 583,58 e no qual foi julgada procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, absolvendo-se a Requerida da instância.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 21 de dezembro de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 4 de janeiro de 2016.
Os Requerentes informaram que não pretendiam utilizar a faculdade de designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 2 de março de 2016, para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Por despacho arbitral de 11 de abril de 2016, na sequência da notificação da Resposta em que a AT invocou a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, e, tendo em vista o exercício do contraditório, determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas por 10 dias, com início nos Requerentes, fixando-se a data de 27 de maio de 2016 para prolação da decisão arbitral e advertindo-se os Requerentes de que, até àquela data, deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 12 de abril de 2016, foi registada e notificada aos Requerentes a primeira resposta transmitida pela AT e, em 14 de abril de 2016, o requerimento em que aqueles exerceram o respetivo contraditório, alegando, em síntese:
(i) Quanto ao valor da causa:
- Os Requerentes, por lapso, indicaram erradamente o valor da causa, devendo esta corresponder ao somatório das liquidações impugnadas, ou seja, a € 10 750,74, e não à soma das notas de cobrança indicadas no requerimento inicial;
- Requer-se a respetiva correção, nos termos dos artigos 97-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, do CPC, aplicáveis subsidiariamente ex vi do artigo 29.º, do RJAT e conforme é permitido pelo artigo 249.º, do Código Civil;
(ii) Da exceção suscitada:
- A AT invoca confusamente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral ao referir que os Requerentes impugnam uma nota de cobrança e não um ato de liquidação;
- Segundo a AT, para que os autos pudessem prosseguir, deveriam os Requerentes ter impugnado a primeira prestação da liquidação;
- Não resulta claro qual a natureza da exceção invocada: se a incompetência do Tribunal Arbitral, se a intempestividade do pedido;
- O ato tributário impugnado objeto dos presentes autos foi corretamente identificado no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em que os Requerentes declaram pretender a apreciação da “legalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS) referentes ao ano de 2014”;
- A AT compreendeu bem o objeto dos presentes autos e admitiu-o expressamente no artigo 1.º da resposta apresentada;
- A referência feita pelos Requerentes à nota de cobrança da 3.ª prestação apenas visou a contagem do prazo para impugnação das liquidações, já que estas não são autonomamente notificadas aos contribuintes, mas apenas as notas de cobrança;
- De acordo com a Jurisprudência do STA, caso existam dúvidas sobre o objeto do pedido, as mesmas deverão ser analisadas no contexto geral da p. i. apresentada pelos Requerentes;
- Pelos motivos expostos, pedem os Requerentes que (i) o valor da causa seja corrigido para € 10 750,74 e (ii) a exceção invocada pela AT seja declarada improcedente.
Notificada para se pronunciar sobre o teor do aludido requerimento, veio a AT dizer:
- “A excepção suscitada na Resposta da Requerida e a que os Requerentes são chamados a pronunciar-se consiste na inimpugnabilidade das prestações dos actos de liquidação de I. do Selo e a sua apreciação obsta ao conhecimento do mérito e conduz à absolvição da instancia da Requerida, ou não, nos termos do art. 89º, nº2 e 4, al) i, do CPTA, e do art. 576º, nº1 do CPC, aplicáveis ex vi o art. 29º do RJAT, o que implica, logicamente, na marcha processual, a sua apreciação pelo Tribunal previamente à admissão do requerimento de ampliação do objecto do processo e do valor da causa”;
- “Assim não seria se a Requerida não tivesse apresentado defesa por excepção, ou se o requerimento de modificação do objecto do pedido e do valor da causa tivesse sido apresentado antes da excepção levantada”;
- “Uma resposta à excepção de inimpugnabilidade da prestação do acto de liquidação da verba 28 do Imposto do Selo, objecto do pedido de pronuncia arbitral em causa, em que os Requerentes se pronunciam pela admissibilidade da impugnação autónoma de cada uma das prestações e consequente improcedência da excepção, e em simultâneo, a coberto dessa pronuncia, requerem a ampliação do objecto e do valor da causa para o montante total da liquidação, traduz um expediente que visa anular a oportunidade e esvaziar o sentido da apreciação da excepção pelo Tribunal Arbitral”;
- (…) “Tanto mais que na Decisão Arbitral proferida no processo nº 557/2015 T, junta aos presentes autos, a Requerida foi absolvida da instância em consequência da procedência da excepção de inimpugnabilidade da 2º prestação da liquidação de I. do Selo do ano de 2014, o que põe em evidencia que o objecto do pedido de presente pedido de pronuncia arbitral configurado pelos Requerentes, corresponde à 3ª prestação da liquidação do I. Selo de 2014 (…)”;
- “Nada impediria os Requerentes de impugnarem, no presente pedido de pronúncia arbitral, o acto de liquidação in totum, o único acto impugnável (…) “Até porque os Requerentes foram notificados da Decisão Arbitral tirada no aludido processo nº 557/2015-T CAAD, por registo com data de 17/02/2016, muito antes da apresentação da Resposta da requerida nos presentes autos, em 11/04/2016”.
Notificados pelo CAAD, vieram os Requerentes exercer o contraditório sobre a pronúncia da AT, defendendo, em suma, que a requerida correção do valor da causa não configura ampliação do pedido e mantendo e desenvolvendo a posição jurídica expendida na resposta à exceção invocada pela AT.
Por despacho arbitral de 3 de maio de 2016 foi deferido o requerimento dos Requerentes, remetendo-se a apreciação de todas as questões para a decisão final.
Cumpre apreciar e decidir.
2. MATÉRIA DE FACTO
2.1. Factos que se consideram provados:
2.1.1. No ano a que respeita o imposto (2014), os Requerentes eram comproprietários, em partes iguais, do prédio urbano acima identificado, destinado a comércio e habitação, composto por lojas, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º andares e sótão (5.º andar) destinados a habitação, com um VPT global de € 1 369 380,00;
2.1.2. O somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional é da quantia de € 1 075 080,00, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança do IS como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;
2.1.3. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado e afetação habitacional, tal como consta das notas de cobrança emitidas, varia entre € 154 180,00 e € 234 080,00;
2.1.4. Em nome dos Requerentes foram emitidas, em 20 de março de 2015, para pagamento voluntário em três prestações anuais, as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente, a taxa de 1% e a quota-parte de ½ para cada um dos comproprietários;
2.1.5. Em 11 de novembro de 2015, foi constituído o Tribunal Arbitral no processo n.º 557/2015-T, no qual os Requerentes pediram a “apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2014 (…) respeitante à 2.ª prestação”;
2.1.6. No âmbito do referido processo arbitral, suscitou a Requerida a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT;
2.1.7. Em 17 de fevereiro de 2016, decidiu o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 557/2015-T “Declarar procedente a exceção aduzida pela requerida, absolvendo-a da instância”.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta da Requerida.
2.3. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
3. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO
3.1.Das exceções invocadas pela Requerida
Na resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira primeiramente notificada aos Requerentes, veio esta invocar a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de uma das prestações da liquidação de Imposto do Selo, objeto dos autos, com fundamento no disposto no artigo 2.º, do RJAT; na resposta prestada em primeiro lugar, mas notificada a posteriori, invocou a AT a exceção da inimpugnabilidade do ato, prevista no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA, na redação que lhe foi dada pelo D. L. n.º 214-G/2015, de 02/10, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Trata-se de questões processuais de conhecimento prioritário, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, cuja verificação conduz à absolvição da instância.
Vejamos pois.
Como ficou dito supra, tiveram os Requerentes ensejo de exercer o contraditório sobre as exceções invocadas pela AT – seja a da inimpugnabilidade de uma das prestações em que se subdividiu a liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, seja a da incompetência do Tribunal Arbitral, questões, aliás, intimamente relacionadas.
Efetivamente, a competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD é fixada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, compreendendo os poderes de proceder à apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (alínea a) e à “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (alínea b).
No que respeita às liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, dispõe o n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro que “7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”
Por seu turno, estatui o n.º 1 do artigo 113.º, do CIMI, relativo à competência e prazo da liquidação que “1 - O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”, determinado o n.º 1 do artigo 120.º, do mesmo Código, que o imposto seja pago em uma, duas ou três prestações, consoante o valor do imposto liquidado seja de valor igual ou inferior a € 250,00 (alínea a); superior a € 250,00 e igual ou inferior a € 500,00 (alínea b) e superior a € 500,00 (alínea c), respetivamente.
Da conjugação das disposições legais transcritas resulta que existe uma única liquidação anual, apenas essa sendo suscetível de impugnação e que as prestações em que a mesma se subdivide não apresentam autonomia, por respeitarem à mesma obrigação tributária e não a obrigações periódicas distintas.
De facto, segundo a lição de Braz Teixeira, em matéria tributária, “É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação”[1] (sublinhado nosso), encontrando-se as prestações de uma liquidação de Imposto do Selo da verba 28, da TGIS, naquela primeira situação.
Posição, aliás, com que os Requerentes parecem concordar, pois que, notificados da resposta da AT, vêm invocar o lapso na indicação do valor da causa, esclarecendo que este deve corresponder ao somatório das liquidações impugnadas, sendo estas e não a terceira prestação de cada uma delas o objeto do processo.
Consideram os Requerentes que, tratando-se de um mero lapso na indicação do valor da causa, poderia o tribunal solicitar o aperfeiçoamento da p. i., ou proceder oficiosamente a essa correção.
Contudo, discorda a AT de tal entendimento, pois decorre expressamente da p. i. que os Requerentes pretenderam impugnar nos presentes autos apenas a terceira prestação da liquidação de Imposto do Selo de 2014, não existindo qualquer lapso ou erro desculpável naquela indicação, por, em data anterior à da constituição do Tribunal Arbitral, mais precisamente em 17 de fevereiro de 2016, terem sido notificados da Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 557/2015-T, no qual haviam requerido a anulação da segunda prestação das mesmas liquidações e em que foi julgada procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância.
Mais considera a AT que os Requerentes não estariam impedidos de impugnar as liquidações de Imposto do Selo de 2014, nos presentes autos, se, no espaço de tempo que mediou entre a notificação da referida Decisão Arbitral e a constituição do Tribunal Arbitral, tivessem procedido à alteração do pedido e corrigido o valor da causa, mas antes de a Requerida ter invocado qualquer exceção.
E tem razão a AT.
Nos processos arbitrais tributários organizados no CAAD sucedem-se, na maior parte dos casos, duas fases distintas: a fase do procedimento (Capítulo II, do RJAT) e a fase do processo, propriamente dito (Capítulo III, do RJAT), sendo a transição entre as fases marcada pela constituição do tribunal arbitral.
Constituído o tribunal arbitral e não se estando perante lapso ou erro desculpável que dê lugar à correção da p. i.[2], como é, claramente, o caso dos autos em que não subsistem dúvidas sobre o ato ali identificado, determina o princípio da estabilidade da instância que, por um lado, o momento atendível para determinação do valor da causa seja o da propositura da ação (cfr. o artigo 299.º, do CPC), ou, no caso vertente, o da constituição do tribunal arbitral, e que, por outro, apenas haja lugar à ampliação do pedido (no caso dos autos, em que foi requerida a declaração de ilegalidade e a anulação da terceira prestação do imposto, identificada na p. i., para a liquidação, na sua totalidade) se se verificarem factos supervenientes com os quais o impugnante não pudesse contar àquela data (cfr. o n.º 1 do artigo 63.º, do CPTA).
Pelos motivos expostos, dá-se por verificada a exceção da inimpugnabilidade autónoma da terceira prestação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, assim como a consequente incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.
4. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados decide-se em, julgando procedente a exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado, invocada pela Requerida, absolvê-la da instância.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3 583,58 (três mil, quinhentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo dos Requerentes.
Lisboa, 27 de maio de 2016.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1995,
págs. 243 e 244.
[2] Sobre a possibilidade de sanação de deficiências da p. i., cfr. Jorge Lopes de Sousa, em comentários ao artigo 110.º, do CPPT, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, págs. 228 e 229.