Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 695/2015-T
Data da decisão: 2016-05-18  IRC  
Valor do pedido: € 247.761,28
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos; indispensabilidade dos custos; encargos financeiros
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.                   RELATÓRIO         

 

1. No dia 23 de novembro de 2015, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC..., com sede na Avenida..., ..., ..., Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT).

1.1. A Requerente pede a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2015..., respeitante ao exercício de 2011, da liquidação de juros compensatórios n.º 2015... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2015..., com um valor total a pagar de € 247.761,28. Para o efeito, juntou 13 (treze) documentos e arrolou três testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.

             1.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Conselheira Maria Fernanda Maçãs, o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e o Dr. Jorge Manuel Figueiredo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

1.3. Em 15 de janeiro de 2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 1 de fevereiro de 2016.

1.5. Em virtude da renúncia do Dr. Jorge Manuel Figueiredo ao exercício das funções de árbitro neste processo, foi nomeado em sua substituição o Prof. Doutor António Martins, que aceitou o encargo.

 

2. A fundamentar o pedido a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

A Requerente tem como objeto social promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros.

No seguimento de inspeção tributária aos exercícios de 2011 e 2012, invocaram os Serviços de Inspeção Tributária que a Requerente «(…) está a financiar-se a taxas superiores àquelas que depois vai financiar as suas associadas através do financiamento obtido, ou seja, está a suportar encargos financeiros com financiamentos que está a canalizar para as suas associadas e que não estão a ser utilizados na sua atividade enquanto entidade autónoma, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos incorridos às entidades beneficiárias desses mesmos financiamentos». Assim, a inspeção conclui no sentido de «não serem fiscalmente dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2011 e 2012, os encargos financeiros correspondentes aos empréstimos contraídos, na proporção das verbas que não foram redebitadas às sociedades para as quais os empréstimos foram canalizados».

A Requerente desenvolve o seu objeto social através da interação mantida com as suas subsidiárias e associadas. Assim, o desenvolvimento da sua atividade – o qual tanto é realizado diretamente, como indiretamente (i.e. através das suas subsidiárias / associadas e outras participadas) - pressupõe necessariamente a concessão de empréstimos intragrupo, na medida em que os referidos financiamentos se mostram essenciais à prossecução da atividade desenvolvida pelas suas participadas e, consequentemente, à atividade exercida pela própria Requerente.

Em sede de inspeção, a Requerente alegou e provou que:

(a) É remunerada pelos empréstimos concedidos à sua participada B... (consórcio para construção e exploração de parques eólicos);

(b) Para financiar a B... foram efetuados múltiplos contratos de suprimentos entre as empresas do consórcio e a B..., consoante as necessidades de financiamento desta última sociedade;

(c) Em 2011, a Requerente cobrou uma taxa média de juros de 4,448%, resultante da aplicação de uma taxa fixa + valor da Euribor 12M ou Mid Swap 5Y; e

(d) Em 2012, a Requerente cobrou uma taxa média de juros de 5,568%, resultante da aplicação de uma taxa fixa + valor da Euribor 12M ou Mid Swap 5Y.

A Requente nota o facto de o artigo 23º do Código do IRC, e o respetivo conceito de indispensabilidade, ser o único fundamento legal invocado pela AT para a correção efetuada. Ora, em seu entender, os gastos devem considerar-se indispensáveis sempre que tenham em vista a obtenção de lucro por parte dos sujeitos passivos, isto é, sempre que, em termos abstratos, sejam suscetíveis de potenciar o lucro das empresas.

A Requerente salienta que a própria a AT, no relatório de inspeção, refere que «(…) a TP tem como objeto a gestão, promoção, desenvolvimento, instalação e exploração de projetos e de atividades de cogeração e energias renováveis, incluindo a participação em sociedades ou agrupamentos complementares de empresas que prossigam as mesmas atividades.»

Assim, o aludido objeto social consagra todo o enquadramento necessário do financiamento efetuado pela Requerente às suas subsidiárias, na medida em que decorre do objeto que esta pode desenvolver a sua atividade – indiretamente – através de participadas, associadas e subsidiárias, que prossigam atividades no setor da energia.

Na ótica da Requerente, sucede que, como resulta da factualidade exposta, os custos suportados com os financiamentos cuja dedutibilidade fiscal se controverte nos presentes autos já produziram e incrementaram proveitos. Por isso mesmo é que a AT se encontraria a contestar tão-só e apenas o diferencial entre os juros suportados e os juros auferidos, reconhecendo que houve obtenção de ganhos.

Os financiamentos concedidos pela Requerente são fundamentais para a atividade das participadas, permitindo que estas obtenham lucros que, posteriormente, serão distribuídos à Requerente / valorizarão a participação social da Requerente – i.e. existe um potencial de os custos suportados com o empréstimo virem a ter um retorno mediado por parte da Requerente, influenciando os seus resultados de forma positiva.

A Requerente contesta a linha argumentativa da AT quando, por um lado, questiona a necessidade do custo mas, por outro lado, parece centrar-se apenas no valor do juro, matéria que transcende a dedutibilidade, devendo ser analisada apenas sob o prisma dos preços de transferência, em particular, quando a objeção apresentada se centra no excesso de juro suportado face ao juro auferido.

E refere ainda a Requerente que a diferença de spreads e componentes variáveis num empréstimo pode existir sem que as operações não sejam perfeitamente justificáveis e enquadráveis em condições de mercado, nomeadamente em virtude da diferente capacidade de produzir garantias bastantes entre as sociedades ou até em virtude da duração do crédito.

2.1. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«A) A anulação da liquidação de IRC de 2011 e respetivos juros compensatórios, no montante de EUR 247.761,28, com o fundamento de que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzida na errónea aplicação do artigo 23.º do Código do IRC;

B) A declaração da inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por violação do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa;

C) A condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT,

Tudo com as legais consequências.»

3. No dia 4 de março de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

3.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

Para a AT, e no âmbito da análise aos valores dos juros aqui em causa, verificou-se que os empréstimos concedidos são superiores aos obtidos, o que significa que a empresa está a financiar-se, junto de instituições financeiras e das detentoras do capital, e por sua vez está a financiar as suas associadas quer com recurso aos financiamentos obtidos, quer com a utilização de recursos próprios, uma vez que concede mais financiamento do que aquele que obtém.

Por outro lado, constatou-se que os rendimentos obtidos dos empréstimos concedidos são inferiores aos gastos em que incorre para se financiar, situação esta que deriva do facto da empresa estar a financiar as suas associadas a uma taxa de juro inferior, e em alguns casos até sem juros, àquela que ela própria está a suportar no seu financiamento.

Da factualidade apurada, em sede inspetiva, resultou que a questão essencial nos presentes autos é saber se os encargos financeiros resultantes do financiamento que a Requerente obteve e com o qual financiava as suas associadas, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos às entidade beneficiadas, podiam ser enquadrados no artigo 23.º do CIRC, ou se pelo contrário, os mesmos não integravam os requisitos de admissibilidade de custos estabelecidos neste preceito.

E da fundamentação do ato impugnado resulta, para a AT, manifestamente demonstrado que a Administração Fiscal não poderia aceitar como custo fiscal os encargos financeiros relativos ao financiamento das entidades associadas da Requerente e que não estavam a ser utilizados na sua atividade, enquanto entidade autónoma. No entender da AT, a argumentação aduzida pela Requerente, quer em sede inspetiva, quer nos presentes autos, não logra afastar o juízo efetuado pela Requerida no sentido de afastar do âmbito normativo do art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros que, assim, foram desconsiderados, para efeitos fiscais, o que determinou as correções efetuadas.

Assim, sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do gasto na obtenção dos rendimentos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses mesmos rendimentos. Ou seja, para que determinada verba seja considerada como custo, é necessário, que diga respeito à atividade por si própria desenvolvida e não por outra sociedade, ainda que pertencente ao mesmo grupo económico.

A indispensabilidade a que se refere o art. 23.º do CIRC, como condição para que um gasto seja dedutível, para efeitos de determinação do lucro tributável, não se refere à necessidade (as despesas como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer a conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), mas exige, tão só, uma relação de causalidade económica.

Alega a AT que o gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Assim, os gastos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. E é absolutamente consentâneo que os financiamentos são obtidos para benefício da atividade das participadas e não dela própria, ora os custos fiscais tem como pressuposto a atividade da própria sociedade, não podendo para este efeito, ser-lhe imputados os custos do exercício da atividade de outra com a qual tivesse alguma relação.

E a premissa da qual parte a Requerente para fundamentar a sua pretensão é, para a AT, manifestamente errada, porquanto o critério da indispensabilidade criado pelo legislador, visa impedir a consideração fiscal de gastos que ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, tendo sido efetuados para a prossecução de outros interesses alheios.

O facto de a Requerente ser uma holding intermédia do Grupo C..., não significa que as atividades exercidas pelas empresas dentro do grupo, percam a sua autonomia, tanto mais que de entre as prestações de serviços que realiza dentro desta estrutura, onde estão identificadas as contribuições que faz dentro da mesma, havendo uma clara definição das contrapartidas recebidas, concretizadas no fee de gestão e no fee de manutenção, não há qualquer referência aos encargos financeiros sub judice.

Não se inserindo os gastos na atividade da empresa, foram incorridos não para a prossecução dos seus interesses, mas para interesses alheios, não podem ser enquadrados no âmbito do seu objeto social. Os custos financeiros incorridos pela Requerente não estão diretamente relacionados com qualquer atividade inscrita no seu objeto social, nem se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.

Consequentemente, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são desviados da sua própria exploração para a de outra entidade com a qual está relacionada. A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro lucros resultantes da aplicação desses capitais na sua associada, ou a sua existência efetiva, não determina só por si, que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais, porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e não logrou a Requerente fazer essa demonstração.

Porquanto, toda a fundamentação das correções, que conclui que os encargos financeiros suportados pela Requerente não são um custo fiscal enquadrável no art. 23.º do CIRC, demonstra claramente, que os mesmos não decorrem da atividade empresarial desenvolvida.

Consequentemente, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se demonstrou que os fundos obtidos são desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma.

Assim, serão de desconsiderar fiscalmente os gastos associados ao financiamento que está a ser utilizado por outras empresas, que não a Requerente, relativamente ao diferencial existente entre os gastos e os rendimentos derivados dos financiamentos obtidos e concedidos. Sendo certo que houve redébito de juros, esses foram inferiores aos suportados, facto pelo qual, apenas foram desconsideramos fiscalmente os encargos financeiros que foram suportados e não redebitados às efetivas entidades beneficiárias dos financiamentos.

A Requerida remata assim o seu articulado:

            «Nestes termos, e nos demais que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.»

3.2. A 24 de março de 2016, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

 

4. Em 13 de abril de 2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por reproduzida –, tendo-se, ainda, procedido à inquirição de duas das testemunhas arroladas pela Requerente, tendo esta prescindido da terceira que indicou no respetivo rol. Naquela reunião foi ainda fixado o dia 1 de agosto de 2016 como data limite para a prolação do acórdão arbitral.

 

5. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.     

 

***

           

II.                SANEAMENTO

 

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

***

 

III. FUNDAMENTAÇÃO                     

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente foi constituída em julho de 1991, tendo como objeto social promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros. [cf. documento n.º 5 anexo à P. I.]

b) A estrutura de capital da Requerente foi alterada em meados de 2011, passando a pertencer a 100% ao “Grupo D...”, pois sendo então já detida em 50% pela “C... España, SL”, esta última adquiriu os 50% que pertenciam ao anterior acionista, a “E...”. [cf. PA junto aos autos]

c) A Requerente passou, desde então, a integrar plenamente o universo “C...”, grupo económico líder à escala global no setor da produção de eletricidade pela utilização de recursos renováveis. [cf. PA junto aos autos]

d) O que teve um impacto na sua estrutura de financiamento, pois deixou de ser financiada por terceiros e passou a ser financiada por empréstimos intra-grupo, tendo terminado em 2011 o financiamento externo que tinha obtido através de programas de papel comercial. [cf. PA junto aos autos]

e) A Requerente é uma holding intermédia do “Grupo C...” que, além de participações sociais em diversas sociedades do setor da energia, dispõe de recursos e estruturas técnicas e humanas que permitem criar sinergias e potenciar o desenvolvimento da atividade operacional por parte das respetivas subsidiárias.  

f) No ano de 2011, a Requerente relacionava-se com as entidades e detinha as participações a seguir identificadas [cf. PA junto aos autos]:

Empresas

Participação

2011

2012

Subsidiárias

 

 

F...

51,00%

51,00%

G...

95,00%

95,00%

H...

95,00%

95,00%

I...

70,00%

70,00%

J...

60,00%

60,00%

K...

95,00%

95,00%

L...

35,00%

35,00%

M...

95,00%

95,00%

N...

35,00%

35,00%

O...

90,00%

90,00%

P...

80,00%

80,00%

Q...

52,38%

52,38%

R...

100,00%

100,00%

Associadas

 

 

S...

10,00%

10,00%

T...

30,00%

30,00%

U...

21,88%

21,88%

V...

50,00%

50,00%

W...

50,00%

50,00%

X...

20,00%

20,00%

A custo

 

 

Y...

2,62%

2,62%

B...

17,98%

17,98%

           

g) A participada B...” consubstancia um consórcio para a construção e exploração de parques eólicos. 

h) O desenvolvimento da atividade da Requerente – o qual tanto é realizado diretamente, como indiretamente, através das suas subsidiárias/associadas e outras participadas – pressupõe necessariamente a concessão de empréstimos intra-grupo, na medida em que os referidos financiamentos se mostram essenciais à prossecução da atividade desenvolvida pelas suas participadas e, consequentemente, à atividade exercida pela própria Requerente, permitindo que aquelas obtenham lucros que, posteriormente, serão distribuídos à Requerente e que valorizarão as participações sociais da Requerente.

i) Os serviços prestados pela Requerente decompõem-se em [cf. PA junto aos autos]:

(1) Um fee de gestão, na medida em que as sociedades que desenvolvem os projetos energéticos recorrem aos recursos existentes na esfera da Requerente, com vista à exploração dos mesmos, designadamente, nas áreas administrativa, técnica, financeira e comercial.

(2) Um fee de manutenção, uma vez que os ACE’s “S...” e “T...”, no âmbito da sua atividade de produção de energia nas suas centrais de cogeração, recorrem aos recursos disponíveis na esfera da Requerente, tendo em vista a exploração de projetos, nomeadamente, na área da manutenção de equipamento.    

j) Relativamente ao ano de 2011, a Requerente declarou os seguintes valores em sede de IRC [cf. PA junto aos autos]:

k) No ano de 2011, a Requerente apresenta os seguintes saldos no que respeita a financiamentos, quer obtidos, quer concedidos [cf. PA junto aos autos]:

- Empréstimos obtidos: € 103.836.584,00;

- Empréstimos concedidos: € 113.852.159,00.       

l) No concernente a gastos e rendimentos de financiamentos reconhecidos em 2011, estes cifram-se nos seguintes montantes [cf. PA junto aos autos]:

- Gastos: € 4.781.874,00;

- Rendimentos: € 3.437.136,00;

- Gastos líquidos: € 1.344.738,00.

m) Em virtude de, à data dos factos, deter uma participação social de 17,98% na sua participada “B...”, quer a Requerente, quer o “Grupo C...” em que esta se integra encontravam-se desprovidos da faculdade de impor à “B...” uma taxa de juro nos financiamentos diferente da que foi contratualmente acordada e praticada (no ano de 2011, uma taxa média de 4,448%).

n) Todos os contratos e acordos subjacentes à definição das taxas de juro praticadas foram aprovados por unanimidade pelos membros do consórcio “B...”, não tendo dependido de uma declaração unilateral de vontade da Requerente.

o) A discrepância entre a taxa de juro a que a Requerente obteve financiamento e a taxa de juro por ela praticada nos financiamentos concedidos é explicada pelo facto de os primeiros serem tendencialmente empréstimos de longo prazo, contrariamente ao que sucede com referência a estes últimos. [cf. documentos n.ºs 11 e 12 anexos à P. I.]           

p) O objetivo era que a participada “B...” viesse a ser financiada com recurso a project finance, com empréstimos obtidos junto de terceiros, o que apenas não veio a acontecer dada a grave crise financeira instalada desde o ano 2011. [cf. documento n.º 13 anexo à P. I.]

q) A coberto da ordem de serviço n.º OI2014..., foi a Requerente sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito geral, incidente nos exercícios fiscais de 2011 e 2012, a qual foi realizada pela Divisão de Inspeção Tributária –... da Direção de Finanças do Porto, tendo tido início em 08/01/2014 e termo em 05/05/2015. [cf. PA junto aos autos]

r) No âmbito do referido procedimento inspetivo, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à Requerente que indicasse, relativamente aos exercícios de 2011 e 2012, quais as taxas de juro praticadas nos empréstimos por si obtidos e concedidos. [cf. PA junto aos autos].

s) Na sequência desse pedido, a Requerente prestou o seguinte esclarecimento aos Serviços de Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:

“Juros empréstimos obtidos (5% + Euribor 6M)

t) Através do ofício n.º .../..., datado de 06/05/2015, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do …, remetido por carta registada, foi a Requerente notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição, tendo ali sido propostas as seguintes correções em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2011 [cf. documento n.º 6 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

u) Em 02/06/2015, a Requerente exerceu o direito de audição sobre aquele Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo ali preconizado que os financiamentos que concedeu às suas associadas mostram-se justificados e plenamente admissíveis à luz do disposto no art. 23.º, n.º 1, do Código do IRC (aplicável à data dos factos), pelo que a manutenção das correcções propostas se afiguram manifestamente ilegais. [cf. documento n.º 7 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

v) As correções ao IRC da Requerente, referente ao exercício de 2011, mencionadas em t), foram integralmente mantidas no Relatório da Inspeção Tributária, tendo o exercício de direito de audição por parte da Requerente sido objeto de apreciação pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos constantes daquele Relatório e que aqui se dão por reproduzidos. [cf. PA junto aos autos]

w) As aludidas correções respeitantes à matéria coletável de IRC do exercício de 2011, tiveram subjacente a seguinte fundamentação plasmada no Relatório da Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:

 

 

x) A Requerente foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º .../..., datado de 09/06/2015, da Divisão de Inspeção Tributária –...da Direção de Finanças do …, remetido por carta registada com aviso de receção. [cf. documento n.º 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

y) Em virtude das referenciadas correções, foram efetuadas a liquidação adicional de IRC n.º 2015..., datada de 24/06/2015, referente ao exercício de 2011, no montante de € 92.997,89, a liquidação de juros compensatórios n.º 2015..., no valor de € 25.348,91, bem como a compensação n.º 2015..., datada de 29/06/2015, e a demonstração de acerto de contas n.º 2015..., na qual foi apurado um valor total a pagar de € 247.761,28, com data limite de pagamento voluntário a 27/08/2015. [cf. documentos n.ºs 1, 2 e 3 anexos à P. I.] 

z) A Requerente não efetuou o pagamento do montante de € 247.761,28, resultante da referida demonstração de acerto de contas n.º 2015... .

aa) Em consequência dessa falta de pagamento, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2015..., no valor de € 248.805,06. [cf. documento n.º 8 anexo à P. I.]

ab) A Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão daquele processo de execução fiscal, prestou uma garantia bancária, emitida pelo Banco Z...e à qual foi atribuído o n.º..., no montante de € 314.628,21. [cf. documento n.º 9 anexo à P. I.]

ac) Em 23 de novembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

 

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos e, ainda, na prova testemunhal produzida.

Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente –AA... e BB... que depuseram de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foram inquiridas, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que os seus depoimentos mereceram total credibilidade –, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, relativamente à qual foram inquiridas.

 

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III.2. DE DIREITO

 

A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC de 2011 e dos demais atos tributários controvertidos, na violação do art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, arguindo ainda a inconstitucionalidade desta mesma norma legal, por violação do princípio da iniciativa privada, constante do art. 61.º da Constituição da República Portuguesa.

O art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo art. 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.

Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

Nesta parametria, volvendo ao caso concreto, impõe-se, então, começar pela apreciação do vício de violação do art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, pois, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato impositivo de tributação, alcançando-se, dessa forma, a mais estável e eficaz tutela dos seus interesses. Além disso, só importará proceder à apreciação da questão da inconstitucionalidade daquela mesma norma legal, tal qual se encontra alegada, se e na medida em que se concluir que a interpretação e concretização da solução normativa dela resultante preclude a subsunção da situação sub judice à respetiva previsão legal.   

 

*

§1. DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC, EM PARTICULAR DO CONCEITO DE “INDISPENSABILIDADE”

 

No processo de estruturação da decisão que aqui se profere, o Tribunal começará por apresentar os fundamentos gerais que entende serem aplicáveis ao tema em causa.

Posteriormente, o Tribunal convocará tais fundamentos para chegar à decisão relativa ao caso concreto.

Assim, nesta parte, serão particularmente analisadas as seguintes questões-chave:

i) da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos;

ii) do conceito de "atividade" dos entes empresariais;

iii) o conceito de ativo e de fonte produtora; a noção de ativo financeiro e da natureza dos seus rendimentos;

iv) uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?

 

i) Da interpretação do artigo 23º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos[1]

Dispunha, ao tempo (2011) a que se referem os factos controvertidos, o artigo 23º do CIRC (do qual em seguida se transcreve o respetivo nº 1):

«Artigo 23.º

Gastos

 

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: a sua indispensabilidade. Que se deve entender por “indispensabilidade”? Entre nós, duas análises são habitualmente convocadas sobre qual deve ser a interpretação apropriada do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23º do CIRC.

São elas da autoria de TOMÁS TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1999, p.7-180; e de ANTÓNIO M. PORTUGAL, “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004.

A doutrina e jurisprudência estribam-se amiudadamente nessas obras (vejam-se, relativamente a estas referências, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 30-05-2012, no Processo 0171/119, bem como outros acórdãos aí referidos. Na doutrina vejam-se, entre outros, RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007 e J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006).

Na primeira das mencionadas obras, TOMÁS TAVARES analisa extensivamente a questão relativa à interpretação do conceito de indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC. O autor aponta três possíveis interpretações, defendendo que apenas uma delas constitui a solução correta. Um primeiro entendimento traduzir-se-ia numa relação necessária ou obrigatória entre custos suportados e proveitos obtidos. Um tal entendimento de indispensabilidade significaria que só a “absoluta necessidade” de um gasto para obter um rendimento (proveito) permitiria deduzi-lo como componente negativa do lucro tributável. O autor qualifica de absurda uma tal interpretação. Fá-lo nos seguintes termos[2]: “ …o afunilamento proposto por esta conceção levaria à desconsideração fiscal de certos decaimentos suportados, verdadeira e realmente, pela organização, em clara e flagrante violação do princípio da capacidade contributiva….Em segundo lugar, dado que, no limite, nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa, dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes. Ora a verdade é que o Direito Tributário não pode censurar uma infrutífera política empresarial…O Direito Fiscal tem de reconhecer o direito ao erro do dono do negócio.”

Uma segunda interpretação do conceito de indispensabilidade – significando “conveniência” – é tratada pelo autor nos seguintes termos[3]: “ …este desiderato não se ergue como diapasão interpretativo, quer em atenção aos inúmeros problemas práticos que coloca, quer, sobretudo, porque também consente no controlo administrativo sobre o mérito das decisões empresariais. Efetivamente, a conveniência é um conceito frágil, com uma significação aberta e indefinida, que propicia a imiscuição da máquina administrativa nas opções económicas dos contribuintes”.

Por fim, o autor perfilha a tese segundo a qual a correta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das atividades resultantes do seu escopo societário.

Essa tese é expressa nos seguintes termos[4]: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.

E continua[5]: “ …A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.

Saliente-se, para já, que o texto citado não nos deixa dúvidas sobre qual a posição do autor (os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa). Porém, o certo é que um excerto desse texto, em particular a relação entre gastos e atividade produtiva, tem servido propósitos interpretativos do conceito de indispensabilidade que até o próprio autor já eliminou claramente, no acórdão relativo ao processo n.º 12/2013-T, do CAAD, como adiante se verá.

A. MOURA PORTUGAL, discutindo o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001. De todo o modo, este autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adota a seguinte posição[6]:

“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objeto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo do aplicador da lei[7]”.

Veja-se, ainda, o que T. TAVARES aí refere sobre os empréstimos intra-grupo, já em 1999[8]:

“Estas operações (suprimentos gratuitos de uma participante a uma participada) correspondem, portanto, a atos normais de gestão, não obstante a aparente desconformidade com o interesse da entidade sacrificada (...) A ratio dessas opções legais radica no facto de que, com elas, a sociedade prossegue a sua atividade empresarial com um fito lucrativo…”.

E em nota 427, a p. 150 da referida obra, sustenta o autor o seguinte: “Em nossa opinião, essa operação (pagar juros pela obtenção de um empréstimo, cujo produto se empresta, sem juros, a uma outra entidade) pode inserir-se no escopo lucrativo da entidade sacrificada…”.

Em suma: as obras doutrinais mais frequentemente convocadas sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou no interesse da empresa, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de TOMÁS TAVARES quanto ao tema aqui em apreciação - segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui atividade ou interesse daquela - foi amplamente desfeita pelo próprio, como a seguir se observa. No processo n.º 12/2013-T, no âmbito CAAD, onde foi árbitro único, T. TAVARES decide da dedutibilidade destes gastos com os seguintes fundamentos (negrito do Tribunal):

“A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.

A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.

O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua actividade.

Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e directa – e ainda assim exercer adequadamente a sua actividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efectuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua actividade”.

No entender deste Tribunal, equiparar a noção de indispensabilidade a uma relação com a atividade produtiva ou a um obrigatório nexo de causalidade com a obtenção de rendimentos não é pois posição sufragada pela doutrina de referência.

Além do que já se disse, e ainda sobre esse nexo de causalidade, veja-se a posição de DIOGO LEITE DE CAMPOS E MÓNICA LEITE DE CAMPOS[9]: “Admitir um juízo administrativo a posteriori sobre a gestão financeira, comercial, etc., da empresa, envolveria o risco constante de este juízo se apoiar sobre elementos suplementares que não existiam, ou não existiam claramente, no momento da tomada de decisão e que não podiam ter sido levados em conta. A administração fiscal não tem que julgar se uma empresa foi bem ou mal gerida”.

Veja-se, também, RUI MORAIS, que sustenta[10]: “A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.

E prossegue[11]: “Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma corelação direta com a obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”

Para concluir da seguinte forma[12]: “Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test… Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc., então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

Conclua-se esta digressão doutrinal com J. L. SALDANHA SANCHES, que afirma[13]:“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.

Vejamos agora jurisprudência sobre a questão, num plano geral, relativa à indispensabilidade e seu significado, ou seja, sem tratar ainda dos encargos financeiros e das operações que neste caso se apreciam. 

No processo 03022/09 – Acórdão de 6 de Outubro de 2009 – do TCA Sul julgou-se o seguinte litígio. Uma sociedade (A) cedeu a outra (B) a respetiva atividade de comercialização de máquinas. No âmbito dessa cedência também o pessoal de A passou para a sociedade B, e A deixou de exercer atividade comercial, limitando-se a receber rendas de um prédio. Todavia, aquando da referida cedência, ficara acordado entre A e B que a primeira suportaria eventuais encargos com indemnizações ao pessoal caso fossem negociadas rescisões.

Num dado exercício tais negociações ocorreram e A suportou um certo montante de custos relacionados com as ditas indemnizações que a sua contabilidade registou. A inspeção tributária desconsiderou esses custos, por, em seu entender, “a empresa se encontrar sem atividade e sem pessoal (tendo como proveitos apenas as rendas recebidas), considerando-se que este custo não se torna necessário para a formação de proveitos, conforme o artigo 23.º do CIRC”.

No acórdão proferido, o TCAS trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos: “Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)

Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.

Também sobre este assunto, e tendo por referência a uma decisão do TCA Norte - processo 00624/05.OBEPRT, acórdão de 12 de Janeiro de 2012 – aí se afirma: “Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.

Por fim, em acórdão de 29/3/2006 – processo n.º 1236/05 – o STA sustenta que: “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.

A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º do CIRC tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.

Tem-se assim afastado uma ligação necessária aos proveitos; um obrigatório nexo de causalidade. Afastada tem sido também a possibilidade de a administração fiscal julgar do acerto das decisões de gestão relativamente à efetiva obtenção de proveitos (sindicada a posteriori), desde que essas decisões sejam tomadas no âmbito do interesse empresarial.

Aqui chegados entende o Tribunal que deve abordar desenvolvidamente a noção de atividade empresarial. Esta interpretação tem sido muitas vezes usada pela AT e pelos tribunais, pelo que deve merecer análise cuidada.

 

ii) Do conceito de "atividade" dos entes empresariais

Segundo se pode consultar no Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, “atividade” significa: qualidade de ativo, diligência, prontidão. Por seu lado, “ativo” quer dizer: que atua, laborioso, diligente. Por fim, “atuar” tem o significado de: exercer ação, determinar, influir.

Daqui decorre, em nosso entender, que atividade há de significar o conjunto de ações ou atos que determinam ou influem na vida empresarial. Tendo os entes societários um escopo ou objetivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual tais entes coletivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os atos de gestão que contribuam para tal fim hão de constituir a atividade das empresas.

Deve assimilar-se essa atividade à ”atividade produtiva”? Este Tribunal entende que não. Nenhuma disposição legal autoriza uma tal identidade de conceitos, a interpretação económica das operações empresariais afasta totalmente aquela equiparação, e a doutrina (onde, supostamente, existira uma base interpretativa que justificaria tal assimilação) não só não a sustenta como já a rejeitou.

A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.

A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "atividade produtiva", tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.

Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “ativos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.

Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este Tribunal sublinha é o seguinte: a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.

A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca, no entender deste Tribunal, os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos.

Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Se a atividade das empresas tem como um dos seus traços marcantes o uso e gestão dos ativos, o que se deve então entender por ativos e que funções desempenham no contexto da prossecução da atividade, da exploração, ou do escopo empresarial?

 

iii) Conceito de ativo e de fonte produtora; a noção de ativo financeiro e da natureza dos seus rendimentos

Veja-se, antes de mais, a definição que o sistema contabilístico contém para “ativo”. É a seguinte: “é um recurso controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados, e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade”.

Esta definição deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um ativo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a atividade das empresas, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial, financeira, administrativa) consoante a natureza dos ativos que a sustentam.

A estrutura conceptual do sistema contabilístico – que constitui a base teórico-normativa da contabilidade financeira – vai ainda mais longe no desenvolvimento da caracterização dos ativos usados pelas entidades empresariais. Vejamos os respetivos §§ 52, e 54 a 56:

“52 Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e equivalentes de caixa para a entidade. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da entidade. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa, tais como quando um processo alternativo de fabricação baixe os custos de produção.

54 Os benefícios económicos futuros incorporados num ativo podem fluir para a entidade de diferentes maneiras. Por exemplo, um ativo pode ser:

(a) Usado isoladamente ou em combinação com outros ativos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

(b) Trocado por outros ativos;

(c) Usado para liquidar um passivo; ou

(d) Distribuído aos proprietários da entidade.

55 — Muitos ativos, por exemplo, ativos fixos tangíveis, têm uma forma física. Porém, a forma física não é essencial à existência de um ativo; daqui que as patentes e os direitos de autor, por exemplo, sejam ativos se se espera que deles fluam benefícios económicos futuros para a entidade e se eles forem controlados pela entidade.

56 Muitos ativos, por exemplo, as dívidas a receber e propriedades, estão associados a direitos legais, incluindo o direito de propriedade."

E, corporizando os conceitos que se acabaram se transcrever, o plano de contas do SNC, que não diverge significativamente do que constava do POC para o que aqui importa, individualiza, entre outros, os seguintes ativos[14]:

“4- INVESTIMENTOS

41 Investimentos financeiros 

42 Propriedades de investimento

43 Ativos fixos tangíveis

      44 Ativos intangíveis

      45 Investimentos em curso

      46 Ativos não correntes detidos para venda” 

A amplitude dos ativos registados no balanço é muito significativa. Temos ativos físicos (v.g., mercadorias, ativos fixos tangíveis), ativos incorpóreos (intangíveis), dinheiro e equivalentes (v.g., caixa e depósitos), ativos financeiros de longo prazo (v.g., investimentos financeiros); direitos contratuais (v.g., clientes, empréstimos concedidos, outra contas a receber).

Um elemento patrimonial, de natureza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um ativo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.

O facto de se tratar de rendimentos potenciais ou esperados, não desqualifica um ativo: de um ativo espera-se, estima-se, que dele fluam benefícios económicos futuros.

A aquisição de ativos físicos (como os edifícios ou as máquinas) também é efetuada esperando que a taxa de rendibilidade prevista para esses ativos supere o custo do capital que os financia. Estamos, no domínio dos investimentos, físicos ou financeiros, na situação de comparar expectativas de rendibilidade com o custo dos capitais que financiam os ativos. A natureza potencial da geração de resultados é inerente a qualquer tipo de investimento, e não apenas aos ativos financeiros. E o que comanda a aquisição de uns e de outros será o interesse da empresa, o qual deriva sempre de uma avaliação prévia da sua lucratividade esperada ou prospetiva.

O risco constitui elemento presente na atividade económica, tornado incerta a obtenção de rendimentos de muitos investimentos realizados. Além disso, aos instrumentos de capital próprio (v.g., quotas, ações, prestações suplementares) estão associados rendimentos contingentes, e não fluxos contratualizados ou certos.

Quer isto dizer que um ativo financeiro que se traduza numa participação de capital numa certa entidade terá rendimentos sujeitos à variabilidade (desvio padrão ou volatilidade) do desempenho dos entes nos quais se investiu, e não a natureza de uma remuneração pré fixada ou determinística.

 

iv) Uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?

Para analisar este ponto, suponha-se que uma participante (designemo-la por ALFA, SA) se endivida e cede os fundos assim obtidos, e pelos quais paga juros à taxa de 5%, a uma sua participada que aqui designaremos por BETA. Tal cedência de fundos é feita sob a forma de empréstimos, pelos quais se cobra, admita-se numa primeira hipótese um juro nulo, e numa segunda situação, um juro de 4%.

O financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expectativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes. Ou, ainda, que tais fundos contribuam para manter BETA em funcionamento, isto é, permitindo manter ou sustentar o ativo financeiro da participante como elemento patrimonial de que se esperam vantagens, ainda que futuras e não imediatamente quantificáveis. Isto independentemente do juro cobrado ser nulo ou positivo. Como adiante esse verá, a taxa de juro cobrada poderá ser apreciada à luz de outros preceitos do CIRC, mas não se crê que o deva ser à luz do artigo 23.º do mesmo código.

Numa empresa que, hipoteticamente, adquira máquinas para a produção e, por fatores externos ou internos ao empreendimento, tais máquinas não gerem resultados tributáveis, têm de se admitir como custos as reparações, as depreciações, e outros gastos inerentes ao seu funcionamento. Também num plano geral, a compra de existências que, posteriormente, se deteriorem, não tem qualquer nexo causal com proveitos, mas, como é óbvio, tais aquisições devem ser custos fiscais, caso essa deterioração seja inerente ao risco do negócio.

Dir-se-á que a máquina e as existências contribuem para a atividade da entidade que incorre nesses custos, ou que, pelo menos, foram adquiridas com o fito ou intuito de manter ou reforçar a fonte produtora. Mas, se assim for, então caso o financiamento que, no exemplo aqui apresentado, ALFA efetua a BETA tenha uma relação com rendimentos estimados para ALFA, ou contribua para manter o ativo financeiro (participação em BETA) como fonte produtora, ou incremente esse potencial de benefícios para a participante, a condição para a dedutibilidade dos juros em ALFA não diverge da que se exige para a máquina ou as existências acima referidas.

Em qualquer dos casos existe uma relação com a atividade da empresa que leva a cabo essas operações: a compra da máquina, a aquisição das existências ou a aquisição de ativos financeiros. A diferença poderá estar no facto de a máquina e as existências terem implicações económicas no âmbito da sociedade que as adquiriu, e a participação financeira, sendo um ativo cuja gestão constitui atividade da participante, ocasionará rendimentos em função da evolução esperada dos negócios da participada. Mas isso não retira ao investimento financeiro a qualificação de um ativo gerido no interesse da entidade (participante) que o adquiriu e detém.

Assim, na questão que neste ponto se discute, a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro) de ALFA.

Quer isto dizer que os gastos resultantes do financiamento obtido por ALFA e que depois foi aplicado no financiamento de BETA devem satisfazer uma (ou ambas) das seguintes condições:

a) Estarem associados à expetativa de incremento dos benefícios da participante;

b) Permitirem a manutenção da fonte produtora dos rendimentos (ou seja, contribuírem para a continuidade da atividade das participadas e do consequente reconhecimento continuado do ativo financeiro na esfera da participante).

Havendo uma participação societária de ALFA em BETA, muitas das decisões de ALFA que afetam a esfera patrimonial de BETA (v.g., investimentos, financiamentos) são determinadas pelo interesse da participante em face da situação económico-financeira da participada. Consequentemente, a gestão, por parte de ALFA, da dita participação é uma condição requerida para que se obtenha desse investimento financeiro um rendimento imediato ou futuro.

O facto de tais decisões, tomadas na esfera de ALFA, influenciarem o património de BETA, não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros; ou seja, que se possam classificar como alheias à atividade da participante, ALFA. Elas são tomadas a partir do interesse da participante (ALFA) em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento (em BETA). Obviamente que esse investimento se traduz na titularidade de uma terceira entidade; mas a participação e respetiva gestão estão incluídas no interesse e atividade da participante.

Entende por isso este Tribunal que a operação de financiamento que vimos, para já em tese geral, escalpelizando não se traduz numa prossecução única ou sequer predominante do interesse da participada, nada tendo que ver com a gestão da participante. A gestão (neste caso, o reforço do ativo financeiro) que a participante efetua é do seu interesse. A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Esta noção é bem ilustrada por GEOFFREY HOLMES e ALAN SUGDEN, “Interpreting company reports and accounts”, Prentice Hall, 1999, p. 64, quando escrevem (subl. do Tribunal):

“A participating interest is an interest held by the investing company on a long term basis to secure a contribution to its activities by the exercise of control or influence…A participating interest is only an interest in an associated undertaking where a significant influence is exercised over its operating and financial policy”.

A NCRF 13 expressa igual conceito, segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, e fá-lo no seguintes termos (subl. do Tribunal):

“Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.

Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).

Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.

19. Se o investidor detiver, directa ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, directa, ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20 % do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.

20. A existência de influência significativa por parte de um investidor é geralmente evidenciada por uma ou mais das seguintes formas:

(a) representação no órgão de direcção ou órgão de gestão equivalente da investida;

(b) participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições;

(c) transacções materiais entre o investidor e a investida;

(d) intercambio de pessoal de gestão; ou

(e) fornecimento de informação técnica essencial.

(…)

Se, como se viu, a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada, então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.

No plano da legislação societária, o artigo 486.º do CSC, ao definir a relação de domínio estabelece:

“Artigo 486.º

Sociedades em relação de domínio

1 - Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º, nº 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.

            2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:

a) Detém uma participação maioritária no capital;

b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.”

Ora a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.

Traçada assim a linha geral de interpretação que este Tribunal acolhe relativamente ao tema em causa, passemos à apreciação do caso concreto.

 

*

§2. DA SUBSUNÇÃO DO CASO SUB JUDICE AO ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC

 

Em face da factualidade fixada e das divergentes posições das partes, apoiando-se ambas na lei, doutrina e jurisprudência, apresenta-se de seguida a análise e apreciação do tribunal ao caso concreto, tratando dos seguintes aspetos que, assim o cremos, abarcam as várias teses em confronto:

A - Nexo de causalidade com proveitos

B - A inserção na atividade da participante ou das participadas. Qual o interesse prosseguido?

C - Fonte produtora no caso vertente

D - A confusão de contabilidades e a assunção da atividade de uma empresa pela outra

E - Rendimentos sujeitos a imposto no caso vertente

F - O diferencial de juros e os preços de transferência: breve nota

Convirá relembrar que, como já se mencionou, a AT invoca que a Requerente “(…) está a financiar-se a taxas superiores àquelas que depois vai financiar as suas associadas através do financiamento obtido, ou seja, está a suportar encargos financeiros com financiamentos que está a canalizar para as suas associadas e que não estão a ser utilizados na sua atividade enquanto entidade autónoma, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos incorridos às entidades beneficiárias desses mesmos financiamentos”.

Compulsando as peças processuais verifica-se que a Requerente se financia junto de terceiros, financiando depois, por sua vez, as suas participadas, mas cobrando juros apenas a uma delas: B.... Ou seja, dos vários financiamentos cedidos, os juros cobrados respeitam a uma entidade participada que beneficia dos empréstimos.

A - Nexo de causalidade com proveitos

A atividade económica empresarial envolve, em maior ou menor grau, risco e incerteza. Se assim não fosse, não se observariam tantas iniciativas empresariais que ficam aquém do êxito que os seus promotores esperariam. Na verdade, a realização de investimentos é efetuada com base em expetativas ou previsões de rendimentos futuros; mas não é possível determinar com certeza absoluta que essa aplicação de fundos (investimento) gerará retorno para os capitais investidos na medida das estimativas efetuadas.

            Casos haverá em que o retorno até pode superar essas estimativas. Outros ocorrerão nos quais esse retorno é nulo, ou eventualmente negativo, quer por vicissitudes da envolvente externa às empresas (crises económicas e financeiras), quer por más decisões de gestão das entidades empresariais, ou uma combinação de ambas as causas.

Na vida empresarial a avaliação de um investimento (real ou financeiro) faz-se confrontando desembolsos presentes com expectativas ou previsões de rendimentos ou encaixes futuros. Não poderia deixar de ser assim, pois nenhum agente económico controla todas as variáveis de que depende a evolução esperada de rendimentos, gastos, lucros e fluxos de caixa decorrentes de um certo investimento. As decisões económicas são, por via de regra, tomadas com base em expetativas futuras; mas tais expetativas assentam em meras estimativas e podem revelar-se bastante diversas, aquando da sua concretização. Constitui tal desvio potencial a noção de risco em atividades económicas.

O STA, no âmbito do processo n.º 0779/12, em acórdão de 24-09-2014, expressa esta ideia de forma nítida, ao dizer (subl. do Tribunal):

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

Sustentando-se a tese de que os gastos fiscais são os que resultam da prossecução da atividade das empresas, do seu interesse próprio, inserindo-se no seu escopo social, não se afigura correto exigir ainda aos custos esse nexo de casualidade adicional. O custo, sendo suportado no âmbito interesse da empresa, pode não vir a gerar proveitos.

Como já se disse, a existência de risco na atividade empresarial implica que, em variadas circunstâncias, os gastos não originem proveitos, sendo os investimentos não lucrativos. O custo deve evidenciar um propósito ou um intuito de obtenção de rendimento, ou de manutenção da fonte produtora, e isso basta para a respetiva dedutibilidade. Exigir um teste adicional de um obrigatório nexo de causalidade com proveitos não decorre da lei, nem a doutrina o sustenta, e a jurisprudência também dele se afastou. Como se mostrou anteriormente, a tese do "nexo de causalidade" não é um bom caminho interpretativo do conceito de indispensabilidade que integra o artigo 23º do CIRC.

Há operações no interesse da empresa (ocasionando custos) que, a posteriori, se revelam não geradoras de rendimento. As causas para que tal aconteça são múltiplas: evolução de elementos macroeconómicos que a empresa não controla (taxas de juro, inflação, preço de matérias primas), a evolução da procura dos bens ou serviços ser mais fraca do que o previsto, ineficiência da gestão, entre outras.

Porém, no caso vertente, os investimentos da Requerente nas participadas até originaram rendimentos para a própria Requerente. É o relatório da AT que o reconhece ao evidenciar, no quadro da página 6, ganhos líquidos provenientes de investimentos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos e, depois, ao evidenciar numa reprodução do quadro 7 da declaração modelo 22, as verbas resultantes de rendimentos reconhecidos por via do método da equivalência patrimonial (MEP). 

Em suma: ainda que o nexo de causalidade não seja, no entender deste tribunal, condição sine qua non para a dedutibilidade dos gastos, esse nexo até se deteta no caso vertente, pois o ativo financeiro da A... (investimento nas participadas) originou, nos exercícios a que os factos se reportam, a obtenção de rendimentos na esfera da participante.

B - A inserção na atividade da participante (A...) ou das participadas (B...e outras). Qual o interesse prosseguido?

A extensa noção de “ativo” que o normativo contabilístico há muito consagra não justifica, no juízo deste tribunal, que se continue a entender que só ativos tidos como “produtivos”, no sentido físico do termo, sejam tidos como caracterizadores de uma “atividade” ou exploração. Reafirmando a interpretação que daqui decorre, tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, com a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.

Assim, e para exemplificar e concretizar esta noção, admita-se que A participa em B numa certa proporção. A primeira entidade detém, pois, um ativo financeiro. Que atividade implica na esfera de A a participação de que esta é titular na empresa B?

Pode, naturalmente, implicar uma atividade visando influenciar as operações correntes de B. Na verdade, no exercício dos seus poderes de gestão, A pode intervir operacionalmente em B, determinando a produção de novos bens, a redução de gastos supérfluos, ou outras medidas que incrementem o lucro operacional. Como é claro, A também poderá intervir em B no plano financeiro. Quer aumentado o capital de B a fim de reforçar a capacidade de investimento da participada ou afetar-lhe meios financeiros que sustentem a sua tesouraria.

Pode contrapor-se que tudo isto são apenas indicações dadas à administração de B e, por isso, executadas na esfera desta entidade. Mesmo que assim fosse (e não o é, pois, por exemplo, um aumento de capital da participada pouco tem que ver com a administração desta e muito mais com a vontade e meios da participante) quem dará tais indicações serão os responsáveis de A, no exercício da sua atividade enquanto gestores de uma entidade que detém um ativo financeiro que carece de ser administrado. Isso constitui atividade de A e não de B. Esta última é beneficiária dessa atividade, mas não a desenvolve.

Quando os gestores de A tomam decisões que afetam as operações ou o financiamento de B não estão a desenvolver atividade de terceiros. Estão sim a concretizar atividade própria, derivada diretamente da gestão de um ativo financeiro. Ora essa gestão envolve operações de financiamento que fazem parte da atividade da participante.

O relatório de inspeção, sustentando que o capital alheio pelo qual a A... pagou juros nada teve que ver com a sua exploração ou atividade, e que a A... se terá substituído a terceiros na obtenção de tais capitais e na assunção dos juros, se desvia de uma interpretação consentânea com a realidade das operações analisadas.

No caso em apreço, aos financiamentos efetuadas pela A... às participadas reforçaram um ativo financeiro da A... . A conta "41-Investimento financeiros" registou na participante esse reforço, e na participada registou-se a entrada de fundos daí advindos.

Tendo a participante, no seu escopo social, a realização de investimentos, a forma de financiamento de tais investimentos é uma decisão de gestão que está, assim se julga, no âmbito do seu interesse, dos seus propósitos de gestão. É certo que é a Requerente a utilizar os fundos que recebe para, subsequentemente, adquirir ações de terceiras entidades. Mas se a atividade empresarial consiste, num plano económico-legal, na tomada de decisões que buscam fontes de financiamento e as aplicam em ativos que serão potencialmente produtores de rendimento, então essa ligação verifica-se no caso vertente, e as operações da A..., que vimos analisando, inserem-se na busca do seu interesse próprio.

Quer isto dizer que a A... obteve fundos e os aplicou num ativo financeiro do qual estima obter rendimento, e essa estimativa até se concretizou. Há aqui pois a prossecução de uma atividade normal, com intuitos lucrativos, com efeitos registados nas suas demonstrações ou peças financeiras. Em suma, a A..., ao financiar as participadas para que estas incrementem o seu potencial de geração de rendimentos e lucros, está a desenvolver atividade ou operações de gestão que lhe são próprias, a tomar decisões conformes ao seu interesse ou ao seu propósito empresarial.

C - Fonte produtora no caso vertente

A A... financia, por via dos mútuos, os seus ativos financeiros. Na contabilidade da Requerente, a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros da A... .

Isto é, a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da A..., que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da Requerente: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.

D - A assunção da atividade de uma empresa pela outra

            A AT apresenta também uma linha de análise, essencialmente retirada de alguma jurisprudência, que considera existir neste tipo de operações – em face das relações entre as diferentes sociedades intervenientes, os investimentos e respetiva forma de financiamento – a "assunção da atividade de uma empresa pela outra". Estas características contribuiriam para que se sustente a indedutibilidade dos juros controvertidos.

Ora, no entender deste Tribunal, a materialidade económica – e sua tradução contabilística – das operações em apreço é simples, não existindo assunção da atividade de uma empresa pela outra.

A atividade da A... é desenvolvida também por via da gestão de participações. Ora, a busca de meios financeiros e a respetiva alocação às participadas, constitui uma parte da atividade da A... . Esta, ao desenvolver operações de captação de fundos e da posterior cedência às participadas, não está a desenvolver atividade alheia, e sim operações inerentes ao seu escopo próprio.

Quer a A... cobre juros ou não, o conjunto dos financiamentos cedidos às participadas insere-se no seu interesse. Ou seja, aporta fundos para as participadas desenvolvam a sua atividade e, com isso, valorizem o investimento da A... e lhe permitam reconhecer rendimentos e dividendos que afluem ao respetivo património.

E - Rendimentos sujeitos a imposto no caso vertente

A AT alega que [a] mera possibilidade de poder vir a ter no futuro lucros resultantes da aplicação desses capitais na sua associada, ou a sua existência efectiva, não determina só por si, que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais, porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e não logrou a Requerente fazer essa demonstração.”

Ora, no caso dos juros, aos gastos suportados correspondeu até a cobrança de encargos financeiros, embora a taxas mais reduzidas. Todavia, não se pode afirmar que os gastos suportados não induziram a obtenção de rendimentos para a requerente.

É, aliás, esta a razão pela qual a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela A... . Como adiante veremos, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC.

Por outro lado, e sobre os rendimentos decorrentes das participações, a aplicação do MEP produziu o reconhecimento de rédito na esfera da A... . Disso já se deu conta antes, ao analisar-se o quadro 7 da declaração modelo 22 reproduzido no RIT e de onde constam avultados montantes de rendimentos reconhecidos.

Assim, os investimentos da A..., suportados por capital alheio do qual se pagaram juros, incrementaram, por virtude ada lucratividade das participadas, os rendimentos reconhecidos na A..., por via da aplicação do MEP. É certo que esses rendimentos são, por via do artigo 18.º, n.º 8, do CIRC excluídos da tributação; mas no plano económico-financeiro eles constituem inequivocamente rendimentos obtidos pela A... em função da gestão dos seus investimentos e do respetivo financiamento.

Em face do que se disse sobre o MEP, e havendo lucros nas participadas, o pagamento de dividendos (efetivo ou potencial) resulta também da atividade de gestão da A... relativamente às suas participadas.

Uma vez mais, determinada norma do CIRC (artigo 51.º) isenta tais dividendos de tributação, cumpridas certas condições. Porém, esta é uma solução estrutural que isenta rendimentos (previamente sujeitos) em razão do objetivo de eliminação da dupla tributação económica. Não pode pois ser esta a razão para que se desconsiderar que o financiamento da A... com dívida tem capacidade real e potencial de geração de dividendos (presentes ou futuros) face ao desempenho das empresas participadas.

Há, em suma, a obtenção efetiva e potencial de rendimentos por parte da A... relacionados com as operações de financiamento e gestão das suas participadas. Esses rendimentos são sujeitos a imposto, embora por razões estruturais do CIRC (as subjacentes aos artigos 18.º, n.º 8 e 51.º), sejam posteriormente isentos.

F - O diferencial de juros e os preços de transferência: breve nota

Na correção efetuada refere a AT que, [p]or outro lado, constatou-se que os rendimentos obtidos dos empréstimos concedidos são inferiores aos gastos em que incorre para se financiar, situação esta que deriva do facto da empresa estar a financiar as suas associadas a uma taxa de juro inferior, e em alguns casos até sem juros, àquela que ela própria está a suportar no seu financiamento."

Ora, o art. 63.º do CIRC, em vigor à data dos factos, consagrava o seguinte (subl. do Tribunal):

"Artigo 63.º

Preços de transferência

1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco."

O Tribunal não desconhece que a aplicação de normas que, como as dos preços de transferência, são essencialmente anti-evasivas e cuja aplicação se funda bastante no conceito de "comparabilidade" das transações – por vezes de complexa operacionalização – pode suscitar alguma renitência no seu uso como elemento fundamentador de correções fiscais.

Todavia, a lei existe para ser usada nas situações a que se deve aplicar. E, sendo certo que o conceito de comparabilidade é, por vezes, de difícil aplicabilidade, o mesmo se verifica com a utilização do conceito de "indispensabilidade" do artigo 23.º do CIRC.

Este último não deve ser aplicado sistematicamente como uma cláusula anti abuso; pois ele contém, antes de mais, uma condição geral a respeitar para a dedutibilidade dos gastos. Caso existam normas anti abuso que se adaptem a determinadas situações, devem, primeiramente, ser elas as ferramentas de controlo usadas pela AT.

Neste enquadramento, a liquidação de IRC n.º 2015..., respeitante ao exercício de 2011, a liquidação de juros compensatórios n.º 2015... e os demais atos tributários controvertidos padecem de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, pelo que têm as mesmas de ser declaradas ilegais e, consequentemente, anuladas.

 

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Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC de 2011 e demais atos tributários controvertidos, por vício que impede a renovação dos mesmos, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da invocada inconstitucionalidade do art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, por violação do princípio da iniciativa privada, constante do art. 61.º da Constituição da República Portuguesa. 

 

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§3. DA INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

Como está provado, a Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do montante de € 247.761,28, resultante da referida demonstração de acerto de contas n.º 2015... .

Consequentemente, como também consta dos factos provados, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2015..., no montante de € 248.805,06, tendo a Requerente, com vista à suspensão desse processo de execução fiscal, prestado uma garantia bancária, emitida pelo Banco Z... e à qual foi atribuído o n.º..., no montante de € 314.628,21.

Por entender que, no caso concreto, houve erro imputável à AT, a Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, a fim de ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da prestação daquela garantia, sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida.

Cumpre apreciar.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte: 

«Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»

No caso em apreço, os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios controvertidos padecem, como já vimos, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto ao disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que invalida totalmente aqueles atos tributários.

Ademais, os referidos atos de liquidação de imposto e de juros compensatórios foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem efetuados e, muito menos, nos termos em que o foram.

Neste enquadramento, a prestação da aludida garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efetivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, os quais, como a própria Requerente refere, «só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia»; ou seja, será em sede de execução de sentença que serão apurados tais prejuízos e fixada a indemnização devida à Requerente.

 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente: 

- Declarar ilegal a liquidação de IRC n.º 2015..., referente ao exercício de 2011, com a sua consequente anulação, o mesmo sucedendo com a liquidação de juros compensatórios n.º 2015..., por erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC;

- Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença;

b)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 247.761,28.

 

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

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Lisboa, 18 de maio de 2016.

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Maria Fernanda Maçãs)

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

(António Martins)

 

 



[1] Ao longo do texto, as expressões "custos" e "gastos" serão usadas como sendo equivalentes; bem como "rendimentos" e "proveitos".

[2] Op. cit. pp. 132-133.

[3] Op. cit. p. 134.

[4] Op. cit. p. 136.

[5] Op. cit. p.137.

[6] Op. cit. p. 112.

[7] Citando VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, pp. 847-848, o autor destaca o seguinte trecho:” …Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.

[8] Op. cit. p. 150.

[9] In Direito Tributário, 2000, p. 165.

[10] RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 86.

[11] Op. cit. p. 86.

[12] Op. Cit. p. 87.

[13] J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215.

[14] No contexto do POC as contas da classe 4- englobavam, entre outras: 

41- Investimentos financeiros

42-Imobilizações corpóreas

43- Imobilizações incorpóreas

44- Imobilizações em curso