Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 685/2015-T
Data da decisão: 2016-05-09  IRC  
Valor do pedido: € 1.500.077,34
Tema: IRC - Tributações autónomas; grupos de sociedades
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. João Gonçalves da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-01-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o mesmo número, com sede na Avenida..., n.º..., ...- ...Lisboa, (de ora em diante "a Requerente"), na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (abreviadamente "RETGS"), veio apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º e seguintes do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede que se declare a ilegalidade e se anule parcialmente a autoliquidação de IRC e tributações autónomas relativa ao exercício de 2012 e do acto de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, e a consequente condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia de € 1.500.077,34, acrescida do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-11-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-01-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29-01-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 08-03-2016, foi decidido que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a Requerente tem legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

2. Matéria de facto

 

5.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado em IRC no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS)

b)      A Requerente procedeu ao preenchimento e entrega da declaração periódica de rendimentos do Grupo B... respeitante ao exercício de 2012, no qual apurou prejuízos fiscais no montante de € 548.787.856,36 e montante da recuperar de € 7.779.349,05 (declaração Modelo 22 de substituição junta com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 2, apresentada em 24-07-2014);

c)      Durante o exercício de 2012, foram várias as sociedades do Grupo B... que suportaram despesas tributadas autonomamente, ao abrigo do artigo 88.º do CIRC;

d)     O programa informático de preenchimento e entrega da declaração Modelo 22 determinou a aplicação automática da majoração de 10% das taxas de tributação autónoma aplicáveis, prevista no artigo 88.º, n.º 14 do CIRC, a todas as sociedades integrantes do grupo, por este ter apresentado prejuízos fiscais;

e)      A Requerente registou tributações autónomas no montante de € 5.714,878,53;

f)       Em 28-05-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa relativa à referida declaração de substituição de autoliquidação de IRC, em que defendeu, além do mais, que deveria ter pago a título de tributações autónomas a quantia de € 4.214.801,20, por a aplicação de taxas agravadas a que respeita o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC apenas dever verificar-se relativamente às entidades que, individualmente, apresentaram prejuízos fiscais (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      No procedimento de reclamação graciosa foi elaborado projecto de decisão cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 § V.II. Do cálculo de imposto

§ V.II.I. Tributações Autónomas

§ V.II.I.I. Dos argumentos da Reclamante

48. Como acima se deixou patente, a reclamante sustenta a anulação parcial da liquidação ds IRC n.º 2014..., de 30.07.2014, com base num alegado erro respeitante à determinação da tributação autónoma do grupo fiscal.

(...)

§ V.II.I.II. Da apreciação

50. Coligidos os elementos constantes nos autos e examinada a argumentação trazida ao nosso conhecimento por parte do Reclamante, entendemos que não deve ser dado provimento à sua posição.

51. Pois, sobre a matéria em apreço, foi emitida orientação genérica pela Administração Tributária, através informação vinculativa proferida no processo n.º 2011..., com despacho do Subdirector-Geral, de 30-03-2012 cujo sentido é contrário ao aqui defendido pela Reclamante.

52. E, a nosso ver, bem, pois não obstante os recortes específicos da tributação autónoma, esta figura depende, para efeitos da aplicação do n.º 14 do artigo 88º do Código deste imposto, do regime do IRC para a determinação do lucro tributável.

53. Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a Reclamante, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo.

54. E, assim determinado o lucro tributável/prejuízo fiscal para efeito de IRC, está necessariamente encontrado o pressuposto de que depende a aplicação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC.

55. Malgrado a Reclamante, nesta sede, tentar retirar relevância ao facto de se integrar num grupo de sociedades, pois não se pode ocultar que esta realidade, quer em termos societários quer fiscais, tem que ser encarada de maneira diferente com que se encara uma sociedade individual.

56. Foi com vista à acomodação fiscal das particularidades desta figura jurídica-societária que se erigiu, no âmbito do IRC, o regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

57. E de nada vale o argumento de que a sociedade individual não perde autonomia e capacidade tributária no âmbito da aplicação do RETGS, uma vez que no que respeita à liquidação do imposto quando seja aplicável o regime, o papel das sociedades individuais nesse procedimento resume-se apenas em apurar o seu lucro tributável, para efeitos da sua agregação nos termos do art 70.º do Código do IRC.

58. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.09.2013, processo n.º 01302/12, onde se refere que "(...) os lucros individuais constantes dessas declarações não têm efeitos de liquidação do imposto, apenas servem para efeitos de controle do lucro tributável consolidado que foi apurado e comunicada pela sociedade dominante do grupo fiscal."

59. Em síntese, pode-se afirmar que nas situações de tributação em seja chamado à colação o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é regra que a expressão «lucro tributável» deve ser entendida no sentido de lucro tributável do grupo.

60. Essa regra comporta, no entanto, algumas excepções, cuja identificação é expressamente efectuada pelo legislador no texto legal. A este respeito, temos os casos da Derrama Estadual (art. 87.º A do CIRC) e da Derrama Municipal (art.º 14.º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo art. 57º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), situações em releva o lucro tributável apurado na esfera da sociedade individual e não do grupo.

61. Ora, considerando que o regime estabelecido no art. 88.º do Código do IRC não engloba qualquer norma semelhante àquelas que se encontram previstas, em caso de aplicabilidade do RETGS, para a derrama estadual e municipal, só se pode depreender que o legislador não pretendeu moldar o regime da tributação autónoma, em caso de aplicabilidade do RTGS, à semelhança do regime estabelecido para aquelas tributações.

 

h)      A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 21-08-2015, proferido pelo Senhor Director Adjunto da UGC, em substituição (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)         O despacho de indeferimento da reclamação graciosa manifestou concordância com a Informação n.º …-…/2015, cuja cópia consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

§ II. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Contribuinte, aqui Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do quadro-síntese mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art. 100.º da Lei Geral Tributária.

 

j)         Em 19-11-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

          2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

3. 1. Questão a apreciar

 

O artigo 88.º do CIRC prevê várias tributações autónomas em IRC com as respectivas taxas.

No seu n.º 14 estabelece-se o seguinte:

 

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se, quando é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os prejuízos fiscais relevantes para determinar este agravamento de taxas de tributação autónoma são os dos grupos ou os de cada uma das entidades individuais que os integram.

A Requerente entende que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.

A questão está hoje legislativamente resolvida, no sentido propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através do aditamento, operado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

 20 - Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º

 

O artigo 135.º desta Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

No entanto, a Requerente defende que esta atribuição de natureza interpretativa «implica a atribuição de efeito retroactivo à mencionada disposição, sendo materialmente inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República que proíbe normas fiscais retroactivas, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui».

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a interpretação que é feita pelo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC é a que já devia ser adoptada anteriormente.

Assim, a primordial questão a apreciar é a de saber se é constitucionalmente admissível a interpretação autêntica efectuada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Se se concluir pela inadmissibilidade, será de apreciar a questão de saber por qual das interpretações optar.

 

3.2. Natureza interpretativa ou inovadora do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC

 

O artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Assim, a primeira questão a apreciar, que pode ser decisiva, é a de saber se a norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, tem verdadeiramente natureza interpretativa.

A expressão «sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal» que consta do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC pode, pelo seu próprio teor literal, ser interpretada como reportando-se aos prejuízos do grupo ou aos de cada uma das empresas que os integram.

Na verdade, mesmo quando a tributação é feita com base no lucro tributável do grupo, não deixam de ser determinados os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o integram, como resulta do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

Por outro lado, o facto de o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC fazer referência ao «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º, não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger, pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável». Ora, no caso de tributação dos grupos de sociedades «o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante», em primeira linha, como decorre do artigo 115.º do CIRC, pelo que esta é, também nessa qualidade, sujeito passivo de IRC.

Ainda por outro lado, o Relatório do Orçamento do Estado para 2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, não é esclarecedor sobre o alcance da referência a «sujeito passivo», pois apenas se refere que «alarga-se uma regra que em termos mais estreitos já figurava no artigo 88.º do Código do IRC e determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

Para além disso, se é certo que a posição mais coerente e lógica é a de que, sendo a tributação unitária do rendimento a justificação da existência de um regime especial de tributação de grupos de sociedades e não havendo nenhuma alusão às tributações autónomas na Subsecção do CIRC que estabelece este regime, estas não seriam por ele abrangidas, também não deixa de ser certo que as tributações autónomas revelam uma evidente, persistente e crescente despreocupação legislativa com a coerência de sistema de tributação das empresas que deveria ter por base fundamentalmente o rendimento real, por força do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

E, de facto, tem de se admitir a falta de clareza da solução, como fica demonstrado com a jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria, designadamente os acórdãos de 01-09-2014, proferido no processo n.º 239/2014-T e de 24-04-2015, proferido no processo n.º 659/2014-T.

Por outro lado, o facto de existir uma Informação Vinculativa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira datada de 30-03-2012, no sentido que esta defende no presente processo, é decisivo para concluir que esta era uma interpretação com que os contribuintes poderiam contar, pois as informações vinculativas são publicadas e esta está publicada desde 21-06-2012. ( [1] )

Para além disso, havia já algumas posições doutrinais no sentido que veio a ser perfilhado no n.º 20 do artigo 88.º, designadamente que «estando em causa um grupo societário integrado no regime especial de tributação tem-se entendido que, para efeitos do agravamento do cálculo de TA, deverá ter-se em conta a circunstância de o grupo apresentar lucro ou prejuízo, e não apenas o resultado de cada uma das sociedades. Ou seja, se houver empresas do grupo com prejuízo fiscal, mas, no cômputo global, o grupo apurar lucro tributável consolidado, não deverá ser considerado o agravamento de 10%.». ( [2] )

Em face das referidas posições, não é de afastar a natureza interpretativa atribuída ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de aplicação do agravamento da tributação autónoma prevista no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC era controvertida e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, como chegaram a jurisprudência e doutrina referidas.

 

3.3. Compatibilidade da interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com os princípios da legalidade e da igualdade e da proibição da retroactividade dos impostos

 

A Requerente defende que a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que veio a ser perfilhada no n.º 20.º do artigo 88.º do CIRC, viola os princípios da igualdade e da legalidade pelo seguinte:

    «leva a que no caso de o grupo fiscal apresentar lucro tributável, mas algumas empresas desse grupo registem prejuízo fiscal a título individual e tenham sido objecto de tributações autónomas, essas empresas que tenham registado prejuízo fiscal sejam beneficiadas relativamente a outras empresas que não estejam abrangidas pelo RETGS. O carácter punitivo do artigo 88.º, n.º 14, do Código do IRC revela que esta norma estava desenhada desde a sua entrada em vigor em 2011 para punir as empresas que apresentassem prejuízo fiscal, pertencessem ou não a um grupo fiscal. Apenas esta interpretação é consentânea com o princípio da igualdade nos impostos. De outro ângulo: a interpretação sufragada pela AT viola o princípio da igualdade pois beneficia empresas que individualmente registem prejuízos fiscais e que pertençam a um grupo fiscal que registe lucro tributável, face a empresas que registem prejuízos fiscais mas que não façam parte de um grupo fiscal, da mesma forma que prejudica empresas que individualmente registem lucros tributáveis e que pertençam a um grupo fiscal que registe prejuízo fiscal, face a empresas que registem lucros tributáveis mas que não façam parte de um grupo fiscal.

Atendendo ao facto de que até 2016 a existência de um grupo fiscal relevava apenas para efeitos da determinação da matéria colectável (veja-se a inserção sistemática do RETGS no Capítulo III do Código apelidado de «Determinação da matéria colectável») e não para efeitos de determinação da tributação autónoma (nem da derrama estadual que se insere no mesmo Capítulo das tributações autónomas), é evidente que a interpretação que a AT faz do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC viola o princípio da igualdade pois trata, para efeitos de tributação autónoma, empresas em situação semelhante de forma diferente. Razão pela qual, também por esta via, a solução legislativa consagrada no OE para 2016 tem conteúdo inovador.

Aliás, ainda que a violação do princípio da igualdade tenha sido ultrapassada pelo número 20 do artigo 88.º que vem estender a aplicação do RETGS ao regime da taxa agravada das tributações autónomas e que, nesta medida, por opção legislativa deixou de ser apenas um regime especial de determinação da matéria colectável, a verdade é que a interpretação do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, efectuada pela AT segundo a qual no caso de grupos societários abrangidos pelo RETGS o artigo 88.º, n.º 14 reporta-se ao prejuízo fiscal do grupo, viola o princípio da legalidade dos impostos consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, na sua vertente de tipicidade, pois as normas de incidência de imposto — como é o caso — têm de ser consagradas por lei e o artigo 88.º, n.º 14, ao nível da incidência subjectiva apenas se refere a sujeitos passivos, conceito este que vem definido no artigo 2.º do Código e que não inclui os grupos de sociedade, mas apenas as sociedades individualmente consideradas, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui.

Finalmente, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (ao dispor que "[a] redacção dada pela presente lei (...) aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88. º (...) do Código do IRC tem natureza interpretativa”), ao conferir carácter interpretativo ao número 20 do artigo 88.º do Código do IRC (que dispõe que "[p]ara efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69. º, é considerado o prejuízo fiscal apurado NO artigo 70."') que remete para o número 14 do mesmo artigo (que por sua vez, preceitua que "[a]s taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercido de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC"), implica a atribuição de efeito retroativo à mencionada disposição, sendo materialmente inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República que proíbe normas fiscais retroactivas, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui».

 

3.3.1. Princípio da legalidade

 

No que concerne ao princípio da legalidade dos impostos, se é de concluir que a posição defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira era defensável à face da redacção do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC vigente no período de formação do facto tributário e, eventualmente, até seria a solução maioritariamente adoptada ([3]), tem de se concluir também que não ocorre violação deste princípio.

Com efeito, desta perspectiva, a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira era, pelo menos, uma das possíveis, e o princípio da legalidade não exige que as normas tributárias tenham uma interpretação indiscutível, o que, em direito, é praticamente impossível, em face dos múltiplos critérios interpretativos que é necessário aplicar concomitantemente, previstos em geral nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT.

Por outro lado, o princípio da legalidade não exige que a interpretação da lei fiscal tenha de corresponder ao teor literal, bastando que tenha nele um mínimo de correspondência verbal, como decorre do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 11.º da LGT e esse mínimo existe no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, por mera interpretação declarativa, tendo em conta, como se disse, os artigos 18.º, n.º 3, da LGT 115.º do CIRC, que permitem atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS.

 

3.3.2. Princípio da igualdade

 

No que concerne ao princípio da igualdade, o tratamento distinto das empresas que integram grupos e as que não os integram, não resulta da interpretação aplicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas sim da própria aplicação do RETGS.

A aplicação deste regime, que é opcional (artigo 69.º, n.º 1, do CIRC), pode trazer vantagens ou inconvenientes fiscais para a globalidade das empresas que os integram em relação à tributação que seria aplicável com base na tributação individual de cada uma dessas sociedades.

Sendo o RETGS um sistema de tributação integrado por várias regras, a opção das sociedades dominantes pela sua aplicação implica a aceitação da globalidade de todas as normas aplicáveis no âmbito desse regime, com a implícita aquiescência em prescindir da aplicação das regras aplicáveis quando é aplicável o regime de tributação individual. Na verdade, não é admissível, à face do princípio da legalidade, pretender a aplicação de um terceiro regime de tributação misto não previsto na lei, integrado por algumas das regras do RETGS e algumas das aplicáveis no regime da tributação individual.

Assim, no pressuposto de que a interpretação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira era admissível, tem de se concluir que a consideração dos prejuízos fiscais do grupo em vez dos prejuízos individuais de cada uma das empresas é uma das componentes do próprio RETGS, abrangida na opção pela sua tributação. Aliás, é de notar que da aplicação da interpretação perfilhada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer resultam necessariamente desvantagens fiscais para as empresas tributadas pelo RETGS, pois, nos casos em que não há prejuízos do grupo, não é aplicável o agravamento previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, mesmo que haja no grupo empresas que tenham prejuízos individuais e que veriam agravada a tributação autónoma se fossem estes os relevantes. Por isso, nem se pode aventar que esta interpretação do n.º 14 do artigo 88.º configure uma componente desvantajosa do RETGS susceptível de influenciar necessariamente a opção pela aplicação do regime.

Pelo exposto, entende-se que não é materialmente inconstitucional o tratamento distinto das empresas que é dado às empresas abrangidas pelo RETGS e às que não são abrangidas por esse regime, inclusivamente o que resulta do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, na interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.3.3. Princípio da proibição da retroactividade dos impostos

 

O artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada. ([4])

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas.

Na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, deverá entender-se que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade.

Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se, seguramente, aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

No caso em apreço, como se referiu já, o teor literal do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa, que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18.º, n.º 3, da LGT 115.º do CIRC, atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, pelo que a consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma tem de considerar-se como uma interpretação com que os contribuintes poderiam e deveriam contar anteriormente.

Por isso, a interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não ofende a proibição constitucional de normas fiscais retroactivas.

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Improcedendo os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação parciais da autoliquidação e de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa que a manteve, improcedem também os pedidos de reembolso da quantia paga acrescido de juros indemnizatórios, que seriam consequências daquela ilegalidade.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)       Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.500.077,34.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 09 de Maio de 2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

 

(João Gonçalves da Silva)

 



[1]              Segundo constada lista publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua página informática em:

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Por_data_circ.htm

[2]              Neste sentido, MARIA RITA DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA, em «A Tributação Autónoma no CIRC – A sua (in)coerência», Dissertação de mestrado em Direito Fiscal elaborada sob a orientação do Professor Doutor Rui Duarte Morais.

                Embora sem fundamentação explícita, a informação de que há conhecimento de ser essa a interpretação que tem vindo a ser efectuada não deixa de ser significativa, para efeitos da natureza inovadora ou não da solução explicitada no n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

                Eventualmente, o reconhecimento de que estava a ser seguida essa na interpretação do n.º 14 do artigo 88.º basear-se-á no facto de estar publicada a referida informação vinculativa.

[3]              Como se deduz do texto referido na nota anterior.

 

[4]              No sentido de que a lei interpretativa é necessariamente retroactiva, pode ver-se OLIVEIRA ASCENSÃO. O Direito - Introdução e Teoria Geral, página 438:

1) A lei é uma determinação, e não uma declaração de ciência. O legislador não sabe melhor qual o verdadeiro sentido da lei que qualquer outra pessoa. Dentro de uma posição objectivista, a fixação de um sentido da lei anterior como o único admissível é uma nova injunção. Seria ficção pretender que o sentido que o legislador agora impõe foi sempre o verdadeiro sentido da fonte.

2) Há retroactividade quando uma fonte actua obre o passado. Ora a lei retroactiva, se bem que não suprima a fonte anterior, não se confunde com ela. O título é necessariamente composto, engloba também a lei nova. Se a lei nova está a regular o passado, então é necessariamente retr activa.