Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 679/2015-T
Data da decisão: 2016-05-06  IRC  
Valor do pedido: € 509.164,58
Tema: IRC - Encargos Financeiros; dedutibilidade; SGPS; benefícios fiscais
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Nuno de Oliveira Garcia e Luís Janeiro, todos designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral (TA), constituído em 22 de Janeiro de 2016, acordam o seguinte:

 

I.        Relatório

 

1.    A sociedade ‘A..., SGPS, S.A.’, NIPC..., apresentou, em 17 de Novembro de 2015, pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também AT).

 

2.    A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRC referente a 2011, emitida pela Direção de Serviços de Cobrança da AT com o n.º 2015... e datada de 2 de Julho, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2015..., e nota de compensação 2015..., no valor de € 509.164,58.

 

3.    A Requerente pede, na sequência da procedência do pedido que seja declarada ilegal e anulada a liquidação sub judice no que concerne à correção ao lucro tributável (no valor de € 2.745.372,59), alteração da derrama (para € 34.591,69) e juros compensatórios (de € 45.033,11).

 

4.    Em 20 de Novembro de 2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5.    Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

 

6.    Em 7 de Janeiro de 2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

 

7.    Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22 de Janeiro de 2016.

 

8.    Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

9.    As principais questões a decidir referem-se ao sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante também EBF), impondo-se determinar:

(i)                 Qual o momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados; e,

(ii)               Qual a metodologia de determinação do quantum de encargos a desconsiderar.

 

(i)                 Relativamente à questão do momento em que os encargos devem ser desconsiderados:

 

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente (que junta diversos documentos e um parecer do Prof. Doutor D…) alega, em síntese:

a) Que no ponto I.4. do Relatório de Inspeção no item Descrição sucinta das correções efetuadas, é referido o seguinte:

«De acordo com o nº. 2 do artigo 32º do EBFR, não concorre para o apuramento do resultado tributável o montante global de € 2.829.441,61, referente a encargos financeiros suportados, no exercício de 2011, com a aquisição de partes de capital – ver III.1.1. Esta correção foi retificada a favor do sujeito passivo, passando a ascender a        € 2.745.372,25, na sequência do direito de audição, conforme ponto IX - Direito de Audição – Fundamentação”, deste relatório».

b) A referida correção, no valor de € 2.745.372,25 resulta de uma errónea e ilegal interpretação feita pela AT, veiculada pela Circular nº 7/2004, de 30 de Março da Direção de Serviços de IRC, quer quanto ao sentido e alcance do artigo 32º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quer quanto à metodologia de determinação do quantum de encargos financeiros a desconsiderar, através da definição de um método indireto de imputação dos encargos financeiros às partes de capital;

c) Uma SGPS deve aceitar a dedutibilidade fiscal daqueles encargos financeiros no exercício em que os suportou, avaliando o seu eventual acréscimo, para efeitos da determinação do seu lucro tributável, apenas no momento da alienação da participação social detida e desde que verificados os requisitos subjacentes à aplicação do regime;

d) À dificuldade prática de relacionar as mais-valias (que são geradas num determinado ponto do tempo) com os encargos financeiros (que podem ser continuados no tempo) a AT, sem qualquer suporte ou fundamento legal, dá a solução que melhor lhe convém, ou seja, a priori desconsidera sempre os encargos financeiros e, a posteriori, é que verificará, em função do tratamento dado às mais-valias, se tais encargos terão de vir a ser considerados e aceites como custo.

e) Esse procedimento não encontra o mínimo assento ou respaldo na lei, pelo que os encargos financeiros devem ser considerados como custo ou gasto fiscal e apenas se e quando as mais-valias decorrentes da alienação de partes de capital forem realizadas e sejam, nos termos do artigo 32º, nº 2, do EBF, desconsideradas.

 

Por sua vez, relativamente a esta mesma questão a AT apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

a) A solução adotada pela Circular nº 7/2004, na parte respeitante ao exercício em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros ora em discussão, reflete a preocupação do legislador em não influenciar o lucro tributável do exercício em que são suportados os encargos financeiros com a aquisição de participações suscetíveis de beneficiar do nº 2 do art. 32º do EBF, sem antes conhecer se os mesmos podem ou não concorrer para a formação do lucro tributável da sociedade;

b) Determina aquela circular que caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo no exercício fiscal em que foram suportados;

c) Os encargos que possam concorrer para a formação do lucro tributável serão, no máximo, reconhecidos no período imediatamente seguinte àquele em que foram suportados, e os que não puderem ser reconhecidos nesse período imediatamente posterior não reúnem, simplesmente, os pressupostos para poderem concorrer para a formação do lucro tributável;

d) A solução preconizada pela referida circular basta-se em acolher as preocupações do legislador em sede de periodização do lucro tributável, sobretudo quando conjugando com o disposto no art. 23º do CIRC, impedindo o seu reconhecimento no exercício em que, embora suportados, não é ainda possível aferir da sua indispensabilidade para a formação do lucro tributável;

e) O Acórdão do STA n.º 269/2012, refere:

«Para MANUEL H. F. PEREIRA (cfr. ‘A periodização do lucro tributável’, Ciência e Técnica Fiscal, 1988, nº 349, pp. 80-81.) referindo-se à importância e razão de ser do princípio da especialização dos exercícios, pondera que “a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo, a, designadamente:

a) Diferir no tempo os lucros;

b) Fracionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objetivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efetivar deduções mais avultadas (v.g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»

f) A obrigação legal de quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis resultantes da articulação deste regime com o art.º 32.º do EBF incidia sobre a Requerente no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efetuou a autoliquidação de IRC;

g) Os encargos financeiros suportados no exercício em causa, no montante que entende estar relacionados com a aquisição da totalidade das partes sociais, não concorrem, por consequência, para a formação do lucro tributável da Requerente, independentemente do facto de a Requerente, relativamente a essas partes de capital, ter ou não realizado mais-valias com a respetiva alienação; e,

h) O custo fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, independentemente de se terem gerado mais-valias, não deve ser considerado, pois não existe um nexo entre uma coisa e a outra.

 

(ii)               No que concerne à metodologia de determinação do quantum de encargos a desconsiderar:

 

 A Requerente alega que:

a) Para além da divergência de entendimento quanto ao sentido e alcance do artigo 32º, nº 2 do EBF, não concordando com o que lhe é atribuído pela Circular e com o inerente ao procedimento da AT, também não se conforma quanto à metodologia de determinação do quantum de encargos financeiros a desconsiderar, através da definição de um método de imputação indireto daqueles encargos às partes de capital prosseguido pela Circular e pela AT;

b) A AT não questiona à partida – como seria imperioso – se os financiamentos obtidos foram contraídos para a aquisição de partes de capital ou se foram utilizados em financiamentos para suprir as necessidades de tesouraria das suas participadas ou se, até, foram usados para pagamento dos salários dos trabalhadores;

c) A AT não efetuou quaisquer diligências no sentido de averiguar se os empréstimos contraídos se destinaram à aquisição das participações sociais de que a sociedade era detentora;

d) A AT ignora até o fator tempo, desconsiderando as datas de aquisição das partes de capital e as datas da contração dos empréstimos, limitando-se a ficcionar que os empréstimos têm que ver com aquelas aquisições e, com fundamento nessa errada e ilegal indução, aplica fórmulas e estabelece proporções;

e) «[A] AT não só não desenvolveu qualquer tipo de estratégia que permitisse mitigar os riscos identificados, como propôs um método que ultrapassa claramente o espírito do legislador subjacente ao disposto no artigo 32º, nº 2 do EBF, ao arrepio do princípio da legalidade e tipicidade constitucionalmente consagrados»;

f) A Circular desvia-se por completo da lei, porquanto parte de um receio de que um método de afetação direta ou específica seria de evitar devido «[…] à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria […]», impondo sempre um método indireto ou pro rata;

g) O método de afetação direta afigura-se ser o único que, para além de mais justo e rigoroso, encontra assento na boa e correta interpretação do texto da lei;

h) O legislador apenas pretende a desconsideração tributária dos encargos financeiros incorridos com os financiamentos efetivamente relacionados com a aquisição de partes de capital, e apenas estes;

i) A letra e teleologia da norma em apreço afastam a admissibilidade da utilização de um método de pro rata, havendo que respeitar a afetação real do destino dos empréstimos obtidos e somente após essa determinação é que seria admissível o uso de um método indireto, à luz do que ocorre, por exemplo, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado;

j) Ao recorrer a métodos indiretos para ficcionar os encargos financeiros supostamente incorridos com a aquisição de partes de capital, a AT incorre numa outra grave e frontal ilegalidade – o recurso indevido a avaliação indireta;

k) A AT acabou por presumir que existindo encargos financeiros e, simultaneamente, participações financeiras, existiram financiamentos para a aquisição de partes de capital e, com base nas fórmulas e doutrina de ‘adivinhação’ constantes da Circular, presume ainda o montante dos encargos financeiros atribuídos à aquisição das partes de capital, assim determinando, a seu bel-prazer, a matéria coletável;

l) O método indireto preconizado pela Circular é manifestamente frágil e inconsistente;

m) O montante de partes de capital detido pela Requerente durante o ano de 2011 considerado pela AT no método quantitativo de cálculo dos encargos financeiros que utiliza (mapas “Partes de Capital” e “Mapa de Apuramento dos Encargos Financeiros Imputáveis às Partes de Capital” que constituem anexos ao relatório individual) é, ao longo dos diferentes meses do ano, o seguinte:

- Janeiro a setembro de 2011: € 277.719.140,71

- Outubro a Dezembro: € 277.519.140,71;

o) Constitui, pois, um sofisma, porque completamente arredado da realidade, considerar, como faz a AT de forma errada e ilegal, que a Requerente suportou encargos financeiros com a aquisição das referidas participações ou partes de capital;

p) A AT deveria ter, por conseguinte, atendido à realidade concreta da Requerente, que demonstra a inexistência de contração de endividamento por conta da aquisição das referidas participações sociais e não, com base na metodologia ilegal, frágil e errada constante da Circular, ter pressuposto através do recurso ilegal a métodos indiretos, quais os putativos encargos suportados pela Requerente com tal aquisição;

q) Em suma, para a Requerente «[o] ato de liquidação sub judice é manifestamente ilegal por errónea qualificação e quantificação de lucros, ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida e preterição de outras formalidades legais, consubstanciado, além do mais, na violação dos artigos 32º, nº2, do EBF, 8º,74º, nº1, 85º, nº2, 87º e 90º da LGT, 13º,103º, nºs 2 e 3 e 104º, n.ºs 2 e 3 da CRP, dos princípios da legalidade tributária, especialização dos exercícios e da capacidade contributiva, impondo-se a respetiva anulação, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a) do RJAT, 99º, alíneas a), c) e d) do CPPT e 135º do CPA» (cfr. a Conclusão 36.ª do Pedido).

 

No que se refere a essa mesma questão a AT invocou, em síntese, o que se segue:

a) Transcrito o teor da norma legal aplicada, bem como da Circular cuja ilegalidade/inconstitucionalidade é invocada, mais cumpre esclarecer que, a despeito do alegado pela Requerente, o método utilizado in casu, independentemente de ser preconizado pela Circular n.º 7/2004, de 30/03, é adotado pela generalidade das sociedades gestoras de participações sociais, que o empregam em função da extrema complexidade e subjetividade da afetação direta destes encargos aos diversos ativos;

b) Atendendo às características intrínsecas da moeda, este método é uma ferramenta necessária às SGPS, de forma a permitir-lhes efetuarem a imputação destes encargos às partes de capital e determinarem o lucro tributável do exercício de acordo com a legislação aplicável;

d) É evidente que o motivo que preside à utilização do método de imputação dos encargos financeiros às partes de capital utilizado no caso em apreço é o da tributação mais próxima do lucro real possível, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF;

e) Veja-se que a norma constante do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, ao determinar que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, não estabeleceu o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais;

f) Na verdade, a Circular n.º 7/2004, em respeito pela ratio legis implementada com a alteração legislativa ocorrida ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mais não pretende que dar cumprimento à lei, determinando o método e a forma de cálculo dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição de partes sociais;

g) O Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a legalidade e a conformidade constitucional daquela Circular. Decidiu-se, com efeito, no Processo n.º 21/2012-T:

«Efetivamente, consideramos que a adequada hermenêutica do regime especial aplicável às SGPS´s, previsto no n.º 2 do art.º 31.º do EBF, acima explicitada com desenvolvimento, nos leva a considerar que o propósito do legislador quando colocou a vigorar aquele regime foi o de, efetivamente, obstar a que (no pressuposto de que potencialmente a SGPS pode vir a beneficiar da exclusão de tributação aplicável aos rendimentos de mais valias realizados com a alienação de partes sociais) os custos relevantes que estejam relacionados com a obtenção de tais rendimentos possam ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os obteve.

Salvo no que diz respeito à imposição, no n.º 7 da Circular 7/2004, da utilização do método indireto de afetação dos encargos financeiros (considerámos acima que nada obstava, no pressuposto de que a afetação direta fosse possível, que ela se pudesse empreender, contrariando, assim, a imposição do método indireto de afetação dos encargos financeiros), não vislumbramos em que medida aquela doutrina administrativa possa conter normas de incidência, de determinação da taxa e de liquidação, violando por isso, o princípio da legalidade fiscal previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 103.º da CRP».

h) A desconsideração dos encargos financeiros, resulta, tão-somente, do quadro normativo vigente e não da eventual aplicação dos critérios vertidos na aludida Circular n.º 7/2004, de 30/03;

i) Recorrendo à doutrina de Freitas Pereira, a importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto de a «atividade tributária [ser] hoje uma atividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações fiscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento importante da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adota, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionários a quem cabe aplicar a lei»;

j) Acresce que a explanação, na circular em discussão, do método a utilizar para efeitos dos encargos financeiros às participações sociais, além de promover a segurança jurídica, contribui para a realização efetiva das finalidades extrafiscais acima enunciadas (e que presidiram à própria criação do regime especial das SGPS) e tem a virtualidade, não menos importante, de obstar a que os contribuintes utilizem o normativo em causa para prosseguirem fins completamente alheios aos fins visados na lei e que subvertem a justiça de todo o sistema fiscal;

k) O entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, de 30/03, limita-se a tentar esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, previsto no art.º 31.º do EBF, na redação que lhe foi dada pela Lei 32-B/2002, de 30/12 (OE para 2003);

l) Para a Requerida, em síntese, «o entendimento propugnado pela Requerente é manifestamente infundado, não padecendo o ato de liquidação atinente à aplicação da Circular n.º 7/2004 da DSIRC de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade».

 

  1. Por despacho de 5 de Março de 2016, foi indeferido o requerimento de produção de prova testemunhal, por os artigos indicados pelo Sujeito Passivo corresponderem a matéria de direito ou a matéria de facto carente de prova documental. Nesse mesmo despacho foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se designado o dia 22 de Julho de 2016 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. Por despacho de 28 de Março de 2016, foi deferido o requerimento do Requerente de junção aos autos do Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 269/2015-T.

 

  1. A Requerente prescindiu de alegações e a AT também não apresentou alegações.

 

 

II.       Saneamento

 

  1. Em conformidade com o exposto declara-se, o Tribunal regularmente constituído e materialmente competente para conhecer da presente ação, em sede declarativa.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III.   Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

17.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  • A Requerente é uma Sociedade Anónima Gestora de Participações Sociais (‘SGPS’), constituída ao abrigo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que lidera o Grupo B... e que encabeça as três áreas de negócios do Grupo: construção, concessões e imobiliária;
  • A Requerente tem como objeto social a detenção e gestão de participações sociais das empresas do Grupo, como forma indireta de exercício de atividades económicas, bem como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão, comunicação e responsabilidade social, jurídica e fiscal às sociedades participadas;
  • A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de empresas sujeito a tributação em IRC pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades – ‘RETGS’ (cfr. artigos 69º e segs. do Código do IRC);
  • Em cumprimento da Ordem de Serviço com o n.º OI2014..., foi promovida uma ação de inspeção interna ao grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante, por referência ao exercício de 2011, com o objetivo de verificar o cumprimento das obrigações contabilístico-fiscais inerentes à aplicação do regime especial de tributação do grupo de sociedades, e de refletir no lucro tributável do grupo, nos termos da citada legislação, e no imposto a pagar pelo grupo, as correções efetuadas pela Administração Fiscal, em resultado de procedimentos de inspeção relativos a sociedades integrantes do grupo;
  • Segundo o Relatório que culminou a referida ação de inspeção:

«Correções efetuadas à sociedade dominante Grupo C... SGPS, SA

Em cumprimento da Ordem de Serviço número OI2013... realizou-se o procedimento de inspeção à sociedade Grupo C... SGPS, SA (NIPC...).

Na sequência da referida ação inspetiva, foi efetuada a correção ao resultado fiscal declarado, que se fixou no montante total de € 2.759.990,59, conforme se expõe:

Encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente (n.º 2 do artigo 32.º do EBF)

O total da correção efetuada na empresa Grupo C... SGPS, SA, à matéria tributável ascende a € 2.745.372,25 e decorre de ter sido considerado pelo sujeito passivo, na determinação do resultado tributável, o valor total dos encargos financeiros suportados, no exercício de 2011, sem se atender à limitação quanto à dedutibilidade destes encargos prevista na parte final do número 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)» - cfr. a fls. 5/15 do Relatório de Inspeção;

·        Concluiu-se naquele procedimento inspetivo que a Requerente não acresceu ao resultado líquido do exercício a totalidade dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital, demonstrando-se em falta o acréscimo do valor de € 2.745.372,25, tendo sido efetuada a correspondente correção de natureza meramente aritmética à matéria coletável – cfr. Relatório de Inspeção, maxime a fls. 7/15;

  • Em virtude do acréscimo promovido em correção, resultou o valor a pagar pela Requerente de € 509.164,58, relativamente ao exercício de 2011, o que concretizou o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2015 ... - cfr. docs. n.os 1 e 2 juntos ao Pedido Arbitral;

·        De forma a poder ver suspenso o processo de execução fiscal decorrente no não pagamento voluntário da liquidação em crise, a Requerente apresentou garantia a favor da AT, em forma de hipoteca, tendo para tal despendido a quantia de € 4.773,01.

  • Na sequência da notificação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 2015..., a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral sub judice.

 

17.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A factualidade provada teve por base a posição assumida por cada uma das Partes e não contrariada pela parte oposta, a análise crítica dos documentos juntos aos autos pelo Requerente (documentos 1 a 9, juntos com o Pedido de pronúncia arbitral), cuja autenticidade e veracidade não foram impugnados, bem como o conteúdo do processo instrutor.

 

           17.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

 

III.2. Matéria de direito

 

            18. Momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados

     

            18.1. A lei fiscal aplicável ao caso em análise é o nº 2 do artigo 32º do EBF na redação aplicável à data da ocorrência do facto para o qual existe conflito relativamente à metodologia para quantificação dos encargos financeiros a desconsiderar como gasto fiscal em sede de IRC.

            18.2. Essa redação do nº 2 do artigo 32º do EBF era a seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

            18.3. Como consta da argumentação de cada uma das partes, também foi referida a Circular nº7/2004. Para a questão do momento de consideração/desconsideração dos encargos financeiro, há que analisar o seu número seis:

“6. Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

        18.4. Para uma tomada de decisão sobre esta matéria, esclarecemos, desde já, que não consideramos que haja um direito “circulatório”, ou seja, não atribuímos às circulares da AT força de lei, admitindo apenas que o seu efeito vinculativo se limita aos funcionários da AT. Será escusado, sequer, referir as doutas opiniões da generalidade dos fiscalistas sobre esta matéria. Queremos com isto dizer que só deverão ser aceites disposições de uma circular da AT que não contrariem a lei fiscal no caso vertente, o nº 2 do então art.º 32º do EBF associado ao próprio Código do IRC na sua versão aplicável ao caso em análise (2011).

      18.5. Iremos construir um pequeno exemplo para tentarmos descortinar o que o legislador terá pretendido dizer com a expressão constante do artigo do EBF atrás transcrito: “encargos suportados com a sua aquisição”.

            Suponhamos que uma SGPS adquirira, no dia 1 de janeiro do ano N, € 500 mil de participações financeiras com recurso a um passivo remunerado à taxa anual de 5%. Independentemente dessa sociedade ter ou não pago nesse ano os juros suportados (€ 500 mil x 5% = € 25 mil), de acordo com o designado regime do acréscimo (também conhecido por periodização económica), que é comum à contabilidade e à fiscalidade sobre rendimentos de pessoas coletivas (cf. Art.º 18º do CIRC), é inquestionável que os encargos financeiros suportados com essa aquisição terão sido de € 25 mil. E se no ano N+1 a sociedade tivesse amortizado € 100 mil desse empréstimo e os juros suportados em N+1 tivessem sido de € 20 mil (5% x € 400 mil)? É nosso entendimento que, na lógica do IRC, esses gastos continuam a respeitar à participação financeira adquirida no ano anterior, ou seja, resultam da sua aquisição ter sido feita através de passivo remunerado no momento inicial. O mesmo raciocínio também se aplicaria, aliás, se em vez de uma participação financeira se estivesse a falar de um ativo fixo tangível. A única diferença seria a nível fiscal: enquanto que o legislador fiscal não impôs limitações (específicas) no caso de encargos financeiros relativos a ativos fixos tangíveis, já o fez relativamente a participações financeiras adquiridas por SGPS – é certo que não no Código do IRC, mas sim no EBF. Para finalizarmos este exemplo, consideremos agora dois desfechos possíveis perante uma hipotética venda com uma mais-valia fiscal no dia 1 de janeiro de N+2:

i)                     A mais-valia era desconsiderada por cumprir com os requisitos legais. Neste caso, os encargos financeiros relativos à aquisição já tinham sido desconsiderados ao longo dos anos anteriores e não haveria nada mais a corrigir aquando do apuramento da matéria coletável da sociedade;

ii)                  A mais-valia não era desconsiderada por não cumprir os requisitos legais. Como os encargos financeiros não tinham sido anteriormente aceites como custos para efeitos fiscais, não restaria outra hipótese para além de os considerar custos para efeitos fiscais no ano N+2 para anular a correção anterior.

          18.6. Consideremos, agora, os principais argumentos de cada uma das partes. Enquanto que a Requerente considera que a desconsideração dos encargos financeiros deveria ficar suspensa até à eventual realização de uma mais-valia com um participação financeira que não relevasse para efeitos de determinação da matéria coletável de IRC relativo ao ano da efetivação da mais-valia para haver um matching temporal entre “ganho não fiscal/ custo não fiscal”, a Requerida considera que se devia seguir nessa matéria a disposição veiculada pelo nº6 da Circular nº7/2004, recorrendo também como justificação para esse facto o regime do acréscimo (ou periodização económica).

          18.7. Para nos pronunciarmos sobre este ponto, começaremos por atender à finalidade do regime especial das mais-valias da venda de participações financeiras por SGPS que vigorava na época. Parece-nos nítido que o regime visava beneficiar esse tipo de sociedades para a maioria dos seus rendimento/ganhos. Não nos esqueçamos que às SGPS estão vedadas uma série de operações (cf. Decreto-Lei nº495/88, de 30 de dezembro, com todas as alterações subsequentes), sendo os seus principais rendimentos/ganhos precisamente os derivados da alienação de partes sociais, às quais se aplicava este regime fiscal mais favorável. Assim sendo, o normal seria a desconsideração das mais-valias, por um lado, e dos encargos financeiros, pelo outro. Entretanto, não está previsto na legislação do IRC ou com ele relacionada que os encargos financeiros das SGPS sejam contabilizados ou considerados/desconsiderados para efeitos fiscais de forma diferente da usual, ou seja, exercício a exercício. Faremos ainda um paralelo dos encargos financeiros relacionados com um ativo fixo tangível (exceção feita aos que respeitem ao período anterior à entrada em funcionamento do bem nas condições do anterior nº 5 do decreto regulamentar nº25/2009: “São, ainda, incluídos no custo de aquisição ou de produção, de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável, os custos de empréstimos obtidos que sejam diretamente atribuíveis à aquisição ou produção de elementos referidos no n.º 1 do artigo anterior, na medida em que respeitem ao período anterior à sua entrada em funcionamento ou utilização, desde que este seja superior a um ano.”). Nada havendo em contrário, os custos financeiros de empréstimos obtidos para a sua aquisição serão aceites ano a ano. Se, porventura, por algum motivo extraordinário num determinado exercício se concluísse que não poderiam ser aceites (por exemplo, por não se ter atingido um objetivo constante de uma cláusula de um hipotético benefício fiscal contratual para grandes projetos de investimento), só haveria uma solução que seria a sua não aceitação integral como custo nesse período. Esta situação seria simétrica da que estamos a analisar: ao longo dos vários exercícios, o custo financeiro seria aceite pois estava associado a uma situação de normal aceitação desse custo; no entanto, se o acontecimento mais provável não ocorresse no futuro (cumprimentos dos objetivos contratuais), haveria uma correção de uma só vez do valor anteriormente considerado com gasto. E poderíamos multiplicar os exemplos análogos que conduzem a considerarmos que os encargos financeiros relacionados com as aquisições de participações financeiras por S.G.P.S. devem ser desconsiderados numa base anual e não de uma só vez caso haja a alienação da parte de capital com a não tributação da eventual mais-valia obtida nessa venda.

 

          18.8. Neste ponto, estamos de acordo com a posição da Requerida e aceitamos a aplicação do conteúdo do nº 6 da Circular nº7/2004 pelo facto de não contrariar a lei fiscal aplicável ao facto tributário e não por lhe reconhecermos força de lei. Mais consideramos que outra alternativa não seria viável à luz do regime contabilístico do acréscimo (ou periodização económica) que norteia não só a contabilidade como também a fiscalidade relativa ao IRC. Nunca podemos perder de vista que os princípios contabilísticos são natural e forçosamente aplicáveis ao nível do IRC, salvo disposição fiscal em contrário. E neste particular não encontramos nenhuma disposição contrária ao normal procedimento contabilístico, que é o de contabilizar os encargos financeiros numa base anual em função da sua ocorrência.

 

            19. Metodologia de determinação do quantum dos encargos a considerar

            19.1. Também sobre esta questão, a lei fiscal aplicável ao caso em análise é o nº 2 do artigo 32º do EBF na redação aplicável à data da ocorrência da situação em litígio.

            19.2. Como consta da argumentação de cada uma das partes, também foi referida a Circular nº7/2004, só que desta vez o seu número sete, que transcrevemos:

“7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”

 

            19.3. Também já se deu como provado que a AT efetuou a correção constante deste Processo pela aplicação da metodologia preconizada pelo número sete da Circular nº7/2004 pelos motivos atrás explanados no que nos pareceram ser os seus aspetos mais relevantes. Por outro lado, a Requerente não aceita essa metodologia pelos argumentos também já enunciados, de forma sintética, anteriormente.

 

            19.4. Vamos construir alguns exemplos para tentar aplicar o que o legislador fiscal visou ao elaborar nº 2 do art.º 32º do EBF e que consiste, essencialmente, em desconsiderar os encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes de capital por SGPS que venham a beneficiar do regime fiscal favorável que consiste na não tributação das mais-valias aquando da sua venda. Parece-nos legítimo inferir daí que, se não houver encargos relacionados com a aquisição dessas partes de capital, nada haverá a desconsiderar, por inexistente. É o que ditará o mais elementar bom senso neste caso, ao nível fiscal.

 

            19.5. Suponhamos que a SGPS se constitui no final do ano N, com entradas dos acionistas de € 500 mil que foram utilizadas para a aquisição de €500 mil de participações financeiras em sociedades. Em N+1, não adquiriu quaisquer outras participações sociais mas contraiu, no dia 1 de janeiro de N+1, um empréstimo bancário à taxa de juro anual de 5% para financiamento integral de um imóvel para a sua sede, que veio a adquirir no início do ano por €500 mil. Os encargos financeiros suportados com esse empréstimo em N+1 serão de € 25 mil. Questão: qual deve ser, neste ano, o montante dos encargos financeiros a desconsiderar por respeitarem à aquisição de partes de capital noutras sociedades? Não temos qualquer dúvida que o legislador do art.º 32º do EBF não hesitaria em responder que não deveria ser desconsiderado qualquer valor a esse título pois a aquisição dessas partes de capital tinha sido integralmente realizada com capitais próprios no ano anterior. E, se em vez dos acionistas terem entrado com os € 500 mil em dinheiro, tivessem realizado o capital social em espécie, precisamente através dessas participações financeiras? Quer-nos parecer que a resposta seria a mesma: como não houve qualquer passivo remunerado associado à aquisição dessas partes de capital, também não lhes podem ser imputados quaisquer encargos financeiros.

            E qual teria sido a posição da AT se tivesse seguido o disposto no nº7 da Circular nº7/2004 sendo que, no final de N+1, os únicos ativos da SGPS fossem as participações financeiras adquiridas no ano anterior por € 500 mil e o imóvel que custou € 500 mil no início de N+1? Para simplificar este exemplo, mas sem lhe retirar coerência, vamos admitir que outros ativos no final de N+1 igualariam o valor das depreciações de N+1 (e, consequentemente, das depreciações acumuladas desse ano). Ora como não existiriam, no final de N+1, empréstimos remunerados às participadas e/ou outros investimentos geradores de juros, 50% dos juros suportados (€ 12,5 mil) seriam desconsiderados nesse ano como custos fiscais.

            A questão que se coloca é a de saber como é possível à luz dos princípios constitucionais que uma instrução administrativa oriunda do Ministério das Finanças sobreleve de forma tão evidente uma disposição legal (nº2 do art.º 32º do EBF), seja na sua letra, seja no seu espírito. A resposta parece-nos óbvia: não é possível. Tudo em que a Circular nº7/2004 contrarie o alcance do referido artigo do EBF não poderá ser aceite como uma “fatalidade”, seja por parte dos contribuintes, seja por parte da própria AT.

 

            19.6. Poder-se-á argumentar que os exemplos dados no ponto anterior são muito simples e que a realidade das SGPS é bem mais complexa, o que conduz à “… extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria…” e que a AT teve que adotar um método indireto que até é generoso para os contribuintes ao compensar, numa primeira fase do processo de cálculo, passivos remunerados com empréstimos remunerados a empresas participadas e/ou outros ativos geradores de juros. Estamos de acordo quanto ao primeiro ponto (o de que a realidade das SGPS é bastante complexa); já quanto à metodologia preconizada pela AT, de modo algum consideramos que seja de admitir a sua adoção “cega” pois é evidente que falha estrondosamente nalguns casos. Aliás, o que inviabiliza a sua eventual aplicação mais generalizada é a expressão “…deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte…”. Se a circular referisse “…poderá…” e acrescentasse algo como “… ou a qualquer outro critério devidamente fundamentado…” e “…desde que seja totalmente inviável fazer uma imputação direta desses encargos financeiros às participações da SGPS …” não teríamos qualquer problema em aceitar tais disposições pois não feririam o artigo 32º do EBF.

 

19.7.    Com base noutro exemplo, já com um grau maior de complexidade, até podemos sugerir formas de resolução deste problema que reputamos mais adequadas.

           Suponhamos que uma sociedade que até ao final de N-1 não era uma S.G.P.S. e cujo ativo era, no final desse ano, de €100 milhões, sendo o passivo remunerado de € 20 milhões, repartindo-se o restante financiamento do ativo por capitais próprios e por passivos não remunerados. No início de N, transformou-se em SGPS, sendo no final deste ano o ativo de €150 milhões, dos quais €30 milhões correspondiam ao valor de aquisição de participações financeiras. No final do ano, o passivo remunerado era de € 40 milhões, sendo a taxa de juro anual de 5% (tendo esse passivo sido contraído logo no dia 1 de janeiro de N). Adotando uma lógica incremental, não nos chocaria como critério de imputação dos encargos financeiros a desconsiderar o acréscimo de dívida remunerada na proporção imputável às participações financeiras (30/50 x 20) multiplicada pela taxa de juro anual. Contas feitas, daria € 0,6 milhões a desconsiderar e €1,4 milhões seriam aceites como gastos fiscais. Caso se aplicasse o método da Circular nº7/2004, os encargos financeiros desconsiderados seriam de 30/150 x 2 = € 0,4 milhões.

E se no final do ano N+1 o ativo passasse a €210 milhões, dos quais €30 milhões correspondiam ao valor de aquisição das mesmas participações financeiras, não tendo havido quaisquer novas aquisições desse tipo, e o passivo remunerado aumentasse para € 80 milhões, sendo a taxa de juro anual novamente de 5% (e tendo esse novo passivo sido contraído logo no dia 1 de janeiro de N+1), os juros correspondentes ao acréscimo da dívida remunerada deveriam ser totalmente aceites pois, nitidamente, não eram imputáveis a novas partes de capital. Assim sendo, haveria que desconsiderar os mesmos € 0,6 milhões do ano passado e seriam fiscalmente dedutíveis € 3,4 (€1,4 milhões, tal como no ano anterior, acrescidos de 5% x €40 milhões, que corresponderiam ao acréscimo de endividamento anual em N+1). Ora se seguíssemos o critério preconizado pela Circular nº7/2004, os encargos financeiros desconsiderados seriam de 30/210 x 4 = € 0,57 milhões.

Defendemos, pois, que no caso de não ser possível enveredar por uma afetação direta, um método baseado em ativos e passivos remunerados incrementais seria mais adequado do que o constante da Circular nº7/2004. Entenda-se, no entanto, estes exemplos como fonte de reflexão para aferir da adequação generalizada do critério proposto pela AT. E a conclusão é de que não é adequado, sobretudo para situações em que seja evidente que a aquisição das participações sociais foi feita através de capitais próprios.

Este entendimento é corroborado por jurisprudência do TCAN (Processo 00946/09.0BEPRT, 15 de Janeiro de 2015), cujo teor se passa a transcrever por a situação ser transponível para o caso em apreciação:

“Como determina o art. 74º/1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a redação vigente do n.º 1 que também era a redação inicial. O preceito foi alterado pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12 para o seguinte teor: O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, exceto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes. Porém, a Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto repôs a redação inicial, que se manteve até ao presente.

Sabendo-se que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que é que isso significa? Em que é que essa regra se traduz em termos práticos? Muito simplesmente, como tem sido pacificamente entendido, significa que na «falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte» (António Lima Guerreiro, "LGT Anotada", Rei dos Livros, 2001, pp. 329).
Ou, dito de outro modo, Cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos. (ac. do TCAN n.º 00624/05.0BEPRT de 12-01-2012, Relator: Catarina Almeida e Sousa)

Esta norma embora integre o conjunto de regras atinentes ao procedimento também se aplica ao processo judicial, não sendo aliás, o seu conteúdo distinto do critério geral da repartição do ónus da prova previsto no art. 342º do Código Civil.

De modo que pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.º 31º/2 do EBF deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição.

Mas em vez dessa prova, a ATA partiu para a desconsideração dos custos contabilizados pela recorrida (sociedade dominante) no montante de € 3.237.838,62 dando por adquirido que esta verba era relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que foram indevidamente considerados como custo fiscal. Com o mesmo fundamento se desconsideraram € 56.081,74 referentes à dominada S... SGPS,SA, o que acarretou correções ao lucro tributável do grupo no montante de € 3.293.920,36 pelo que os resultados fiscais constantes na declaração modelo 22 do grupo passaram de 14.017.394,34 € declarado para 17.311.314,70 corrigido.
A ATA deu por adquirido que um certo montante dos encargos financeiros contabilizados foram suportados com a aquisição de partes de capital, mas nada demonstrou nesse sentido. Não identificou os financiamentos usados para o efeito, nem as partes de capital que teriam sido adquiridas com eles, falhando por completo o cumprimento do seu encargo probatório.

Podemos dizer que a ATA falhou nos pressupostos da tributação e no método quantificador usado.

Falhou nos pressupostos da tributação porque não logrou demonstrar os requisitos factuais legais da sua atuação, como acima se deixou referido.
E falhou no método quantificador porque se desvinculou da necessidade de apurar se houve alienação de participações sociais e qual o montante do financiamento usado na sua aquisição.

Mas só perante estes dois requisitos – alienação de participações e respetivo financiamento usado na sua aquisição – poderia a ATA ter desconsiderado os custos de financiamento.
Desconhecendo ambos, a ATA enveredou pela correção e tributação lançando mão de três (pelo menos) presunções: uma, de que foram alienadas participações sociais; outra, que foram contabilizados custos com o financiamento para a aquisição dessas participações e a terceira constituída pelas operações de cálculo: (1) imputou os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros e (2) afetou o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição (3) após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos não remunerados, apurou de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital.

Com este conjunto de presunções, a ATA concluiu que o contribuinte suportou no exercício, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações, a quantia de € 3.237.838,62.

O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu.
Como salienta Júlio Tormenta (in As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os Seus Limites, Coimbra Editora, pp. 145) «Uma questão que se levanta a propósito do estabelecido no art. 32.º do EBF nos seus n.º 2 e 3 é saber como apurar ou quais os encargos financeiros diretamente relacionados com aquisição de participações sociais (na sua maioria constituídos pelos juros correntes de serviço da dívida relativos a um mútuo ou outra forma de crédito utilizado pela SGPS para aquisição de participações sociais) daqueles que são usados pela SGPS para no prosseguimento do seu objeto que não tenha a ver com aquisição de participações.
A Administração tributária vem defendendo que essa afetação deve realizar-se no respeito pelo “princípio do equilíbrio financeiro” (cf. o Ofício de I de Setembro de 2003 do Diretor-Geral dos Serviços do IRC), o qual aconselha a que se financie um ativo com capitais de maturidade compatível com a vida económica desse ativo e capacidade de geração de meios monetários.

Para a Administração tributária os encargos financeiros deverão ser afetos com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se direta e automaticamente o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afetação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado ”direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.
Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.
Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afetação direta e só na impossibilidade de utilização do mesmo; é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004»

Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afetação direta ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º LGT) e que resulta da redação do art. 31º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas.
Admitindo porém que não é possível a partir da escrita da empresa saber qual o fim para que foram obtidos os financiamentos, isso poderá colocar em causa o controlo legal por parte da ATA. Mas mesmo que assim seja, não pode ser a ATA a completar a norma através de uma circular que institua um regime de apuramento proporcional, indireto ou presuntivo, criando condições mais gravosas para o contribuinte do que as previstas na lei, desrespeitando o quadro normativo vigente. Com tal interpretação, a circular 7/2004 propõe-se completar a norma do art. 31º/2 EBF criando um modo de cálculo diferente do da imputação direta e específica dos passivos remunerados das SGPS que o legislador não contemplou e que ultrapassa drasticamente a mera interpretação da norma.
Como se refere no ac. deste TCAN n.º 00997/12.8BEPRT de 14-03-2013 (Relator: Pedro Marchão Marques) VIII – Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida.

 Assim, quer por ter falhado o seu encargo probatório, quer por ter ido além do que o art. 31º/2 do EBF exigia, não está em condições de sustentar a legalidade da liquidação impugnada. E nem tão pouco pode desviar para a recorrida o ónus de provar que os encargos financeiros não resultam da aquisição de partes de capital, porque em parte alguma da lei se prevê – para este caso - a inversão do ónus da prova (art. 344º/1 do Código Civil). Acrescente-se ainda que não tendo a ATA colocado em causa a fiabilidade da contabilidade, a declaração fiscal da recorrida beneficia da presunção de veracidade e boa fé nos termos do art. 75.º da LGT, pelo que também por força deste estatuto a ATA estava onerada com a elisão daquela presunção”.

 

A prova documental junta aos autos mostra que, no caso que estamos a analisar, a AT não atendeu à situação concreta, na qual era visível uma ausência de ligação entre partes de capital e endividamento, tal como essa ligação surge na Circular nº7/2004.

 

19.8.    Analisando agora a questão sobre a desconsideração dos encargos financeiros efetuada pela AT que implicaram uma correção ao lucro tributável relativo ao exercício de 2011 no valor de € 2.745.372,59, consideramos estar claramente perante uma situação em que a AT tinha a obrigação de ter efetuado um historial do que se tinha passado com as participações financeiras desta SGPS, evitando assim uma correção ao lucro tributável sem fundamentação legal. De facto, ficou provado que a quase totalidade das participações financeiras detidas por esta sociedade à data de 31 de dezembro de 2011 tinham entrado para o seu ativo por via de entradas em espécie para realização do capital. Assim sendo, o seu financiamento foi indubitavelmente feito por capitais próprios. Consequentemente, quaisquer passivos remunerados posteriores não podem ser imputados a essas participações financeiras. Refira-se, por último, que esta conclusão, que nos parece evidente pela força dos factos e números, está coerente com a análise diferencial que sugerimos nos nossos exemplos: em 2011, o acréscimo de participações sociais foi particamente nulo, pelo que quaisquer encargos financeiros resultantes de acréscimos de passivos remunerados não seriam de desconsiderar. E isso já vem sucedendo desde o arranque, em 2002, desta SGPS, ano em que, sem margem para dúvida, aquele ativo teve como contrapartida o capital social.

 

19.9.    Relativamente a um dos argumentos apresentados pela Requerente em que esta invoca as eventuais consequências (no sentido da não desconsideração de encargos financeiros) para vendas de participações financeiras a partir de 1 de janeiro de 2014, data da entrada em vigor do designado regime de “participation exemption”, é nossa opinião que não colhe pois poderíamos ter analisado esta questão antes de 1 de janeiro de 2014 e estamos em crer que a conclusão a que tivéssemos chegado nessa data deveria ser a mesma àquela a que estamos a chegar hoje. Aliás, à data de hoje, como se sabe, esse regime até já sofreu alterações (embora não tenham sido efetuadas no âmbito do tema que estamos a tratar, o que, no entanto, seria irrelevante para o caso).

 

19.10. Por último, refira-se que esta decisão arbitral vai no mesmo sentido da que foi proferida no Processo nº269/2015 – T, em caso semelhante da “A..., SGPS, S.A.”, só que relativo ao exercício de 2010.

            Transcrevemos parte da decisão arbitral então proferida:

 

“Para se chegar a uma decisão sobre este ponto em litígio, o tribunal considera de particular relevo dilucidar a questão de saber se a fórmula constante da Circular 7/2004 teria de ser aplicada (como argumenta a AT), ou se um método direto de imputação dos encargos financeiros seria (como argumenta a Requerente) passível de utilização e conduziria a um resultado mais sustentável no plano da legalidade fiscal.

Antes de abordar tal questão, é curial que se conheça o processo de cálculo (no contexto da utilização da forma da imputação constante da Circular) usado pela AT, que a seguir se sintetiza, a partir dos elementos do Relatório de Inspeção.

- a fórmula usada funda-se numa metodologia, expressa na Circular 7/2004, que consiste em “imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados concedidos às suas participadas e a outros investimentos geradores de juros”, e (…) “Afetar o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente às participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição”;

- a inspeção baseou-se num período de análise referido ao “mês” e utilizou como fonte de dados os balancetes mensais de 2010, fornecidos pelo sujeito passivo, bem como os balanços reportados ao mesmo período,   que foram construídos a partir dos balancetes;

- deste modo, e de acordo com cálculos que se apresentam no anexo 5 do Relatório da inspeção, o montante de encargos financeiros apurados, e que se consideraram não dedutíveis, foi de 2.865.681, 94 euro.

Tendo a Requerente, em sede de direito de audição, contestado a aplicação da referida fórmula, dado que, na sua opinião, havendo uma relação directa entre determinados capitais próprios e a aquisição de partes sociais, seria de afastar a aplicação automática da fórmula, a AT respondeu como se segue:

- o sujeito passivo defenderia uma hipotética “isenção de base” na aplicação do método proposto pela Circular, em virtude de terem existido entradas de capital em espécie relacionadas com as partes de capital detidas pela requerente;

- não se poderia aceitar tal interpretação porque isso implicaria, no caso vertente e noutros, um apuramento de “encargos financeiros não dedutíveis” (…) “quase insignificante”, o que não estaria de acordo com a realidade factual em apreço;

- a noção de encargos financeiros relacionados com a  aquisição de partes de capital  não se esgotaria em encargos derivados de endividamento, mas também nos outros tipos de encargos financeiros previstos no artigo 23º, nº 1, do CIRC;

- o argumento segundo qual as partes de capital teriam uma génese anterior à entrada em vigor do regime vertido no artigo 32.º do EBF em nada afetaria a análise da AT, pois tal regime aplicar-se-ia às mais-valias realizadas após 1 de janeiro de 2003.

A argumentação da Requerida não merece acolhimento, como passamos a demonstrar, através de análise detalhada e cuidada.

Para tanto, admita-se que uma certa entidade ALFA inicia a sua atividade no ano N, e que, por via de entradas de capital em espécie, recebe elementos patrimoniais que configuram investimentos financeiros no valor de 1000. O seu balanço inicial será o seguinte:

 

   

Balanço inicial de ALFA

 

   

 

             

Investimentos financeiros- partes de capital

1000

Capital social

1000

 

                 

 

Se, um ano depois, a entidade ALFA se endivida em 500 para comprar activos tangíveis (computadores, viaturas, etc.), julga-se claro que a fórmula da dita Circular não deve ser aplicada, pois é possível mostrar que o endividamento posterior não serviu para adquirir partes de capital.

Porém, admita-se que, não se conhecendo a génese temporal dos diversos meios de financiamento de uma outra entidade BETA, nem a sequência da aplicação desses fundos na aquisição de ativos, esta entidade apresenta o seguinte balanço, num certo momento.

 

     

Balanço de BETA

   
             

Investimentos financeiros

1200

Capital social

1000

Ativos tangíveis

 

100

     

Empréstimos a participadas

850

Empréstimos obtidos

1200

Disponibilidades/meios monetários

50

     

 

 

TOTAL

2200

 

TOTAL

2200

 

Aqui faria sentido, esgotadas as hipóteses de se imputar capital próprio diretamente à aquisição de partes de capital em participadas, aplicar a fórmula ínsita na Circular.

Mas, julga-se claro que, neste último caso, deve a AT mostrar que não existiria, na situação concreta, maneira mais justa, mais economicamente racional ou mais conforme à afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, que não seja a mencionada fórmula. Isto é, a fórmula constitui um expediente, compreensível, útil e por vezes apropriado de aplicar quantitativamente a norma do artigo 32.º do EBF. Mas não será sempre assim, pois nos casos em que se prove que as partes de capital têm um financiamento específico, por capital próprio, a AT deve, antes de aplicar a fórmula, interrogar-se se uma imputação direta será a via mais justa de atuação.

Estamos agora em condições de enfrentar a resposta para o problema que vem posto.

Com efeito, julga-se que o caso dos autos se subsume a esta última situação, na qual a AT, antes de aplicar a fórmula, deveria ter ponderado se tal constituía a solução correta, atendendo ao sentido e alcance do artigo 32.º do EBF.”

 

Voltando ao caso que estamos a analisar, a prova documental junta aos autos deste processo prova que as partes de capital em causa não foram adquiridas com recurso a endividamento, pelo que, em face do disposto na lei, se julga ilegal a correção efetuada pela AT, já que não atendeu à situação concreta, na qual era visível uma ausência de ligação entre partes de capital e endividamento. Assim sendo, dever-se-ia ter usado um método de imputação com uma lógica económico-financeira mais sustentável, justa e adaptada ao texto legal.

A interpretação ora sufragada para o sentido e alcance do artigo 32.º, nº 2, do EBF é a que resulta, além do mais, ao contrário da tese da Requerida, conforme aos princípios constitucionais da igualdade tributária, da capacidade contributiva, e da tributação do rendimento real.

 

***

Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, relativamente à forma como foram calculados os encargos financeiros relevantes no contexto do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Pedido e, nesta sequência, anulada a liquidação adicional n.º 2015 ... e datada de 2 de Julho, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2015..., e nota de compensação 2015..., no valor de € 509.164,58, referente ao IRC do exercício de 2011.

 

       20. Questões prejudicadas

       Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.

       Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

       21. Da indemnização por garantia indevida

       Às questões já tratadas, acresce o facto de a Requerente ter constituído, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 169.º do CPPT, uma hipoteca sobre um imóvel de que é proprietária. E nessa medida entende a mesma Requerente, de forma inexorável, que em caso de procedência do pedido de anulação da liquidação adicional de imposto terá de receber a quantia que despendeu para a constituição dessa hipoteca.

       Cumpre apreciar, sendo este um tema que foi já tratado em anteriores decisões do CAAD, nomeadamente nos acórdãos proferidos nos processos 48/2013-T e 239-T que consagraram jurisprudência que não vemos razão para contrariar.

       Vejamos: o regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece no seu n.º 1 o seguinte: “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.”

       Como se vê, o art. 53.º, n.º 1, da LGT refere-se a “garantia bancária ou equivalente” e não a hipoteca...Ora, nas palavras de JORGE DE SOUSA[2], “Equivalente à garantia bancária”, para efeitos do art. 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”. E o mesmo autor aponta, a seguir, como exemplo, o “seguro- caução”. No mesmo sentido, veja-se os já referidos acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.º 48/2013-T e 239/2015-T.

       Ora, no caso, como vimos, resulta do probatório que a Requerente constituiu uma hipoteca sobre imóvel de que é proprietária para suspender a execução fiscal, o que significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

       Neste sentido, veja-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de outubro de 2012, proferido no processo n.º 0528/12, assim sumariado: “I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do art. 171.º do CPPT. II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária. III - Também não podia, ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do art. 53.º, n.º 3, da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos. IV - É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efetuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o art. 53.º, n.º 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.”

 

 

IV.        Decisão

Temos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

1.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC referente a 2011, emitida pela Direção de Serviços de Cobrança da AT com o n.º 2015 ... e datada de 2 de Julho, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2015..., e nota de compensação 2015..., no valor de € 509.164,58 e, nesta sequência, anular a liquidação impugnada, incluindo a relativa aos juros compensatórios naquela integrada (cfr. n.º 8 do art. 35.º da LGT), com todas as legais consequências.

2.      Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, absolvendo a Requerida do mesmo.

 

V.           Valor do Processo

  De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2, do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T., e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 509.164,58.

 

VI.        Custas 

Custas, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 7.956, nos termos do previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma.

 

 

Lisboa, 6 de maio de 2016.

 

 

Os árbitros,

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

Nuno de Oliveira Garcia

 

 

Luís Janeiro