Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 121/2012-T
Data da decisão: 2013-06-17  IRS  
Valor do pedido: € 59.298,00
Tema: Residência fiscal; contrato de destacamento temporário; dupla tributação internacional
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Processo n.º: 121/2012-T


 

  1. RELATÓRIO:

…, contribuinte fiscal n.º …, doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral ,ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:

(i) a anulação do acto de indeferimento parcial do recurso hierárquico proferido pelo Director de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária;

(ii) o reembolso do montante de € 59.298,00, relativo ao imposto indevidamente retido; e

(iii) o pagamento de juros indemnizatórios, pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese, o seguinte:

  1. É trabalhador da sociedade portuguesa “…, S.A.”;


 

  1. Entre 01/09/2007 e 31/12/2010 residiu e trabalhou, ao abrigo de contrato de destacamento temporário, na República Popular da China, onde desempenhou funções na … China …;


 

  1. Nos termos do indicado contrato de destacamento temporário, a remuneração continuava a ser paga pela sociedade portuguesa, sendo que o respectivo custo era suportado pela sociedade chinesa;


 

  1. No ano de 2008, o Requerente não reuniu qualquer dos requisitos previstos no artigo 16º do CIRS para ser considerado residente em Portugal;


 

  1. À data de 31 de Dezembro de 2009, o Requerente não possuía em Portugal habitação que fizesse supor a usa intenção de a manter e ocupar como residência habitual;


 

  1. O Requerente foi considerado residente fiscal na República Popular da China durante o ano de 2008;


 

  1. Os rendimentos obtidos pelo Requerente, resultantes de trabalho prestado em território chinês, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal e na República Popular da China;


 

  1. O Requerente não conseguiu obter nem o Modelo 21-RFI nem o Modelo 24-RFI, devidamente certificados pelas autoridades fiscais chinesas;


 

  1. Em 19/01/2011, o Requerente deduziu reclamação graciosa por erro na retenção na fonte, a qual foi objecto de despacho de indeferimento, notificado ao Requerente por ofício datado de 28/10/2011;


 

  1. Em 28/11/2011 o Requerente apresentou recurso hierárquico, o qual veio a ser parcialmente deferido.


 

Foi designado pelo CAAD, como juiz-árbitro único, o signatário - Alberto Amorim Pereira, nos termos do disposto no número 1 do artigo 6.º do RJAT.

Em 17/12/2012 teve lugar a reunião de constituição do tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no número 8 do artigo 11.º do RJAT, tendo sido a Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, notificada para, querendo, apresentar resposta, no prazo legal.

A Requerida respondeu, invocando em síntese não ter o Requerente logrado provar nenhum dos factos que alega e que seriam constitutivos do seu direito.

Conclui peticionando a improcedência do pedido e, consequentemente, a manutenção do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto pelo Requerente.

Em 30/01/2013 teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, no âmbito da qual o Requerente reduziu o pedido formulado para o montante de € 52.921,16.


 

II. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente,

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.


 

III. QUESTÕES A DECIDIR:

As questões a decidir são as seguintes:

(i) Determinar se o Requerente, para efeitos de aplicação da Convenção entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Popular da China para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (doravante, abreviadamente, Convenção) deve ou não ser considerado residente em território chinês no exercício de 2008;

(ii) Determinar qual o país com competência para tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente no exercício de 2008;

(iii) Determinar se a sociedade “…, S.A.” se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte relativamente aos rendimentos pagos ao Requerente no exercício de 2008;

(iv) Saber se a apresentação dos formulários modelo 21-RFI e 24-RFI é requisito essencial para, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º do DL 42/91 de 22 de Janeiro, a Autoridade Tributária proceder ao reembolso a um não residente em Portugal das quantias entregues a título de retenção na fonte de IRS.


 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

  1. FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a seguinte factualidade:

  1. Em 20/06/2007, o Requerente celebrou com a sociedade “…, S.A.” o contrato de trabalho junto aos autos em 30/01/2013, nos termos e com o conteúdo aí referido;


 

  1. As autoridades fiscais chinesas emitiram, em 15/10/2010, certificado de residência fiscal do Requerente na República Popular da China, relativamente ao período compreendido entre 01/01/2008 e 31/12/2008;


 

  1. No exercício de 2008, o Requerente pagou, na República Popular da China, imposto sobre rendimento;


 

  1. No exercício de 2008, a “…, S.A.” pagou ao Requerente rendimentos do trabalho dependente (categoria A do IRS) no valor total bruto de € 264.605,79;


 

  1. Sobre esse valor bruto de € 264.605,79, a “…, S.A.” efectuou retenções na fonte de IRS no valor total de € 59.298,00;


 

  1. Em 22/05/2009, o Requerente apresentou declaração de rendimentos Modelo 3 relativa aos rendimentos respeitantes ao exercício de 2008, acompanhada do respectivo anexo A (trabalho dependente), onde fez constar o referido valor de € 264.605,79, a título de rendimentos, e o valor de € 59.298,00, correspondente às retenções na fonte;


 

  1. A declaração de rendimentos a que se alude em 6) foi ainda acompanhada do anexo F (rendimentos prediais), onde o Requerente declara rendimentos obtidos do arrendamento de 4 prédios de que é proprietário;


 

  1. Na dita declaração de rendimentos, o Requerente mencionou ser “não residente”, tendo aí indicado como representante fiscal o contribuinte nº …;


 

  1. A sociedade “…, S.A.” emitiu em nome da “… China …” notas de débito relativas a serviços prestados pelo Requerente no exercício de 2008;


 

  1. Em 19/01/2011, o Requerente apresentou reclamação graciosa por erro na retenção na fonte, com o conteúdo constante do documento anexo ao processo administrativo junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;


 

  1. Por oficio datado de 28/10/2011, foi o Requerente notificado do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com o conteúdo constante dos documentos anexos ao processo administrativo junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;


 

  1. Em 28/11/2011, o Requerente interpôs recurso hierárquico, o qual veio a ser objecto de deferimento parcial, com o conteúdo constante dos documentos anexos ao processo administrativo junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;


 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para os autos não se provou mais nenhum facto, designadamente que:

  1. O Requerente tenha trabalhado na República Popular da China ao abrigo de contrato de destacamento temporário celebrado com a “…, S.A.”;


 

  1. A sociedade “…, S.A.” tenha imputado à sociedade “… China…” as remunerações pagas ao Requerente no exercício de 2008;


 

  1. Que a sociedade “… China …” tenha pago à “…, S.A.” os valores por esta pagos ao Requerente a título de remunerações no exercício de 2008.


 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A factualidade provada e não provada teve por base todos os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo igualmente junto.

Para a prova da matéria constante do Ponto 1 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração o contrato de trabalho celebrado com a “…, S.A.” em 20/06/2007, contrato esse junto aos autos na primeira reunião do presente tribunal arbitral singular ocorrida em 30/01/2013.

Este documento, redigido na língua inglesa, foi traduzido para a língua portuguesa, encontrando-se a sua tradução devidamente certificada pelo Senhor Advogado Dr. …, titular da cédula profissional nº …, ao abrigo do disposto no artigo 38º do DL 76-A/2006 de 29/03 e da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06.

Para a prova da matéria constante dos Pontos 2 e 3 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração o certificado de residente fiscal na República Popular da China emitido em 15/04/2010 pelo Chefe do Serviço Regional de Finanças de Changping da cidade de Beijing e o certificado da liquidação do imposto sobre o rendimento singular da República Popular da China emitido em 08/06/2009 pelo Serviço Regional de Finanças de Changping – Repartição de … .

Analisados estes documentos, verifica-se que em ambos foi aposto o selo dos serviços emitentes, constituindo, por isso, documentos autênticos, atento o disposto no número 1 do artigo 370º e o artigo 369º, ambos do Código Civil.

Da mesma forma que o contrato de trabalho, estes documentos encontram-se traduzidos para a língua portuguesa, tendo a tradução sido devidamente certificada pela Senhora Advogada Dra. …, portadora da cédula profissional nº …, ao abrigo do disposto no artigo 38º do DL 76-A/2006 de 29/03 e da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06.

É certo que, conforme faz notar a Requerida, estes documentos não se encontram legalizados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 540º do Código de Processo Civil.

No entanto, conforme resulta de forma expressa do número 2 do artigo 365º do Código Civil, apenas será exigida a legalização do documento nos termos da lei processual no caso de haver “fundadas duvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento”.

Aliás, tal como é hoje de forma unânime aceite e defendido pela jurisprudência, a legalização de documentos passados em país estrangeiro não é requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade – neste sentido veja-se, entre outros, Acórdãos do STJ de 05DEZ2002 e 12JUL2011, processos 02B3970 e 987/10.5YRLSB.S1, ambos in www.dgsi.pt.

No mesmo sentido, tem a doutrina defendido que a obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 324; no mesmo sentido, veja-se JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, página 474.

Dito isto, importa verificar se, analisados estes documentos, se suscita alguma dúvida acerca da sua autenticidade da autenticidade do seu reconhecimento.

E a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa: os documentos em causa nenhuma dúvida suscitam a este tribunal acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do seu reconhecimento.

Assim, não havendo dúvidas sobre a autenticidade destes documentos, não se mostra necessário que se proceda à sua legalização nos termos da lei processual.

Ademais, cumpre referir que a própria Requerida não levantou quaisquer dúvidas nesse sentido, limitando-se a questionar que tais documentos possam ser certificados pelo mandatário do Requerente, atento o processo de legalização dos documentos autênticos passados no estrangeiro.

Quando à questão suscitada pela Requerida da possibilidade de o mandatário do Requerente certificar os referidos documentos, importa aqui esclarecer que o mandatário do Requerente se limita a certificar as fotocópias dos documentos, ao abrigo do disposto no artigo 38º do DL 76-A/2006 de 29/03 e da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06, não pretendendo, ao que parece, proceder à sua legalização, o que, de resto, lhe seria vedado.

Aliás, não pode deixar de se notar que, no âmbito do processo administrativo, nunca a Requerida colocou em causa o facto de o Requerente, no exercício de 2008, não ter sido residente em Portugal, apenas indeferindo o peticionado reembolso dos valores retidos pelo facto de o Requerente não ter apresentado os formulários que entende indispensáveis para o efeito.

Para a prova da matéria constante dos Pontos 4 e 5 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração os recibos de vencimento bem como a declaração Modelo 3 de IRS junta ao processo administrativo.

Para a prova da matéria constante dos Pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração a declaração Modelo 3 de IRS junta ao processo administrativo.

Para a prova da matéria constante do Ponto 9 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração as notas de débito juntas aos autos na primeira reunião do presente tribunal arbitral, havida no dia 30/01/2013.

Quanto a estes documentos, importa aqui esclarecer que, muito embora os mesmos não tenham sido acompanhados de qualquer tradução, a verdade é que se encontram redigidos em língua inglesa, a qual é consabidamente uma língua que se poderá considerar conhecida de todos os intervenientes processuais e do próprio tribunal.

Aliás, os termos em que tais documentos são redigidos não poderão deixar de se considerar corriqueiros, nenhum conhecimento especial de línguas estrangeiras se exigindo para a sua correcta interpretação.

Dito isto, dispõe o número 1 do artigo 140º do Código de Processo Civil:

Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte” (sublinhado nosso).

Atento tudo quanto exposto, parece manifesto não carecerem os documentos ora em apreciação de tradução, pelo que a mesma é dispensada, nos termos e para os efeitos do disposto no número 1 do artigo 140º do Código de Processo Civil.

Sendo certo, aliás, que a própria Requerida não pôs em causa nem a necessidade de tradução, nem a autenticidade de tais documentos.

Por último, para a prova da matéria constante dos Pontos10, 11 e 12 da matéria de facto provada teve o tribunal em consideração o teor do processo administrativo junto aos autos.

Já no que respeita à factualidade não provada, esta ficou a dever-se à total ausência de prova nesse sentido efectuada.

Com efeito,

Desde logo, no que respeita ao Ponto 1 dos factos não provados, importa aqui referir que o Requerente se limitou a juntar aos autos o contrato de trabalho a que se alude no Ponto 1 da matéria de facto provada, sendo certo que de tal contrato nada consta em relação a um qualquer contrato de destacamento temporário.

Na verdade, em tal contrato apenas se refere, no que aqui importa, que o Requerente é admitido para exercer as funções de Chief Financial Officer (CEO) na … China.

Da mesma forma, nem do contrato de trabalho junto aos autos nem das notas de débito emitidas pela entidade patronal do Requerente se poderá inferir que a entidade patronal do Requerente tenha imputado à sociedade “… China …” as remunerações pagas ao Requerente no exercício de 2008 nem que esta sociedade tenha pago à entidade patronal do Requerente tais remunerações.

Sendo certo que o Requerente nenhum outro documento juntou que fosse apto a provar estes factos, não tendo da mesma forma requerido quaisquer diligências de prova que estivessem ao seu alcance e que pudessem ser aptas a fazer tal prova.

Assim, na ausência de qualquer prova efectuada, terão tais factos de ser julgados não provados.


 

V. DIREITO:

Com vista a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, foi, em 21 de Abril de 1998, celebrado entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Popular da China, celebrada uma Convenção, publicada no DR I Série A de 30 de Março de 2000.

Nos termos do disposto no artigo 1º da Convenção, esta aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.

Antes de mais importa definir o conceito de residência fiscal para efeitos de aplicação da Convenção, conceito que não se confunde necessariamente com o conceito de residência fiscal para efeitos de direito interno.

Com efeito, o conceito de residência fiscal para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica.

Não é esse o caso da República Popular da China, que celebrou com Portugal a dita Convenção contra a Dupla Tributação.

Assim, nas relações entre Portugal e a República Popular da China em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital é o conceito convencional de residência que deve prevalecer, por via da supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário – cfr. artigo 8º da Constituição da República Portuguesa; cfr. ainda JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 104.

Isto posto,

Dispõe o artigo 4º da Convenção que, para efeitos da Convenção, a expressão “residente de um Estado Contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicilio, residência, sede ou direcção efectiva ou qualquer outro critério de natureza similar, excluindo expressamente qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado.

Embora os conceitos de residência (fiscal) para efeitos convencionais e para efeitos fiscais internos não se confundam, a Convenção em causa nos presentes autos, seguindo o Modelo de Convenção da OCDE, remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes.

Remetendo a Convenção para a noção de residência de cada Estado, pode acontecer que uma pessoa seja considerada residente em dois Estados diferentes. Nesse caso, estabelece o número 2 do artigo 4º as regras que deverão aplicar-se, conhecidas doutrinalmente como “regras de desempate”.

Analisemos pois se, face ao direito interno português, o Requerente deverá ser considerado residente em Portugal.

A este propósito dispõe o número 1 do artigo 16º CIRS, na parte que aqui importa:

São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.”

Ora, da factualidade provada resulta que o Requerente, no ano de 2008, foi considerado residente na República Popular da China no período compreendido entre 01/01/2008 e 31/12/2008, pelo que tudo indica ter permanecido em território nacional por menos de 183 dias.

Por outro lado, da factualidade provada não resulta que o Requerente tivesse, à data de 31 de Dezembro de 2008, habitação em Portugal em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

Do exposto resulta não poder o Requerente ser considerado, em face das regras do direito interno português, residente em Portugal no ano de 2008.

E, não estando o Requerente sujeito a imposto em Portugal, no exercício de 2008, devido ao seu domicílio, residência, sede ou direcção efectiva ou qualquer outro critério de natureza similar, não pode, para efeitos da Convenção, ser considerado residente em Portugal.

Vejamos, pois, se poderá ser considerado residente na República Popular da China.

Muito embora se desconheça se, à luz do direito chinês, o Requerente seria ou não considerado residente na República Popular da China, o certo é que este foi efectivamente considerado residente fiscal nesse país no exercício de 2008 – cfr. Ponto 2 dos factos provados e documento emitido em 15/04/2010 pelo Chefe do Serviço Regional de Finanças de Changping da cidade de Beijing.

Assim, sendo este, à luz do direito interno chinês, considerado residente na China no exercício de 2008, dúvidas não restam de que, para efeitos da Convenção, é neste Estado que o Requerente deve ser considerado residente, já que, devido ao seu domicilio, residência, sede ou direcção efectiva ou qualquer outro critério de natureza similar, é neste Estado que o Requerente deverá ser sujeito a imposto.

Dito isto, não havendo, à luz da Convenção, qualquer conflito entre qualificação de Estados de residência, não se terá de recorrer às ditas “regras de desempate” previstas no número 2 do artigo 4º.

Solucionada a primeira das questões a decidir, impõe-se agora determinar qual o país com competência para tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente no exercício de 2008, que constitui a segunda das questões decidendas.

A este respeito, a Convenção distingue entre os vários tipos de rendimento, estabelecendo regras e competências de tributação distintas consoante a origem dos mesmos.

No caso dos autos, resultou da factualidade provada ter o Requerente sido tributado na República Popular da China por rendimentos provenientes de trabalho (rendimento salarial), auferidos no exercício de 2008.

Já quanto aos rendimentos auferidos da sociedade “…, S.A.”, no valor de € 264.605,79, resultou provado que os mesmos têm na sua origem o contrato de trabalho celebrado entre o Requerente e a dita sociedade, a que se alude no Ponto 1 da matéria de facto provada.

Sendo rendimentos provenientes do exercício de profissões dependentes, a competência para a sua tributação será definida em função das regras estipuladas no artigo 15º da Convenção.

Assim, nos termos do disposto no número 1 do citado artigo 15º, exceptuados os rendimentos previstos nos artigos 16º, 18º, 19º e 20º da Convenção, não aplicáveis à hipótese subjudice, os salários, vencimentos e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado.

No caso dos autos, se o emprego for exercido na República Popular da China, dúvidas não restam de que as autoridades tributárias deste país têm competência exclusiva para tributar os rendimentos dele provenientes.

A este respeito, refere ALBERTO XAVIER que “em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais – seguindo o artigo 15º do Modelo OCDE – reconhecem, em principio, a competência exclusiva do Estado da residência. Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação” in “Direito Tributário Internacional”, 2ª Edição actualizada, página 618.

Desta forma, o número 1 do artigo 15º da Convenção exclui expressamente a competência tributária exclusiva do Estado da residência nos casos em que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante, caso em que as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado Contratante.

Por seu turno, dispõe o número 2 do mesmo preceito que as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido do outro Estado Contratante só podem ser tributadas no primeiro Estado (no Estado de residência) se: (i) o beneficiário permanecer no outro Estado Contratante durante um período ou períodos que nãoexcedam, no total, 183 dias no ano civil em causa; e (ii) as remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado Contratante; e (iii) as remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado Contratante.

O artigo 15º da Convenção estabelece, assim, dois tipos de competência:

  1. Competência exclusiva do país da residência, se o emprego for aí exercido – cfr. nº1, 1ª parte;

  2. Competência cumulativa dos dois Estados, se o emprego é exercido no outro Estado que não o da residência – cfr. nº1, 2ª parte.

     

O nº 2 do artigo 15º estabelece ainda que, no caso de o emprego ser exercido no outro Estado, o Estado da residência (nos autos, a China) terá competência exclusiva de tributação se se verificarem, cumulativamente, os três requisitos previstos nas alíneas a), b) e c).

Isto posto, importa averiguar antes de mais onde é exercido o emprego que dá origem às remunerações pagas pela “…, S.A.”.

A este respeito, muito embora o Requerente alegue que os rendimentos pagos pela “…, S.A.” foram suportados pela sua congénere chinesa, o certo é que tal não resultou provado.

Da mesma forma, não resultou provado que o Requerente tenha estado na China ao abrigo de um contrato de destacamento temporário celebrado com a sua entidade patronal.

Assim, atento o facto de os rendimentos em causa serem provenientes de um contrato de trabalho celebrado com uma entidade portuguesa, com sede em Portugal e que, atentos os critérios definidos no artigo 4º da Convenção, deverá ser considerada residente em Portugal, parece resultar manifesto que o emprego é exercido em Portugal.

Isto, apesar de, por um lado, o contrato não referir onde serão exercidas as funções, apenas referindo, a tal respeito, que o Requerente é contratado para exercer as funções de CEO na … China, já que, como é sabido, as funções de CEO não exigem a presença diária e muito menos física do trabalhador na empresa; e, por outro lado, o Requerente ter sido considerado residente fiscal na China no exercício de 2008.

Ainda que assim se não entendesse, sempre se dirá que, sendo o Requerente considerado residente fiscal na República Popular da China no exercício de 2008 e não residente em Portugal, seria aplicável o número 2 do artigo 15º do CIRS, nos termos do qual, “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.

E no que respeita à definição de “rendimentos obtidos em território português” esclarece a alínea a) do número 1 do artigo 18º do CIRS que são considerados obtidos em território português “Os rendimentos do trabalho dependente decorrentes de actividades nele exercidas, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento;”.

Ora, tendo sido a “…, S.A.” a entidade que pagou todas as remunerações ao Requerente durante o exercício de 2008, e tendo aquela empresa sede em território português, conclui-se que tais rendimentos auferidos em 2008 pelo Requerente considerar-se-ão obtidos em território português.

Só assim não seria se tivesse resultado provado que a congénere chinesa havia reembolsado a “…, S.A.” dos valores por esta pagos, o que não aconteceu.

Neste caso, pese embora a “…, S.A.” assumisse a qualidade de entidade pagadora, não seria considerada a entidade devedora para efeitos fiscais, pelo que os rendimentos auferidos pelo Requerente não seriam considerados como sendo obtidos em território português nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 18º do CIRS.

Importa aqui ainda chamar a colação o disposto no número 3 do artigo 99º do CIRS que dispõe o seguinte:

Nos casos previstos na alínea d) do n.º 1 e na segunda parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º, bem como nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º, considera-se, para todos os efeitos legais, como entidade devedora dos rendimentos aquela que os pagar ou colocar à disposição do respectivo beneficiário.”

Significa isto que nas hipóteses elencadas neste preceito, a entidade que paga os rendimentos de trabalho dependente considera-se a entidade devedora, ficando dessa forma obrigada a reter o imposto no momento do seu pagamento.

Face ao exposto, e não resultando da factualidade provada que a congénere chinesa tenha procedido ao reembolso à “…, S.A.” das remunerações por esta pagas ao Requerente, ter-se-á de concluir ser a entidade pagadora a entidade devedora (“…, S.A.”), considerando-se assim os rendimentos obtidos em território português.

Do exposto resulta, pois, terem as autoridades tributárias portuguesas competência para tributar os rendimentos auferidos, sendo esta competência cumulativa com as autoridades tributárias chinesas.

Só assim não será se, como dito foi, se se verificarem, cumulativamente, os requisitos cumulativos elencados nas alíneas a) a c) do número 2 do artigo15º da Convenção, requisitos estes que é manifesto não se verificarem nos autos, máxime os requisitos previstos nas alíneas b) e c) já que, quanto à alínea a), nada se provou a tal respeito.

Resulta assim de tudo quanto ficou exposto terem as autoridades portuguesas e chinesas competência cumulativa para tributarem os rendimentos auferidos pelo Requerente no exercício de 2008, pagas pela “…, S.A.”.

Posto isto, e a fim de evitar que os rendimentos obtidos pelo Requerente sejam sujeitos a dupla tributação, no Estado da residência (China) e no Estado da fonte (Portugal), importa analisar quais os métodos existentes para eliminar ou atenuar a dupla tributação.

Os métodos legalmente existentes para atenuar a dupla tributação internacional são o método de isenção, o método de crédito e o método de dedução – cfr. GLÓRIA TEIXEIRA, “Manual de Direito Fiscal”, 2ª Edição revista e ampliada, 2012, página 295.

Em concreto, dispõe o artigo 23º nº 1 a) da dita Convenção que, “quando um residente da China aufere rendimentos de Portugal, o montante do imposto sobre esse rendimento pago em Portugal de harmonia com as disposições desta Convenção pode ser creditado no imposto chinês devido por esse residente”.

Assim, havendo competência tributária cumulativa, podem ambos os Estados – quer o Estado de residência, que o Estado da fonte – tributar, cabendo neste caso à China (Estado de residência) eliminar a dupla tributação através do método de crédito definido no citado preceito.

Em face de tudo quanto ficou exposto, verifica-se que, muito embora o Requerente detivesse, no exercício de 2008, a qualidade de residente fiscal na República Popular da China, o certo é que, tendo os rendimentos sido percebidos fruto de emprego exercido em Portugal, existe competência tributária cumulativa de ambos os Estados (da residência e da fonte), cabendo ao Estado da residência, e não ao da fonte (Portugal), eliminar a dupla tributação.

Isto posto, resta ainda determinar se a entidade patronal do Requerente – “…, S.A.” – se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte aos rendimentos pagos ao Requerente no exercício de 2008.

A este propósito, dispõe o número 1 do artigo 18º do DL 42/91, de 22 de Janeiro que “não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71º do Código do IRS quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada”.

Assim, na hipótese de, por aplicação de uma convenção para evitar a dupla tributação, a competência tributária ser atribuída ao Estado de residência e não ao da fonte, ou o ser apenas de forma limitada, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte.

Não é este, como vimos, o caso dos autos, já que, por aplicação da Convenção (artigo 15º) a competência para tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente e provenientes da “…, S.A.”, é cumulativa de ambos os Estados de residência e da fonte, cabendo nesta hipótese ao Estado de residência e não ao da fonte eliminar a dupla tributação.

Assim, sempre estaria a entidade patronal do Requerente obrigada a efectuar a retenção na fonte, salvo se o Requerente fizesse prova da verificação dos pressupostos legais que resultem da convenção destinada a evitar a dupla tributação (18º nº 2 do DL 42/91 de 22 de Janeiro).

Não tendo o Requerente feito essa prova, sempre estaria a entidade patronal obrigada a efectuar a retenção na fonte, como fez.

A tal respeito, dispõe o número 2 do artigo 18º do DL 42/91 de 22 de Janeiro que a prova da verificação de tais pressupostos é feita através da apresentação de um formulário de modelo aprovado por despacho do Ministro das Finanças, certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado da residência, que é o Modelo 21-RFI.

Note-se que, como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, estes modelos destinam-se a comprovar a residência em país estrangeiro e a descrição dos rendimentos, sendo certo que tais formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, não podendo estes constituir o único meio de prova apto a certificar tal residência.

Não constitui, assim, a apresentação destes modelos requisito essencial para que a Autoridade Tributária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º do DL 42/91 de 22 de Janeiro, proceda ao reembolso a um não residente em Portugal das quantias entregues a título de retenção na fonte de IRS.

Voltando à hipótese ora em apreciação, muito embora não tenham sido juntos aos autos tais formulários, o certo é que o Requerente logrou provar a sua residência através do certificado emitido em 15/04/2010 – cfr. Ponto 2 da matéria de facto provada.

Pelo que sempre estaria ultrapassada a questão da falta de junção deste formulário.

Não obstante o exposto, a verdade é que o Requerente não logrou fazer prova dos demais requisitos que determinavam a exclusão da competência tributária das autoridades portuguesas.

Pelo que, tendo as autoridades tributárias portuguesas competência tributária, embora cumulativa com a das autoridades tributárias chinesas, podiam aquelas tributar, como aliás fizeram, cabendo às autoridades do Estado da residência eliminar a tributação através do método previsto na Convenção – método do crédito.

Em face do exposto, tendo o Estado da fonte (Portugal) competência tributária e competindo ao Estado da residência (China) eliminar a dupla tributação, parece manifesto terem de soçobrar todas as pretensões do Requerente.


 

VI. CONCLUSÃO:

Atento tudo o exposto, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se mantém o acto de indeferimento da Requerida, absolvendo-se esta dos pedidos de reembolso ao Requerente do montante de € 52.921,16, relativo ao imposto retido e do pagamento de juros indemnizatórios.


 

VII. DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação do acto de indeferimento parcial do recurso hierárquico apresentado pelo Requerente;

  2. Julgar improcedente o pedido de reembolso ao Requerente do montante de € 52.921,16 relativo ao imposto retido;

  3. Julgar improcedente o pedido de pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios.


 

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De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CCPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 52.921,16.

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.


 

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Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Junho de 2013.


 

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O Árbitro,


 

Alberto Amorim Pereira


 


 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 138.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.