Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 642/2015-T
Data da decisão: 2019-07-03  Selo  
Valor do pedido: € 10.337,92
Tema: IS – Terrenos para construção afectos à habitação e ao comércio – Excepção dilatória de competência; prestações; impugnação da decisão arbitral – Substitui a decisão arbitral de 09 de janeiro de 2017
Versão em PDF

 

Carla Castelo Trindade, Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa no processo em epígrafe notificada em 1 de Julho de 2019 da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul (2.ª Secção – Contencioso Tributário) em de 25 de Junho de 2019, no âmbito do processo n.º 22./17.4BCLSB vem proceder à:

REFORMA DA DECISÃO ARBITRAL

A douta decisão do Tribunal Central Administrativo considerou que:

Mais sublinhando que, tal como resulta inequívoco do teor do Acórdão proferido pelo TCA Sul, em 27/10/2016, no âmbito do processo n.º 09711/16, o pedido deduzido e pretendido pela Requerente nos autos arbitrais coaduna-se com a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, e referentes às segundas prestações, no montante de € 10.337,48 e não dos atos de liquidação de IS no seu todo, entenda-se Liquidação nº. 2014..., com o montante a pagar de € 15.506,88 e Liquidação nº 2014..., com o montante a pagar de € 15.506,88, sobre os quais o tribunal arbitral se pronunciou.

Conclui, assim, que mais uma vez o Tribunal Arbitral não poderia ter decidido anular a totalidade das liquidações de I. Selo, relativas ao ano de 2014, incidentes sobre os aludidos imóveis e no montante total de € 31.013,80, dado estar a exceder, manifestamente, o pedido formulado pela parte, não se encontrando, de resto, perante matérias de conhecimento oficioso.

Ora, em face de todo o exposto, sendo inequívoco que o objecto do processo se coaduna com a anulação dos atos de liquidação com os n.ºs 2015... e 2015... efetuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, e referentes às segundas prestações, no montante de € 10.337,92, e não dos atos de liquidação de IS no seu todo (...).”

Deste modo, cumpre agora reformar a decisão em consonância com o julgado rescisório do T.C.A. Sul, mantendo a anulação dos actos de liquidação n.º 2014... e n.º 2014..., mas somente no que se refere às 2.ªs prestações, condenando a Requerida à devolução do montante correspondente às duas prestações em questão.

É o que se fará de seguida.

 

  1. RELATÓRIO

Em 20 de Outubro de 2015, a sociedade “A..., SA”, titular do número de identificação fiscal ..., com sede na Rua..., n.º..., em..., ...-... ... (doravante Requerente), apresentou pedido constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1., da TGIS, relativos ao ano de 2014, aos quais dizem respeito as segundas prestações, no valor de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015... e 2015... .

Com efeito, não se conformando com as liquidações de Imposto do Selo supra identificadas, a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos (cfr. página 6 do pedido de constituição do tribunal arbitral): 

- A anulação dos actos de liquidação;
- Decrete o reembolso do imposto e dos juros indemnizatórios
”. 

Com a petição juntou 5 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a Dr.ª Carla Castelo Trindade, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas da designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dr.ª Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 4 de Janeiro de 2016.

Em 8 de Fevereiro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida) apresentou resposta na qual alegou, por um lado, a incompetência material do Tribunal Arbitral e, por outro, a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que deviam ser mantidas as notas de cobrança das segundas prestações do Imposto do Selo, por consubstanciarem a correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Dezembro.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegacões.

Não foram apresentadas alegacões.

Assim, e em cumprimento do princípio do contraditório, em 3 de Maio p.p., o tribunal proferiu o seguinte despacho: “Em face da posição da Requerida assumida na resposta, notifique- se a Requerente para, em 10 dias, juntar ao processo os actos de liquidação de Imposto do Selo correspondentes à primeira e segundas prestações e bem assim, para se pronunciar sobre a excepção alegada pela Requerida. Tudo ao abrigo do artigo 16.º alínea c) e do artigo 19.º do RJAT.”

Em 6 de Maio de 2016, a Requerente respondeu pela improcedência da excepção dilatória de incompetência arguida pela Requerida, dizendo, designadamente, o seguinte:

“(...) informa desde já o Tribunal Arbitral de que a Administração Tributária, em tempo algum, a notificou das liquidações do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2014 (a pagamento em 2015), bem como dos prazos limite de pagamento voluntário e, inclusive, para, querendo, contra elas reagir contenciosamente, mas antes a notificou para pagamento voluntário dessas prestações e dos meses de vencimento de cada uma delas, a saber:

 - Abril de 2015, Julho de 2015 e Novembro de 2015 e de que as podia reclamar ou impugnar nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT”.

Mais adiantou que:

“Seguindo a indicação sugerida de que podia da liquidação ser reclamada e impugnada, nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT, a Requerente lançou mão da impugnação e questionou cada uma das prestações, sendo instaurados no CAAD os processos n.°s 441/2015-T, 642/2015-T e 22/2016-T, respectivamente.”

Em face desta resposta, em especial, tendo em consideração a informação de que tinha já sido objecto de pedido de constituição de tribunal arbitral anterior relativamente às primeiras prestações, o tribunal proferiu o seguinte despacho dirigido ao CAAD:

“Exmos. Senhores,

No processo identificado em epígrafe vai ser analisada uma questão de litispendência.

Ora atendendo a que:

  •  o artigo 582.º, n.º 2 do CPC (aplicável subsidiariamente ao RJAT) manda que a litispendência seja deduzida na acção proposta em segundo lugar;
  • o contribuinte em resposta ao despacho de 3 de Maio p.p., referiu que as primeiras prestações dos actos de liquidação aqui em causa foram objecto de pedido de constituição do tribunal arbitral que corre termos no CAAD com o n.º 441/2015,

Venho por este meio solicitar que me informem em que estado se encontra este processo n.º 441/2015.”

No seguimento deste pedido o CAAD informou este tribunal arbitral que:

“Em execução do Despacho Arbitral de V. Exa., informamos que o Processo Arbitral n.ºs 441/2015-T, que correu termos neste Centro, já se encontra concluído.

Mais se informa que a correspondente decisão arbitral foi notificada às partes em 31-03-2016 e que já se encontra publicada no site do CAAD.”

 

  1. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

II.1 Excepção de incompetência

Relativamente à competência deste tribunal, é de referir que a Requerida invocou a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, arguindo a sua incompetência material para, em face do disposto no artigo 2.º do RJAT, apreciar a legalidade de uma prestação, in casu das segundas, dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tudo porque, no entender da Administração Tributária, a segunda (e, presume este tribunal) a primeira ou terceiras prestações, não são, em si mesmas, um acto tributário.

Não lhe assiste, no entanto, razão. Isto pese embora as decisões que têm sido proferidas por alguns tribunais arbitrais designadamente a decisão proferida no âmbito do processo n.º 441/2015-T.

Veja-se porquê:

O itinerário cognoscitivo deste tribunal parte de uma clara distinção entre qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo e pagamento propriamente dito. A primeira questão dará lugar a que se venha a considerar este tribunal como competente, a segunda dará lugar a eventuais questões de litispendência, caso julgado ou excepções de intempestividade.

Só há, como se verá, uma liquidação de Imposto do Selo. O imposto decorrente desta liquidação pode é ser pago em três vezes. Se o contribuinte quer discutir a legalidade do imposto, o acto que está a ser sindicado é o acto de liquidação, o prazo de reacção é que se conta da data da primeira, da segunda ou da terceiras prestações como veremos.

Como se sabe, a liquidação constitui a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se, assim, o valor devido pelo contribuinte.

Neste seguimento o acto de liquidação é o acto administrativo através do qual aquela operação de cálculo do imposto devido é executada pela Administração Tributária.

CASALTA NABAIS distingue entre liquidação em sentido estrito e liquidação lato sensu, incluindo nesta, para além da operação de liquidação stricto sensu – aplicação da taxa à matéria colectável e consequente determinação da colecta-, outras operações destinadas a apurar o montante do imposto, incluindo o lançamento subjectivo – identificação do contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal – , o lançamento objectivo – determinação da matéria colectável de imposto, identificação da(s) taxa(s) a aplicar e eventuais deduções à colecta apurada. O mesmo autor, referindo-se à liquidação em sentido estrito, inclui a liquidação no segundo momento da dinâmica dos impostos, esclarecendo que:

 “[pela] liquidação, por seu turno, determina-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação” (Cf. Casalta Nabais (2015), “Manual de Direito Fiscal”, 297 e 62).

Para além disso:

A liquidação constituiu [também] um acto administrativo exequível, executivo, semi-executório e que, atento o seu carácter, por um lado, estritamente vinculado e, por outro, largamente massificado, se presta sobremaneira a ter natureza informática, ou seja, a ser praticado com recurso a meios informáticos, como já acontece, pois o nosso sistema prevê, impondo mesmo, a entrega e consulta das declarações dos contribuintes e de terceiros por via informática, isto é, de declarações electrónicas” (Cf. Casalta Nabais (2015), 301-302).

No que diz respeito à liquidação do Imposto do Selo é de referir que o artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 passou a dispor que:

5 – Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

E, por sua vez, o artigo 120.º do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redacção:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento:

1 –  O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 – (...).

3 – (...).

4 – No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.

5 – Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.” (destacados nossos)

Destas normas decorre que o pagamento do Imposto do Selo deve ser feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

Aqui há́ que deixar claro um ponto.

Uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto. Uma prestação é parte de uma liquidação de imposto que é dividida no tempo para efeitos de pagamento.

Momentos de liquidação e momentos de pagamento são claramente individualizados na lei.

Para efeitos de pagamento já referimos as regras constantes da lei. Vejamos agora as regras para efeitos de liquidação.

Nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro:

7 – Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (destacado nosso).

Aqui vale a pena reforçar que a liquidação do Imposto do Selo é, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do respectivo Código, só uma. E é efectuada anualmente. Sendo que o seu pagamento pode, nos termos da lei – maxime – do artigo 120.º do Código do IMI, ocorrer em três prestações cujo somatório perfazerá, à partida, o montante global da liquidação anual.

Ora, como um tribunal arbitral tributário já entendeu, no Processo n.º 726/2014-T, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efectuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não em tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – “a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas” e, acrescentamos nós, de repartição do encargo do imposto pelo sujeito passivo.

Na verdade, relativamente à liquidação de Imposto do Selo, tem vindo a ser reiteradamente afirmado, em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (neste sentido, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 205/2013-T, 408/2014-T, 726/2014-T, 736/2014-T, 90/2015-T e 137/2015-T):

 “a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que, quando a lei prevê o seu pagamento em varias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros indemnizatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2015-T).

Aqui concordamos com as decisões acima referidas. Porém, não se confunda. Dizer que a liquidação de Imposto do Selo é só uma, e que não há tantas liquidações quantas as prestações, negando assim a sindicabilidade autónoma e individual de cada uma das prestações, não significa que se negue de todo a sindicabilidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que, para efeitos de pagamento, são divididos em duas ou três prestações.

Ou seja, não há dúvida que temos apenas um acto de liquidação do Imposto do Selo (no caso em concreto dois) que, por força do disposto no artigo 120.º do Código do IMI, subsidiariamente aplicável, deve ser pago em três prestações. Cada prestação constitui apenas o pagamento tripartido do mesmo acto de liquidação do imposto (do Selo) em causa.

No mesmo sentido, veja-se o processo n.º 479/2015-T, no qual se entendeu que:

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado. (...)

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas”.(...)

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço.”. 

Olhe-se então ao caso em concreto.

Relativamente ao terreno para construção relativo ao artigo ..., em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 ... no valor total de € 15.506,90 (conforme print informático junto ao processo administrativo).

Este acto de liquidação deu lugar a três prestações. Todas elas parte dele. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento era de 31 de Julho de 2015 e a qual correspondeu à nota de cobrança 2015... . E, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Já quanto ao terreno para construção relativo ao artigo..., em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 ... também no valor total de € 15.506,90 a qual deu igualmente lugar a três prestações. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento foi, também, o dia 31 de Julho de 2015 e que correspondeu à nota de cobrança 2015... e, por último, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Ou seja, trata-se de um só acto de liquidação de imposto – aqui de dois, correspondentes aos dois terrenos, os actos de liquidação n.º 2014... e 2014... –, embora pagos em três prestações.

E é a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que a Requerente contesta, ainda que tenha apresentado um pedido de constituição de tribunal arbitral para cada prestação. Se cada acto de liquidação foi de € 15.506,90 e deu lugar a três prestações, cada prestação é de € 5.168,95 e fazem parte/estão dentro daqueles primeiros € 15.506,90. A Requerente contesta aqui parte – € 5.168,95 – de um todo – € 15.506,90 –, embora tratando-se sempre dos mesmos actos de liquidação do Imposto do Selo –  os tais n.ºs 2014 ... e ...– na parte que corresponde naturalmente às segundas prestações de € 5.168,95 cada.

Uma vez mais, não há dúvida que a liquidação de Imposto do Selo é só uma e que se faz anualmente. Também não há dúvida que acto de liquidação não se pode confundir com pagamento. Também não temos grandes dúvidas que quando o pagamento é bi ou tripartido o acto de liquidação que lhes dá origem não se descaracteriza em nota de cobrança ou em aparência de acto tributário na medida em que cada pagamento/prestação é parte de um todo, o acto tributário subjacente.

O que não se pode confundir são questões de objecto do pedido – anulação do acto tributário subjacente a uma ou várias prestações relativas ao pagamento desse acto – com questões de qualificação jurídica dos actos. Ou dito doutro modo, não se pode confundir qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo com pagamento propriamente dito.

É que da questão de saber qual objecto do pedido decorrem, como se verá, possíveis questões de litispendência, ou no limite, questões de caso julgado. Isto, no caso de os contribuintes impugnarem ou requererem pedidos de constituição de tribunais arbitrais para cada prestação na medida em que se está a analisar sempre o mesmo acto.

Isto é, se perante a notificação para pagamento da primeira prestação, o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, voltando a pedir a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do mesmo acto de liquidação quando é notificado da segunda e terceiras prestações, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado, na medida em que no âmbito destes três pedidos de constituição de tribunal arbitral apresentados, o pedido é sempre o mesmo: a anulação do acto de liquidação do Imposto do Selo, cujo pagamento é repartido em três prestações.

Na verdade, e sem prejuízo de analisar-se esta questão mais à frente, cabe referir que o artigo 581.º do CPC, aplicável no âmbito do processo tributário arbitral, estabelece como requisito da excepção da litispendência e do caso julgado a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

Ora, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado no caso em apreço e sempre que o pagamento de um determinado imposto seja repartido em duas ou três prestações, quando o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação após o termo do prazo de pagamento voluntário da primeira, segunda e terceira prestação.

Tudo porque temos o mesmo objecto – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo.

Já das segundas, ou seja, das questões de qualificação jurídica dos actos decorre a “confusão” de competências dos tribunais, designadamente dos arbitrais.

Esta conclusão até se alcançaria numa argumentação mais empírica e consequentemente menos jurídica. Se no caso dos impostos cujo pagamento não se efectua de uma só vez – como o casos eventualmente do IMI ou do Imposto do Selo – o contribuinte não é notificado do acto de liquidação mas tão só das duas ou das três prestações a que haja lugar, isto significaria que este não poderia reagir administrativa, judicial ou jurisdicionalmente a este acto (tributário, ou matéria tributária ou outro?)?

Uma conclusão como esta contrariaria, no mínimo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito, com assento constitucional quer no artigo 20.º, quer no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Recorde-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe que para todo e qualquer conflito que mereça composição judicial seja possível encontrar um Tribunal competente e um meio processual que confira protecção adequada e suficiente aos interesses dignos de tutela jurídica.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo ele mesmo, “um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito”. (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira (2010), “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 408).

Este princípio e direito fundamental está ainda vertido no artigo 9.º da LGT no qual se garante, no n.º 1, o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos e, no n.º 2, o direito de acesso aos tribunais, prevendo-se a possibilidade de impugnação ou recurso dos actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ora, no que em concreto respeita a questões de competência – aquelas que se prendem com a qualificação jurídica dos actos –, o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT determina a competência do tribunal arbitral para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Recuperando o que se referiu supra, o objecto do presente processo arbitral corresponde, sem sombra de dúvida, aos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014 ... e 2014 ..., independentemente de, por mera técnica de arrecadação de receitas, o seu pagamento (e, logicamente, a sua cobrança) se encontrar repartido em duas ou três prestações.

E em nome do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estes actos de liquidação de Imposto do Selo - insista-se, embora sejam pagos em três prestações – serão necessariamente sindicáveis.

Deste modo, improcede a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

 

II.2 Excepção de caso jugado formal

Assumido que o objecto do pedido no caso de impostos pagos em duas ou mais prestações, como o do caso em apreço, é a anulação do acto tributário subjacente – este foi, de resto, o fundamento para a improcedência da excepção alegada pela Administração Tributária -, resta perceber que outras particularidades pode levantar esta realidade a fim de compreender que, pese embora haja já uma decisão de forma proferida com base no mesmo acto tributário objecto deste pedido de constituição do tribunal arbitral – processo n.º 441/2015-T –, ainda assim não estamos perante uma excepção de caso julgado.

Na verdade, esta questão prende-se com uma outra e que é prejudicial àquela. Referimo-nos à problemática da tempestividade. Ou seja, da data a partir da qual o contribuinte pode reagir perante um acto tributário de imposto cujo pagamento é devido em mais do que de uma só vez.

Como se sabe, o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, estabelece que o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Por conseguinte, coloca-se a seguinte questão: poderá o contribuinte impugnar o acto de liquidação de Imposto do Selo desde o termo do prazo para pagamento voluntário:

- Da primeira prestação?

- Da segunda prestação?

- Ou da terceira prestação?

Os tribunais arbitrais tributários têm-se já pronunciado acerca desta questão.

No Processo n.º 726/2014-T, tendo o contribuinte pedido a constituição do tribunal arbitral referente à segunda prestação do Imposto do Selo, o tribunal arbitral entendeu que:

Não tendo sido paga a primeira prestação de cada uma das mencionadas liquidações, até ao final do mês de Abril de 2014, ficariam imediatamente vencidas as segundas e terceiras prestações.

Porém, tal vencimento revela-se ineficaz relativamente ao sujeito passivo, pelo facto de a AT o ter voltado a notificar, concedendo-lhe um novo prazo para proceder ao pagamento (voluntário) das segundas prestações daquelas liquidações, durante o mês de julho de 2014, como consta das notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral.

Assim, tendo o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações das liquidações do Imposto do Selo terminando em 31 de julho de 2014 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias sobre aquela data, não pode colher a exceção da sua alegada intempestividade”.

Ou seja, como o contribuinte foi notificado da segunda prestação o tribunal entendeu que poderia pedir a constituição de tribunal arbitral referente ao acto de liquidação do Imposto do Selo no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário desta segunda prestação.

Já no Processo n.º 205/2013-T, o tribunal arbitral ali constituído salientou que “da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações”. Assim, tratando-se de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações, aquele tribunal entendeu que o sujeito passivo não estava impedido de “impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas”, admitindo assim que o contribuinte requeresse a constituição do tribunal arbitral a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da primeira prestação.

Quanto a nós, entendemos que, por força do disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, o contribuinte poderá impugnar judicialmente, apresentar reclamação graciosa ou pedir a constituição de tribunal arbitral – in casu - no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário quer da primeira, quer da segunda, quer da terceira prestação.

Poderá contestar o acto de liquidação do Imposto do Selo logo que tem conhecimento do mesmo com a notificação da primeira prestação de pagamento, contando-se o prazo de impugnação judicial/reclamação graciosa/ pedido de constituição de tribunal arbitral, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário desta primeira prestação. Assim, já se entendeu no processo n.º 205/2013-T.

No entanto, se não contestar o acto de liquidação do imposto neste momento, poderá fazê-lo quando for notificado da segunda prestação, ou mesmo da terceira, se não impugnar quando for notificado da segunda prestação.

Assim, entendemos, por um lado, porque o pedido de constituição de tribunal arbitral se reporta ao acto de liquidação no todo e não à prestação, ou seja, o que o contribuinte invoca é a ilegalidade do acto de liquidação, requerendo a sua anulação. Por outro lado, o prazo de reacção reinicia-se sempre que termina o prazo de pagamento voluntário de qualquer uma das prestações.

Existe já jurisprudência arbitral neste sentido, proferida no âmbito do processo n.º 484/2015-T, no qual se afirmou que: “Assim o pedido de anulação do ato pode ser requerido em qualquer momento a contar da data de notificação de uma das prestações ou do indeferimento da reclamação graciosa.” (destacado nosso)

Não se poderá negar, então, a possibilidade de impugnação destes actos de liquidação por intempestividade, considerando que o prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral se contaria desde a data do termo do prazo para pagamento voluntário das primeiras prestações, porque seria a data em que o contribuinte teria conhecimento da liquidação de imposto, in casu dos actos de liquidação n.ºs  2014 ... e 2014 ... . Tal solução seria, à semelhança do que vimos supra, violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

No caso em apreço, terminando o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações no dia 31 de Julho de 2015 e tendo sido apresentado pedido de constituição de tribunal arbitral no dia 20 de Outubro de 2015, não há dúvida que o pedido é tempestivo.

Porém, dizer que o contribuinte pode reagir contenciosamente contra qualquer uma das prestações na medida em que o acto tributário subjacente é o mesmo, não significa que possa reagir contra todas. Sabemos já que reagindo contra a primeira, sendo o objecto do pedido a (i)legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, uma decisão relativamente a esta “contaminará” as seguinte prestações. Não reagindo à primeira pode reagir contra a segunda e por aí sucessivamente.

Porém, caso reaja contra todas - utilizando meios diferentes ou dando início a processos distintos - haverá litispendência ou caso julgado tudo porque o objecto do pedido – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo – é o mesmo.

Antes porém de analisar melhor esta questão da litispendência ou do eventual caso julgado há que dar aqui uma nota.

Mesmo que se considerasse, o que não é o caso, que no caso de liquidações de imposto em várias prestações o contribuinte teria que reagir ao todo aquando da notificação da primeira prestação, sempre se estaria em prazo para recorrer da ilegalidade das seguintes na medida em que é o que consta da notificação de cada prestação quanto aos meios de defesa. E mesmo que houvesse erro na indicação dos meios de defesa, o artigo 37.º, n.º 4 do CPPT determina que quando o contribuinte tenha utilizado o meio de defesa indicado na notificação e o tribunal venha a considerar este meio como errado, como no caso de o contribuinte impugnar de imediato contenciosamente um acto que devia ser objecto de reclamação graciosa necessária por exemplo, o meio de reacção adequado ainda poderá ser exercido no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial.

Esta solução é consagrada em nome da boa-fé e da protecção da confiança dos contribuintes que seguiram as informações indicadas pela Administração na notificação do acto que no mínimo alegando um vício que lhe é imputável agiria em abuso de direito, em venire contra factum proprio.

Assim, nunca se colocariam também questões de intempestividade.

Voltemos então à questão da litispendência e do eventual caso julgado.

De acordo com o disposto na resposta do Requerente ao despacho proferido por este tribunal arbitral em 3 de Maio de 2016, este apresentou, previamente ao pedido que ora se analisa, um pedido de constituição arbitral referente às primeiras prestações (Processo n.º 441/2015-T) dos mesmos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui em causa.

O Requerente apresentou assim, ao contrário do que acima se disse, três pedidos de constituição do tribunal arbitral (sendo que o terceiro está em curso sob o n.º 22/2016-T). Todos com o mesmo objecto: actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014 ... e 2014 ... .

Deste modo, se o processo n.º 441/2015-T ainda não estivesse decidido, verificar- se-ia a excepção dilatória de litispendência, na medida em que se verifica a tripla identidade exigida pelo artigo 581.º do CPC, subsidiariamente aplicável. Vejamos porquê.

A regra de litispendência aplicável ao processo tributário, quer judicial quer arbitral, é a que consta no CPC.

Ora, no processo civil a litispendência, ou a excepção de litispendência, pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso, nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC. A excepção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior tal como prevê o artigo 580.º, n.º 2, do CPC. Por sua vez, o artigo 581.º enuncia os requisitos da litispendência (e do caso julgado), estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Assim, este artigo exige que se verifique a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

A litispendência tem assim limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados –, e ainda limites temporais – uma vez que a ocorrência de litispendência terá de ser aferida por referência ao momento em que aquela é apreciada - o que significa que, ainda que havendo uma repetição da causa, se a parte activa vier a desistir de uma das acções antes da excepção de litispendência ser apreciada, a situação de litispendência deixa de subsistir.

Ora, não há dúvida alguma que se verifica a identidade dos sujeitos, na medida em que a Requerente é nos dois processos a A..., SA e a Requerida a Administração Tributária. No que diz respeito à identidade do pedido, este também é idêntico nos dois processos – a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo n.ºs 2014 ... e 2014 ... .

Relativamente à identidade da causa de pedir, esta depende da invocação dos mesmos fundamentos de declaração de ilegalidade do acto que se pretende impugnar. Esta verifica-se, como resulta da decisão já proferida no Processo n.º 441/2015-T que aqui reproduzimos:

1.10. Alega a Requerente, em primeiro lugar, que a verba 28 da TGIS, na redacção com que passou a contar depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 tributa “os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação”, o que equivale a dizer que é para efeitos da aplicação desta verba irrelevantes os terrenos para construção para os quais esteja autorizada ou prevista construção que seja simultaneamente para habitação e comércio, independentemente de qual seja o respectivo VPT.

1.11. Ora, para os Prédios estão autorizadas construções afectas simultaneamente a habitação e comércio. Na verdade, pelo alvará n.º .../2006, que a Requerente juntou como doc. n.º 5 ao seu pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se tem por reproduzido, cada uma das edificações neles autorizadas, tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações, o que retira os Prédios automaticamente do campo de sujeição da dita verba da TGIS.

1.12. Ainda que assim se não entendesse, parece claro que não podem ficar sujeitas a este imposto a parte do VPT dos Prédios imputável às áreas afectas a comércio e a estacionamentos e arrecadações, pelo que a administração tributária e aduaneira, ao invés de considerar um VPT global para cada um dos Prédios, deveria ter discriminado o VPT relativo exclusivamente à habitação, quantificando igualmente os VPT referentes ao comércio e aos estacionamentos e arrecadações, o que não foi feito.

1.13. Alega ainda a Requerente ser certo e seguro que, depois de construídos os edifícios autorizados para os ditos terrenos para construção, nenhuma das suas partes susceptíveis de rendimento separado terá um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, pelo que à luz dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça, não pode haver tributação antes dessa construção”.

Na verdade, o primeiro processo referente às primeiras prestações dos actos de liquidação n.ºs 2014 ... e 2014 ... já foi decidido, tendo a decisão sido notificada às partes em 31 de Março de 2016, pelo que não se verifica o requisito temporal da litispendência: embora a causa se repita, a anterior já não está em curso.

Deste modo, tratando-se dos mesmos sujeitos, de um mesmo pedido e de uma idêntica causa de pedir, em processo arbitral posterior, não se verifica a excepção da litispendência mas poderá estar-se perante uma eventual excepção dilatória de caso julgado, o que obstaria ao conhecimento do mérito da causa por este tribunal nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea f) do CPC.

A excepção de caso julgado pressupõe, como se sabe, a repetição de uma causa depois de uma primeira causa ter sido já decidida por sentença transitada em julgado, nos termos do disposto na parte final do artigo 580.º, n.º 1, do CPC, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O artigo 581.º do CPC enuncia os requisitos do caso julgado, estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Deste artigo decorre que o caso julgado, à semelhança da litispendência, tem limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados – e, ainda, limites temporais – uma vez que a ocorrência de caso julgado terá de ser aferida por referência ao momento em que aquele é apreciado.

E, repita-se, não há dúvida que os sujeitos, os pedidos e as causas de pedir são os mesmos no nosso caso e no processo n.º 441/2015-T.

Ora, como a doutrina entende pacificamente, o efeito de caso julgado consiste na insusceptibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido. O resultado do conflito expresso na decisão torna-se indiscutível (Cf. João Paulo Remédio Marques (2011), “A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 670).

Ora, para que a decisão se torne indiscutível ou imodificável será necessário que transite em julgado, o que ocorre logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou por ter decorrido o prazo para a interposição de recurso, ou porque a acção não comporta recurso ordinário ou porque as partes, simplesmente, renunciaram ao recurso ou dele desistiram.

Segundo ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, tanto podem transitar em julgado sentenças ou despachos recorríveis relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, temos uma decisão formal ou processual que não aprecia o mérito da causa, formando-se o caso julgado formal e no segundo, temos uma decisão que apreciando o mérito da questão forma caso julgado material ou substancial (Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora (2004), Manual de Processo Civil, de acordo com o Decreto-Lei 242/85,701-704).

Assim, “o caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada” (destacado nosso). Isto é, haverá caso julgado material sempre que a questão decidida diga respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa. O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo assim que o mesmo tribunal, ou outro tribunal (ou outra qualquer entidade administrativa), possa decidir de modo diferente a mesma pretensão. Este efeito obsta, como é sabido, a que uma decisão anteriormente proferida e transitada seja modificada por uma segunda decisão em processo posterior – garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídica.

Por sua vez, “o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa”. Ou seja, haverá caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida, quando a questão decidida tenha carácter processual. Neste caso, o tribunal não poderá, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente.

Quer o caso julgado formal, quer o caso julgado material, tornando a decisão processual ou a decisão de mérito imodificáveis, visam garantir aos particulares o mínimo de certeza no Direito ou de segurança jurídica.

A excepção de caso julgado, por sua vez, garante a imodificabilidade da decisão transitada em julgado, não permitindo a proposição de nova acção destinada a apreciar a questão já solucionada por essa decisão. Assim, quando se verificam os requisitos do artigo 581.º do CPC, ou seja, quando os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, verificar-se-á a excepção de caso julgado que impede o conhecimento do mérito da causa pelo tribunal. Já existindo uma decisão com força de caso julgado que se tenha proferido sobre o mérito da mesma causa, um outro tribunal noutro processo não a poderá apreciar sob pena de contradizer a decisão proferida ou de a ter de repetir.

Mas esta excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa pelo tribunal, verificar-se-á apenas quando a decisão proferida em processo anterior e transitada em julgado goza de caso julgado material, na medida em que, como se viu, as decisões meramente formais que não apreciem o mérito da causa, com força de caso julgado formal, só gozam de força obrigatória dentro do processo, não obstando a que outros tribunais decidam a mesma questão formal e o mérito da causa.

Aqui chegados, torna-se necessário determinar se a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 441/2015-T foi uma decisão de forma e de carácter processual ou se, pelo contrário, foi uma decisão que conheceu do mérito da causa, referente à relação material controvertida.

Caso a decisão proferida tenha sido de carácter processual ou de forma (por exemplo: absolvição da instância por excepção dilatória de ilegitimidade de alguma das partes), terá força de caso julgado formal, pelo que terá força obrigatória apenas dentro do processo no âmbito do qual foi proferida, não vinculando outros tribunais. Se assim for, não só se poderão apreciar as questões formais já decididas, como o mérito da causa que não foi apreciado.

Pelo contrário, se a decisão disser respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa (declarando a ilegalidade do acto tributário, por exemplo), gozará de força de caso julgado material, gozando de força obrigatória dentro e fora do processo. Com o trânsito em julgado, esta decisão torna-se imodificável pelo que nenhum tribunal poderá apreciar o mérito da causa sob pena de contradizer ou ter de reproduzir uma decisão anterior.

Ora, olhando para decisão proferida no Processo n.º 441/2015-T, não há dúvida que esta consubstancia uma decisão formal e de carácter processual, na medida em que procedeu à absolvição da instância por verificar-se a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

Aqui transcrevemos a decisão deste Processo n.º 441/2015-T para obstar a qualquer tipo de dúvida:

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, determina-se a incompetência do tribunal arbitral, o que impede a apreciação de mérito da causa e impõe a absolvição da Requerida da instância.”. (destacado nosso).

Tendo o tribunal entendido que se verificava a excepção dilatória de incompetência do tribunal, esta obstava ao conhecimento do mérito da causa, pelo que, por força do disposto no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), outra não podia ser a decisão senão de absolvição da instância.

Deste modo, tratando-se de uma decisão meramente formal, que decidiu uma questão processual, goza apenas de caso julgado formal. Com o trânsito em julgado tornou-se numa decisão imodificável mas, com força obrigatória apenas dentro do processo n.º 441/2015-T, ou seja, apenas vinculando o tribunal que a proferiu.

Caso a decisão do processo tivesse apreciado o mérito da causa, com o trânsito em julgado desta decisão, não há duvida que o regime previsto no CPC e defendido pela doutrina, é de que esta decisão tornando-se imodificável, gozava de força obrigatória dentro e força do processo. Ou seja, se no âmbito do processo n.º 441/2015-T o tribunal arbitral tivesse declarado a (i)legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, este tribunal não se poderia pronunciar sobre o mérito da questão, sob pena de contradizer ou ter de repetir a decisão anterior.

O efeito de caso julgado obstaria a que a decisão anteriormente proferida e transitada, fosse modificada por uma segunda decisão em processo posterior, em nome da garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídicas.

No entanto, não foi o que se verificou no nosso caso. Sendo a decisão proferida no âmbito do processo anterior meramente formal, esta goza de força de caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida.

Assim, nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente. Ou seja, não se verifica a excepção de caso julgado, pese embora os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos. Isto é assim porque, repita-se, uma decisão com força de caso julgado formal, apenas tem força obrigatória dentro do processo, não vinculando outros tribunais.

Nem se coloca aqui a questão de saber se a decisão arbitral não conheceu do mérito da pretensão por facto imputável ao sujeito passivo, na medida em que tal só releva para o disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, ou seja, para efeitos de contagem de prazos para reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida.

Refira-se ainda que a concretização do que entender por “imputável ao sujeito passivo” revela-se difícil. No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer excepção dilatória seria imputável ao sujeito passivo na medida em que foi ele que não configurou correctamente a competência do tribunal, a legalidade da coligação ou da cumulação, a não verificação de litispendência ou caso julgado, etc. Julga-se, porém, que caberá ao tribunal arbitral aferir a desculpabilidade desse “erro” do sujeito passivo. Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetência do tribunal arbitral, há questões de tal maneira dúbias, que determinam na Doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias, que, caso seja procedente uma excepção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo. (Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 464).

Para além disso, a Administração Tributária nunca poderá invocar a excepção de caso julgado – que entendemos não se verificar -, sem venirem contra factum próprio. De facto, no processo n.º 441/2015-T, tal como no caso em apreço, a Requerida arguiu a incompetência material do tribunal arbitral, na medida em que defendeu que a Requerente impugnou as primeiras prestações dos actos de liquidação, que não constituem em si nenhum acto tributário. Ora, a excepção de caso julgado depende como se viu da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e o pedido só poderá ser o mesmo se se entender que tanto no processo n.º 441/2015-T, quanto neste a Requerente impugna os actos de liquidação do Imposto do Selo e não as primeiras ou segundas prestações.

Posto isto, conclui-se que este tribunal pode apreciar a questão formal da competência, como já fez aliás, e pode (e deve) conhecer do mérito da causa, apreciando a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui impugnados.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.
 

III. DE FACTO
 

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é a única proprietária de dois lotes de terreno para construção situados na ..., com área de 1560 m2, designados por lote 38 e 39, inscritos na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob os artigos ... e ..., respectivamente.

 

  1. Os terrenos para construção foram avaliados em 2012, tendo sido apurado um valor patrimonial tributário para cada um deles de € 1.550,690,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta mil, seiscentos e noventa euros) (cf. Doc. 3 e Doc. 4 do pedido de constituição do tribunal arbitral).

 

  1. Os terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos ... e ... como afectos à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial).

 

  1. Ainda não existem no terreno quaisquer edificações.

 

  1. Foi autorizada pela Câmara Municipal de ... a construção nestes dois lotes de terreno de edificações com áreas afectas à habitação colectiva e comércios/serviços (página 7 do Doc. 5/Alvará n.º .../2006).

 

  1. Pelo alvará n.º.../2006 cada uma das edificações autorizadas nos Prédios tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações (cf. página 11 do Doc. 5 do pedido de constituição do tribunal arbitral).

 

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos ... e ... de que é proprietária.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das primeiras prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, em 20 de Abril de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos);

 

  1. A Requerente foi também notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos ... e ... de que é proprietária. (Cf. Doc. n.º 1 e doc. n.º 2 juntos com o requerimento da Requerente).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, a 23 de Julho de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos); (cfr. Doc. n.º 1 e 2 juntos com o requerimento da Requerente).

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta oposição da lide processual.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, no 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária1.

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Analisar-se-á́ em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

Vício de violação de lei

A questão aqui em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei com a aplicação da norma de incidência de Imposto do Selo, tal como se encontra redigida actualmente, aos terrenos de construção correspondentes aos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária.

Assim, cabe referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à Tabela Geral deste imposto a verba 28.

Desta consta que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da verba 28. 1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1 %.

Deste modo, na redacção inicial da verba 28. 1, esta norma de incidência apenas abrangia os prédios urbanos com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 e não os terrenos para construção de igual valor.

Ou seja, na redacção inicial da verba 28.1, os terrenos para construção urbana, quer tivessem ou não valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000, 00, estavam afastados de tributação.

No entanto, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83- C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide:

“28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

Assim, no que diz respeito aos “terrenos de construção” aqui em causa é fundamental ter em conta esta evolução legislativa, na medida em que até à entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, o legislador apenas previa na norma de incidência do Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Com a nova redacção da verba 28.1, após a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, todavia, o legislador passou a prever expressamente a tributação de terrenos para construção “cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (destacado nosso).

De facto, antes da alteração à redacção da verba 28.1, discutia-se se nesta norma de incidência cabia automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional.

Várias foram as decisões proferidas por tribunais arbitrais a pronunciarem-se pela ilegalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo que incidiam sobre terrenos de construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 anteriores a 2014, entendendo assim que não eram de incluir na norma de incidência os terrenos de construção.

Neste sentido, veja-se designadamente, o processo n.º 543/2014 -T, no qual se afirmou que:

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” e não sobre terrenos de construção. Haveria fundamento para o ter feito, até porque as razões que justificam o pagamento de imposto sobre bens de “luxo” por um proprietário de um bem superior a 1 milhão de euros se justificam, nas palavras da Administração tributária, indistintamente nos casos de prédios urbanos “habitacionais” e de “terrenos para construção”. Porém não foi esse o objectivo do legislador. E tanto assim é que no ano a seguir, seguramente por perceber a lacuna da redacção original, altera a lei acrescentando portanto claramente esta realidade.

Bem compreendendo os argumentos da Administração tributária esta não pode porém fazer-se substituir ao legislador, mais, não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT”.

No entanto, da nova redacção da verba 28.1, resultante da Lei de Orçamento de Estado para 2014 resulta expressamente que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre terrenos para construção. Mas não são todos os terrenos para construção. São só aqueles cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação: “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

Assim, a questão que se coloca não é a de saber se os terrenos para construção de valor superior a € 1.000 000, 00 cuja edificação seja para habitação estão sujeitos ou não a Imposto do Selo – disto não há qualquer dúvida com a nova redacção da verba 28.1 - mas sim se estão abrangidos por esta norma de incidência os terrenos para construção afectos à habitação e ao comércio.

Esta questão coloca-se porque resulta do Alvará de Loteamento da Câmara Municipal de ... n.º .../2006 que estão autorizadas nos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária, construções afectas simultaneamente a habitação e comércio, sendo que cada uma das edificações neles autorizadas tem uma área de 67500, 00 m2 afecta a habitação e de 840 m2 afecta ao comércio.

Contudo, é de referir que estes terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos ... e ... como afectos apenas à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial).

Ora, parece que pese embora a edificação prevista na Caderneta Predial seja unicamente para habitação, a autorizada pelo Alvará da Câmara Municipal de ... é simultaneamente para habitação e comércio.

Haverá então que perceber qual delas prevalecerá para efeitos da sujeição a Imposto do Selo.

Para este efeito cumpre antes de mais olhar ao conceito de “terreno para construção” decorrente do disposto do Código do IMI, para o qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo remete na medida em que deste Código não consta uma definição de “prédio urbano”, “terreno para construção” ou “afectação habitacional.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é: “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

Os prédio urbanos, por sua vez, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros”.

Já do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI resulta que:

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (destacado nosso).

Assim, devem ser considerados como terrenos para construção os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 44). A qualificação jurídica depende então do Alvará.

A mesma ideia decorre do acórdão do STA de 27 de Novembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 76/2013 no qual se afirmou que “os lotes para construção constituem-se com a emissão de licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará”.

Antes de ser concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção, os terrenos não se consideram para construção para efeitos de IMI e, consequentemente, para efeitos do Imposto do Selo. Isto é, a qualificação como terreno para construção decorre da licença ou autorização. O mesmo é afirmado pelo acórdão do STA acima referido: “Deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais, não pode sobre estes incidir IMI”.

Deste modo, os lotes de terreno 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária só se passaram a qualificar como “terrenos de construção” para efeitos de Imposto do Selo com a autorização para loteamento prevista no Alvará n.º .../2006. Não há dúvida assim que constituem “terrenos para construção”.

Por outro lado, há que olhar ainda para a forma como é calculado o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, nos termos do Código do IMI, para o qual a verba 28 da TGSI remete: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

De acordo com o artigo 37.º, n.º 3 do Código do IMI que regula a iniciativa da primeira avaliação dos prédios urbanos, em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo da viabilidade construtiva.

ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS defendem que esta obrigação revela uma compreensível preocupação com a exactidão de dados, designadamente quanto às áreas que são o “core” das operações de avaliação (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 132).

Defendem ainda que, “quanto ao alvará de loteamento, ao alvará de licença de construção, ao projecto aprovado ou ao documento comprovativo da viabilidade construtiva, não se suscitarão dúvidas de interpretação, uma vez que se traduzem em documentos específicos emitidos pelo Município da área da localização do prédio”.

Para além disso, do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI resulta que “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”.

Os mesmos autores entendem que o valor patrimonial dos terrenos para construção é o resultado da ponderação de três elementos essenciais:

 - O valor da área de construção autorizada ou prevista,

 - A localização geográfica do próprio terreno e
 - A parte sobrante do terreno, isto é, da área não ocupada pela futura  edificação.

Daqui decorre claramente que o cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deverá basear-se nas áreas de construção autorizadas ou previstas no alvará de loteamento ou de construção.

Para além disso, das notas constantes do Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011 resulta que no caso do cálculo do valor patrimonial tributário de terrenos para construção com diferentes afectações, com discriminação das respectivas áreas, estas devem ser consideradas no cálculo respectivo. Nestes casos, o valor patrimonial tributário corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários das diferentes afectações.

Ora, no nosso caso em concreto, do Alvará de loteamento n.º .../2006 resulta que foram autorizadas construções nos lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária, afectas simultaneamente a habitação e ao comércio, discriminando-se as áreas afectas a habitação (67500, 00 m2 cada lote) e afectas a comércio (840 m2 cada lote), chegando ao valor de € 1 550 690, 00.

Assim, embora conste da caderneta predial urbana que estes dois terrenos para construção estão afectos à habitação, parte-se do pressuposto que a Administração Tributária aquando da avaliação do valor patrimonial tributário destes terrenos para construção, procedeu de acordo com o previsto no artigo 45.º do Código do IMI e no Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011, considerando a afectação à habitação e ao comércio destes terrenos tal qual está autorizada pelo Alvará.

Aqui chegados, concluímos que os lotes 38 e 39 de que a Requerente é proprietária constituem terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00, cuja edificação autorizada no Alvará está afecta simultaneamente à habitação e ao comércio, pelo que coloca-se a questão de saber se estão abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS que prevê̂ que estão sujeitos a tributação a 1% os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

A verba 28.1 da TGIS prevê̂ expressamente a tributação em sede de Imposto do Selo da:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”(destacado nosso)

Ora, por um lado, não há dúvida que o legislador não quis abranger os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja (só) para comércio. Neste sentido, veja- se o processo n.º 592/2014-T no qual, estando em causa um lote de terreno para construção urbana destinado à construção de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos, o tribunal arbitral entendeu que:

 “Face à matéria de facto provada, inexistem dúvidas de que ao prédio em causa não é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de selo. (...) tendo-se provado que a construção prevista é apenas a de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos é manifesto que a tributação em causa é indevida, padecendo o ato de liquidação em causa do vício de violação de lei pelo que, não pode a liquidação deixar de ser anulada”.

Por outro, entendemos que a verba 28.1 da TGSI não prevê a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja conjuntamente para habitação e comércio/serviços, mas apenas aqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja exclusivamente para habitação. Dito de outro modo, entendemos que deverá proceder-se à interpretação restritiva desta norma, abrangendo apenas a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista seja exclusivamente para habitação e não para habitação e comércio simultaneamente, como no caso apreço.

Esta conclusão depende contudo de uma análise às razões que justificaram a introdução da verba 28 à TGIS e, consequentemente, a tributação a título de Imposto do Selo dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00.

Na exposição de motivos da proposta de lei no 96/XII (2a) que esteve na origem da Lei no 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013.”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Nos anos que se seguiram à aditação da verba 28 da TGIS, discutiu-se como referimos, se nesta norma de incidência cabia automaticamente, para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Como se viu, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei no 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide também sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, resolvendo esta questão.

O que não se prevê̂ na verba 28, nem tampouco se enquadra na sua ratio legis é a tributação em sede de Imposto do Selo de prédios urbanos comerciais ou terrenos para construção cuja edificação esteja afecta ao comércio nem os terrenos para construção cuja edificação esteja simultaneamente afecta à habitação e ao comércio. Haverá que interpretar restritivamente a norma constante da verba 28 como incindido apenas sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada seja exclusivamente para habitação.

E no caso concreto, tal como resulta do Alvará n.º .../2006, os lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária consubstanciam terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00 mas cuja edificação autorizada não é exclusivamente para habitação mas simultaneamente para habitação e comércio, mais precisamente, uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação e outra de 840m2 afecta a comércio, em cada lote.

Não estando abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja simultaneamente para habitação e para comércio, verifica-se um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa, mas apenas no que se refere às segundas prestações, porquanto está vedado ao Tribunal anular a totalidade das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014.

Ora, como refere o Tribunal Central Administrativo no acórdão relativo ao processo n.º 21/17.4BCLSB, “sendo inequívoco que o objeto do processo se coaduna com a anulação dos atos de liquidação com os n.ºs 2015... e 2015... efetuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, e referentes às segundas prestações, no montante de € 10.337,92, e não dos atos de liquidação de IS no seu todo” está, pois, vedado ao Tribunal anular a totalidade das liquidações de I. Selo, relativas ao ano de 2014.”.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo, na parte que corresponde à segunda prestação (de cada uma delas), são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da Lei Geral Tributária.

Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral nos termos definidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, unicamente relativamente às segundas prestações referidas.

 

Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do nºo 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade.

Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de € 10 337, 92 referentes às segundas prestações pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou à condenação por indemnização por garantia indevida (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 66/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária, pelo que o direito a juros indemnizatórios e
(sic.) reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, em virtude da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, na parte que concretamente corresponde às segundas prestações de cada um deles, porquanto a respectiva ilegalidade é imputável à Administração tributária que, por iniciativa, praticou aqueles actos sem suporte legal.

A doutrina e a jurisprudência têm questionado se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT onde reconhece o direito a juros indemnizatórios, pretendeu restringir este direito aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais.

Assim tem entendido o STA, alegando designadamente no acórdão de 3-02-2010, proferido no recurso n.º 01091/09 que quando “o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”.

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu no acórdão de 22-05-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

A jurisprudência do STA tem assim entendido que o direito a juros indemnizatórios não se verifica quando o acto inválido por vício de forma ainda possa ser substituído por um acto válido que cumpra todas as formalidades legais, ou seja, quando o imposto pago ainda possa ser legalmente exigido, exigindo que se verifique um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

No nosso caso, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.

Consequentemente, não há dúvida que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente na data do pedido de constituição do tribunal arbitral, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

V. DA MATÉRIA DE DIREITO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

- Liquidação n.º 2014..., na parte correspondente à 2.ª prestação;

- Liquidação n.º 2014..., na parte correspondente à 2.ª prestação.

c) Anular os actos de liquidação referidos, na parte concretamente referida (a 2.ª prestação) e consequentemente condenar a Autoridade Tributária à devolução das quantias indevidamente pagas;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo no valor dos actos tributários anulados em € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, 3 de Julho de 2019

 

O Árbitro

 

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 642/2015-T

Tema: IS - Terrenos para construção afetos à habitação e ao comércio - exceção dilatória de competência; prestações; impugnação da decisão arbitral; substitui a decisão de 19 de maio de 2016.

 

 

 

 

 

 

 

 


DECISÃO ARBITRAL

 

 

Decisão arbitral que substitui a decisão de 19-05-2016, no seguimento da anulação pelo TCA-Sul

 

 

Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa no processo em epígrafe e notificada por Ofício n.º…, de 14 de Dezembro de 2016, do 2.º Juízo da 2.ª Secção (Contencioso Tributário) da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo no âmbito do processo n.º 09711/16 vem proceder à:

 

REFORMA DA DECISÃO ARBITRAL

A douta decisão do Tribunal Central Administrativo considerou que:

No caso concreto, desde logo, se dirá que as prestações de pagamento (duas ou três, consoante o montante total do imposto a pagar anualmente) de uma liquidação de Imposto de Selo, efectuada ao abrigo do art°.28, da T.G.I.S., não são autonomamente sindicáveis por terem origem numa única obrigação anual (cfr.art°.23, n°.7, do C.I.Selo), sendo que a divisão de uma liquidação anual em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas (cfr.art°.120, n°.1, do C.I.M.I., "ex vi" do art°.67, n°.2, do C.I.Selo; A. Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, I volume, 3a. edição, Almedina, 1995, pág.243 e seg.).

Apesar do acabado de mencionar, certo é que, no articulado inicial que originou o processo arbitral a sociedade impugnada consubstancia como seu objecto as segundas prestações das liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2014 e no montante total de € 10.337,92, incidentes sobre os imóveis constantes da matriz predial urbana da freguesia de…, concelho de…, sob os números … e … (cfr.p.i. junta a fls.2 a 7 do processo arbitral apenso em CD). Posição que reafirma no requerimento de resposta a excepção suscitada pela A. Fiscal e junto a fls.113 a 115 do processo arbitral apenso em CD.

Ora, sendo este o objecto do processo, não pode o Tribunal Arbitral vir a decidir anular a totalidade das liquidações de I. Selo, relativas ao ano de 2014, incidentes sobre os aludidos imóveis e no montante total de € 31.013,80, dado estar a exceder, manifestamente, o pedido formulado pela parte, não se encontrando perante matérias de conhecimento oficioso, as quais o Tribunal deva conhecer, sem necessidade de pedido de parte.

Mais se dirá que a nulidade em análise abrange toda a decisão arbitral recorrida e contende com o seu segmento decisório.

Aqui chegados, deve recordar-se que o T.C.A. Sul não tem poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, visto que essa competência, e em moldes muito restritos, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional e ao S.T.A. (cfr.art°.25, do RJAT; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 23/4/2015, proc.8224/14; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 22/10/2015, proc.8101/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seg.).

Assim, sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o T.C.A. Sul deve apenas declarar a nulidade da sentença e ordenar a devolução do processo para que o Tribunal Arbitral a reforme em consonância com o julgado rescisório do T.C.A. Sul e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito, da qual poderá caber recurso para o Tribunal Constitucional ou S.T.A. nos termos do citado art°,25, do RJAT (cfr.ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 23/4/2015, proc.8224/14; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 22/10/2015, proc.8101/14).

Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente a presente impugnação e, em consequência, declara-se a nulidade da decisão arbitral recorrida, ao abrigo do art°.28, n°.1, al.c), do RJAT, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.”

Considerou portanto o Douto Tribunal que houve excesso de pronúncia porquanto entendeu que “o pedido deduzido e pretendido pela Requerente nos autos arbitrais em causa era a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, e referentes às segundas prestações, no montante de € 10.337,92 e não dos actos de liquidação de IS no seu todo, Liquidação n°. 2014…, com o montante a pagar de € 15.506,88 e Liquidação n°. 2014…, com o montante a pagar de € 15.506,88, sobre os quais o tribunal arbitral se pronunciou”. Isto pese embora refira que “a divisão de uma liquidação anual em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas”.

Deste modo, cumpre agora reformar a decisão em consonância com o julgado rescisório do T.C.A. Sul mantendo a anulação dos actos de liquidação n°. 2014 … e n°. 2014 … reduzindo no entanto a condenação à devolução das segundas prestações.

É o que se fará de seguida.

I – RELATÓRIO

Em 20 de Outubro de 2015, a sociedade “A…, SA”, titular do número de identificação fiscal…, com sede na Rua…, n.º…, em …, …-… …(doravante Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, aos quais dizem respeito as segundas prestações, no valor de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015 … e 2015 … .

Com efeito, não se conformando com as liquidações de Imposto do Selo acima identificadas a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos em página 6 do pedido de constituição do tribunal arbitral:

- A anulação dos actos de liquidação;

- Decrete o reembolso do imposto e dos juros indemnizatórios”.

Com a petição juntou 5 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 4 de Janeiro de 2016.

Em 8 de Fevereiro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida) apresentou resposta na qual alegou, por um lado, a incompetência material do Tribunal Arbitral e, por outro, a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que deviam ser mantidas as notas de cobrança das segundas prestações do Imposto do Selo, por consubstanciarem a correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Dezembro.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações.

Não foram apresentadas alegações.

Assim, e em cumprimento do princípio do contraditório, em 3 de Maio p.p., o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Em face da posição da Requerida assumida na resposta, notifique-se a Requerente para, em 10 dias, juntar ao processo os actos de liquidação de Imposto do Selo correspondentes à primeira e segundas prestações e bem assim, para se pronunciar sobre a excepção alegada pela Requerida. Tudo ao abrigo do artigo 16.º alínea c) e do artigo 19.º do RJAT.”

Em 6 de Maio de 2016, a Requerente respondeu pela improcedência da excepção dilatória de incompetência arguida pela Requerida, dizendo, designadamente, o seguinte:

“(…) informa desde já o Tribunal Arbitral de que a Administração Tributária, em tempo algum, a notificou das liquidações do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2014 (a pagamento em 2015), bem como dos prazos limite de pagamento voluntário e, inclusive, para, querendo, contra elas reagir contenciosamente, mas antes a notificou para pagamento voluntário dessas prestações e dos meses de vencimento de cada uma delas, a saber: - Abril de 2015, Julho de 2015 e Novembro de 2015 e de que as podia reclamar ou impugnar nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT”

Mais adiantou que:

“Seguindo a indicação sugerida de que podia da liquidação ser reclamada e impugnada, nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT, a Requerente lançou mão da impugnação e questionou cada uma das prestações, sendo instaurados no CAAD os processos n°s 441/2015-T, 642/2015-T e 22/2016-T, respectivamente.”

Em face desta resposta, em especial, tendo em consideração a informação de que tinha já sido objecto de pedido de constituição de tribunal arbitral anterior relativamente às primeiras prestações, o tribunal proferiu o seguinte despacho dirigido ao CAAD:

“Exmos Senhores,

No processo identificado em epígrafe vai ser analisada uma questão de litispendência.

Ora atendendo a que:

  • o artigo 582.2 do CPC (aplicável subsidiariamente ao RJAT) manda que a litispendência seja deduzida na acção proposta em segundo lugar;
  • o contribuinte em resposta ao despacho de 3 de Maio p.p., referiu que as primeiras prestações dos actos de liquidação aqui em causa foram objecto de pedido de constituição do tribunal arbitral que corre termos no CAAD com o n.º 441/2015,

Venho por este meio solicitar que me informem em que estado se encontra este processo n.º 441/2015.”

No seguimento deste pedido o CAAD informou este tribunal arbitral que:

“Em execução do Despacho Arbitral de V. Exa., informamos que o Processo Arbitral n.s 441/2015-T, que correu termos neste Centro, já se encontra concluído.

Mais se informa que a correspondente decisão arbitral foi notificada às partes em 31-03-2016 e que já se encontra publicada no site do CAAD.”

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

II.1 Excepção de incompetência

Relativamente à competência deste tribunal, é de referir que a Requerida invocou a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, arguindo a sua incompetência material para, em face do disposto no artigo 2.º do RJAT, apreciar a legalidade de uma prestação, in casu das segundas, dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tudo porque, no entender da Administração Tributária, a segunda (e, presume este tribunal) a primeira ou terceiras prestações, não são, em si mesmas, um acto tributário.

Não lhe assiste, no entanto, razão. Isto pese embora as decisões que têm sido proferidas por alguns tribunais arbitrais designadamente a decisão proferida no âmbito do processo n.º 441/2015-T.

Veja-se porquê:

O itinerário cognoscitivo deste tribunal parte de uma clara distinção entre qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo e pagamento propriamente dito. A primeira questão dará lugar a que se venha a considerar este tribunal como competente, a segunda dará lugar a eventuais questões de litispendência, caso julgado ou excepções de intempestividade.

Só há, como se verá, uma liquidação de Imposto do Selo. O imposto decorrente desta liquidação pode é ser pago em três vezes. Se o contribuinte quer discutir a legalidade do imposto, o acto que está a ser sindicado é o acto de liquidação, o prazo de reacção é que se conta da data da primeira, da segunda ou da terceiras prestações como veremos.

Como se sabe, a liquidação constitui a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se, assim, o valor devido pelo contribuinte. Neste seguimento o acto de liquidação é o acto administrativo através do qual aquela operação de cálculo do imposto devido é executada pela Administração Tributária.

CASALTA NABAIS distingue entre liquidação em sentido estrito e liquidação lato sensu, incluindo nesta, para além da operação de liquidação stricto sensu - aplicação da taxa à matéria colectável e consequente determinação da colecta-, outras operações destinadas a apurar o montante do imposto, incluindo o lançamento subjectivo - identificação do contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal -, o lançamento objectivo - determinação da matéria colectável de imposto, identificação da(s) taxa(s) a aplicar e eventuais deduções à colecta apurada. O mesmo autor, referindo-se à liquidação em sentido estrito, inclui a liquidação no segundo momento da dinâmica dos impostos, esclarecendo que:

“[pela] liquidação, por seu turno, determina-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação” (Cf. Casalta Nabais (2015), “Manual de Direito Fiscal”, 297 e 62).

Para além disso:

 “A liquidação constituiu [também] um acto administrativo exequível, executivo, semi-executório e que, atento o seu carácter, por um lado, estritamente vinculado e, por outro, largamente massificado, se presta sobremaneira a ter natureza informática, ou seja, a ser praticado com recurso a meios informáticos, como já acontece, pois o nosso sistema prevê, impondo mesmo, a entrega e consulta das declarações dos contribuintes e de terceiros por via informática, isto é, de declarações electrónicas” (Cf. Casalta Nabais (2015), 301-302).

No que diz respeito à liquidação do Imposto do Selo é de referir que o artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 passou a dispor que:

“5- Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

E, por sua vez, o artigo 120.ºdo Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redacção:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento

1 - O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 – (…).

3 – (…).

4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.” (destacados nossos)

Destas normas decorre que o pagamento do Imposto do Selo deve ser feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

Aqui há que deixar claro um ponto.

Uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto. Uma prestação é parte de uma liquidação de imposto que é dividida no tempo para efeitos de pagamento.

Momentos de liquidação e momentos de pagamento são claramente individualizados na lei.

Para efeitos de pagamento já referimos as regras constantes da lei. Vejamos agora as regras para efeitos de liquidação.

Nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro:

“7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (destacado nosso).

Aqui vale a pena reforçar que a liquidação do Imposto do Selo é, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do respectivo Código, só uma. E é efectuada anualmente. Sendo que o seu pagamento pode, nos termos da lei – maxime – do artigo 120.º do Código do IMI, ocorrer em três prestações sujo somatório perfazerá, à partida, o montante global da liquidação anual.

Ora, como um tribunal arbitral tributário já entendeu, no Processo n.º 726/2014-T, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efectuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não em tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – “a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas” e, acrescentamos nós, de repartição do encargo do imposto pelo sujeito passivo.

Na verdade, relativamente à liquidação de Imposto do Selo, tem vindo a ser reiteradamente afirmado, em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (neste sentido, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 205/2013-T, 408/2014-T, 726/2014-T, 736/2014-T, 90/2015-T e 137/2015-T):

a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que, quando a lei prevê o seu pagamento em varias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros indemnizatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2015-T).

Aqui concordamos com as decisões acima referidas. Porém, não se confunda. Dizer que a liquidação de Imposto do Selo é só uma, e que não há tantas liquidações quantas as prestações, negando assim a sindicabilidade autónoma e individual de cada uma das prestações, não significa que se negue de todo a sindicabilidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que, para efeitos de pagamento, são divididos em duas ou três prestações.

Ou seja, não há dúvida que temos apenas um acto de liquidação do Imposto do Selo (no caso em concreto dois) que, por força do disposto no artigo 120.º do Código do IMI, subsidiariamente aplicável, deve ser pago em três prestações. Cada prestação constitui apenas o pagamento tripartido do mesmo acto de liquidação do imposto (do Selo) em causa.

No mesmo sentido, veja-se o processo n.º479/2015-T, no qual se entendeu que:

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5]

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado. (…)

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

 Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas”.(…)

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço”.

Olhe-se então ao caso em concreto.

Relativamente ao terreno para construção relativo ao artigo…, em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 … no valor total de € 15.506,90 (conforme print informático junto ao processo administrativo).

Este acto de liquidação deu lugar a três prestações. Todas elas parte dele. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento era de 31 de Julho de 2015 e a qual correspondeu à nota de cobrança 2015… . E, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Já quanto ao terreno para construção relativo ao artigo…, em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 … também no valor total de € 15.506,90 a qual deu igualmente lugar a três prestações. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento foi, também, o dia 31 de Julho de 2015 e que correspondeu à nota de cobrança 2015 … e, por último, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Ou seja, trata-se de um só acto de liquidação de imposto – aqui de dois, correspondentes aos dois terrenos, os actos de liquidação n.º 2014 … e 2014 …-, embora pagos em três prestações.

E é a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que a Requerente contesta, ainda que tenha apresentado um pedido de constituição de tribunal arbitral para cada prestação. Se cada acto de liquidação foi de € 15.506,90 e deu lugar a três prestações, cada prestação é de € 5.168,95 e fazem parte/estão dentro daqueles primeiros € 15.506,90. A Requerente contesta aqui parte - € 5.168,95 – de um todo - € 15.506,90, embora tratando-se sempre dos mesmos actos de liquidação do Imposto do Selo - os tais n.º 2014 … e … – na parte que corresponde naturalmente às segundas prestações de € 5.168,95 cada.

Uma vez mais, não há dúvida que a liquidação de Imposto do Selo é só uma e que se faz anualmente. Também não há dúvida que acto de liquidação não se pode confundir com pagamento. Também não temos grandes dúvidas que quando o pagamento é bi ou tripartido o acto de liquidação que lhes dá origem não se descaracteriza em nota de cobrança ou em aparência de acto tributário na medida em que cada pagamento/prestação é parte de um todo, o acto tributário subjacente.

O que não se pode confundir são questões de objecto do pedido – anulação do acto tributário subjacente a uma ou várias prestações relativas ao pagamento desse acto – com questões de qualificação jurídica dos actos. Ou dito doutro modo, não se pode confundir qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo com pagamento propriamente dito.

É que da questão de saber qual objecto do pedido decorrem, como se verá, possíveis questões de litispendência, ou no limite, questões de caso julgado. Isto, no caso de os contribuintes impugnarem ou requererem pedidos de constituição de tribunais arbitrais para cada prestação na medida em que se está a analisar sempre o mesmo acto.

Isto é, se perante a notificação para pagamento da primeira prestação, o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, voltando a pedir a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do mesmo acto de liquidação quando é notificado da segunda e terceiras prestações, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado, na medida em que no âmbito destes três pedidos de constituição de tribunal arbitral apresentados, o pedido é sempre o mesmo: a anulação do acto de liquidação do Imposto do Selo, cujo pagamento é repartido em três prestações.

Na verdade, e sem prejuízo de analisar-se esta questão mais à frente, cabe referir que o artigo 581.º do CPC, aplicável no âmbito do processo tributário arbitral, estabelece como requisito da excepção da litispendência e do caso julgado a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

Ora, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado no caso em apreço e sempre que o pagamento de um determinado imposto seja repartido em duas ou três prestações, quando o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação após o termo do prazo de pagamento voluntário da primeira, segunda e terceira prestação.

Tudo porque temos o mesmo objecto – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo.

Já das segundas, ou seja, das questões de qualificação jurídica dos actos decorre a “confusão” de competências dos tribunais, designadamente dos arbitrais.

Esta conclusão até se alcançaria numa argumentação mais empírica e consequentemente menos jurídica. Se no caso dos impostos cujo pagamento não se efectua de uma só vez – como os casos eventualmente do IMI ou do Imposto do Selo – o contribuinte não é notificado do acto de liquidação mas tão só das duas ou das três prestações a que haja lugar, isto significaria que este não poderia reagir administrativa, judicial ou jurisdicionalmente a este acto (tributário, ou matéria tributária ou outro?)? Uma conclusão como esta contrariaria, no mínimo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito, com assento constitucional quer no artigo 20.º, quer no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Recorde-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe que para todo e qualquer conflito que mereça composição judicial seja possível encontrar um Tribunal competente e um meio processual que confira protecção adequada e suficiente aos interesses dignos de tutela jurídica.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo ele mesmo, “um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito”(Gomes Canotilho/Vital Moreira (2010), “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 408).

Este princípio e direito fundamental está ainda vertido no artigo 9.º da LGT no qual se garante, no n.º 1, o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos e, no n.º 2, o direito de acesso aos tribunais, prevendo-se a possibilidade de impugnação ou recurso dos actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ora, no que em concreto respeita a questões de competência – aquelas que se prendem com a qualificação jurídica dos actos -, o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT determina a competência do tribunal arbitral para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Recuperando o que se referiu supra, o objecto do presente processo arbitral corresponde, sem sombra de dúvida, aos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014 … e 2014 …, independentemente de, por mera técnica de arrecadação de receitas, o seu pagamento (e, logicamente, a sua cobrança) se encontrar repartido em duas ou três prestações.

E em nome do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estes actos de liquidação de Imposto do Selo - insista-se, embora sejam pagos em três prestações - serão necessariamente sindicáveis.

Deste modo, improcede a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

II.2 Excepção de caso jugado formal

Assumido que o objecto do pedido no caso de impostos pagos em duas ou mais prestações, como o do caso em apreço, é a anulação do acto tributário subjacente – este foi, de resto, o fundamento para a improcedência da excepção alegada pela Administração Tributária -, resta perceber que outras particularidades pode levantar esta realidade a fim de compreender que, pese embora haja já uma decisão de forma proferida com base no mesmo acto tributário objecto deste pedido de constituição do tribunal arbitral – processo n.º 441/2015-T –, ainda assim não estamos perante uma excepção de caso julgado.

Na verdade, esta questão prende-se com uma outra e que é prejudicial àquela. Referimo-nos à problemática da tempestividade. Ou seja, da data a partir da qual o contribuinte pode reagir perante um acto tributário de imposto cujo pagamento é devido em mais do que de uma só vez.

Como se sabe, o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, estabelece que o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Por conseguinte, coloca-se a seguinte questão: poderá o contribuinte impugnar o acto de liquidação de Imposto do Selo desde o termo do prazo para pagamento voluntário:

  • Da primeira prestação?
  • Da segunda prestação?
  • Ou da terceira prestação?

Os tribunais arbitrais tributários têm-se já pronunciado acerca desta questão.

No Processo n.º 726/2014-T, tendo o contribuinte pedido a constituição do tribunal arbitral referente à segunda prestação do Imposto do Selo, o tribunal arbitral entendeu que:

Não tendo sido paga a primeira prestação de cada uma das mencionadas liquidações, até ao final do mês de Abril de 2014, ficariam imediatamente vencidas as segundas e terceiras prestações.

Porém, tal vencimento revela-se ineficaz relativamente ao sujeito passivo, pelo facto de a AT o ter voltado a notificar, concedendo-lhe um novo prazo para proceder ao pagamento (voluntário) das segundas prestações daquelas liquidações, durante o mês de julho de 2014, como consta das notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral.

Assim, tendo o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações das liquidações do Imposto do Selo terminando em 31 de julho de 2014 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias sobre aquela data, não pode colher a exceção da sua alegada intempestividade”.

Ou seja, como o contribuinte foi notificado da segunda prestação o tribunal entendeu que poderia pedir a constituição de tribunal arbitral referente ao acto de liquidação do Imposto do Selo no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário desta segunda prestação.

Já no Processo n.º 205/2013-T, o tribunal arbitral ali constituído salientou que “da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações”. Assim, tratando-se de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações, aquele tribunal entendeu que o sujeito passivo não estava impedido de “impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas”, admitindo assim que o contribuinte requeresse a constituição do tribunal arbitral a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da primeira prestação.

Quanto a nós, entendemos que, por força do disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, o contribuinte poderá impugnar judicialmente, apresentar reclamação graciosa ou pedir a constituição de tribunal arbitral – in casu - no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário quer da primeira, quer da segunda, quer da terceira prestação.

Poderá contestar o acto de liquidação do Imposto do Selo logo que tem conhecimento do mesmo com a notificação da primeira prestação de pagamento, contando-se o prazo de impugnação judicial/reclamação graciosa/ pedido de constituição de tribunal arbitral, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário desta primeira prestação. Assim, já se entendeu no processo n.º 205/2013-T.

No entanto, se não contestar o acto de liquidação do imposto neste momento, poderá fazê-lo quando for notificado da segunda prestação, ou mesmo da terceira, se não impugnar quando for notificado da segunda prestação.

Assim, entendemos, por um lado, porque o pedido de constituição de tribunal arbitral se reporta ao acto de liquidação no todo e não à prestação, ou seja, o que o contribuinte invoca é a ilegalidade do acto de liquidação, requerendo a sua anulação. Por outro lado, o prazo de reacção reinicia-se sempre que termina o prazo de pagamento voluntário de qualquer uma das prestações.

Existe já jurisprudência arbitral neste sentido, proferida no âmbito do processo n.º484/2015-T, no qual se afirmou que:

Assim o pedido de anulação do ato pode ser requerido em qualquer momento a contar da data de notificação de uma das prestações ou do indeferimento da reclamação graciosa.” (destacado nosso)

Não se poderá negar, então, a possibilidade de impugnação destes actos de liquidação por intempestividade, considerando que o prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral se contaria desde a data do termo do prazo para pagamento voluntário das primeiras prestações, porque seria a data em que o contribuinte teria conhecimento da liquidação de imposto, in casu dos actos de liquidação n.º 2014 … e 2014 … . Tal solução seria, à semelhança do que vimos supra, violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

No caso em apreço, terminando o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações no dia 31 de Julho de 2015 e tendo sido apresentado pedido de constituição de tribunal arbitral no dia 20 de Outubro de 2015, não há dúvida que o pedido é tempestivo.

Porém, dizer que o contribuinte pode reagir contenciosamente contra qualquer uma das prestações na medida em que o acto tributário subjacente é o mesmo, não significa que possa reagir contra todas. Sabemos já que reagindo contra a primeira, sendo o objecto do pedido a (i)legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, uma decisão relativamente a esta “contaminará” as seguintes prestações. Não reagindo à primeira pode reagir contra a segunda e por aí sucessivamente.

Porém, caso reaja contra todas - utilizando meios diferentes ou dando início a processos distintos - haverá litispendência ou caso julgado tudo porque o objecto do pedido – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo – é o mesmo.

Antes porém de analisar melhor esta questão da litispendência ou do eventual caso julgado há que dar aqui uma nota.

Mesmo que se considerasse, o que não é o caso, que no caso de liquidações de imposto em várias prestações o contribuinte teria que reagir ao todo aquando da notificação da primeira prestação, sempre se estaria em prazo para recorrer da ilegalidade das seguintes na medida em que é o que consta da notificação de cada prestação quanto aos meios de defesa. E mesmo que houvesse erro na indicação dos meios de defesa, o artigo 37.º, n.º 4 do CPPT determina que quando o contribuinte tenha utilizado o meio de defesa indicado na notificação e o tribunal venha a considerar este meio como errado, como no caso de o contribuinte impugnar de imediato contenciosamente um acto que devia ser objecto de reclamação graciosa necessária por exemplo, o meio de reacção adequado ainda poderá ser exercido no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial.

Esta solução é consagrada em nome da boa-fé e da protecção da confiança dos contribuintes que seguiram as informações indicadas pela Administração na notificação do acto que no mínimo alegando um vício que lhe é imputável agiria em abuso de direito, em venire contra factum proprio.

Assim, nunca se colocariam também questões de intempestividade.

Voltemos então à questão da litispendência e do eventual caso julgado.

De acordo com o disposto na resposta do Requerente ao despacho proferido por este tribunal arbitral em 3 de Maio de 2016, este apresentou, previamente ao pedido que ora se analisa, um pedido de constituição arbitral referente às primeiras prestações (Processo n.º 441/2015-T) dos mesmos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui em causa.

O Requerente apresentou assim, ao contrário do que acima se disse, três pedidos de constituição do tribunal arbitral (sendo que o terceiro está em curso sob o n.º 22/2016-T). Todos com o mesmo objecto: actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs n.º 2014 … e 2014… .

Deste modo, se o processo n.º 441/2015-T ainda não estivesse decidido, verificar-se-ia a excepção dilatória de litispendência, na medida em que se verifica a tripla identidade exigida pelo artigo 581.º do CPC, subsidiariamente aplicável. Vejamos porquê.

A regra de litispendência aplicável ao processo tributário, quer judicial quer arbitral, é a que consta no CPC.

Ora, no processo civil a litispendência, ou a excepção de litispendência, pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso, nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC. A excepção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior tal como prevê o artigo 580.º, n.º 2, do CPC. Por sua vez, o artigo 581.º enuncia os requisitos da litispendência (e do caso julgado), estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Assim, este artigo exige que se verifique a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

A litispendência tem assim limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados –, e ainda limites temporais – uma vez que a ocorrência de litispendência terá de ser aferida por referência ao momento em que aquela é apreciada - o que significa que, ainda que havendo uma repetição da causa, se a parte activa vier a desistir de uma das acções antes da excepção de litispendência ser apreciada, a situação de litispendência deixa de subsistir.

Ora, não há dúvida alguma que se verifica a identidade dos sujeitos, na medida em que a Requerente é nos dois processos a A…, SA e a Requerida a Administração Tributária. No que diz respeito à identidade do pedido, este também é idêntico nos dois processos – a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo n.º 2014 … e 2014 … .

Relativamente à identidade da causa de pedir, esta depende da invocação dos mesmos fundamentos de declaração de ilegalidade do acto que se pretende impugnar. Esta verifica-se, como resulta da decisão já proferida no Processo n.º 441/2015-T que aqui reproduzimos:

1.10.        Alega a Requerente, em primeiro lugar, que a verba 28 da TGIS, na redacção com que passou a contar depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 tributa “os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação”, o que equivale a dizer que é para efeitos da aplicação desta verba irrelevantes os terrenos para construção para os quais esteja autorizada ou prevista construção que seja simultaneamente para habitação e comércio, independentemente de qual seja o respectivo VPT.

1.11.        Ora, para os Prédios estão autorizadas construções afectas simultaneamente a habitação e comércio. Na verdade, pelo alvará n.º …/2006, que a Requerente juntou como doc. n.º 5 ao seu pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se tem por reproduzido, cada uma das edificações neles autorizadas, tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações, o que retira os Prédios automaticamente do campo de sujeição da dita verba da TGIS.

1.12.        Ainda que assim se não entendesse, parece claro que não podem ficar sujeitas a este imposto a parte do VPT dos Prédios imputável às áreas afectas a comércio e a estacionamentos e arrecadações, pelo que a administração tributária e aduaneira, ao invés de considerar um VPT global para cada um dos Prédios, deveria ter discriminado o VPT relativo exclusivamente à habitação, quantificando igualmente os VPT referentes ao comércio e aos estacionamentos e arrecadações, o que não foi feito.

1.13.        Alega ainda a Requerente ser certo e seguro que, depois de construídos os edifícios autorizados para os ditos terrenos para construção, nenhuma das suas partes susceptíveis de rendimento separado terá um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, pelo que à luz dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça, não pode haver tributação antes dessa construção”.

Na verdade, o primeiro processo referente às primeiras prestações dos actos de liquidação n.º 2014 … e 2014 … já foi decidido, tendo a decisão sido notificada às partes em 31 de Março de 2016, pelo que não se verifica o requisito temporal da litispendência: embora a causa se repita, a anterior já não está em curso.

Deste modo, tratando-se dos mesmos sujeitos, de um mesmo pedido e de uma idêntica causa de pedir, em processo arbitral posterior, não se verifica a excepção da litispendência mas poderá estar-se perante uma eventual excepção dilatória de caso julgado, o que obstaria ao conhecimento do mérito da causa por este tribunal nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea f) do CPC.

A excepção de caso julgado pressupõe, como se sabe, a repetição de uma causa depois de uma primeira causa ter sido já decidida por sentença transitada em julgado, nos termos do disposto na parte final do artigo 580.º, n.º 1, do CPC, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O artigo 581.º do CPC enuncia os requisitos do caso julgado, estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Deste artigo decorre que o caso julgado, à semelhança da litispendência, tem limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados – e, ainda, limites temporais – uma vez que a ocorrência de caso julgado terá de ser aferida por referência ao momento em que aquele é apreciado.

E, repita-se, não há dúvida que os sujeitos, os pedidos e as causas de pedir são os mesmos no nosso caso e no processo n.º 441/2015-T.

Ora, como a doutrina entende pacificamente, o efeito de caso julgado consiste na insusceptibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido. O resultado do conflito expresso na decisão torna-se indiscutível (Cf. João Paulo Remédio Marques (2011), “A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 670). Ora, para que a decisão se torne indiscutível ou imodificável será necessário que transite em julgado, o que ocorre logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou por ter decorrido o prazo para a interposição de recurso, ou porque a acção não comporta recurso ordinário ou porque as partes, simplesmente, renunciaram ao recurso ou dele desistiram.

Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, tanto podem transitar em julgado sentenças ou despachos recorríveis relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, temos uma decisão formal ou processual que não aprecia o mérito da causa, formando-se o caso julgado formal e no segundo, temos uma decisão que apreciando o mérito da questão forma caso julgado material ou substancial (Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora (2004), Manual de Processo Civil, de acordo com o Decreto-Lei 242/85,701-704).

Assim, “o caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada”(destacado nosso). Isto é, haverá caso julgado material sempre que a questão decidida diga respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa. O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo assim que o mesmo tribunal, ou outro tribunal (ou outra qualquer entidade administrativa), possa decidir de modo diferente a mesma pretensão. Este efeito obsta, como é sabido, a que uma decisão anteriormente proferida e transitada seja modificada por uma segunda decisão em processo posterior – garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídicas.

Por sua vez, “o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa”. Ou seja, haverá caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida, quando a questão decidida tenha carácter processual. Neste caso, o tribunal não poderá, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente.

Quer o caso julgado formal, quer o caso julgado material, tornando a decisão processual ou a decisão de mérito imodificáveis, visam garantir aos particulares o mínimo de certeza no Direito ou de segurança jurídica.

A excepção de caso julgado, por sua vez, garante a imodificabilidade da decisão transitada em julgado, não permitindo a proposição de nova acção destinada a apreciar a questão já solucionada por essa decisão. Assim, quando se verificam os requisitos do artigo 581.º do CPC, ou seja, quando os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, verificar-se-á a excepção de caso julgado que impede o conhecimento do mérito da causa pelo tribunal. Já existindo uma decisão com força de caso julgado que se tenha proferido sobre o mérito da mesma causa, um outro tribunal noutro processo não a poderá apreciar sob pena de contradizer a decisão proferida ou de a ter de repetir.

Mas esta excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa pelo tribunal, verificar-se-á apenas quando a decisão proferida em processo anterior e transitada em julgado goza de caso julgado material, na medida em que, como se viu, as decisões meramente formais que não apreciem o mérito da causa, com força de caso julgado formal, só gozam de força obrigatória dentro do processo, não obstando a que outros tribunais decidam a mesma questão formal e o mérito da causa.

Aqui chegados, torna-se necessário determinar se a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 441/2015-T foi uma decisão de forma e de carácter processual ou se, pelo contrário, foi uma decisão que conheceu do mérito da causa, referente à relação material controvertida.

Caso a decisão proferida tenha sido de carácter processual ou de forma (por exemplo: absolvição da instância por excepção dilatória de ilegitimidade de alguma das partes), terá força de caso julgado formal, pelo que terá força obrigatória apenas dentro do processo no âmbito do qual foi proferida, não vinculando outros tribunais. Se assim for, não só se poderão apreciar as questões formais já decididas, como o mérito da causa que não foi apreciado.

Pelo contrário, se a decisão disser respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa (declarando a ilegalidade do acto tributário, por exemplo), gozará de força de caso julgado material, gozando de força obrigatória dentro e fora do processo. Com o trânsito em julgado, esta decisão torna-se imodificável pelo que nenhum tribunal poderá apreciar o mérito da causa sob pena de contradizer ou ter de reproduzir uma decisão anterior.

Ora, olhando para decisão proferida no Processo n.º 441/2015-T, não há dúvida que esta consubstancia uma decisão formal e de carácter processual, na medida em que procedeu à absolvição da instância por verificar-se a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

Aqui transcrevemos a decisão deste Processo n.º 441/2015-T para obstar a qualquer tipo de dúvida:

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, determina-se a incompetência do tribunal arbitral, o que impede a apreciação de mérito da causa e impõe a absolvição da Requerida da instância” (destacado nosso).

Tendo o tribunal entendido que se verificava a excepção dilatória de incompetência do tribunal, esta obstava ao conhecimento do mérito da causa, pelo que, por força do disposto no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), outra não podia ser a decisão senão de absolvição da instância.

Deste modo, tratando-se de uma decisão meramente formal, que decidiu uma questão processual, goza apenas de caso julgado formal. Com o trânsito em julgado tornou-se numa decisão imodificável mas, com força obrigatória apenas dentro do processo n.º 441/2015-T, ou seja, apenas vinculando o tribunal que a proferiu.

Caso a decisão do processo tivesse apreciado o mérito da causa, com o trânsito em julgado desta decisão, não há duvida que o regime previsto no CPC e defendido pela doutrina, é de que esta decisão tornando-se imodificável, gozava de força obrigatória dentro e força do processo. Ou seja, se no âmbito do processo n.º 441/2015-T o tribunal arbitral tivesse declarado a (i)legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, este tribunal não se poderia pronunciar sobre o mérito da questão, sob pena de contradizer ou ter de repetir a decisão anterior.

O efeito de caso julgado obstaria a que a decisão anteriormente proferida e transitada, fosse modificada por uma segunda decisão em processo posterior, em nome da garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídicas.

No entanto, não foi o que se verificou no nosso caso. Sendo a decisão proferida no âmbito do processo anterior meramente formal, esta goza de força de caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida.

Assim, nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente. Ou seja, não se verifica a excepção de caso julgado, pese embora os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos. Isto é assim porque, repita-se, uma decisão com força de caso julgado formal, apenas tem força obrigatória dentro do processo, não vinculando outros tribunais.

Nem se coloca aqui a questão de saber se a decisão arbitral não conheceu do mérito da pretensão por facto imputável ao sujeito passivo, na medida em que tal só releva para o disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, ou seja, para efeitos de contagem de prazos para reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida.

Refira-se ainda que a concretização do que entender por “imputável ao sujeito passivo” revela-se difícil. No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer excepção dilatória seria imputável ao sujeito passivo na medida em que foi ele que não configurou correctamente a competência do tribunal, a legalidade da coligação ou da cumulação, a não verificação de litispendência ou caso julgado, etc. Julga-se, porém, que caberá ao tribunal arbitral aferir a desculpabilidade desse “erro” do sujeito passivo. Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetência do tribunal arbitral, há questões de tal maneira dúbias, que determinam na Doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias, que, caso seja procedente uma excepção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo. (Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 464).

Para além disso, a Administração Tributária nunca poderá invocar a excepção de caso julgado – que entendemos não se verificar -, sem venirem contra factum próprio. De facto, no processo n.º 441/2015-T, tal como no caso em apreço, a Requerida arguiu a incompetência material do tribunal arbitral, na medida em que defendeu que a Requerente impugnou as primeiras prestações dos actos de liquidação, que não constituem em si nenhum acto tributário. Ora, a excepção de caso julgado depende como se viu da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e o pedido só poderá ser o mesmo se se entender que tanto no processo n.º 441/2015-T, quanto neste a Requerente impugna os actos de liquidação do Imposto do Selo e não as primeiras ou segundas prestações.

Posto isto, conclui-se que este tribunal pode apreciar a questão formal da competência, como já fez aliás, e pode (e deve) conhecer do mérito da causa, apreciando a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui impugnados.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é a única proprietária de dois lotes de terreno para construção situados na …, com área de 1560 m2, designados por lote… e…, inscritos na matriz predial da freguesia …, concelho de…, sob os artigos … e…, respectivamente.
  2. Os terrenos para construção foram avaliados em 2012, tendo sido apurado um valor patrimonial tributário para cada um deles de € 1.550,690,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta mil, seiscentos e noventa euros) (cf. Doc. 3 e Doc. 4 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  3. Os terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos … e … como afectos à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial). 
  4. Ainda não existem no terreno quaisquer edificações.
  5. Foi autorizada pela Câmara Municipal de … a construção nestes dois lotes de terreno de edificações com áreas afectas à habitação colectiva e comércios/serviços (página 7 do Doc. 5/Alvará n.º …/2006).
  6. Pelo alvará n.º …/2006 cada uma das edificações autorizadas nos Prédios tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações (página 11 do Doc. 5 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  7. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos … e … de que é proprietária.
  8. A Requerente procedeu ao pagamento das primeiras prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, em 20 de Abril de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos);
  9. A Requerente foi também notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos … e … de que é proprietária. (Cf. Doc. n.º 1 e doc. n.º 2 juntos com o requerimento da Requerente).
  10. A Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, a 23 de Julho de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos); (cfr. Doc. n.º 1 e 2 juntos com o requerimento da Requerente).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[2].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

Vício de violação de lei

A questão aqui em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei com a aplicação da norma de incidência de Imposto do Selo, tal como se encontra redigida actualmente, aos terrenos de construção correspondentes aos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária.

Assim, cabe referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à Tabela Geral deste imposto a verba 28.

Desta consta que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da verba 28. 1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1 %.

Deste modo, na redacção inicial da verba 28. 1, esta norma de incidência apenas abrangia os prédios urbanos com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 e não os terrenos para construção de igual valor.

Ou seja, na redacção inicial da verba 28.1, os terrenos para construção urbana, quer tivessem ou não valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000, 00, estavam afastados de tributação.

No entanto, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide:

 “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Assim, no que diz respeito aos “terrenos de construção” aqui em causa é fundamental ter em conta esta evolução legislativa, na medida em que até à entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, o legislador apenas previa na norma de incidência do Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Com a nova redacção da verba 28.1, após a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, todavia, o legislador passou a prever expressamente a tributação de terrenos para construção “cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (destacado nosso).

De facto, antes da alteração à redacção da verba 28.1, discutia-se se nesta norma de incidência cabia automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional.

Várias foram as decisões proferidas por tribunais arbitrais a pronunciarem-se pela ilegalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo que incidiam sobre terrenos de construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 anteriores a 2014, entendendo assim que não eram de incluir na norma de incidência os terrenos de construção.

Neste sentido, veja-se designadamente, o processo n.º 543/2014 -T, no qual se afirmou que:

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” e não sobre terrenos de construção. Haveria fundamento para o ter feito, até porque as razões que justificam o pagamento de imposto sobre bens de “luxo” por um proprietário de um bem superior a 1 milhão de euros se justificam, nas palavras da Administração tributária, indistintamente nos casos de prédios urbanos “habitacionais” e de “terrenos para construção”. Porém não foi esse o objectivo do legislador. E tanto assim é que no ano a seguir, seguramente por perceber a lacuna da redacção original, altera a lei acrescentando portanto claramente esta realidade.

Bem compreendendo os argumentos da Administração tributária esta não pode porém fazer-se substituir ao legislador, mais, não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT”.

No entanto, da nova redacção da verba 28.1, resultante da Lei de Orçamento de Estado para 2014 resulta expressamente que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre terrenos para construção. Mas não são todos os terrenos para construção. São só aqueles cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Assim, a questão que se coloca não é a de saber se os terrenos para construção de valor superior a € 1.000 000, 00 cuja edificação seja para habitação estão sujeitos ou não a Imposto do Selo – disto não há qualquer dúvida com a nova redacção da verba 28.1 - mas sim se estão abrangidos por esta norma de incidência os terrenos para construção afectos à habitação e ao comércio.

Esta questão coloca-se porque resulta do Alvará de Loteamento da Câmara Municipal de … n.º …/2006 que estão autorizadas nos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária, construções afectas simultaneamente a habitação e comércio, sendo que cada uma das edificações neles autorizadas tem uma área de 67500, 00 m2 afecta a habitação e de 840 m2 afecta ao comércio.

Contudo, é de referir que estes terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos … e … como afectos apenas à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial).

Ora, parece que pese embora a edificação prevista na Caderneta Predial seja unicamente para habitação, a autorizada pelo Alvará da Câmara Municipal de … é simultaneamente para habitação e comércio.

Haverá então que perceber qual delas prevalecerá para efeitos da sujeição a Imposto do Selo.

Para este efeito cumpre antes de mais olhar ao conceito de “terreno para construção” decorrente do disposto do Código do IMI, para o qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo remete na medida em que deste Código não consta uma definição de “prédio urbano”, “terreno para construção” ou “afectação habitacional.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é:

toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

Os prédios urbanos, por sua vez, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros

Já do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI resulta que:

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (destacado nosso).

Assim, devem ser considerados como terrenos para construção os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 44). A qualificação jurídica depende então do Alvará.

A mesma ideia decorre do acórdão do STA de 27 de Novembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 76/2013 no qual se afirmou que “os lotes para construção constituem-se com a emissão de licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará”.

Antes de ser concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção, os terrenos não se consideram para construção para efeitos de IMI e, consequentemente, para efeitos do Imposto do Selo. Isto é, a qualificação como terreno para construção decorre da licença ou autorização. O mesmo é afirmado pelo acórdão do STA acima referido:

Deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais, não pode sobre estes incidir IMI”.

Deste modo, os lotes de terreno 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária só se passaram a qualificar como “terrenos de construção” para efeitos de Imposto do Selo com a autorização para loteamento prevista no Alvará n.º …/2006. Não há dúvida assim que constituem “terrenos para construção”.

Por outro lado, há que olhar ainda para a forma como é calculado o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, nos termos do Código do IMI, para o qual a verba 28 da TGSI remete: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

De acordo com o artigo 37.º, n.º 3 do Código do IMI que regula a iniciativa da primeira avaliação dos prédios urbanos, em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo da viabilidade construtiva.

António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás defendem que esta obrigação revela uma compreensível preocupação com a exactidão de dados, designadamente quanto às áreas que são o “core” das operações de avaliação (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 132).

Defendem ainda que, “quanto ao alvará de loteamento, ao alvará de licença de construção, ao projecto aprovado ou ao documento comprovativo da viabilidade construtiva, não se suscitarão dúvidas de interpretação, uma vez que se traduzem em documentos específicos emitidos pelo Município da área da localização do prédio”.

Para além disso, do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI resulta que “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”.

Os mesmos autores entendem que o valor patrimonial dos terrenos para construção é o resultado da ponderação de três elementos essenciais:

  • O valor da área de construção autorizada ou prevista,
  • A localização geográfica do próprio terreno e
  • A parte sobrante do terreno, isto é, da área não ocupada pela futura edificação.

Daqui decorre claramente que o cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deverá basear-se nas áreas de construção autorizadas ou previstas no alvará de loteamento ou de construção.

Para além disso, das notas constantes do Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011 resulta que no caso do cálculo do valor patrimonial tributário de terrenos para construção com diferentes afectações, com discriminação das respectivas áreas, estas devem ser consideradas no cálculo respectivo. Nestes casos, o valor patrimonial tributário corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários das diferentes afectações.

Ora, no nosso caso em concreto, do Alvará de loteamento n.º …/2006 resulta que foram autorizadas construções nos lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária, afectas simultaneamente a habitação e ao comércio, discriminando-se as áreas afectas a habitação (67500, 00 m2 cada lote) e afectas a comércio (840 m2 cada lote), chegando ao valor de € 1 550 690, 00.

Assim, embora conste da caderneta predial urbana que estes dois terrenos para construção estão afectos à habitação, parte-se do pressuposto que a Administração Tributária aquando da avaliação do valor patrimonial tributário destes terrenos para construção, procedeu de acordo com o previsto no artigo 45.º do Código do IMI e no Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011, considerando a afectação à habitação e ao comércio destes terrenos tal qual está autorizada pelo Alvará.

Aqui chegados, concluímos que os lotes 38 e 39 de que a Requerente é proprietária constituem terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00, cuja edificação autorizada no Alvará está afecta simultaneamente à habitação e ao comércio, pelo que coloca-se a questão de saber se estão abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS que prevê que estão sujeitos a tributação a 1% os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

A verba 28.1 da TGIS prevê expressamente a tributação em sede de Imposto do Selo da:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”(destacado nosso)

Ora, por um lado, não há dúvida que o legislador não quis abranger os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja (só) para comércio. Neste sentido, veja-se o processo n.º 592/2014-T no qual, estando em causa um lote de terreno para construção urbana destinado à construção de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos, o tribunal arbitral entendeu que:

Face à matéria de facto provada, inexistem dúvidas de que ao prédio em causa não é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de selo. (…) tendo-se provado que a construção prevista é apenas a de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos é manifesto que a tributação em causa é indevida, padecendo o ato de liquidação em causa do vício de violação de lei pelo que, não pode a liquidação deixar de ser anulada”.

Por outro, entendemos que a verba 28.1 da TGSI não prevê a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja conjuntamente para habitação e comércio/serviços, mas apenas aqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja exclusivamente para habitação. Dito de outro modo, entendemos que deverá proceder-se à interpretação restritiva desta norma, abrangendo apenas a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista seja exclusivamente para habitação e não para habitação e comércio simultaneamente, como no caso apreço.

Esta conclusão depende contudo de uma análise às razões que justificaram a introdução da verba 28 à TGIS e, consequentemente, a tributação a título de Imposto do Selo dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00.

Na exposição de motivos da proposta de lei nº 96/XII (2ª) que esteve na origem da Lei nº 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Nos anos que se seguiram à aditação da verba 28 da TGIS, discutiu-se como referimos, se nesta norma de incidência cabia automaticamente, para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Como se viu, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide também sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, resolvendo esta questão.

O que não se prevê na verba 28, nem tampouco se enquadra na sua ratio legis é a tributação em sede de Imposto do Selo de prédios urbanos comerciais ou terrenos para construção cuja edificação esteja afecta ao comércio nem os terrenos para construção cuja edificação esteja simultaneamente afecta à habitação e ao comércio. Haverá que interpretar restritivamente a norma constante da verba 28 como incindido apenas sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada seja exclusivamente para habitação.

E no caso concreto, tal como resulta do Alvará n.º …/2006, os lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária consubstanciam terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00 mas cuja edificação autorizada não é exclusivamente para habitação mas simultaneamente para habitação e comércio, mais precisamente, uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação e outra de 840m2 afecta a comércio, em cada lote.

Não estando abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja simultaneamente para habitação e para comércio, verifica-se um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade.

Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de € 10 337, 92 referentes às segundas prestações já pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[3].

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou à condenação por indemnização por garantia indevida (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 66/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária, pelo que o direito a juros indemnizatórios e (sic.) reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

A doutrina e a jurisprudência têm questionado se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT onde reconhece o direito a juros indemnizatórios, pretendeu restringir este direito aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais.

Assim tem entendido o STA, alegando designadamente no acórdão de 3- 02 -2010, proferido no recurso n.º 01091/09 que quando “o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu no acórdão de 22-05-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

A jurisprudência do STA tem assim entendido que o direito a juros indemnizatórios não se verifica quando o acto inválido por vício de forma ainda possa ser substituído por um acto válido que cumpra todas as formalidades legais, ou seja, quando o imposto pago ainda possa ser legalmente exigido, exigindo que se verifique um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

No nosso caso, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.

Consequentemente, não há dúvida que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente na data do pedido de constituição do tribunal arbitral ou no decorrer do ano de 2015, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

  •  Liquidação n.º 2014… .
  •  Liquidação n.º 2014… .

c) Anular as liquidações de Imposto do Selo referidas e consequentemente condenar a Autoridade Tributária à devolução das quantias indevidamente pagas;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo no valor dos actos tributários anulados em € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 9 de Janeiro de 2017

 

A Árbitro

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 642/2015-T

Tema: IS - Terrenos para construção afetos à habitação e ao comércio - exceção dilatória de competência; prestações; impugnação da decisão arbitral; Decisão arbitral substituída pela decisão de 9 de janeiro de 2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

Em 20 de Outubro de 2015, a sociedade “A…, SA”, titular do número de identificação fiscal…, com sede na Rua…, n.º…, em…, …-… … (doravante Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2014, aos quais dizem respeito as segundas prestações, no valor de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), correspondentes às notas de cobrança n.ºs 2015… e 2015… .

Com efeito, não se conformando, adianta este tribunal, com as liquidações de Imposto do Selo acima identificadas a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos:

  1. Declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, ao que se julga, com fundamento em:
    1. Vício de violação de lei na medida em que se tratam de terrenos para construção afectos à habitação e ao comércio; e
    2. Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva, da justiça e da igualdade, nos termos do disposto no artigo 104.º da CRP, na interpretação que dele faz a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. Condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.º 1, da LGT.

 

Com a petição juntou 5 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 4 de Janeiro de 2016.

Em 8 de Fevereiro de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida) apresentou resposta na qual alegou, por um lado, a incompetência material do Tribunal Arbitral e, por outro, a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que deviam ser mantidas as notas de cobrança das segundas prestações do Imposto do Selo, por consubstanciarem a correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Dezembro.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações.

Não foram apresentadas alegações.

Assim, e em cumprimento do princípio do contraditório, em 3 de Maio p.p., o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Em face da posição da Requerida assumida na resposta, notifique-se a Requerente para, em 10 dias, juntar ao processo os actos de liquidação de Imposto do Selo correspondentes à primeira e segundas prestações e bem assim, para se pronunciar sobre a excepção alegada pela Requerida. Tudo ao abrigo do artigo 16.º alínea c) e do artigo 19.º do RJAT.”

Em 6 de Maio de 2016, a Requerente respondeu pela improcedência da excepção dilatória de incompetência arguida pela Requerida, dizendo, designadamente, o seguinte:

“(…) informa desde já o Tribunal Arbitral de que a Administração Tributária, em tempo algum, a notificou das liquidações do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2014 (a pagamento em 2015), bem como dos prazos limite de pagamento voluntário e, inclusive, para, querendo, contra elas reagir contenciosamente, mas antes a notificou para pagamento voluntário dessas prestações e dos meses de vencimento de cada uma delas, a saber: - Abril de 2015, Julho de 2015 e Novembro de 2015 e de que as podia reclamar ou impugnar nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT”

Mais adiantou que:

“Seguindo a indicação sugerida de que podia da liquidação ser reclamada e impugnada, nos termos do artigo 70º e 102º do CPPT, a Requerente lançou mão da impugnação e questionou cada uma das prestações, sendo instaurados no CAAD os processos n°s 441/2015-T, 642/2015-T e 22/2016-T, respectivamente.”

Em face desta resposta, em especial, tendo em consideração a informação de que tinha já sido objecto de pedido de constituição de tribunal arbitral anterior relativamente às primeiras prestações, o tribunal proferiu o seguinte despacho dirigido ao CAAD:

“Exmos Senhores,

No processo identificado em epígrafe vai ser analisada uma questão de litispendência.

Ora atendendo a que:

  • o artigo 582.2 do CPC (aplicável subsidiariamente ao RJAT) manda que a litispendência seja deduzida na acção proposta em segundo lugar;
  • o contribuinte em resposta ao despacho de 3 de Maio p.p., referiu que as primeiras prestações dos actos de liquidação aqui em causa foram objecto de pedido de constituição do tribunal arbitrai que corre termos no CAAD com o n.º 441/2015,

Venho por este meio solicitar que me informem em que estado se encontra este processo n.º 441/2015.”

No seguimento deste pedido o CAAD informou este tribunal arbitral que:

“Em execução do Despacho Arbitral de V. Exa., informamos que o Processo Arbitral n.s 441/2015-T, que correu termos neste Centro, já se encontra concluído.

Mais se informa que a correspondente decisão arbitral foi notificada às partes em 31-03-2016 e que já se encontra publicada no site do CAAD.”

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

II.1 Excepção de incompetência

Relativamente à competência deste tribunal, é de referir que a Requerida invocou a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, arguindo a sua incompetência material para, em face do disposto no artigo 2.º do RJAT, apreciar a legalidade de uma prestação, in casu das segundas, dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tudo porque, no entender da Administração Tributária, a segunda (e, presume este tribunal) a primeira ou terceiras prestações, não são, em si mesmas, um acto tributário.

Não lhe assiste, no entanto, razão. Isto pese embora as decisões que têm sido proferidas por alguns tribunais arbitrais designadamente a decisão proferida no âmbito do processo n.º 441/2015-T.

Veja-se porquê:

O itinerário cognoscitivo deste tribunal parte de uma clara distinção entre qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo e pagamento propriamente dito. A primeira questão dará lugar a que se venha a considerar este tribunal como competente, a segunda dará lugar a eventuais questões de litispendência, caso julgado ou excepções de intempestividade.

Só há, como se verá, uma liquidação de Imposto do Selo. O imposto decorrente desta liquidação pode é ser pago em três vezes. Se o contribuinte quer discutir a legalidade do imposto, o acto que está a ser sindicado é o acto de liquidação, o prazo de reacção é que se conta da data da primeira, da segunda ou da terceiras prestações como veremos.

Como se sabe, a liquidação constitui a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se, assim, o valor devido pelo contribuinte. Neste seguimento o acto de liquidação é o acto administrativo através do qual aquela operação de cálculo do imposto devido é executada pela Administração Tributária.

CASALTA NABAIS distingue entre liquidação em sentido estrito e liquidação lato sensu, incluindo nesta, para além da operação de liquidação stricto sensu - aplicação da taxa à matéria colectável e consequente determinação da colecta-, outras operações destinadas a apurar o montante do imposto, incluindo o lançamento subjectivo - identificação do contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal -, o lançamento objectivo - determinação da matéria colectável de imposto, identificação da(s) taxa(s) a aplicar e eventuais deduções à colecta apurada. O mesmo autor, referindo-se à liquidação em sentido estrito, inclui a liquidação no segundo momento da dinâmica dos impostos, esclarecendo que:

“[pela] liquidação, por seu turno, determina-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação” (Cf. Casalta Nabais (2015), “Manual de Direito Fiscal”, 297 e 62).

Para além disso:

 “A liquidação constituiu [também] um acto administrativo exequível, executivo, semi-executório e que, atento o seu carácter, por um lado, estritamente vinculado e, por outro, largamente massificado, se presta sobremaneira a ter natureza informática, ou seja, a ser praticado com recurso a meios informáticos, como já acontece, pois o nosso sistema prevê, impondo mesmo, a entrega e consulta das declarações dos contribuintes e de terceiros por via informática, isto é, de declarações electrónicas” (Cf. Casalta Nabais (2015), 301-302).

No que diz respeito à liquidação do Imposto do Selo é de referir que o artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 passou a dispor que:

“5- Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

E, por sua vez, o artigo 120.ºdo Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redacção:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento

1 - O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 – (…).

3 – (…).

4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.” (destacados nossos)

Destas normas decorre que o pagamento do Imposto do Selo deve ser feito em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

Aqui há que deixar claro um ponto.

Uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto. Uma prestação é parte de uma liquidação de imposto que é dividida no tempo para efeitos de pagamento.

Momentos de liquidação e momentos de pagamento são claramente individualizados na lei.

Para efeitos de pagamento já referimos as regras constantes da lei. Vejamos agora as regras para efeitos de liquidação.

Nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro:

“7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (destacado nosso).

Aqui vale a pena reforçar que a liquidação do Imposto do Selo é, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do respectivo Código, só uma. E é efectuada anualmente. Sendo que o seu pagamento pode, nos termos da lei – maxime – do artigo 120.º do Código do IMI, ocorrer em três prestações sujo somatório perfazerá, à partida, o montante global da liquidação anual.

Ora, como um tribunal arbitral tributário já entendeu, no Processo n.º 726/2014-T, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efectuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não em tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – “a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas” e, acrescentamos nós, de repartição do encargo do imposto pelo sujeito passivo.

Na verdade, relativamente à liquidação de Imposto do Selo, tem vindo a ser reiteradamente afirmado, em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (neste sentido, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 205/2013-T, 408/2014-T, 726/2014-T, 736/2014-T, 90/2015-T e 137/2015-T):

a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que, quando a lei prevê o seu pagamento em varias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros indemnizatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2015-T).

Aqui concordamos com as decisões acima referidas. Porém, não se confunda. Dizer que a liquidação de Imposto do Selo é só uma, e que não há tantas liquidações quantas as prestações, negando assim a sindicabilidade autónoma e individual de cada uma das prestações, não significa que se negue de todo a sindicabilidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que, para efeitos de pagamento, são divididos em duas ou três prestações.

Ou seja, não há dúvida que temos apenas um acto de liquidação do Imposto do Selo (no caso em concreto dois) que, por força do disposto no artigo 120.º do Código do IMI, subsidiariamente aplicável, deve ser pago em três prestações. Cada prestação constitui apenas o pagamento tripartido do mesmo acto de liquidação do imposto (do Selo) em causa.

No mesmo sentido, veja-se o processo n.º479/2015-T, no qual se entendeu que:

Em suma, e da conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5]

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado. (…)

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

 Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas”.(…)

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço”.

Olhe-se então ao caso em concreto.

Relativamente ao terreno para construção relativo ao artigo…, em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 … no valor total de € 15.506,90 (conforme print informático junto ao processo administrativo).

Este acto de liquidação deu lugar a três prestações. Todas elas parte dele. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento era de 31 de Julho de 2015 e a qual correspondeu à nota de cobrança 2015… . E, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Já quanto ao terreno para construção relativo ao artigo…, em 20 de Março de 2015 foi emitida a liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 … também no valor total de € 15.506,90 a qual deu igualmente lugar a três prestações. Uma primeira, no valor de € 5.168,95, uma segunda, no valor igual de € 5.168,95 e cujo prazo de pagamento foi, também, o dia 31 de Julho de 2015 e que correspondeu à nota de cobrança 2015 … e, por último, uma terceira, também ao que se julga de igual montante.

Ou seja, trata-se de um só acto de liquidação de imposto – aqui de dois, correspondentes aos dois terrenos, os actos de liquidação n.º 2014 … e 2014 …-, embora pagos em três prestações.

E é a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo que a Requerente contesta, ainda que tenha apresentado um pedido de constituição de tribunal arbitral para cada prestação. Se cada acto de liquidação foi de € 15.506,90 e deu lugar a três prestações, cada prestação é de € 5.168,95 e fazem parte/estão dentro daqueles primeiros € 15.506,90. A Requerente contesta aqui parte - € 5.168,95 – de um todo - € 15.506,90, embora tratando-se sempre dos mesmos actos de liquidação do Imposto do Selo - os tais n.º 2014 … e 9 – na parte que corresponde naturalmente às segundas prestações de € 5.168,95 cada.

Uma vez mais, não há dúvida que a liquidação de Imposto do Selo é só uma e que se faz anualmente. Também não há dúvida que acto de liquidação não se pode confundir com pagamento. Também não temos grandes dúvidas que quando o pagamento é bi ou tripartido o acto de liquidação que lhes dá origem não se descaracteriza em nota de cobrança ou em aparência de acto tributário na medida em que cada pagamento/prestação é parte de um todo, o acto tributário subjacente.

O que não se pode confundir são questões de objecto do pedido – anulação do acto tributário subjacente a uma ou várias prestações relativas ao pagamento desse acto – com questões de qualificação jurídica dos actos. Ou dito doutro modo, não se pode confundir qualificação jurídica do acto de liquidação de Imposto do Selo como acto tributário ainda que concretizado para efeitos de pagamento em dois ou três momentos diferentes no tempo com pagamento propriamente dito.

É que da questão de saber qual objecto do pedido decorrem, como se verá, possíveis questões de litispendência, ou no limite, questões de caso julgado. Isto, no caso de os contribuintes impugnarem ou requererem pedidos de constituição de tribunais arbitrais para cada prestação na medida em que se está a analisar sempre o mesmo acto.

Isto é, se perante a notificação para pagamento da primeira prestação, o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, voltando a pedir a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do mesmo acto de liquidação quando é notificado da segunda e terceiras prestações, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado, na medida em que no âmbito destes três pedidos de constituição de tribunal arbitral apresentados, o pedido é sempre o mesmo: a anulação do acto de liquidação do Imposto do Selo, cujo pagamento é repartido em três prestações.

Na verdade, e sem prejuízo de analisar-se esta questão mais à frente, cabe referir que o artigo 581.º do CPC, aplicável no âmbito do processo tributário arbitral, estabelece como requisito da excepção da litispendência e do caso julgado a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

Ora, poderá verificar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado no caso em apreço e sempre que o pagamento de um determinado imposto seja repartido em duas ou três prestações, quando o sujeito passivo pede a constituição de tribunal arbitral contestando a legalidade do acto de liquidação após o termo do prazo de pagamento voluntário da primeira, segunda e terceira prestação.

Tudo porque temos o mesmo objecto – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo.

Já das segundas, ou seja, das questões de qualificação jurídica dos actos decorre a “confusão” de competências dos tribunais, designadamente dos arbitrais.

Esta conclusão até se alcançaria numa argumentação mais empírica e consequentemente menos jurídica. Se no caso dos impostos cujo pagamento não se efectua de uma só vez – como o caso eventualmente do IMI ou do Imposto do Selo – o contribuinte não é notificado do acto de liquidação mas tão só das duas ou das três prestações a que haja lugar, isto significaria que este não poderia reagir administrativa, judicial ou jurisdicionalmente a este acto (tributário, ou matéria tributária ou outro?)? Uma conclusão como esta contrariaria, no mínimo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito, com assento constitucional quer no artigo 20.º, quer no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Recorde-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe que para todo e qualquer conflito que mereça composição judicial seja possível encontrar um Tribunal competente e um meio processual que confira protecção adequada e suficiente aos interesses dignos de tutela jurídica.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo ele mesmo, “um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito”(Gomes Canotilho/Vital Moreira (2010), “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 408).

Este princípio e direito fundamental está ainda vertido no artigo 9.º da LGT no qual se garante, no n.º 1, o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos e, no n.º 2, o direito de acesso aos tribunais, prevendo-se a possibilidade de impugnação ou recurso dos actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ora, no que em concreto respeita a questões de competência – aquelas que se prendem com a qualificação jurídica dos actos -, o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT determina a competência do tribunal arbitral para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Recuperando o que se referiu supra, o objecto do presente processo arbitral corresponde, sem sombra de dúvida, aos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014 … e 2014…, independentemente de, por mera técnica de arrecadação de receitas, o seu pagamento (e, logicamente, a sua cobrança) se encontrar repartido em duas ou três prestações.

E em nome do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estes actos de liquidação de Imposto do Selo - insista-se, embora sejam pagos em três prestações - serão necessariamente sindicáveis.

Deste modo, improcede a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

II.2 Excepção de caso jugado formal

Assumido que o objecto do pedido no caso de impostos pagos em duas ou mais prestações, como o do caso em apreço, é a anulação do acto tributário subjacente – este foi, de resto, o fundamento para a improcedência da excepção alegada pela Administração Tributária -, resta perceber que outras particularidades pode levantar esta realidade a fim de compreender que, pese embora haja já uma decisão de forma proferida com base no mesmo acto tributário objecto deste pedido de constituição do tribunal arbitral – processo n.º 441/2015-T –, ainda assim não estamos perante uma excepção de caso julgado.

Na verdade, esta questão prende-se com uma outra e que é prejudicial àquela. Referimo-nos à problemática da tempestividade. Ou seja, da data a partir da qual o contribuinte pode reagir perante um acto tributário de imposto cujo pagamento é devido em mais do que de uma só vez.

Como se sabe, o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, estabelece que o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Por conseguinte, coloca-se a seguinte questão: poderá o contribuinte impugnar o acto de liquidação de Imposto do Selo desde o termo do prazo para pagamento voluntário:

  • Da primeira prestação?
  • Da segunda prestação?
  • Ou da terceira prestação?

Os tribunais arbitrais tributários têm-se já pronunciado acerca desta questão.

No Processo n.º 726/2014-T, tendo o contribuinte pedido a constituição do tribunal arbitral referente à segunda prestação do Imposto do Selo, o tribunal arbitral entendeu que:

Não tendo sido paga a primeira prestação de cada uma das mencionadas liquidações, até ao final do mês de Abril de 2014, ficariam imediatamente vencidas as segundas e terceiras prestações.

Porém, tal vencimento revela-se ineficaz relativamente ao sujeito passivo, pelo facto de a AT o ter voltado a notificar, concedendo-lhe um novo prazo para proceder ao pagamento (voluntário) das segundas prestações daquelas liquidações, durante o mês de julho de 2014, como consta das notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral.

Assim, tendo o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações das liquidações do Imposto do Selo terminando em 31 de julho de 2014 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias sobre aquela data, não pode colher a exceção da sua alegada intempestividade”.

Ou seja, como o contribuinte foi notificado da segunda prestação o tribunal entendeu que poderia pedir a constituição de tribunal arbitral referente ao acto de liquidação do Imposto do Selo no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário desta segunda prestação.

Já no Processo n.º 205/2013-T, o tribunal arbitral ali constituído salientou que “da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações”. Assim, tratando-se de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações, aquele tribunal entendeu que o sujeito passivo não estava impedido de “impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas”, admitindo assim que o contribuinte requeresse a constituição do tribunal arbitral a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da primeira prestação.

Quanto a nós, entendemos que, por força do disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, para o qual o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT remete, o contribuinte poderá impugnar judicialmente, apresentar reclamação graciosa ou pedir a constituição de tribunal arbitral – in casu - no prazo de 90 (noventa) dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário quer da primeira, quer da segunda, quer da terceira prestação.

Poderá contestar o acto de liquidação do Imposto do Selo logo que tem conhecimento do mesmo com a notificação da primeira prestação de pagamento, contando-se o prazo de impugnação judicial/reclamação graciosa/ pedido de constituição de tribunal arbitral, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário desta primeira prestação. Assim, já se entendeu no processo n.º 205/2013-T.

No entanto, se não contestar o acto de liquidação do imposto neste momento, poderá fazê-lo quando for notificado da segunda prestação, ou mesmo da terceira, se não impugnar quando for notificado da segunda prestação.

Assim, entendemos, por um lado, porque o pedido de constituição de tribunal arbitral se reporta ao acto de liquidação no todo e não à prestação, ou seja, o que o contribuinte invoca é a ilegalidade do acto de liquidação, requerendo a sua anulação. Por outro lado, o prazo de reacção reinicia-se sempre que termina o prazo de pagamento voluntário de qualquer uma das prestações.

Existe já jurisprudência arbitral neste sentido, proferida no âmbito do processo n.º484/2015-T, no qual se afirmou que:

Assim o pedido de anulação do ato pode ser requerido em qualquer momento a contar da data de notificação de uma das prestações ou do indeferimento da reclamação graciosa.” (destacado nosso)

Não se poderá negar, então, a possibilidade de impugnação destes actos de liquidação por intempestividade, considerando que o prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral se contaria desde a data do termo do prazo para pagamento voluntário das primeiras prestações, porque seria a data em que o contribuinte teria conhecimento da liquidação de imposto, in casu dos actos de liquidação n.º 2014 … e 2014… . Tal solução seria, à semelhança do que vimos supra, violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

No caso em apreço, terminando o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações no dia 31 de Julho de 2015 e tendo sido apresentado pedido de constituição de tribunal arbitral no dia 20 de Outubro de 2015, não há dúvida que o pedido é tempestivo.

Porém, dizer que o contribuinte pode reagir contenciosamente contra qualquer uma das prestações na medida em que o acto tributário subjacente é o mesmo, não significa que possa reagir contra todas. Sabemos já que reagindo contra a primeira, sendo o objecto do pedido a (i)legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, uma decisão relativamente a esta “contaminará” as seguinte prestações. Não reagindo à primeira pode reagir contra a segunda e por aí sucessivamente.

Porém, caso reaja contra todas - utilizando meios diferentes ou dando início a processos distintos - haverá litispendência ou caso julgado tudo porque o objecto do pedido – acto tributário de liquidação de Imposto do Selo – é o mesmo.

Antes porém de analisar melhor esta questão da litispendência ou do eventual caso julgado há que dar aqui uma nota.

Mesmo que se considerasse, o que não é o caso, que no caso de liquidações de imposto em várias prestações o contribuinte teria que reagir ao todo aquando da notificação da primeira prestação, sempre se estaria em prazo para recorrer da ilegalidade das seguintes na medida em que é o que consta da notificação de cada prestação quanto aos meios de defesa. E mesmo que houvesse erro na indicação dos meios de defesa, o artigo 37.º, n.º 4 do CPPT determina que quando o contribuinte tenha utilizado o meio de defesa indicado na notificação e o tribunal venha a considerar este meio como errado, como no caso de o contribuinte impugnar de imediato contenciosamente um acto que devia ser objecto de reclamação graciosa necessária por exemplo, o meio de reacção adequado ainda poderá ser exercido no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial.

Esta solução é consagrada em nome da boa-fé e da protecção da confiança dos contribuintes que seguiram as informações indicadas pela Administração na notificação do acto que no mínimo alegando um vício que lhe é imputável agiria em abuso de direito, em venire contra factum proprio.

Assim, nunca se colocariam também questões de intempestividade.

Voltemos então à questão da litispendência e do eventual caso julgado.

De acordo com o disposto na resposta do Requerente ao despacho proferido por este tribunal arbitral em 3 de Maio de 2016, este apresentou, previamente ao pedido que ora se analisa, um pedido de constituição arbitral referente às primeiras prestações (Processo n.º 441/2015-T) dos mesmos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui em causa.

O Requerente apresentou assim, ao contrário do que acima se disse, três pedidos de constituição do tribunal arbitral (sendo que o terceiro está em curso sob o n.º 22/2016-T). Todos com o mesmo objecto: actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs n.º 2014… e 2014… .

Deste modo, se o processo n.º 441/2015-T ainda não estivesse decidido, verificar-se-ia a excepção dilatória de litispendência, na medida em que se verifica a tripla identidade exigida pelo artigo 581.º do CPC, subsidiariamente aplicável. Vejamos porquê.

A regra de litispendência aplicável ao processo tributário, quer judicial quer arbitral, é a que consta no CPC.

Ora, no processo civil a litispendência, ou a excepção de litispendência, pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso, nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC. A excepção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior tal como prevê o artigo 580.º, n.º 2, do CPC. Por sua vez, o artigo 581.º enuncia os requisitos da litispendência (e do caso julgado), estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Assim, este artigo exige que se verifique a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Ou seja, que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico.

A litispendência tem assim limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados –, e ainda limites temporais – uma vez que a ocorrência de litispendência terá de ser aferida por referência ao momento em que aquela é apreciada - o que significa que, ainda que havendo uma repetição da causa, se a parte activa vier a desistir de uma das acções antes da excepção de litispendência ser apreciada, a situação de litispendência deixa de subsistir.

Ora, não há dúvida alguma que se verifica a identidade dos sujeitos, na medida em que a Requerente é nos dois processos a A…, SA e a Requerida a Administração Tributária. No que diz respeito à identidade do pedido, este também é idêntico nos dois processos – a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo n.º 2014 … e 2014… .

Relativamente à identidade da causa de pedir, esta depende da invocação dos mesmos fundamentos de declaração de ilegalidade do acto que se pretende impugnar. Esta verifica-se, como resulta da decisão já proferida no Processo n.º 441/2015-T que aqui reproduzimos:

1.10.        Alega a Requerente, em primeiro lugar, que a verba 28 da TGIS, na redacção com que passou a contar depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 tributa “os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação”, o que equivale a dizer que é para efeitos da aplicação desta verba irrelevantes os terrenos para construção para os quais esteja autorizada ou prevista construção que seja simultaneamente para habitação e comércio, independentemente de qual seja o respectivo VPT.

1.11.        Ora, para os Prédios estão autorizadas construções afectas simultaneamente a habitação e comércio. Na verdade, pelo alvará n.º …/2006, que a Requerente juntou como doc. n.º 5 ao seu pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se tem por reproduzido, cada uma das edificações neles autorizadas, tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações, o que retira os Prédios automaticamente do campo de sujeição da dita verba da TGIS.

1.12.        Ainda que assim se não entendesse, parece claro que não podem ficar sujeitas a este imposto a parte do VPT dos Prédios imputável às áreas afectas a comércio e a estacionamentos e arrecadações, pelo que a administração tributária e aduaneira, ao invés de considerar um VPT global para cada um dos Prédios, deveria ter discriminado o VPT relativo exclusivamente à habitação, quantificando igualmente os VPT referentes ao comércio e aos estacionamentos e arrecadações, o que não foi feito.

1.13.        Alega ainda a Requerente ser certo e seguro que, depois de construídos os edifícios autorizados para os ditos terrenos para construção, nenhuma das suas partes susceptíveis de rendimento separado terá um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, pelo que à luz dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça, não pode haver tributação antes dessa construção”.

Na verdade, o primeiro processo referente às primeiras prestações dos actos de liquidação n.º 2014 … e 2014 … já foi decidido, tendo a decisão sido notificada às partes em 31 de Março de 2016, pelo que não se verifica o requisito temporal da litispendência: embora a causa se repita, a anterior já não está em curso.

Deste modo, tratando-se dos mesmos sujeitos, de um mesmo pedido e de uma idêntica causa de pedir, em processo arbitral posterior, não se verifica a excepção da litispendência mas poderá estar-se perante uma eventual excepção dilatória de caso julgado, o que obstaria ao conhecimento do mérito da causa por este tribunal nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea f) do CPC.

A excepção de caso julgado pressupõe, como se sabe, a repetição de uma causa depois de uma primeira causa ter sido já decidida por sentença transitada em julgado, nos termos do disposto na parte final do artigo 580.º, n.º 1, do CPC, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O artigo 581.º do CPC enuncia os requisitos do caso julgado, estabelecendo o que se entende por “repetição da causa”. Deste artigo decorre que o caso julgado, à semelhança da litispendência, tem limites subjectivos – a identidade das partes sob o ponto de vista da qualidade jurídica –, objectivos – a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos dispostos no artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 citados – e, ainda, limites temporais – uma vez que a ocorrência de caso julgado terá de ser aferida por referência ao momento em que aquele é apreciado.

E, repita-se, não há dúvida que os sujeitos, os pedidos e as causas de pedir são os mesmos no nosso caso e no processo n.º 441/2015-T.

Ora, como a doutrina entende pacificamente, o efeito de caso julgado consiste na insusceptibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido. O resultado do conflito expresso na decisão torna-se indiscutível (Cf. João Paulo Remédio Marques (2011), “A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 670). Ora, para que a decisão se torne indiscutível ou imodificável será necessário que transite em julgado, o que ocorre logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou por ter decorrido o prazo para a interposição de recurso, ou porque a acção não comporta recurso ordinário ou porque as partes, simplesmente, renunciaram ao recurso ou dele desistiram.

Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, tanto podem transitar em julgado sentenças ou despachos recorríveis relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, temos uma decisão formal ou processual que não aprecia o mérito da causa, formando-se o caso julgado formal e no segundo, temos uma decisão que apreciando o mérito da questão forma caso julgado material ou substancial (Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora (2004), Manual de Processo Civil, de acordo com o Decreto-Lei 242/85,701-704).

Assim, “o caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada”(destacado nosso). Isto é, haverá caso julgado material sempre que a questão decidida diga respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa. O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo assim que o mesmo tribunal, ou outro tribunal (ou outra qualquer entidade administrativa), possa decidir de modo diferente a mesma pretensão. Este efeito obsta, como é sabido, a que uma decisão anteriormente proferida e transitada seja modificada por uma segunda decisão em processo posterior – garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídicas.

Por sua vez, “o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa”. Ou seja, haverá caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida, quando a questão decidida tenha carácter processual. Neste caso, o tribunal não poderá, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente.

Quer o caso julgado formal, quer o caso julgado material, tornando a decisão processual ou a decisão de mérito imodificáveis, visam garantir aos particulares o mínimo de certeza no Direito ou de segurança jurídica.

A excepção de caso julgado, por sua vez, garante a imodificabilidade da decisão transitada em julgado, não permitindo a proposição de nova acção destinada a apreciar a questão já solucionada por essa decisão. Assim, quando se verificam os requisitos do artigo 581.º do CPC, ou seja, quando os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, verificar-se-á a excepção de caso julgado que impede o conhecimento do mérito da causa pelo tribunal. Já existindo uma decisão com força de caso julgado que se tenha proferido sobre o mérito da mesma causa, um outro tribunal noutro processo não a poderá apreciar sob pena de contradizer a decisão proferida ou de a ter de repetir.

Mas esta excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa pelo tribunal, verificar-se-á apenas quando a decisão proferida em processo anterior e transitada em julgado goza de caso julgado material, na medida em que, como se viu, as decisões meramente formais que não apreciem o mérito da causa, com força de caso julgado formal, só gozam de força obrigatória dentro do processo, não obstando a que outros tribunais decidam a mesma questão formal e o mérito da causa.

Aqui chegados, torna-se necessário determinar se a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 441/2015-T foi uma decisão de forma e de carácter processual ou se, pelo contrário, foi uma decisão que conheceu do mérito da causa, referente à relação material controvertida.

Caso a decisão proferida tenha sido de carácter processual ou de forma (por exemplo: absolvição da instância por excepção dilatória de ilegitimidade de alguma das partes), terá força de caso julgado formal, pelo que terá força obrigatória apenas dentro do processo no âmbito do qual foi proferida, não vinculando outros tribunais. Se assim for, não só se poderão apreciar as questões formais já decididas, como o mérito da causa que não foi apreciado.

Pelo contrário, se a decisão disser respeito à relação material controvertida, ou seja, ao mérito da causa (declarando a ilegalidade do acto tributário, por exemplo), gozará de força de caso julgado material, gozando de força obrigatória dentro e fora do processo. Com o trânsito em julgado, esta decisão torna-se imodificável pelo que nenhum tribunal poderá apreciar o mérito da causa sob pena de contradizer ou ter de reproduzir uma decisão anterior.

Ora, olhando para decisão proferida no Processo n.º 441/2015-T, não há dúvida que esta consubstancia uma decisão formal e de carácter processual, na medida em que procedeu à absolvição da instância por verificar-se a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral.

Aqui transcrevemos a decisão deste Processo n.º 441/2015-T para obstar a qualquer tipo de dúvida:

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, determina-se a incompetência do tribunal arbitral, o que impede a apreciação de mérito da causa e impõe a absolvição da Requerida da instância” (destacado nosso).

Tendo o tribunal entendido que se verificava a excepção dilatória de incompetência do tribunal, esta obstava ao conhecimento do mérito da causa, pelo que, por força do disposto no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), outra não podia ser a decisão senão de absolvição da instância.

Deste modo, tratando-se de uma decisão meramente formal, que decidiu uma questão processual, goza apenas de caso julgado formal. Com o trânsito em julgado tornou-se numa decisão imodificável mas, com força obrigatória apenas dentro do processo n.º 441/2015-T, ou seja, apenas vinculando o tribunal que a proferiu.

Caso a decisão do processo tivesse apreciado o mérito da causa, com o trânsito em julgado desta decisão, não há duvida que o regime previsto no CPC e defendido pela doutrina, é de que esta decisão tornando-se imodificável, gozava de força obrigatória dentro e força do processo. Ou seja, se no âmbito do processo n.º 441/2015-T o tribunal arbitral tivesse declarado a (i)legalidade do acto de liquidação do Imposto do Selo, este tribunal não se poderia pronunciar sobre o mérito da questão, sob pena de contradizer ou ter de repetir a decisão anterior.

O efeito de caso julgado obstaria a que a decisão anteriormente proferida e transitada, fosse modificada por uma segunda decisão em processo posterior, em nome da garantia de imodificabilidade e irrepetibilidade das decisões transitadas enquanto expressão do princípio da certeza e segurança jurídicas.

No entanto, não foi o que se verificou no nosso caso. Sendo a decisão proferida no âmbito do processo anterior meramente formal, esta goza de força de caso julgado formal, só vinculando no próprio processo em que a decisão foi proferida.

Assim, nada obsta a que a mesma questão processual seja decidida, numa outra acção, de forma diferente. Ou seja, não se verifica a excepção de caso julgado, pese embora os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos. Isto é assim porque, repita-se, uma decisão com força de caso julgado formal, apenas tem força obrigatória dentro do processo, não vinculando outros tribunais.

Nem se coloca aqui a questão de saber se a decisão arbitral não conheceu do mérito da pretensão por facto imputável ao sujeito passivo, na medida em que tal só releva para o disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, ou seja, para efeitos de contagem de prazos para reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida.

Refira-se ainda que a concretização do que entender por “imputável ao sujeito passivo” revela-se difícil. No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer excepção dilatória seria imputável ao sujeito passivo na medida em que foi ele que não configurou correctamente a competência do tribunal, a legalidade da coligação ou da cumulação, a não verificação de litispendência ou caso julgado, etc. Julga-se, porém, que caberá ao tribunal arbitral aferir a desculpabilidade desse “erro” do sujeito passivo. Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetência do tribunal arbitral, há questões de tal maneira dúbias, que determinam na Doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias, que, caso seja procedente uma excepção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo. (Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 464).

Para além disso, a Administração Tributária nunca poderá invocar a excepção de caso julgado – que entendemos não se verificar -, sem venirem contra factum próprio. De facto, no processo n.º 441/2015-T, tal como no caso em apreço, a Requerida arguiu a incompetência material do tribunal arbitral, na medida em que defendeu que a Requerente impugnou as primeiras prestações dos actos de liquidação, que não constituem em si nenhum acto tributário. Ora, a excepção de caso julgado depende como se viu da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e o pedido só poderá ser o mesmo se se entender que tanto no processo n.º 441/2015-T, quanto neste a Requerente impugna os actos de liquidação do Imposto do Selo e não as primeiras ou segundas prestações.

Posto isto, conclui-se que este tribunal pode apreciar a questão formal da competência, como já fez aliás, e pode (e deve) conhecer do mérito da causa, apreciando a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui impugnados.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

Contudo, estando em causa a impugnação dos dois actos de liquidação do Imposto do Selo n.ºs 2014 … e 2014 … e não apenas das segundas prestações deste imposto, corrija-se oficiosamente o pedido da Requerente e o valor da causa para €31 013,80 designadamente para efeitos de custas.

Com efeito, a doutrina tem entendido que, perante um erro na determinação ou na indicação do valor da utilidade económica do pedido pelo sujeito passivo, o tribunal arbitral deverá corrigir oficiosamente o erro, assim que se aperceba do mesmo, podendo fazê-lo por despacho, decisão interlocutória ou mesmo na decisão final (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”,284).

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é a única proprietária de dois lotes de terreno para construção situados na…, com área de 1560 m2, designados por lote 38 e 39, inscritos na matriz predial da freguesia de…, concelho de …, sob os artigos … e…, respectivamente.
  2. Os terrenos para construção foram avaliados em 2012, tendo sido apurado um valor patrimonial tributário para cada um deles de € 1.550,690,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta mil, seiscentos e noventa euros) (cf. Doc. 3 e Doc. 4 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  3. Os terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos … e … como afectos à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial). 
  4. Ainda não existem no terreno quaisquer edificações.
  5. Foi autorizada pela Câmara Municipal de … a construção nestes dois lotes de terreno de edificações com áreas afectas à habitação colectiva e comércios/serviços (página 7 do Doc. 5/Alvará n.º …/2006).
  6. Pelo alvará n.º …/2006 cada uma das edificações autorizadas nos Prédios tem uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação, outra de 840m2 afecta a comércio e outra ainda de 3.160,00 m2 afecta a estacionamento e arrecadações (página 11 do Doc. 5 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  7. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos … e … de que é proprietária.
  8. A Requerente procedeu ao pagamento das primeiras prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, em 20 de Abril de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos);
  9. A Requerente foi também notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 5. 168,96 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) relativamente a cada um dos terrenos para construção, inscritos sob os artigos … e … de que é proprietária. (Cf. Doc. n.º 1 e doc. n.º 2 juntos com o requerimento da Requerente).
  10. A Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 aqui impugnadas, respeitante a cada um dos terrenos acima identificados, a 23 de Julho de 2015, num montante global de € 10.337,92 (dez mil, trezentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos); (cfr. Doc. n.º 1 e 2 juntos com o requerimento da Requerente).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[4].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

Vício de violação de lei

A questão aqui em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei com a aplicação da norma de incidência de Imposto do Selo, tal como se encontra redigida actualmente, aos terrenos de construção correspondentes aos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária.

Assim, cabe referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à Tabela Geral deste imposto a verba 28.

Desta consta que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da verba 28. 1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1 %.

Deste modo, na redacção inicial da verba 28. 1, esta norma de incidência apenas abrangia os prédios urbanos com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 e não os terrenos para construção de igual valor.

Ou seja, na redacção inicial da verba 28.1, os terrenos para construção urbana, quer tivessem ou não valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000, 00, estavam afastados de tributação.

No entanto, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide:

 “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Assim, no que diz respeito aos “terrenos de construção” aqui em causa é fundamental ter em conta esta evolução legislativa, na medida em que até à entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, o legislador apenas previa na norma de incidência do Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Com a nova redacção da verba 28.1, após a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, todavia, o legislador passou a prever expressamente a tributação de terrenos para construção “cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (destacado nosso).

De facto, antes da alteração à redacção da verba 28.1, discutia-se se nesta norma de incidência cabia automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional.

Várias foram as decisões proferidas por tribunais arbitrais a pronunciarem-se pela ilegalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo que incidiam sobre terrenos de construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, 00 anteriores a 2014, entendendo assim que não eram de incluir na norma de incidência os terrenos de construção.

Neste sentido, veja-se designadamente, o processo n.º 543/2014 -T, no qual se afirmou que:

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” e não sobre terrenos de construção. Haveria fundamento para o ter feito, até porque as razões que justificam o pagamento de imposto sobre bens de “luxo” por um proprietário de um bem superior a 1 milhão de euros se justificam, nas palavras da Administração tributária, indistintamente nos casos de prédios urbanos “habitacionais” e de “terrenos para construção”. Porém não foi esse o objectivo do legislador. E tanto assim é que no ano a seguir, seguramente por perceber a lacuna da redacção original, altera a lei acrescentando portanto claramente esta realidade.

Bem compreendendo os argumentos da Administração tributária esta não pode porém fazer-se substituir ao legislador, mais, não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT”.

No entanto, da nova redacção da verba 28.1, resultante da Lei de Orçamento de Estado para 2014 resulta expressamente que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre terrenos para construção. Mas não são todos os terrenos para construção. São só aqueles cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Assim, a questão que se coloca não é a de saber se os terrenos para construção de valor superior a € 1.000 000, 00 cuja edificação seja para habitação estão sujeitos ou não a Imposto do Selo – disto não há qualquer dúvida com a nova redacção da verba 28.1 - mas sim se estão abrangidos por esta norma de incidência os terrenos para construção afectos à habitação e ao comércio.

Esta questão coloca-se porque resulta do Alvará de Loteamento da Câmara Municipal de … n.º …/2006 que estão autorizadas nos lotes 38 e 39, dos quais a Requerente é proprietária, construções afectas simultaneamente a habitação e comércio, sendo que cada uma das edificações neles autorizadas tem uma área de 67500, 00 m2 afecta a habitação e de 840 m2 afecta ao comércio.

Contudo, é de referir que estes terrenos para construção estão inscritos na Matriz Predial sob os artigos … e … como afectos apenas à habitação (Doc. 3 e Doc. 4, referentes à Caderneta Predial).

Ora, parece que pese embora a edificação prevista na Caderneta Predial seja unicamente para habitação, a autorizada pelo Alvará da Câmara Municipal de … é simultaneamente para habitação e comércio.

Haverá então que perceber qual delas prevalecerá para efeitos da sujeição a Imposto do Selo.

Para este efeito cumpre antes de mais olhar ao conceito de “terreno para construção” decorrente do disposto do Código do IMI, para o qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo remete na medida em que deste Código não consta uma definição de “prédio urbano”, “terreno para construção” ou “afectação habitacional.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é:

toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

Os prédios urbanos, por sua vez, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros

Já do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI resulta que:

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (destacado nosso).

Assim, devem ser considerados como terrenos para construção os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 44). A qualificação jurídica depende então do Alvará.

A mesma ideia decorre do acórdão do STA de 27 de Novembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 76/2013 no qual se afirmou que “os lotes para construção constituem-se com a emissão de licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará”.

Antes de ser concedida licença para operação de loteamento, licença de construção, autorização para operação de loteamento ou autorização de construção, os terrenos não se consideram para construção para efeitos de IMI e, consequentemente, para efeitos do Imposto do Selo. Isto é, a qualificação como terreno para construção decorre da licença ou autorização. O mesmo é afirmado pelo acórdão do STA acima referido:

Deixando os lotes previstos no licenciamento caduco de existir como tais, não pode sobre estes incidir IMI”.

Deste modo, os lotes de terreno 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária só se passaram a qualificar como “terrenos de construção” para efeitos de Imposto do Selo com a autorização para loteamento prevista no Alvará n.º …/2006. Não há dúvida assim que constituem “terrenos para construção”.

Por outro lado, há que olhar ainda para a forma como é calculado o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, nos termos do Código do IMI, para o qual a verba 28 da TGSI remete: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

De acordo com o artigo 37.º, n.º 3 do Código do IMI que regula a iniciativa da primeira avaliação dos prédios urbanos, em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo da viabilidade construtiva.

António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás defendem que esta obrigação revela uma compreensível preocupação com a exactidão de dados, designadamente quanto às áreas que são o “core” das operações de avaliação (Cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás (2015), Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados, 132).

Defendem ainda que, “quanto ao alvará de loteamento, ao alvará de licença de construção, ao projecto aprovado ou ao documento comprovativo da viabilidade construtiva, não se suscitarão dúvidas de interpretação, uma vez que se traduzem em documentos específicos emitidos pelo Município da área da localização do prédio”.

Para além disso, do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI resulta que “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”.

Os mesmos autores entendem que o valor patrimonial dos terrenos para construção é o resultado da ponderação de três elementos essenciais:

  • O valor da área de construção autorizada ou prevista,
  • A localização geográfica do próprio terreno e
  • A parte sobrante do terreno, isto é, da área não ocupada pela futura edificação.

Daqui decorre claramente que o cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deverá basear-se nas áreas de construção autorizadas ou previstas no alvará de loteamento ou de construção.

Para além disso, das notas constantes do Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011 resulta que no caso do cálculo do valor patrimonial tributário de terrenos para construção com diferentes afectações, com discriminação das respectivas áreas, estas devem ser consideradas no cálculo respectivo. Nestes casos, o valor patrimonial tributário corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários das diferentes afectações.

Ora, no nosso caso em concreto, do Alvará de loteamento n.º …/2006 resulta que foram autorizadas construções nos lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária, afectas simultaneamente a habitação e ao comércio, discriminando-se as áreas afectas a habitação (67500, 00 m2 cada lote) e afectas a comércio (840 m2 cada lote), chegando ao valor de € 1 550 690, 00.

Assim, embora conste da caderneta predial urbana que estes dois terrenos para construção estão afectos à habitação, parte-se do pressuposto que a Administração Tributária aquando da avaliação do valor patrimonial tributário destes terrenos para construção, procedeu de acordo com o previsto no artigo 45.º do Código do IMI e no Manual de Apoio à Avaliação de Prédios Urbanos, versão 5.0, de Maio de 2011, considerando a afectação à habitação e ao comércio destes terrenos tal qual está autorizada pelo Alvará.

Aqui chegados, concluímos que os lotes 38 e 39 de que a Requerente é proprietária constituem terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00, cuja edificação autorizada no Alvará está afecta simultaneamente à habitação e ao comércio, pelo que coloca-se a questão de saber se estão abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS que prevê que estão sujeitos a tributação a 1% os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

A verba 28.1 da TGIS prevê expressamente a tributação em sede de Imposto do Selo da:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”(destacado nosso)

Ora, por um lado, não há dúvida que o legislador não quis abranger os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja (só) para comércio. Neste sentido, veja-se o processo n.º 592/2014-T no qual, estando em causa um lote de terreno para construção urbana destinado à construção de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos, o tribunal arbitral entendeu que:

Face à matéria de facto provada, inexistem dúvidas de que ao prédio em causa não é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de selo. (…) tendo-se provado que a construção prevista é apenas a de serviços, comércio e estacionamentos privados e públicos é manifesto que a tributação em causa é indevida, padecendo o ato de liquidação em causa do vício de violação de lei pelo que, não pode a liquidação deixar de ser anulada”.

Por outro, entendemos que a verba 28.1 da TGSI não prevê a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja conjuntamente para habitação e comércio/serviços, mas apenas aqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja exclusivamente para habitação. Dito de outro modo, entendemos que deverá proceder-se à interpretação restritiva desta norma, abrangendo apenas a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista seja exclusivamente para habitação e não para habitação e comércio simultaneamente, como no caso apreço.

Esta conclusão depende contudo de uma análise às razões que justificaram a introdução da verba 28 à TGIS e, consequentemente, a tributação a título de Imposto do Selo dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1 000 000, 00.

Na exposição de motivos da proposta de lei nº 96/XII (2ª) que esteve na origem da Lei nº 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Nos anos que se seguiram à aditação da verba 28 da TGIS, discutiu-se como referimos, se nesta norma de incidência cabia automaticamente, para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção” ou se, pelo contrário, a norma de incidência real apenas sujeitava a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos com afectação habitacional. Como se viu, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 passou a estabelecer que o Imposto do Selo incide também sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, resolvendo esta questão.

O que não se prevê na verba 28, nem tampouco se enquadra na sua ratio legis é a tributação em sede de Imposto do Selo de prédios urbanos comerciais ou terrenos para construção cuja edificação esteja afecta ao comércio nem os terrenos para construção cuja edificação esteja simultaneamente afecta à habitação e ao comércio. Haverá que interpretar restritivamente a norma constante da verba 28 como incindido apenas sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada seja exclusivamente para habitação.

E no caso concreto, tal como resulta do Alvará n.º…/2006, os lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária consubstanciam terrenos para construção de valor superior a € 1 000 000, 00 mas cuja edificação autorizada não é exclusivamente para habitação mas simultaneamente para habitação e comércio, mais precisamente, uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação e outra de 840m2 afecta a comércio, em cada lote.

Não estando abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção cuja edificação autorizada seja simultaneamente para habitação e para comércio, verifica-se um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

Inconstitucionalidade do disposto na verba n.º 28 da TGIS

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade.

Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de € 10 337, 92 referentes às segundas prestações já pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[5].

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou à condenação por indemnização por garantia indevida (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 66/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária, pelo que o direito a juros indemnizatórios e (sic.) reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”

Cumpre a este propósito esclarecer que o pedido de pronúncia versa não só sobre as segundas prestações do Imposto do Selo pagas à data da entrega do pedido no CAAD, mas também sobre as primeiras prestações já pagas. Tudo porque como se analisou o objecto do processo são os actos de liquidação 2014 … e… .

Relativamente às terceiras prestações, caso as mesmas tenham sido pagas haverá igualmente lugar a juros indemnizatórios pois a ilegalidade de todas as prestações é imputável à Administração tributária.

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

A doutrina e a jurisprudência têm questionado se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT onde reconhece o direito a juros indemnizatórios, pretendeu restringir este direito aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais.

Assim tem entendido o STA, alegando designadamente no acórdão de 3- 02 -2010, proferido no recurso n.º 01091/09 que quando “o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu no acórdão de 22-05-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

A jurisprudência do STA tem assim entendido que o direito a juros indemnizatórios não se verifica quando o acto inválido por vício de forma ainda possa ser substituído por um acto válido que cumpra todas as formalidades legais, ou seja, quando o imposto pago ainda possa ser legalmente exigido, exigindo que se verifique um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

No nosso caso, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.

Consequentemente, não há dúvida que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente na data do pedido de constituição do tribunal arbitral ou no decorrer do ano de 2015, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

  •  Liquidação n.º 2014…, com o montante a pagar de € 15 506, 88,
  •  Liquidação n.º 2014…, com o montante a pagar de € 15 506, 88.

c) Anular as liquidações de Imposto do Selo referidas;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente até à data do pedido de constituição do tribunal arbitral e ainda sobre a quantia relativa às terceiras prestações que tenham sido pagas posteriormente desde que relativas ao ano de 2014.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €31 013,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se

 

 

Lisboa 19 de Maio de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Que estabelece que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo para execução da decisão.”.

[2] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

.

[3] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

[4] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

.

[5] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.