Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 636/2015-T
Data da decisão: 2016-05-12  IRC  
Valor do pedido: € 42.050,65
Tema: IRC – SNC; regime transitório
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado por acordo dos outros Árbitros), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-01-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S.A., Pessoa Colectiva n.º…, com sede social na … n.º … -…, em Lisboa (…-…) (doravante designada como “Requerente” ou “A…”), veio apresentar pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2015…, relativa ao ano de 2011, no valor de € 42.050;65, a que correspondeu a demonstração de acerto de contas n.º 2015 … que apurou um total de imposto a pagar de € 43.289,97.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente procedeu à designação de árbitro, Dr. Paulo Ferreira Alves, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-10-2015.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º, n.º 4 do RJAT.

Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 17-12-2015.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 05-01-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e defendeu a improcedência dos pedidos.

Em 15-03-2016, realizou-se uma reunião em que as Partes foi produzida prova testemunhal e apresentados documentos pela Requerente (respeitantes à evolução das taxas de câmbio nos anos de 2001 a 2015), e foi acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se em 30-03-2016 sobre os documentos juntos pela Requerente na reunião de 15-03-2016.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído.

 Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a Requerente tem legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente iniciou a sua actividade de gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividade económica em 01-01-1986, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável (Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

b)      Em 16-01-2014, a Requerente foi notificada, pela Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária, da formulação de um "Pedido de Elementos Fiscalmente Relevantes" (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

c)      Em 07-02-2014, a A… respondeu à notificação recebida, nos termos que constam da carta junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 3, cujo teor se dá como reproduzido;

d)     Por email de 19-03-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou ao Técnico Oficial de Contas da A…, Senhor Dr. B…, esclarecimentos quanto ao seguinte "Lançamento contabilístico:

– Débito conta …- diferenças cambiais favoráveis € 1.426.566,62;

– Crédito na conta …-diferenças cambiais favoráveis € 1.426.566,82 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)      Ao email referido na alínea anterior o Técnico Oficial de Contas da Requerente respondeu por email de 31-07-2014, cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 1 - Justificação do lançamento realizado

O lançamento contabilístico em causa procede à reclassificação de variações cambiais favoráveis para os Capitais Próprios da Sociedade no âmbito da adopção do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-lei n.º 158/2009 de 13 de Julho.

As referidas variações cambiais favoráveis estavam associadas a suprimentos concedidos pelo accionista C…, S.A.. Os suprimentos foram efectuados em USD (dólar americano) e as referidas variações cambiais respeitam a montantes registados até ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2009.

2 - Elucidação do facto subjacente ao lançamento contabilístico de tal valor a crédito da conta … - Diferenças de Câmbio Favoráveis; bem assim se tal vale alguma vez foi a proveitos?

A conta #... - Diferenças de Câmbio Favoráveis (Rendimentos a Reconhecer no SNC / Proveitos Diferidos no POC #274), foi creditada durante vários exercícios económicos, até 2009, na sequência das variações cambiais associadas aos suprimentos do accionista C…, S.A..

Este procedimento foi efectuado ao abrigo do ponto 5.2.2 do Plano Oficial de Contabilidade (POC). No âmbito daquela regra:

a) "Tratando-se de diferenças de câmbio favoráveis resultantes de dívidas a médio e longo prazo, deverão [as mesmas] ser diferidas, caso existam expectativas razoáveis de que o ganho é reversível;

b) Estas serão transferidas para a conta … no exercício em que se realizaram os pagamentos ou recebimentos, totais ou parciais, das dívidas com que estão relacionadas e pela parte correspondente a cada pagamento ou recebimento."

A contrapartida destes movimentos foi a conta #...1 - Accionistas C…, S.A.., pelo que as referidas variações cambiais favoráveis não foram, ao abrigo do disposto no n.º 5.2.2 do Plano Oficial de Contabilidade (POC), registadas como proveitos.

f)        Em resposta, o Senhor Inspector Tributário Dr. D…, enviou à Requerente o email datado de 01-08-2014 cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

«Atendendo ao seu esclarecimento, as diferenças de câmbio favoráveis não foram contabilizadas em proveitos na vigência do POC.

A reclassificação contabilística de variações cambiais favoráveis para capitais próprios da sociedade no âmbito do SNC, afigura-se ter relevância fiscal em sede de IRC. Assim e conforme se encontra previsto na parte final do no nº 1 do art. 5º - Regime transitório - do Decreto - Lei nº 159/2009 de 13 de julho, deveria ter sido registado uma variação patrimonial positiva no campo 703 do quadro 07 da declaração de rendimento mod 22 no valor de €285 313,36 - (…*1/5), nos anos 2010/2014. Agradece-se informação sobre o agora referido.

Solicita-se, ainda, o envio do extraio de conta onde se encontram registados os valores dos suprimentos concedidos pelo acionista C… respeitante nos anos 2010 e 2014».

 

g)      O Técnico Oficial de Contas da Requerente enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 24-10-2014, o email cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Apresento, desde já, as minhas desculpas pelo atraso na resposta às informações e esclarecimentos solicitados, o qual se deveu à necessidade de levantamento interno da documentação (possível) de suporte da operação desde o seu início, a qual tem uma antiguidade superior a 20 anos.

Veja que, tendo iniciado as minhas funções no Departamento Financeiro do Grupo E…, apenas em Dezembro de 2011, até às questões que foram colocadas por V.Exas., não tinha ainda estudado os contornos da operação.

Analisada a documentação recolhida, e estudado o tema, considero que a substância da operação não aponta para uma 'dívida de médio e longo prazo', mas antes para uma verdadeira 'Prestação de Obrigações Acessórias de Capital', a qual deveria estar, em bom rigor contabilístico, e desde há muito, contabilizada no Capital Próprio da sociedade.

Com base na documentação analisada, resulta inequívoco que:

1) O objectivo inicial do alegado 'suprimento' destinava-se à conversão em Capital Social da A…, SA ou das suas participadas;

2) Do respectivo saldo remanescente (não utilizado na referida conversão):

(i) Não há prazo de reembolso estabelecido;

(ii) Os capitais têm permanecido permanentemente na sociedade há mais de dez anos;

(iii) Não vencem juros;

(iv) Levantamento dos montantes é admitido, nos termos legais, mas sujeito à expressa condição - aprovada em assembleia geral de accionistas - de que os montantes eventualmente reembolsados devem levar à necessária realização de capital social em igual montante.

Consequentemente, não se justifica, nem a contabilização seguida historicamente na sociedade, nem a reclassificação contabilística dessas diferenças cambiais positivas aquando da transição para o SNC em 2010, e consequente a sua inclusão no campo 703 do quadro 07 da Modelo 22 de uma verba igual a 1/5 daquele valor (€ 285 313,36 = 1.426.566,82*1/5) nos anos 2010 a 2014.

Atento o exposto, vamos agora propor à Administração da A…, SA a correcção contabilística da operação - e que cremos ser a que, em substância, se impõe.

 

h)      Por correio electrónico de 11-12-2014, o Técnico Oficial de Contas da Requerente enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira o email cuja cópia consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

Na sequência do email anterior, copiado em baixo, e do seu contacto telefónico, sou a enviar em anexo documentação suporte que julgo pertinente no sentido de enquadrar correctamente a classificação contabilística das operações em causa.

Na documentação em anexo consta:

- Acta n.º …Assembleia Geral de 24 de Maio de 1991. Ponto um da Ordem de Trabalhos: Deliberar sobre a forma, prazo e condições de reembolso dos suprimentos feitos pelos accionistas;

- Acta n.º … Assembleia Geral de 17 de Abril de 1992. Ponto único da Ordem de Trabalhos: Deliberar sobre a suspensão da contagem de juros que incidem sobre os créditos de suprimentos dos accionistas;

- Evolução do Saldo de Suprimentos em moeda estrangeira - USD dólar americano;

- Registo Contabilístico das Diferenças Cambiais no ano após a suspensão de contagem de juros (Ano 1992); Registo na conta #274 Proveitos Diferidos;

- Registo Contabilístico das Diferenças Cambiais de 2000 a 2009 (último ano antes transição SNC), assim como confirmação do saldo em causa (base de cálculo) que corresponde aos 3.014.838,04 USD conforme Documento Evolução Saldo Suprimentos (3 - documento desta lista); Registo na conta #274 Proveitos Diferidos;

- Registo Contabilístico das Diferenças Cambiais em 2010 (ano da transição SNC), assim como confirmação do saldo em causa (base de cálculo) que corresponde aos 3.014.838,04 USD; Registo em Resultados conforme normativo SNC.

Com base na documentação em anexo mantenho a opinião que a substância da operação não aponta para uma 'dívida de médio e longo prazo', mas antes para uma verdadeira 'Prestação de Obrigações Acessórias de Capital', a qual deveria estar, em bom rigor Contabilístico, e desde há muito, contabilizada no Capital Próprio da sociedade.

Da análise da documentação em anexo, e conforme email anterior, resulta inequívoco que:

1) O objectivo inicial do alegado 'suprimento' destinava-se à conversão em Capital Social da A…, SA ou das suas participadas;

2) Do respectivo saldo remanescente (não utilizado na referida conversão):

(i) Não há prazo de reembolso estabelecido;

(ii) Os capitais têm permanecido permanentemente na sociedade há mais de dez anos;

(iii) Não vencem juros;

(iv) Levantamento dos montantes é admitido, nos termos legais, mas sujeito à expressa condição - aprovada em assembleia geral de accionistas - de que os montantes eventualmente reembolsados devem levar à necessária realização de capital social em igual montante.

 

i)        Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2015… de 11-02-2015, foi a Requerente sujeita a uma acção inspectiva interna de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2011, com o objectivo de analisar o tratamento dado às diferenças de câmbio, nos termos do artigo 5.º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de Julho (Relatório da Inspecção Tributária);

j)        No âmbito da acção inspectiva, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, o que fez nos termos do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

k)      Na sequência do exercício do direito de audição, a Requerente foi notificada do despacho proferido em 04-05-2015, pelo Senhor Chefe de Divisão, em substituição, por subdelegação do Senhor Director de Finanças de Lisboa cuja cópia consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se manifesta concordância com o Relatório da Inspecção Tributária em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Os balancetes enviados pelo sujeito passivo respeitantes ao exercício 2011 relevam na conta …- Diferenças cambiais favoráveis, saldo credor no valor € 1 426 566,82.

Ainda e conforme resulta dos balancetes, a conta …- Diferenças cambiais favoráveis - foi movimentada por débito da conta … - Diferenças câmbio favoráveis. Resultante deste lançamento contabilístico a conta … - Diferenças câmbio favoráveis, apresenta-se, no final do ano, com saldo zero.

De forma a esclarecer o lançamento contabilístico, descrito anteriormente, foi enviado ao sujeito passivo via correio electrónico, as seguintes questões:

- Justificação do lançamento realizado,

- Elucidação do facto subjacente ao lançamento contabilístico de tal valor a crédito da conta …- Diferenças de câmbio favoráveis e se tal valor alguma vez foi a proveitos.

Em resposta o sujeito passivo informou que,

"O lançamento contabilístico em causa procede à reclassificação de variações cambiais favoráveis para os Capitais Próprios da Sociedade no âmbito da adopção do Sistema de Normalização contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-lei nº 158/2009 de 13 de Julho. As referidas variações cambiais estavam associadas a suprimentos concedidos pelo accionista C…, SA. Os suprimentos foram efectuados em USD (dólar americano) e as referidas variações cambiais respeitam a montantes registados até ao exercício findo em 31 de dezembro de 2003".

"A conta # … - Diferenças de Câmbio Favoráveis (Rendimentos a Reconhecer no SNC / Proveitos Diferidos no POC #274) foi creditada durante vários exercícios económicos, até 2009, na sequência das variações cambiais associadas aos suprimentos do accionista C…, SA.

Este procedimento foi efectuado ao abrigo do ponto 5.2.2 do Plano Oficial de Contabilidade (POC). No âmbito daquela regra:

a) "Tratando-se de diferenças de câmbio favoráveis resultantes de dívidas a médio & longo prazo, deverão [as mesmas] ser diferidas, caso existam expectativas razoáveis de que o ganho é reversível.

b) Estas serão transferidas para a conta … no exercido em que se realizaram os pagamentos ou recebimentos, totais ou parciais, das dívidas em que estão relacionadas e peta parte correspondente a cada pagamento ou recebimento."

 

A contrapartida destes movimentos foi a conta #... - Accionistas C…, S.A., pelo que as referidas variações cambiais favoráveis não foram, ao abrigo do disposto no nº 5-2.2 do Plano Oficial de Contabilidade (POC), registadas como proveitos."

 

Face à informação prestada foi enviado novo correio electrónico, no qual se referia que a reclassificação contabilística de variações cambiais favoráveis para capitais próprios da sociedade no âmbito do SNC, tinha relevância fiscal em sede de IRC, e que conforme se encontra previsto na parte final do nº 1 e do nº 5 do art.º 5º – Regime transitório – do Decreto-Lei nº 159 /2009 de 13 de julho, deveria ter sido registado uma variação patrimonial positiva no campo 703 do quadro 07 da declaração de rendimento mod 22 no valor de € 285 313,36 = (1 426 566,82*1/5), nos anos 2010/2014.

Este considerando não mereceu acolhimento de parte do sujeito passivo, para o que referiu resumidamente o seguinte:

"...a substância da operação não aponta para uma "dívida de médio e longo prazo", mas antes para uma verdadeira "Prestação de Obrigações Acessórias de Capital", a qual deveria estar, em bom rigor contabilístico, e desde há muito, contabilizada no Capital Próprio da sociedade."

O objectivo inicial do alegado suprimento destinava-se à conversão em capital Social da A…, SA, ou das suas participadas;

Do respectivo saldo remanescente (não utilizado na referida conversão):

- Não há prazo de reembolso estabelecido;

- Os capitais têm permanecido permanentemente na sociedade há mais de dez anos;

- Não vencem juros,

- Levantamento dos montantes é admitido, nos termos legais, mas sujeito à expressa condição -aprovada em assembleia geral de accionistas ~ de que os montantes eventualmente reembolsados devem levar à necessária realização de capital social em igual montante.

Consequentemente, não se justifica, nem a contabilização seguida historicamente na sociedade, nem a reclassificação contabilística dessas diferenças cambiais positivas aquando da transição para SNC em 2010, e consequente a sua inclusão no campo 703 do quadro 07 da Modelo 22 de uma verba igual a 1/5 daquele valor (€ 285 313,36 = 1.426.566,82*1/5) nos anos 2010 a 2014."

O referido pelo sujeito passivo permite concluir, que o lançamento contabilístico, crédito da conta a conta …- Diferenças cambiais favoráveis, por débito da conta … - Diferenças câmbio favoráveis, no valor de € 1 426 566,82, resulta de reclassificação de variações cambiais favoráveis para os Capitais Próprios da Sociedade no âmbito da adopção do Sistema de Normalização contabilística (SNC), aprovado peto Decreto-lei nº 158/2009 de 13 de Julho,

O valor do lançamento contabilístico efectuado resulta da acumulação de diversos valores respeitantes a diferenças cambiais, cujos lançamentos contabilísticos ocorreram no decorrer dos exercícios económicos compreendidos entre 2002 e 2009.

O lançamento efectuado produziu efeitos positivos nos capitais próprios da sociedade, pelo que deveria ter sido acrescido na declaração de rendimentos Modelo 22 a importância € 285.313,36, igual a 1/5 do valor 1.426.566,82, nos termos do nº 1 do art.º18 do IRC e do nº 1 e nº 5 do art.º 5º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de julho, “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento nº 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguinte.", (sublinhado nosso)

Relacionado com este mesmo assunto, por se considerar relevante, refere-se que, face ao verificado no sistema informático, o sujeito passivo na declaração de rendimentos Mod 22, respeitante ao exercício 2010, acresceu para efeitos de determinação do lucro tributável o valor € 285 313,36, valor mencionado na linha 762, do quadro 07 da Modelo 22.

O valor acrescido é exactamente igual ao valor proposto para o ano 2011, no âmbito desta ação.

Em conclusão, o sujeito passivo não acresceu para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício 2011, o valor € 285.313,36, igual a 1/5 do valor 1.426.566,82. nos termos do nº 1 do artº 5º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de julho.

Da correcção proposta resulta um novo apuramento do lucro tributável para o exercício 2011 no valor de € 198 097,47, como se demonstra:

Mod 22, quadro 07

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado, conforme nosso ofício nº …de 13 de março de 2015, para exercer o direito de audição sobre o teor do projecto de relatório, nos termos do art.º 60º da Lei Geral Tributária e do art.º 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.

O direito de audição foi exercido, conforme documento que deu entrada nestes serviços em 2015-04-01 sob o registo nº 2015….

No seu direito de audição, o sujeito passivo alega o seguinte:

A) Começa por resumir, parágrafos 1º e 2º, o teor da correção proposta no projecto de relatório;

B) Seguidamente no parágrafo 3º afirma discordar da correção proposta, para o que faz referência a um e-mail enviado em 11 de dezembro de 2014, o qual se encontra traduzido nesta informação, capítulo III;

C) Nos parágrafos, 4º ao 6º o sujeito passivo refere que "... após (re) validação por cautela, de todos os factos e pressupostos ...junto da accionista credora C…, SA", "O Conselho de Administração da A… deliberou a correspondente alteração contabilística ... face à estabilidade e natureza do saldo registado na conta …", ... pelo facto de a accionista ter um crédito com valores materialmente relevantes e com uma antiguidade superior a 20 anos, não sendo, nem reembolsada nem remunerada (com juros), pelo respectivo montante",, no parágrafo 7º faz referência à Acta de Assembleia Geral de Accionistas, acta nº 18 de 24.05.1990, a qual deliberou "Que os accionistas titulares dos créditos de suprimentos (...) possam, mediante aviso à sociedade, a fazer levantamentos por conta dos seus créditos desde que se comprometam a realizar, através de entradas em numerário no primeiro aumento de capital que venha a efectuar-se, o montante correspondente aos levantamentos efectuados" para justificar a natureza de prestações acessórias de capital;

D) No parágrafo 6º invoca a Acta de Assembleia Geral de Accionistas nº 21, de 16.04.1992, para invocar a suspensão da contagem dos juros sobre os créditos, desde 1 de janeiro de 1992;

E) Nos parágrafos 9º e 10º refere que procedeu à reclassificação contabilística dos saldos, para o que enviou cópia do documento contabilístico nº 2, no qual estão contemplados os seguintes lançamentos:

 

F) Nos parágrafos 11º e 12º considera que a operação consubstancia, não um verdadeiro passivo, mas sim um instrumento de capital próprio e que a realidade material não está sujeita a qualquer tributação.

Atento aos factos expostos pelo sujeito passivo, refere-se o seguinte:

1 - O sujeito passivo de forma alguma contraria os argumentos referidos no projecto de relatório para efeitos de sustentar a correcção proposta;

2- Não apresentou qualquer facto novo à informação conhecida e dos quais resultou a correcção proposta;

3- De facto, a correcção proposta no valor de € 285.313,36, iguala 1/5 do valor 1.426.566,82, resulta do disposto no nº 1 do art.º 18 do IRC e do nº 1 e nº 5 do art.º 5º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de julho, já referidos.

4 - O valor € 1 426 566,82 resulta da acumulação de diversos valores na conta … -Diferenças câmbio favoráveis - decorrente de contabilização de diferenças cambiais associadas a suprimentos do accionista, em USD (Dólar americano)

5 - No ano 2010 foi realizado o seguinte lançamento contabilístico: crédito da conta …-Diferenças cambiais favoráveis, por débito da conta … - Diferenças câmbio favoráveis, o que significa que no âmbito da adoção do SNC transferiu esse valor para o capital próprio, e por ser matéria que este normativo dá relevância fiscal, deve ser englobado nos denominados ajustamentos de transição, como explicado no projecto de relatório. De resto, é um facto que o sujeito passivo mantém uma dívida em USD e assim a diferença de câmbio favorável configura um rendimento tributável para efeitos fiscais, dado que provocou um acréscimo no património do sujeito passivo, de acordo com os princípios gerais do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

6 - Faz o sujeito passivo referência a reclassificação, da conta … por crédito da conta … -Prestações acessórias, realizada no final do ano 2014, conforme se refere no ponto E) deste capítulo, para o que enviou cópia de um balancete do ano 2014, contudo, esta situação não interfere no ano em análise (2011).

7 - Tendo em consideração o balancete remetido, a conta…- Diferenças cambiais favoráveis, evidencia ainda como saldo credor o valor € 1 426 566,82, o que traduz ganhos obtidos em anos anteriores, resultantes de variação cambial do valor concedido pela sua accionista;

8 - Referiu-se no projecto de relatório, por se considerar relevante, que no exercício 2010, foi acrescido, para efeitos de determinação do lucro tributável o valor € 285 313,36, valor mencionado na linha 762, do quadro 07 da Modelo 22. Este valor é exactamente igual ao valor proposto para o ano 2011, e encontra-se em consonância com o disposto no nº 1 do art.º 18 do IRC e do nº 1 e nº 5 do art.º 5º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de julho.

Nestes termos, o aduzido pelo sujeito passivo não merece concordância, sendo de manter a correcção proposta.

 

l)         Em 13-05-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2015…, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa ao ano de 2011, no valor de € 42.050,65;

m)    Em 18-05-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a compensação n.º 2015 … cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, com o valor a pagar de € 43.289,97;

n)      A Requerente não pagou a quantia referida na alínea anterior o que conduziu à instauração do processo executivo n.º …2015…, que corre junto do Serviço de Finanças de Lisboa…, para cobrança coerciva da dívida (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

o)      Em 29-09-2015, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa…a garantia bancária n.º …-…-… emitida pelo F…, no valor de € 55.288,11, para efeitos da suspensão do processo executivo instaurado quanto ao não pagamento da liquidação adicional de IRC de 2011 atrás referida (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

p)      Com a prestação de garantia, a Requerente despendeu, até 24-09-2015, o montante de € 658,13 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e desde essa data incorreu em € 498,30 de custos/encargos directos adicionais relativos à constituição da referida garantia bancária (Documento n.º 1 junto com as alegações da Requerente, cujo teor se dá como reproduzido);

q)      A A… tem como accionista maioritário a C…, SA, a qual era em 2011 detentora de 91,85% do respectivo capital social;

r)       Na acta n.º 18 da Assembleia Geral de accionistas da A…, datada de 04-05-1991, junta enquanto Documento n.º 13 do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

"Considerando a deliberação de reembolso de suprimentos e respectivos termos e condições aprovada na Assembleia Geral da sociedade realizada em 12 de Abril de 1991 e sem prejuízo da mesma, propõe-se o seguinte: “Que os accionistas titulares dos créditos de suprimentos referidos nessa deliberação possam, mediante aviso à sociedade, a fazer levantamentos por conta dos seus créditos desde que se comprometam a realizar, através de entrada em numerário, no primeiro aumento de capital que venha a efectuar-se, o montante correspondente aos levantamentos efectuados".

Posta à discussão a proposta acima transcrita e como nenhum accionista pretendesse usar da palavra, passou-se à votação, tendo a proposta sido aprovada por unanimidade.

 

s)       Na Acta da Assembleia Geral de Accionistas da Requerente n.º…, de 17-04-1992 - junta com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 14, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

(...) foi apresentada da seguinte proposta:

“UM. Em Assembleia Geral realizada em 12 de Abril de 1991, deliberaram os accionistas da A…que os créditos de suprimentos dos accionistas G…, H… e DR. I…vencessem juros com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1989, à taxa anual de 8%, para os suprimentos em US dólares e 14% para os suprimentos em escudos, ou a taxa máxima que viesse a ser autorizada pelo Banco de Portugal, se fosse inferior àquelas.

(...)

CINCO. Nestes termos, propõe-se que:

a) se suspenda, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1992, a contagem de juros sobre os créditos de suprimentos dos accionistas G…, H… e DR. I…;

b) tal suspensão manter-se-á até deliberação em contrário da Assembleia Geral de Accionistas.”

Submetida a proposta a votação, aprovada por unanimidade

 

t)       Desde 01-01-1992, não foram contados ou debitados juros sobre o saldo dessa conta de suprimentos da accionista C…, SA.;

u)      No Relatório de Gestão de 1992, que consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

As diferenças de câmbio decorrentes da actualização cambial das dívidas em moeda estrangeira, 83.890.302$40, não se reflectiram no resultado do exercício. Foram contabilizados em custos diferidos devido à volatilidade do câmbio da moeda americana e por não estar prevista a curto prazo o reembolso dos respectivos suprimentos.

 

v)      O saldo da contra de suprimentos manteve-se inalterado desde o ano 2000, no valor referido no documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

w)     A conta POC#... - SNC#...- Diferenças de Câmbio Favoráveis, foi creditada durante vários exercícios económicos, até ao ano de 2009, inclusive, na sequência das variações cambiais associadas aos suprimentos realizados em USD (dólar americano) pela referida acionista, C…, SA;

x)      A contrapartida desse movimento foi o débito da conta POC #... - Acionista C…, SA. (e vice-versa quando desfavoráveis);

y)      Dão-se como reproduzidos os documentos n.ºs 17 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

z)      A evolução anual das taxas de câmbio Euro/Dólar (USD) no período de 2001 a 2015 foi a seguinte:

aa)   As diferenças de câmbio, positivas ou negativas, nunca foram registadas como 'proveitos' ou 'custos' dos exercícios da Requerente, nem ao nível contabilístico, nem ao nível fiscal;

bb)  Em 12-10-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que entre nos anos de 2001 fosse expectável que as diferenças cambiais positivas fossem irreversíveis.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos do processo administrativo e nos juntos pela Requerente.

No que concerne ao facto não provado, embora, a posteriori, se constate que houve uma tendência de desvalorização do USD em relação ao euro, nos anos de 2001 a 2009, não há qualquer prova que permita concluir que fosse fundadamente expectável que os ganhos obtidos com a desvalorização fosse irreversíveis, sendo certo que no ano de 2005 houve uma desvalorização acentuada do dólar e a evolução recente também é nesse sentido.

Designadamente, não se detecta na evolução cambial a desvalorização incessante, contínua e galopante de que fala a Requerente.

Por outro lado, o único facto objectivo que pode indiciar se a Requerente tinha ou não expectativas razoáveis de que o ganho fosse reversível é o próprio facto de a Requerente ter diferido a contabilização das diferenças de câmbio, que é objectivamente interpretável como revelando que tinha expectativas razoáveis de que o ganho fosse reversível, pois são essas expectativas de reversibilidade que, em termos contabilísticos, podiam justificar o diferimento, nos termos do ponto 5.2.2. do POC.  

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. O facto tributário

 

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, procedeu à adaptação das regras de determinação do lucro tributável que constavam do CIRC às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, estabelecendo no seu artigo 5.º um regime transitório em que se inclui uma norma relativa aos efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, dessas normas, que estabelece o seguinte:

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

 

Na contabilidade da Requerente, a conta POC#... - SNC#... - Diferenças de Câmbio Favoráveis, foi creditada durante vários exercícios económicos, até ao ano de 2009, inclusive, na sequência das variações cambiais associadas aos suprimentos realizados em USD pela sua accionista maioritária, C…, SA, sendo a contrapartida desse movimento o débito da conta POC #... - Acionista C…, SA (e vice-versa quando desfavoráveis).

Essa contabilização foi efectuada ao abrigo do ponto 5.2.2 do POC, que estabelecia o seguinte, nos pontos 5.2.1. e 5.2.2.:

 

5.2.1 - As operações em moeda estrangeira são registadas ao câmbio da data considerada para a operação, salvo se o câmbio estiver fixado pelas partes ou garantido por uma terceira entidade.

À data do balanço, as dívidas de ou a terceiros resultantes dessas operações, em relação às quais não exista fixação ou garantia de câmbio, são actualizadas com base no câmbio dessa data.

5.2.2 - Como princípio geral, as diferenças de câmbio resultantes da actualização referida em 5.2.1 são reconhecidas como resultados do exercício e registadas nas contas … «Custos e perdas financeiros - Diferenças de câmbio desfavoráveis» ou … «Proveitos e ganhos financeiros - Diferenças de câmbio favoráveis».

Tratando-se de diferenças de câmbio favoráveis resultantes de dívidas a médio e longo prazo, deverão ser diferidas, caso existam expectativas razoáveis de que o ganho é reversível. Estas serão transferidas para a conta … no exercício em que se realizaram os pagamentos ou recebimentos, totais ou parciais, das dívidas com que estão relacionadas e pela parte correspondente a cada pagamento ou recebimento.

 

Com a adopção das normas internacionais de contabilidade prevista no Sistema de Normalização Contabilística, a Requerente efectuou um lançamento contabilístico traduzido em Débito conta … - diferenças cambiais favoráveis € 1.426.566,62 e Crédito na conta …-diferenças cambiais favoráveis € 1.426.566,82, com o que procedeu à reclassificação de variações cambiais favoráveis para os Capitais Próprios da Sociedade no âmbito da adopção do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de Julho.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, em correio electrónico enviado ao técnico oficial de contas da Requerente, referiu que «a reclassificação contabilística de variações cambiais favoráveis para capitais próprios da sociedade no âmbito do SNC, afigura-se ter relevância fiscal em sede de IRC. Assim e conforme se encontra previsto na parte final do no nº 1 do art. 5º - Regime transitório - do Decreto - Lei nº 159/2009 de 13 de julho, deveria ter sido registado uma variação patrimonial positiva no campo 703 do quadro 07 da declaração de rendimento mod 22 no valor de €285 313,36 - (1426566,82*1/5), nos anos 2010/2014».

Na sequência do correio electrónico referido, a Requerente respondeu que a contabilização efectuada anteriormente, na vigência do POC, não estava correcta, pois a «a substância da operação não aponta para uma 'dívida de médio e longo prazo', mas antes para uma verdadeira 'Prestação de Obrigações Acessórias de Capital', a qual deveria estar, em bom rigor contabilístico, e desde há muito, contabilizada no Capital Próprio da sociedade».

A Requerente fundamentou esta conclusão no seguinte:

1) O objectivo inicial do alegado 'suprimento' destinava-se à conversão em Capital Social da A…, SA ou das suas participadas;

2) Do respectivo saldo remanescente (não utilizado na referida conversão):

(i) Não há prazo de reembolso estabelecido;

(ii) Os capitais têm permanecido permanentemente na sociedade há mais de dez anos;

(iii) Não vencem juros;

(iv) Levantamento dos montantes é admitido, nos termos legais, mas sujeito à expressa condição - aprovada em assembleia geral de accionistas - de que os montantes eventualmente reembolsados devem levar à necessária realização de capital social em igual montante.

Consequentemente, não se justifica, nem a contabilização seguida historicamente na sociedade, nem a reclassificação contabilística dessas diferenças cambiais positivas aquando da transição para o SNC em 2010, e consequente a sua inclusão no campo 703 do quadro 07 da Modelo 22 de uma verba igual a 1/5 daquele valor (€ 285 313,36 = 1.426.566,82*1/5) nos anos 2010 a 2014.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou esta tese, dizendo no Relatório da Inspecção Tributária:

O referido pelo sujeito passivo permite concluir, que o lançamento contabilístico, crédito da conta a conta …- Diferenças cambiais favoráveis, por débito da conta… - Diferenças câmbio favoráveis, no valor de € 1 426 566,82, resulta de reclassificação de variações cambiais favoráveis para os Capitais Próprios da Sociedade no âmbito da adopção do Sistema de Normalização contabilística (SNC), aprovado peto Decreto-lei nº 158/2009 de 13 de Julho.

O valor do lançamento contabilístico efectuado resulta da acumulação de diversos valores respeitantes a diferenças cambiais, cujos lançamentos contabilísticos ocorreram no decorrer dos exercícios económicos compreendidos entre 2002 e 2009.

O lançamento efectuado produziu efeitos positivos nos capitais próprios da sociedade, pelo que deveria ter sido acrescido na declaração de rendimentos Modelo 22 a importância € 285.313,36, igual a 1/5 do valor 1.426.566,82, nos termos do nº 1 do art.º 18 do IRC e do nº 1 e nº 5 do art.º 5º do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de julho, “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento nº 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguinte.", (sublinhado nosso)

Relacionado com este mesmo assunto, por se considerar relevante, refere-se que, face ao verificado no sistema informático, o sujeito passivo na declaração de rendimentos Mod 22, respeitante ao exercício 2010, acresceu para efeitos de determinação do lucro tributável o valor € 285 313,36, valor mencionado na linha 762, do quadro 07 da Modelo 22.

 

A determinação do lucro tributável determina-se com base na contabilidade, com eventuais correcções, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CIRC.

Para concretizar esse objectivo, é imposta às sociedades comerciais a obrigação de dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições aplicáveis de forma a permitir o controlo do lucro tributável» (artigos 17.º, n.º 3, e 123.º, n.º 1, do CIRC).

O facto tributário previsto no referido artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009 é a existência de efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade, considerando-se, por ficção legal, que esses efeitos concorrem, positiva ou negativamente, para a formação do lucro tributável em partes iguais no ano em que ocorrerem e nos quatro anos subsequentes.

Como resulta do teor desta norma, atende-se para a sua aplicação aos efeitos reais que decorreram efectivamente da adopção das normas contabilísticas e não aos que hipoteticamente teriam ocorrido se, devido a incumprimento pelo sujeito passivo dos seus deveres de manter a contabilidade de acordo com as normas aplicáveis, a contabilidade fosse diferente do que é e os efeitos da adopção daquelas normas fossem distintos do os que ocorreram.

O que, aliás, é perfeitamente compreensível à face do princípio da praticabilidade que a que não pode deixar de se atender quando se perspectiva a actividade da Administração Tributária, pois, resultando aqueles efeitos resultantes da adopção das normas contabilísticas internacionais da acumulação dos efeitos de incontáveis actos contabilísticos anteriores, que podem ter sido praticados ao longo de dezenas de anos, seria uma tarefa inviável fazer depender a determinação desses efeitos da análise completa da correcção contabilística de todos esses actos.

Por isso, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que neste caso não pode deixar de ser a que pode tornar-se efectiva em termos de razoabilidade, tem de se concluir que o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009 atende apenas aos efeitos reais que ocorreram com base na contabilidade tal como estava organizada até ao ano de 2010.

Assim, sendo inequívoco que ocorreram esses efeitos, que inclusivamente foram reconhecidos pela Requerente ao aplicar este regime transitório na declaração relativa ao ano de 2010, são irrelevantes as correcções contabilísticas posteriores que poderiam levar a que os efeitos fossem distintos do que os que se verificaram, pois ocorreu o facto previsto naquele n.º 1 do artigo 5.º e da sua ocorrência decorrem as consequências previstas na lei, designadamente, no caso, a relevância como rendimento de 1/5 do montante desses efeitos no ano de 2011.

Na verdade, «a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário» (artigo 36.º, n.º 1, da LGT).

«A verificação do facto tributário conduz, como resultado directo e imediato, ao nascimento da relação jurídica tributária. Este princípio do nascimento da relação jurídica tributária como resultado da verificação do facto tributário já encontrava expressão no n.º 9 do artigo 8.° do Código do IRC. Determina este que "o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação"». ([1])

A obrigação tributária é «uma obrigação legal, porque se trata duma obrigação ex lege, duma obrigação que tem por fonte a lei. Por isso nasce do encontro do facto gerador ou facto tributário com a hipótese legal, como o prescreve a LGT no n.º 1 do seu art. 36º, ao dispor que a relação jurídica fiscal se constitui com a verificação do facto tributário». ([2]

Por outro lado, «os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes» (artigo 36.º, n.º 2, da LGT), pelo que são irrelevantes actos dos sujeitos passivos que, depois da constituição dessa relação, visem eliminar retroactivamente os seus pressupostos.

Por isso, é irrelevante para a verificação daquele facto tributário previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, o facto de no final do ano de 2014 a Requerente ter operado a reclassificação contabilística dos saldos, debitando a conta 268 por crédito da conta …-Prestações acessórias.

Assim, uma vez que ocorreram «efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento nº 1606/2002» resultantes do reconhecimento de um activo, verificou-se a situação prevista naquele n.º 1 do artigo 5.º, como, de resto, foi reconhecido pela Requerente, que fez acrescer ao lucro tributável do exercício de 2010 o valor de € 285.313,36, igual a 1/5 do valor de € 1,426.566,82, como aceita no presente processo (artigos 33.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral).

A circunstância de que este facto tributário poderia não se ter verificado se a Requerente tivesse considerado como expectável a irreversibilidade da desvalorização do USD e tivesse reconhecido as diferenças de câmbio como resultados de cada exercício é irrelevante, não afasta a aplicação do regime daquele n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, pois, pelo contrário, é precisamente essa não relevância contabilística e fiscal anterior que conduz a que o reconhecimento do aumento patrimonial ocorra com a adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade e, por isso, seja aplicável aquele regime.

 

 

3.2. Questão da errada contabilização dos suprimentos

 

Pelo que se referiu no ponto anterior, é irrelevante para a verificação do facto tributário subjacente à liquidação impugnada a eventualidade de existirem incorrecções contabilísticas (as indicadas pela Requerente ou quaisquer outras), pois o facto que acciona o regime previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009 é apenas a constatação de se produziram efeitos do tipo aí previsto, não havendo qualquer suporte textual para afastar a aplicação desta norma nos caso em que esses efeitos não se teriam produzido se a realidade contabilística fosse outra em vez de ser a que era, nesse momento da adopção pela primeira vez das normas internacionais de contabilidade.

De qualquer modo, não se verifica a incorrecção contabilística anterior a 2010 a que alude a Requerente, pois os suprimentos concedidos pelo accionista C…, S.A. não podiam ser considerados 'Prestação de Obrigações Acessórias de Capital', uma vez que o seu levantamento era permitido, sem qualquer limitação, mediante aviso à sociedade, apenas subordinado à condição, aprovada em assembleia geral de accionistas de 24-05-1991, de os titulares dos créditos que fizessem levantamentos por conta deles se comprometerem a realizar através de entradas em numerário no primeiro aumento de capital que venha a efectuar-se, o montante correspondente aos levantamentos efectuados. Este compromisso, que consubstanciava a assunção de uma obrigação meramente hipotética e sem prazo definido, não impedia que os titulares desses créditos fizessem os levantamentos por conta deles sem qualquer outro limite que não fosse o seu montante e sem verificação de qualquer outra condição, sendo certo que vieram a ocorrer efectivamente levantamentos no ano 2000 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), sem que se tenha alegado e provado a materialização de uma hipotética obrigação de efectuar entradas em numerário, que tenha sido assumida quando os levantamentos foram efectuados.

O facto de o saldo relativo aos suprimentos se ter mantido credor de € 3.014.838,04 desde o ano 2000 não obsta a que o regime legal a que estavam sujeitos no período posterior fosse o que vigorava antes desse ano que, como se viu, não obstou a que fossem efectuados levantamentos, sem que fossem acompanhados de ulterior aumento de capital de igual montante, o que revela que a condição aprovada na assembleia geral de accionistas de 24-05-1991 não teve eficácia perceptível.

Sendo assim, não há fundamento para considerar os suprimentos como prestações acessórias gratuitas de capital.

O facto de, em 19-12-2014, o Conselho de Administração ter deliberado que, em 31 de Dezembro desse ano, se procedesse à reclassificação contabilística a favor da accionista C… dos saldos a reclassificação da rubrica de suprimentos para a rubrica de Capitais Próprios – Prestações Acessórias de Capital, independentemente da sua correcção ou incorrecção contabilística, não tem qualquer relevância para definir os elementos de um facto tributário já ocorrido anteriormente, em 2010 e 2011, no que interessa para o caso dos autos.

 

3.3. Princípios da justiça e da tributação fundamentalmente sobre o rendimento real

 

No que concerne aos princípios da justiça material e da tributação fundamentalmente sobre o rendimento real das empresas (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), invocados pela Requerente, não ocorre a sua violação, já que a Requerente mantinha a dívida no ano de 2010 a dívida em USD e, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «a diferença de câmbio favorável configura um rendimento tributável para efeitos fiscais, dado que provocou um acréscimo no património do sujeito passivo».

Só se a Requerente provasse que esse rendimento já tinha sido tributado anteriormente se poderia equacionar uma violação daqueles princípios, mas a Requerente assegura que «tais diferenças de câmbio, positivas ou negativas, nunca foram registadas como 'proveitos' ou 'custos' dos exercícios da REQUERENTE, nem ao nível contabilístico, nem ao nível fiscal».

Por outro lado, o regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009 aplicava-se tanto a efeitos positivos ou como a efeitos negativos nos capitais próprios que decorressem da adopção das normas internacionais de contabilidade, pelo que não se vê que seja um regime injusto.

 

3.4. Questão da caducidade do direito de liquidação

 

A Requerente defende que, sendo todos (proveitos e custos) anteriores a 2010, já se verificou a caducidade do direito de liquidação.

Porém, no caso em apreço, o facto tributário não é constituído pelas próprias variações cambiais positivas ou negativas, mas sim pelos efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade e ficciona-se no artigo 5.º, n.º 1, que 1/5 desses efeitos se produzem no ano de 2011.

Este artigo 5.º, n.º 1, é uma norma especial sobre a relevância de factos potencialmente geradores de IRC, pelo que, relativamente ao ano de 2011, o facto tributário considera-se verificado no último dia desse período de tributação, por força do disposto no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC.

Assim, sendo o prazo de caducidade do direito de liquidação de quatro anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 1, da LGT), não ocorreu a caducidade desse direito, pois foi exercido no ano de 2015.

 

4. Pedido de indemnização por garantia indevida

 

Do exposto decorre que a liquidação impugnada não enferma das ilegalidades a que Requerente lhe imputa, pelo que o pedido de anulação da liquidação tem de improceder.

De harmonia com o disposto no artigo 53.º, n.º 1, da LGT, a indemnização por garantia indevida depende de o devedor obter «vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida».

Assim, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral, improcede também necessariamente para pedido de indemnização por garantia indevida.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 42.050,65.

 

 

Lisboa, 12 de Maio de 2016

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(Paulo Ferreira Alves)

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro)



[1]  SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição página 250.

[2]  CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 238.