Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Fernando de Jesus Amado dos Santos e Maria Forte Vaz, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A…– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., NIPC…, com sede na Av…, …-… …, … (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 16-09-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente visa a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC do ano de 2011, com o n.º 2012…, relativo ao grupo de sociedades de que a Requerente é sociedade dominante, por ter sido determinado com base em matérias colectáveis individuais às quais não foram deduzidos os valores devidos a título de tributação autónoma. Subsidiariamente, requer a declaração de ilegalidade da liquidação de imposto a título de tributações autónomas, no valor de € 256.216,17, por incidir sobre despesas empresariais efectivas, devidamente justificadas. Sendo deferido o pedido de pronúncia arbitral, a Requerida deverá ser condenada a reembolsar a Requerente do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
3. Em 18-09-2015 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 13-11-2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-11-2015.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) Em face da constante jurisprudência do Tribunal Constitucional[1] e do Supremo Tribunal Administrativo[2], as tributações autónomas serão de qualificar como uma imposição fiscal sobre a despesa e não sobre o rendimento, consubstanciando efectivos impostos indirectos que penalizam determinados encargos incorridos pelo sujeito passivo.
b) Assim, atenta a sua qualificação como tributo (indirecto) sobre a despesa, as tributações autónomas deveriam ter igual tratamento ao conferido aos demais impostos indirectos para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, por imposição constitucional e decorrência do princípio da tributação do rendimento real consagrado no n.º 2 do art. 104.º da CRP.
c) Não configurando as tributações autónomas um imposto que incida directa ou indirectamente sobre os lucros, a sua dedutibilidade para efeitos de IRC não estará excluída por via da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC (redacção em vigor à data).
d) A dedutibilidade como custo das tributações autónomas pagas com referência ao ano de 2011 não pode ser recusada com fundamento numa alegada distribuição camuflada de lucros, sobretudo dividendos, porquanto, como demonstrado pela Requerente em sede de recurso hierárquico, tais tributações autónomas incidiram sobre gastos com viaturas ligeiras de passageiros, despesas de representação e ajudas de custos, não estando em causa qualquer atribuição monetária a sócios e / ou administradores.
e) A aceitação das tributações autónomas como custo fiscal não põe em causa os objectivos de combate à fraude e à evasão fiscais, uma vez que o imposto autónomo a pagar pelo sujeito passivo não sofre qualquer redução por esta via.
f) Subsidiariamente, a Requerente requer a declaração de ilegalidade de parte das tributações autónomas pagas em 2011, num total de € 256.216,17.
g) As despesas com base nas quais se procedeu ao apuramento das tributações autónomas identificadas são essenciais à actividade desenvolvida pelas sociedades que integram o grupo de sociedades de que a Requerente é sociedade dominante.
h) Com efeito, tais sociedades têm como actividades a comercialização e / ou distribuição de café, chá, cacau e outros produtos, ou ainda, a venda de equipamentos técnicos, alienação de máquinas e moinhos de café e a sua manutenção.
i) Nessa medida, as viaturas cujos encargos geraram tributação autónoma são utilizadas pelos “comerciais” ou “vendedores” no âmbito da sua actividade de comercialização, publicitação e apresentação dos produtos comercializados, permitindo o contacto com clientes e fornecedores, pelo que possuem um nexo de causalidade com a prossecução do fim lucrativo e estão em conexão com a actividade desenvolvida pelas diversas sociedades.
j) Tais encargos contribuem exclusivamente para a obtenção de rendimentos na esfera das empresas, e não na esfera privada dos respectivos colaboradores, uma vez que não decorre qualquer benefício para os mesmos.
k) Estando, assim, afastada qualquer dúvida quanto à finalidade de tais despesas, concluindo-se pela sua conexão com a actividade das sociedades do grupo, haverá que afastar a aplicação da norma anti-abuso que prevê as tributações autónomas.
l) Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade das tributações autónomas no montante de € 256.216,17.
5. A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
a) A não dedutibilidade fiscal das tributações autónomas resulta directamente da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC, uma vez que as tributações autónomas sempre foram consideradas uma componente do IRC, integrando o regime jurídico do IRC e sendo devidas a título de IRC. Isso mesmo resulta da redacção do art. 12.º do Código do IRC e da actual redacção do art. 23.º-A do Código do IRC que terá carácter interpretativo.
b) Acresce que, “numa perspectiva sistemática e de reconstituição do pensamento do legislador, resulta ainda contrária à intenção que presidiu à criação das tributações autónomas admitir a sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável, pois essa dedutibilidade teria um efeito redutor do efeito dissuasor que o legislador pretende alcançar, associando uma vantagem fiscal a uma realidade que se pretende agravar ou onerar” (cfr. art. 25 da Resposta).
c) O legislador tem uma ampla margem de discricionariedade na concretização do que sejam encargos dedutíveis e não dedutíveis, sem que tal implique a violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da tributação pelo rendimento real. Exemplos dessa margem de discricionariedade são as normas anti-abuso previstas nos arts. 63.º a 67.º do Código do Código IRC ou a previsão de taxas agravadas de imposto para determinado tipo de rendimentos.
d) A Requerente não cumpriu com o respectivo ónus da prova não tendo demonstrado “comprovadamente, através dos respectivos registos contabilísticos, a natureza dos encargos que originaram as tributações autónomas suportadas por cada uma das sociedades do Grupo, bem como a indicação discriminada do montante de matéria colectável apurada por cada uma das sociedades do Grupo” (cfr. art. 41 da Resposta). Estará, assim, por demonstrar que o valor a reembolsar seja de € 129.993,24, como referido pela Requerente, pelo que, em caso de provimento do pedido de pronúncia arbitral, o valor a reembolsar deverá ser apurado em sede de execução de julgado.
e) No que se refere à pretensa ilegalidade das tributações autónomas no montante de € 265.216,17, a posição da Requerente não tem qualquer sustentação legal uma vez que o regime das tributações autónomas não depende de qualquer prova ou demonstração de conexão com a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, não estando prevista qualquer possibilidade de exclusão de incidência.
g) As tributações autónomas pretendem diminuir o impacto de determinadas despesas na erosão da matéria colectável em IRC independentemente de poderem, comprovadamente, ser indispensáveis para a manutenção da fonte produtora e contribuírem para a obtenção de rendimentos. Não se está, portanto, perante nenhuma presunção, nos termos do art. 349.º do Código Civil.
h) Com referência a este pedido, e em complemento, a Requerente não cumpriu com o respectivo ónus da prova, não tendo demonstrado e comprovado que os encargos em causa são praticados na manutenção da fonte produtora.
i) Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade do acto de liquidação de IRC de 2011 contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.
6. Por despacho de 27-01-2016, a Requerente, notificada para, querendo, exercer o direito ao contraditório, apresentou nova peça processual, invocando para tanto, pretender nela pronunciar-se sobre alegada invocação de excepção pela Requerida. Não consubstanciando, porém, o conteúdo a que a Requerente se reportava, matéria de excepção, não foi admitida a junção aos autos de tal articulado, sendo, consequentemente, ordenado o seu desentranhamento, por despacho de 20-02-2016. Neste mesmo despacho foi concedida à Requerente oportunidade para, em requerimento autónomo, juntar os documentos que entendesse relevantes.
7. Por despacho de 23-02-2016, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT e fixado o dia 30 de Maio como data limite para a prolação da decisão arbitral.
8. As Partes não produziram alegações.
II. Saneamento
8. 1. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.3.O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas excepções.
8.5.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Mérito
III.1. Matéria de facto
9. Factos provados
9.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:
a) Em 2011, a Requerente era sociedade dominante de grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação previsto no art. 69.º do Código do IRC.
b) Para além da Requerente, o grupo de sociedades integrava as seguintes sociedades:
-B…, Lda (NIF:…)
-C…S.A. (NIF:…)
-D…, Lda (NIF:…)
-E…, Lda (NIF:…)
-F…, Lda (NIF:…)
- G…S.A. (NIF:…)
-H…, Lda (NIF:…)
-I…, Lda (NIF:…)
-J…, Lda (NIF:…)
- K… Sociedade Gestora de Participações Sociais S.A. (NIF:…)
-L…, Lda (NIF:…)
- M…, Lda (NIF:…).
c) Em 31-05-2012, a Requerente submeteu a declaração Mod. 22 do grupo de sociedades referente ao exercício de 2011, à qual foi atribuída o n.º …-… -….
d) Na referida Mod. 22, a Requerente declarou os seguintes valores:
- no campo 311 do Quadro 9, o valor de € 23.912.147,30, a título de matéria colectável;
- no campo 358 do Quadro 10, o valor de € 5.976.474,33, a título de IRC liquidado;
- no campo 365 do Quadro 10, o montante de € 451.319,36, a título de tributações autónomas.
e) O valor das tributações autónomas declarado incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos campos 420, 421, 414 e 415 do Quadro 11.
f) Em 27-08-2012, a Autoridade Tributária efectuou a liquidação do IRC n.º 2012 … referente ao exercício de 2011 no qual apurou um valor a reembolsar de € 1.304.016,78.
g) Na liquidação emitida foi considerado como valor a pagar um total de € 451.319,36 a título de tributações autónomas.
h) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC de 2011, com fundamento em erro na autoliquidação por não ter sido deduzido à matéria colectável apurada o valor suportado a título de tributações autónomas.
i) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Senhor Director de Finanças de…, de 15-12-2014, notificado à Requerente por ofício de 16-12-2014.
j) A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
k) Por despacho de 29-05-2015, proferido pela Senhora Directora dos Serviços do IRC, foi indeferido o recurso hierárquico.
l) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por ofício de 08-04-2015, remetido por correio registado com aviso de recepção expedido a 15-06-2015.
m) A 16-09-2015, a Requerente deu entrada do pedido de pronúncia arbitral.
9.2. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada, bem como no procedimento administrativo junto pela Requerida.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Como vimos, pede a Requerente, a título principal, a declaração de ilegalidade parcial de IRC, contida na referida na autoliquidação de IRC, relativa ao ano 2011, com a consequente “devolução (…) do montante de Euro 129.993,24 correspondente à Tributação Autónoma incluída nas matérias colectáveis das várias empresas integrantes do consolidado fiscal, respeitante ao período de tributação de 2011, adicionado de juros indemnizatórios;”.
A título subsidiário, pede a Requerente “a devolução do montante do montante de Euro 256.216,17 relativo à Tributação Autónoma que incidiu sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no período de tributação de 2011”.
A) Quanto ao pedido principal
O problema da dedutibilidade dos gastos no âmbito do IRC girava, à data dos factos, em torno da interpretação do artigo 45.º do IRC, que tinha a seguinte redacção:
“1- Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC e quaisquer outros impostos que, directa ou indirectamente, incidam sobre os lucros”.
b)
Posteriormente, a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, veio revogar a alínea a) do n.º1 do artigo 45.º do IRC, através do artigo 23.º -A, n.º1, alínea a), do IRC, que passou a dispor que não são dedutíveis:
“O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que, direta ou indiretamente, incidam sobre os lucros”.
A grande diferença resulta do facto artigo 45.º do IRC, na redacção à data dos factos, em apreço, não fazer referência expressa às tributações autónomas, o que veio agora a ser explicitado no artigo 23.º-A, n.º1, alínea a), do IRC.
A resposta à questão posta gira em torno do sentido e alcance do disposto no artigo 45.º, n.º1, alínea a), do IRC, antes daquela alteração, impondo-se, assim, a questão de saber:
a) Qual natureza da espécie tributária “ Tributação Autónoma” (TA) e, por essa via, determinar se é ou não um imposto sobre o rendimento;
b) E, nessa conformidade, após a sua qualificação, avaliar a sua elegibilidade ou não como gastos fiscalmente dedutíveis, previstos nos art. 23.º e 23.º-A do IRC (este último revogou o anterior artigo 45.º do IRC).
Vejamos.
A) 1. Dedutibilidade ou não como gastos fiscais das despesas sujeitas a tributações autónomas
Importa, em síntese, verificar se as tributações autónomas sobre os encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador e despesas confidenciais não documentadas são dedutíveis ao lucro tributável.
Alega a Requerente que, sendo a tributação autónoma um imposto indirecto, que incide sobre a despesa, deve ser deduzido ao lucro tributável. Tal conclusão decorre aparentemente da própria interpretação literal, a contrario, da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, que estabelecia, ao tempo, recorde-se, que não são dedutíveis “O IRC e quaisquer outros impostos que, directa ou indirectamente, incidam sobre os lucros”.
Em sentido distinto, argumenta a Requerida, que se trata de um encargo não dedutível, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, por se tratar de um imposto sobre o rendimento.
Para devido enquadramento da questão, é necessário esclarecer a natureza das tributações autónomas e, definido o seu enquadramento, verificar se esta categoria se enquadra no conjunto de encargos dedutíveis no apuramento do lucro tributável em sede de IRC.
A) 1. 1. A natureza e funcionamento das tributações autónomas
A análise da natureza e tratamento fiscal das tributações autónomas deve, desde logo, atender-se aos seus antecedentes históricos de criação e alterações sucessivas.
A) 1.1.2. Antecedentes
A figura da tributação autónoma aparece, pela primeira vez, na Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro, que dá uma nova redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 375/74, e visava a aplicação de uma taxa sobre as despesas confidenciais, e que determina que o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto, passava a ter a seguinte redacção: “Art. 27.º - 1 - As empresas comerciais ou industriais, e bem assim as empresas com escrita devidamente organizada que se dediquem a explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias, que efectuem despesas confidenciais ou não documentadas ficam sujeitas, para esse tipo de despesas, à taxa de contribuição industrial agravada em 20%.
2 - A realização das despesas a que se refere o número anterior que ultrapassem 2% da facturação total constitui infracção punida com multa de igual montante”.
O legislador deixa bem patente um espírito punitivo, perante a contração destas despesas, ao mesmo tempo que aumenta a receita fiscal.
Com a entrada em vigor do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442 - B/88, de 30 de Novembro, aquela disposição foi revogada.
No ano seguinte, a tributação autónoma das despesas confidenciais é reintroduzida na nossa ordem jurídica pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho e que prevê: Art. 4.º As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC (que consistia em não serem fiscalmente dedutíveis.
Posteriormente, a Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, agrava a taxa de tributação para 25%, para além de manter a sua não dedutibilidade.
No ano seguinte, a Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, aumentou a taxa de tributação autónoma para 30% e aditou o n.º 2 com a seguinte redacção: “A taxa referida no número anterior será elevada para 40% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivo de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.”
Com a Lei de Orçamento do Estado para 1999 (Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro), as taxas foram aumentadas para de 30% para 32% e de 40% para 60%.
Em 2000, a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alargou o âmbito de aplicação das tributações autónomas às despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, nos seguintes termos:
«Artigo 4.º
1 – ...
2 - ...
3 - As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4% …..”.
Com a denominada Lei da Reforma Fiscal, Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o legislador decidiu revogar o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, e introduzir o artigo 69.º-A ao Código do IRC, com a seguinte redacção:
“1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º.
2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
3 - São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.”
8…”.…….
Nos anos seguintes, as taxas e base de incidência das despesas com viaturas e despesas de representação foram sucessivamente alteradas pelas Leis n.ºs 109-B/2001, de 27 de Dezembro, 32-B/2002, de 30 de Setembro e 107-B/2003, de 31 de Dezembro.
A Lei n.º 55- B/2004, de 30 de dezembro sujeita a tributação autónoma as ajudas de custo e despesas com deslocação em viatura própria.
O Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, aditou os nºs 11 e 12 que sujeitam a tributação autónoma os lucros distribuídos a entidades isentas total ou parcialmente de IRC.
A Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, alterou a redacção dos n.ºs 3 e 4 que passam a dispor o seguinte: “3- São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; [Redacção dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro]
b) À taxa de 5%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade. [Redacção dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro]
4 - São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40.000, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, alterou o n.º 4, eliminando a referência ao custo de aquisição superior a € 40.000,00 e passando a indicar o custo de aquisição superior ao montante fixado na al. e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.
A evolução do regime das tributações autónomas até 2010 permite-nos, desde já, algumas conclusões.
Pela retrospectiva efectuada pode concluir-se que, na sua génese, o regime de tributações autónomas visava apenas tributar as despesas confidenciais que, pela sua natureza, são despesas não dedutíveis em sede de IRC sendo implícito uma evidente intenção punitiva e dissuasora.
Posteriormente, as tributações autónomas passaram a incidir sobre encargos dedutíveis ou parcialmente dedutíveis, como é o caso das viaturas ligeiras de passageiros ou das ajudas de custo.
Conclui-se, assim, pela existência de significativas alterações nesta espécie tributária “Tributações Autónomas” ao longo do tempo observando-se um aumento significativo quer do tipo de gastos quer das taxas aplicáveis. Tal como conclui CASALTA NABAIS[3], “com o andar do tempo, a função dessas tributações autónomas que, entretanto se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se progressivamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais.”
Uma vez analisada a evolução histórica, importa verificar se as tributações autónomas integram o imposto sobre o rendimento ou apresentam outra natureza.
A) 1. 1. 3. A natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina
Importa salientar que sobre este tema existe abundante jurisprudência e doutrina ainda que, em relação a diversos aspectos, por se tratar de matéria controversa, haja orientações em sentido divergente.
Por exemplo, o STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21-03-2012), ainda que não versando o problema da dedutibilidade das tributações autónomas, pronunciou-se no sentido de com as mesmas se tributar a despesa e não o rendimento, ficando nesse acórdão consignado, entre o mais, “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC.
Refira-se contudo que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afectas á actividade empresarial e “indispensáveis” pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites.
No mesmo sentido, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, reformulando a doutrina do Acórdão n.º 18/11, sustenta que: “Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º,n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.” Esta jurisprudência foi reiterada pelo Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 19/12/2012.
Em relação à doutrina, como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento” (cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203).
Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (cfr. Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614. No mesmo sentido, cfr. ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, Lições, 2015, p. 237).
Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência mencionada do STA e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa. Assim, a seguir-se esta orientação, as tributações autónomas, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.
Note-se, porém, que, esta orientação, além de não ser uniforme, não esgota os problemas que esta figura suscita, em especial no que concerne à determinação do lucro tributável e à questão da dedutibilidade no IRC das quantias pagas a título de tributações autónomas.
A) 1.2. A dedutibilidade em sede de IRC das tributações autónomas
Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, “o lucro tributável corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período, com as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos, nos termos do Código).
Na definição das regras de apuramento do lucro tributável, actualmente em vigor, foi suprimido o requisito da indispensabilidade, mas reforçou as condições materiais e formais para a elegibilidade dos gastos nomeadamente quanto ao requisito documental do artigo 23.º.
Contudo, à data dos factos em apreciação a redação do artigo 23.º (em vigor à data) apenas aceitava como gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, concede-se o entendimento de que as tributações autónomas só podem ser deduzidas, se os respectivos gastos fiscais também forem dedutíveis. De outro modo, estamos perante um gasto que não é indispensável para a obtenção dos proveitos. Mais, no artigo 45.º sistematiza-se um conjunto de limitações de origens e razões divergentes – seja pela própria configuração do imposto ou pela verificação de práticas frequentes ou abusivas que distorcem os resultados e que, deste modo, se pretendem evitar.
Desde logo, recorde-se que a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, à data dos factos, dizia que não é dedutível o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros. Ou seja, o IRC não é dedutível o que parece lógico: o imposto a pagar não deve ser deduzido ao mesmo imposto.
A questão será saber se constituirão as tributações autónomas um imposto que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros. A acolher-se a tese segundo a qual estamos perante uma tributação sobre a despesa, a resposta seria negativa. Assim, como corolário desta orientação, e numa perspectiva de interpretação estritamente literal da norma fiscal, concluir-se-ia que as tributações autónomas seriam dedutíveis ao lucro tributável.
A entender-se que as despesas com tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis em sede de IRC não são tributação sobre o rendimento, elas deviam poder ser deduzidas para efeito de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 17.º e 23.º do Código do IRC, nomeadamente os encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custos e compensação pela deslocação em viatura própria.
Acontece, porém, que, é possível identificar várias decisões arbitrais que concluem no sentido da não dedutibilidade fiscal das tributações autónomas, em resultado da interpretação do mencionado artigo 45.º, n.º1, alínea a) do CIRC, quer porque sempre foram consideradas uma componente do IRC, integrando o respectivo regime jurídico, quer porque são devidas a título de IRC. No sentido da não dedutibilidade das tributações autónomas temos, designadamente, os seguintes processos: n.ºs 187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013‑T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 292/2013-T, 298/13-T, 6/2014-T, 36/2014-T, 37/2014-T, 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T, 93/2014-T, 94/2014-T, 163/2014-T, 166/2014-T, 167/2014-T e 211/2014-T, 659/2014-T, 697/2014-T e 769/2014-T.
Da jurisprudência mencionada extrai-se, em primeiro lugar, que as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação, são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da colecta produzida por estas tributações autónomas.
A este propósito, no Acórdão Arbitral, Processo n.º 59/2014-T, ficou consignado, entre o mais, que “se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos.
Conclui-se, assim, que tanto à face do artigo 4.º do decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, em que, em todas as suas versões, se referia que as tributações autónomas eram em «IRS ou IRC» e não outro tributo, como depois da sua inclusão no CIRC, as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes serão aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.”
De igual modo, realce-se o que ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo, n.º 187/2013-T, igualmente incidente sobre tributações autónomas relativas a encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custo: “Neste sentido, dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC. [p 21]. (…) Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à actividade económica por eles levada a cabo. Este aspecto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam [encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custo] apenas incidirem sobre despesas dedutíveis. (…)
Não obstante, o referido modus operandi pela via da despesa, típico das tributações autónomas em análise, será ainda assim, materialmente conexionável com o rendimento que, em última análise legitima o IRC.
(…). Face a tudo o que se vem de expor, considerando-se que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (…).”
Da jurisprudência atrás referenciada extrai-se, por outro lado, que, independentemente da natureza atribuída às tributações autónomas, e da controvérsia que gira sobre essa mesma natureza, a orientação uniforme e reiterada da jurisprudência do CAAD vai no sentido da não dedutibilidade das tributações autónomas. Realce-se, ademais, que esta jurisprudência é a seguida recentemente pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, vão nesse sentido, os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1613/15 e 363/15, de 31/3/2016. Neste último Acórdão pode ler-se, a dado passo, que “(…) Tal como analisado no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, nº 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012 a tributação autónoma de despesas de representação e despesas com viaturas: “(…) teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a despesa fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, (…) bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem ”.
“A tributação autónoma destas despesas ocorre quando simultaneamente a totalidade ou parte dessas despesas – de representação e com viaturas – são fiscalmente aceites como custos fiscais da empresa. Compreende-se, por exemplo que a aquisição de uma viatura por parte de uma empresa para que seja utilizada pelos seus funcionários ou administradores constitua um custo da empresa porque necessário à realização do lucro, mas o legislador presume que há uma vantagem para esses utilizadores das mesmas viaturas que excede o necessário à realização do lucro da empresa e constitui vantagem patrimonial do utilizador a tributar pelo mecanismo da tributação autónoma da despesa, excepto quando a vantagem que excede o necessário à realização do lucro da empresa seja tributada como rendimento do trabalho dependente do respectivo beneficiário da utilização de tal viatura. Do mesmo modo, ainda se pensarmos nas viaturas as taxas aplicáveis aos custos de aquisição elevam-se, por patamares, à medida que se eleva o custo de aquisição da viatura, por haver uma presunção de que a aquisição de viaturas de valor mais elevado indicia opções mais próximas do «luxo» que da «utilidade ou eficiência».
(…) Assim, na determinação o lucro tributável tais despesas – as de representação, de aquisição de viaturas - são tidas como custo fiscal, mas o valor da tributação autónoma que sobre essas mesmas despesas é determinado por lei não é, em si mesmo, tido como custo fiscal para efeitos de determinação de lucro tributável, sob pena de se anular completamente a finalidade da tributação autónoma dessas despesas, porque a parte dessas despesas que presumivelmente excedem as necessidades da empresa, asseguram necessidades pessoais dos seus administradores e colaboradores, não concorrem para a formação do lucro tributável da empresa contribuinte.(…) A tributação autónoma visa, como dissemos que a empresa faça um ajuste entre os seus recursos financeiros e os seus objectivos negociais desmotivando-a de adoptar comportamentos que beneficiando pessoas diversas da empresa, aumentando seja o património seja o bem-estar ou a reputação social destas, conduza a uma diminuição da sua capacidade contributiva da empresa.”
Finalmente, deve sublinhar-se que a jurisprudência reiterada e uniforme atrás mencionada levou o legislador, na recente alteração ao Código do IRC, efectuada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a estabelecer que as tributações autónomas não são custo fiscal [artigo 23°-A, n° 1, alínea a)]. Na verdade, como vimos, resulta do teor expresso do referido artigo 23.ºA- do CIRC que “o IRC, incluindo as tributações autónomas…”, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável. Ao fazê-lo, o legislador limitou-se a dar expressão literal ao entendimento jurisprudencial uniforme e reiterado, que vinha sendo adoptado, clarificando o preceito em questão.
Por tudo o que vai exposto, acolhendo a jurisprudência maioritária mencionada, improcede o entendimento da Requerente, dando-se razão à Requerida.
B) Quanto ao pedido subsidiário
Como ficou dito, pede a Requerente que, caso não se considere procedente o entendimento da dedutibilidade das tributações autónomas, se considere demonstrado que os gastos com viaturas ligeiras de passageiros têm causa empresarial e nessa medida não devem ser sujeitos a tributação autónoma (artigo 76.º do Pedido).
Alega, a Requerente, entre o mais, que, em sede de Recurso Hierárquico demonstrou a natureza empresarial dos gastos com viaturas ligeiras de passageiros já que a Requerida citou o acórdão 209/2013-T na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Segundo a Requerente, a Requerida aceita indirectamente a ausência de tributação autónoma sobre tais despesas caso se prove que tais despesas têm natureza empresarial e foram tributadas na esfera do trabalhador.
A Requerente, após a abordagem de diversas considerações sobre a problemática da empresarialidade das despesas em causa, vem no artigo 87.º do Pedido de pronúncia, assumir a elisão da presunção de “empresarialidade parcial” invocando para o efeito, entre o mais, a comprovada natureza dos gastos e a sua necessidade para a actividade operacional e a comprovada empresarialidade e indispensabilidade dos referidos gastos para a obtenção dos rendimentos e a não existência de quaisquer outros beneficiários.
Conclui a Requerente que, em termos subsidiários, sejam devolvidos 256 216,17 € decorrentes da autoliquidação das tributações autónomas apuradas e pagas aquando da entrega da Declaração Modelo 22 em Maio de 2012 por ter ficado comprovada a natureza empresarial daqueles encargos.
Vejamos.
Sobre as tributações autónomas prevê o artigo 88º do CIRC, na redação que foi dada Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro – Orçamento de Estado de 2011 as diversas taxas aplicáveis a diversas despesas. Assim para viaturas ligeiras de passageiros ou mistas dispõe o seguinte:
“…..
3 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos ……relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior …..
4 - São tributados autonomamente à taxa de 20% os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja …”
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.”
Pelo exposto e atenta a redacção desta norma é claro que nela está prevista a tributação autónoma para aquelas despesas e não se vislumbra qualquer referência literal que permita inferir pela dependência de condições ou de qualquer prova de empresarialidade. Acresce ainda que nela se prevê tal tributação para todos os encargos suportados sejam eles fiscalmente dedutíveis ou não.
Atento o teor literal do artigo 88.º do Código do IRC, podemos concluir, com alguma doutrina, que se trata de uma norma anti-abuso de natureza inilidível. Com efeito, dos preceitos legais não resulta que ao contribuinte seja admitida a prova da integral empresarialidade das despesas ou de uma prática que não teve como principal objectivo a obtenção de uma vantagem fiscal. São normas que funcionam sem qualquer intervenção administrativa em que a lei, de forma clara e imperativa, estabelece os efeitos de determinados factos ou actos praticados pelo sujeito passivo.
Por conseguinte, a argumentação da Requerente não tem na lei o mínimo de apoio quanto à possibilidade da alegada elisão da presunção de empresarialidade das despesas em causa.
Acresce que, ainda que fosse de dar razão à tese da Requerente, a verdade é que como refere a Requerida, os factos invocados são vagos e genéricos não constando dos autos concretização mínima, para efeitos da comprovação da dita empresarialidade das despesas em causa. Com efeito, a ser como pretende a Requerente cabia-lhe a comprovação da indispensabilidade dos gastos para a actividade produzida, nos termos do disposto no artigo 23.º do IRC. Comprovação considerada tanto mais essencial quando se trata de despesas que, por sua natureza, não excluem tanto finalidades empresariais como finalidades meramente privadas.
Improcede, assim, igualmente o pedido subsidiário de não tributação autónoma dos encargos com viaturas ligeiras.
Termos em que improcede o pedido (principal e subsidiário) da Requerente de declaração da ilegalidade parcial de IRC contida na autoliquidação de IRC relativa ao ano 2011.
C) Juros indemnizatórios
Como resulta do exposto, a liquidação de IRC relativa ao ano de 2011 objecto do presente recurso não enferma dos vícios que lhe são imputados, pois a quantia correspondente às tributações autónomas não era dedutível ao lucro tributável.
Termos em que, improcedendo o pedido principal e o subsidiário deduzidos pela Requerente de declaração de ilegalidade da liquidação em IRC, referente ao período de 2011, e devendo manter-se o acto tributário impugnado, improcede necessariamente o pedido de juros indemnizatórios, que é apresentado pela Requerente como corolário da alegada ilegalidade.
VI. Decisão
Nos termos expostos este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido da Requerente (principal e subsidiário) de declaração da ilegalidade parcial de IRC contida na autoliquidação de IRC relativa ao ano 2011;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira daquele pedido;
c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido, e, neste sequência,
d) Manter o indeferimento do recurso hierárquico e a liquidação impugnada.
IV. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 129.993,24.
V. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 3.060,00, a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 20 de Maio de 2016.
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (Presidente)
Fernando de Jesus Amado dos Santos
Maria Forte Vaz
[1] Cfr. acórdãos n.º 310/2012, de 20 de Junho, n.º 382/2012, de 12 de Julho, n.º 617/2012, de 19 de Dezembro, e n.º 85/2013, de 5 de Fevereiro.
[2] Cfr. acórdãos de 21-03-2012, proc. n.º 0b830/11, e de 21-01-2015, proc. n.º 0470/14.
[3] CASALTA NABAIS, “Investir e Tributar: uma relação simbiótica? In Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. I, Almedina, 2013, p. 761.