Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. Objeto do pedido
A…, NIF…, residente na Av…, …– apt…, Edifício…, …-…São Paulo, República Federativa Brasil, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em 06-08-2015 submeteu à apreciação do tribunal arbitral a legalidade i) da decisão de indeferimento de reclamação graciosa proferida pela Direcção de Finanças de … e ii) da liquidação de IRS n.º 2014…, de 5 de Dezembro de 2014, relativa ao ano de 2013.
2. Constituição e funcionamento do tribunal arbitral
Face ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Exmo Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário, Joaquim Silvério Dias Mateus, que aceitou o encargo dentro do prazo legalmente previsto sem que qualquer das partes tivesse manifestado recusa pela sua designação.
O tribunal arbitral singular foi constituído em 04-11-2015.
Em 7 de Abril de 2016 teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme ata junta aos autos, tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentarem alegações sucessivas no prazo de 15 dias.
Nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do mesmo RJAT, o tribunal determinou a prorrogação do prazo referido no n.º 1 do mesmo artigo até ao máximo de 2 meses, tendo sido fixado o dia 20 de Maio de 2016 para efeito de prolação da decisão arbitral.
3. Fundamentos do pedido
O requerente fundamentou o seu pedido com a argumentação que, em resumo, passa a apresentar-se:
3.1. A petição começa por alegar que o pedido é tempestivo ao ser submetido dentro dos 90 dias subsequentes à notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa intentada contra a legalidade do acto de liquidação de IRS de 2013 que oportunamente lhe foi notificado.
3.2. Acrescentando que no ano de 2012 o requerente residia e trabalhava em Portugal numa empresa portuguesa pertencente a um grupo multinacional, ano em que foi convidado para ocupar um posto de trabalho numa empresa do mesmo grupo em território brasileiro.
3.3. Assim, após sucessivas deslocações ao Brasil no final de 2012 e início de 2013, em 24 de Abril de 2013 o requerente afirma que assinou um contrato de trabalho com a B…, com sede na Av. … …, São Paulo.
3.4. Que, na referida cidade de São Paulo, contratou um arrendamento na avenida…, …, apt…, Edifício…, …-… São Paulo, a partir de 15 de Julho de 2013, para a morada de família, e que a partir de Agosto seguinte os seus filhos iniciaram a escola num estabelecimento de ensino da mesma cidade.
3.5. Que a sua anterior casa de morada em Portugal foi arrendada em 26 de Junho de 2013, tendo os inquilinos passado a ocupar o locado a partir de 1 de Julho seguinte.
3.6. Que como resulta dos carimbos de entrada e saída em território brasileiro apostos no seu passaporte pela Polícia Federal Brasileira, os movimentos de entradas e saídas do requerente daquele território no ano de 2013 foram os seguintes:
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Entrada no Brasil a 13 de Janeiro de 2013. Saída a 1 de Fevereiro de 2013;
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Entrada no Brasil a 17 de Fevereiro de 2013. Saída a 1 de Março de 2013;
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Entrada no Brasil a 13 de Março de 2013. Saída a 28 de Março de 2013;
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Entrada no Brasil a 24 de Abril de 2013. Saída a 9 de Maio de 2013;
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Entrada no Brasil a 23 de Maio de 2013. Saída a 7 de Junho de 2013;
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Entrada no Brasil a 12 de Junho de 2013. Saída a 20 de Junho de 2013;
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Entrada no Brasil a 14 de Julho de 2013. Saída a 19 de Julho de 2013;
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Entrada no Brasil a 22 de Julho de 2013. Saída a 14 de Dezembro de 2013.
3.7. Que aquando da cessação do vínculo laboral com a entidade empregadora portuguesa – em Abril de 2013 – foi acordado o pagamento de uma compensação, pelo que, somando os ordenados auferidos com a dita compensação, o requerente auferiu em 2013 rendimentos da Categoria A do IRS no montante total de € 234.770,15, os quais foram sujeitos à taxa de retenção na fonte (incluindo sobretaxa extraordinária) aplicável a residentes.
3.8. Que em 29 de Novembro de 2014, o Requerente apresentou a sua declaração anual de rendimentos Modelo 3 relativa a 2013, na qualidade de não residente em Portugal, na qual declarou ter auferido € 234.770,15 de rendimentos da Categoria A, sobre os quais foi retido o montante de € 100.255 e € 4.323,45 de sobretaxa.
3.9. Notificado da liquidação de IRS n.º…, datada de 5 de Dezembro de 2014, e não se conformando com ela, o Requerente reclamou graciosamente da mesma para a Direcção de Finanças de … em Março de 2015, reclamação que foi indeferida com a invocação de que, nos termos dos artigos 58.º e 71.º, n.º 10, do CIRS, o reembolso não deveria ter sido solicitado através da apresentação da declaração mas sim junto dos serviços centrais da DGCI.
3.10. O requerente discorda do indeferimento alegando que, face ao artigo 16.º do CIRS, redacção à data dos factos, devia ser considerado como não residente em Portugal, dado que em 2013 não passou aqui mais de 183 dias e que, ao contrário, passou 226 dias em território brasileiro, acrescendo que 31 de Dezembro desse mesmo ano não dispunha em Portugal de habitação em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitacional.
3.11. Assim, continua o requerente, dispondo o artigo 71.º, n.º 4, alínea a), do CIRS, que estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25 %, os rendimentos do trabalho dependente obtidos em território português por não residentes, a reclamação graciosa não podia ter conhecido outra decisão que não fosse a de deferimento, com a consequente devolução de € 45.885,91, diferença entre o imposto que foi efectivamente retido de € 104.578,45 e o imposto de € 58.692,54 que resultou da aplicação da referida taxa aos € 234.770,15 de rendimentos da Categoria A que auferiu em Portugal como não residente.
3.12. Seguidamente, o requerente afirma que a decisão aqui impugnada padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito ao ter sustentado o indeferimento com a afirmação de que o pedido de reembolso do imposto retido em excesso deveria ter sido solicitado na Direção de Serviços de Relações Internacionais, uma vez que, segundo alega, não são aqui aplicáveis os artigos 58.º e 71.º, n.ºs 4 e 10, todos do CIRS, que apenas se aplicam, como resulta da sua letra, a casos de rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º e a imposto retido na fonte a não residentes, mas apenas se os mesmos forem residentes em outros Estados Membros da UE ou do Espaço Económico Europeu, o que não é o caso do Brasil.
3.13. O requerente termina a pedir a liquidação de juros indemnizatórios uma vez que, em seu entender, resulta da leitura conjugada (directa ou por analogia) dos artigos 77.º, 96.º 97.º, n.º 1, do Código do IRS, na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, aplicáveis no caso sub judice por força do disposto no número 1 do artigo 17.º da referida Lei, decorre que o prazo geral de restituição oficiosa do IRS pago a mais é de 1 mês.
Ora, continua ainda o requerente, sendo a liquidação sub judice datada de 5 de Dezembro de 2014, e se tivesse sido correctamente efectuada pela AT, esta entidade deveria ter restituído o imposto pago em excesso no prazo de 1 mês, pelo que, a partir, na pior das hipóteses, de 5 de Janeiro de 2015 inclusive são devidos juros indemnizatórios como preceitua o artigo 43.º, n.º 3, al. a), da LGT, os quais, como resulta do artigo 61.º do CPPT, devem ser pagos no prazo de 90 dias, contados a partir do início do prazo de execução espontânea da decisão arbitral que aqui se peticiona, devendo ser contados até à data em que for emitida a nota de crédito.
3.14. Em termos finais o requerente apresenta o pedido de que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, a liquidação de imposto sub judice, devem ser integralmente anuladas, devendo em consequência ser restituído o valor de € 45.885,91 retido em excesso face ao que é legalmente devido, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.
3.15. Em sede de alegações, o Requerente mantém a mesma posição e os mesmos pedidos, renovando a argumentação e a invocação dos factos já apresentados na petição inicial.
4. Posição da Autoridade Requerida
A Autoridade Requerida apresentou a sua resposta alegando que o requerente, reclamando para si o estatuto fiscal de não residente, absteve-se de fazer a prova devida, não juntando o mesmo aos autos documentos comprovativos do que alega e que se impunha provar nos termos do artigo 16.º do CIRS, pugnando assim pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Manteve a mesma posição em sede de alegações.
5. Saneamento
O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e foram legalmente representadas.
Uma vez que o processo não enferma de nulidades e não foram levantadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, considera-se que estão reunidas as condições para ser proferida a decisão arbitral.
I. DECISÃO
II.A. DA MATÉRIA DE FACTO
II.A.1. Apresentação dos factos relevantes para a decisão arbitral
Com relevância para a decisão arbitral seleciona-se a seguinte matéria factual:
a) No ano de 2012 e até Abril de 2013, o requerente residia em Portugal e aqui auferiu rendimentos de trabalho dependente pagos pela sua entidade patronal “C…, S.A”, NIPC….
b) Entretanto, em 29 de Novembro de 2014, já para além do prazo legal, o requerente apresentou uma declaração anual de rendimentos Modelo 3, relativa ao ano de 2013, na qual assinalou que era “não residente” (campo 5B), indicou o NIF do representante fiscal, assinalou o campo de “separado de facto” (campo 6), e no Anexo A declarou rendimentos da categoria A de € 234.770,15, sobre os quais foi retido o montante de € 100.255 e € 4.323,45 de sobretaxa extraordinária.
c) O requerente juntou uma Declaração, datada de 20 de Janeiro de 2014, emitida pela sua entidade patronal em Portugal, em que, ao abrigo do artigo 119.º do CIRS, foi declarado que durante o ano de 2013 foi pago a A…, contribuinte n.º…, rendimentos de trabalho dependente de € 234.770,15 sobre os quais foi retido imposto sobre o rendimento de € 100.255 e sobretaxa extraordinária de € 4.323,45.
d) O requerente, na pessoa do seu representante fiscal, foi destinatário da liquidação número…, datada de 5 de Dezembro de 2014, referente ao ano de 2013, na qual consta como rendimento global e como rendimento colectável a quantia de € 234770,00, como coleta total a quantia de € 58.692,00, como pagamento por conta a quantia de € 58.692,00, não sendo indicado qualquer pagamento a fazer ou qualquer reembolso a pagar ao contribuinte.
e) O requerente, através do seu representante fiscal nomeado nos termos do artigo 19.º da LGT, deduziu reclamação graciosa para a Direção de Finanças de…, com data de 9 de Março de 2015, através da qual se insurgiu contra o facto de ter sido mencionado na liquidação reclamada que a retenção foi de € 58692,00 quando, na verdade, essa retenção foi de € 104578,40, requerendo a emissão de uma nova liquidação que considerasse o imposto efectivamente retido e que, em consequência, lhe fosse devolvido o excesso no montante de € 45.885,90, de acordo com o disposto no artigo 96.º do CIRS.
f) Em 7 de Maio de 2015, novamente na pessoa do seu representante fiscal, o Requerente foi notificado do indeferimento da referida reclamação segundo o qual o pedido de reembolso não deveria ser feito através da apresentação de uma declaração modelo 3, mas através de pedido dirigido “aos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos, ou seja, à Direção de Serviços de Relações Internacionais”, dado que, segundo tal despacho, é aqui aplicável o disposto no n.º 10 do art.º 71.º, e n.os 2 e 3 do art.º 78.º, todos do CIRS.
g) Resulta do processo administrativo, junto aos presentes autos em 2 de Janeiro de 2016 pela representante da autoridade requerida, que o requerente, através do seu representante fiscal, apresentou em 26 de Maio de 2015 um pedido de reembolso do IRS em causa, no quantitativo de € 45885,90, dirigido ao Diretor de Serviços de Relações Internacionais.
h) Em 14 de Outubro de 2015, o referido requerimento foi devolvido pela citada Direção de Serviços de Relações Internacionais à Direção de Finanças de … com a indicação que as instruções da administração fiscal em vigor (ofício circulado n.º 20103/2005, de 14 de Março) determinavam que o meio próprio para obter o reembolso de IRS retido na fonte a trabalhadores dependentes não residentes, por aplicação de taxa superior à prevista no artigo 71.º do CIRS, é o procedimento da reclamação graciosa, conforme previsto no n.º 4 do artigo 132.º do CPPT.
i) Entretanto, como também resulta do processo administrativo, por despacho de 15/10/2015 do Sr. Diretor de Finanças de…, por delegação, foi revogado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido em 21/04/2015, mantendo-se o indeferimento do pedido de devolução do IRS agora com fundamento na falta de prova de que o requerente tinha a qualidade de não residente em Portugal (vd. informação n.º …/2015, de 2015-10-15, sobre a qual foi proferido o despacho da mesma data).
j) Entretanto, o despacho de revogação e de indeferimento acabado de citar acolheu a proposta constante no final da informação que lhe serviu de base para que o requerente fosse notificado para, querendo, apresentar prova adicional, no prazo para o exercício do direito de audição, tendo a Direção de Finanças de…, através do ofício…, datado de 2015-10-16, notificou o mandatário do requerente.
m) Na sequência da referida notificação, o requerente apresentou, através do seu mandatário nos presentes autos, um requerimento em 27 de Outubro de 2015, na Direção de Finanças de…, com o qual juntou ao processo administrativo da reclamação graciosa um contrato de arrendamento datado de 28 de Junho de 2013, assinado pelos outorgantes, destinado a substituir a anterior versão que não tinha sido assinada, contrato esse que teve por objeto o 1.º andar direito do n.º… da Avenida de…, em Lisboa, inscrito sob o artigo…, da freguesia de…, que foi arrendado aos inquilinos D…, NIF…, e mulher, no qual foi consignado que os inquilinos iriam ocupar o locado a partir do dia 1 de Julho de 2013.
n) Confirma-se que a primeira versão do mesmo contrato de arrendamento, apresentada com o pedido de constituição do tribunal arbitral, evidenciando a data de 26 de Junho de 2013 como data da sua celebração mas apresentando as mesmas clausulas da versão referida no número anterior, não se encontrava assinada, sendo esta falta de assinatura um dos fundamentos invocados no despacho já citado acima de 15.10.2015 que manteve o indeferimento da reclamação graciosa com a invocação de que o requerente não tinha feito prova da sua qualidade de não residente em Portugal.
o) Através do mesmo requerimento de 27 de Outubro de 2015, o mandatário do requerente juntou também ao processo administrativo da reclamação a cópia da declaração modelo 3 referente a 2013, apresentada pelo seu cônjuge E…, assinalando a situação de separada de facto (campo 3 do quadro 6) e do respetivo anexo F no qual foi declarado o recebimento de rendas referentes à fracção G do prédio urbano inscrito sob o artigo…, freguesia código…, no montante de € 7.200,00, pagos pelo arrendatário com o NIF n.º…, o qual também está indicado no contrato de arrendamento como sendo o do arrendatário D… .
p) Os documentos acabados de referir fazem parte de um conjunto de elementos de prova apresentados pelo requerente, seja no processo de reclamação seja no âmbito dos presentes autos, visando demonstrar a sua qualidade de não residente em Portugal no ano de 2013, prova esta que foi complementada com outros documentos que passam a referir-se a seguir.
q) Assim, também com o pedido de pronúncia arbitral o requerente juntou cópia de um contrato de locação em que intervém como locatário e que tem por objeto um imóvel sito na avenida…, …, Apt…, Edifício…, … …-… São Paulo, no qual está consignado que o dito imóvel se destinou “exclusivamente a moradia do locatário e sua família” e que teria efeitos a partir de 15 de Julho de 2013.
r) Com o pedido de pronúncia arbitral o requerente juntou também cópia de uma “Carteira de Trabalho e Previdência Social”, do Ministério do Trabalho e Emprego, em que está consignado que o ora requerente chegou ao Brasil em 24/04/2013 e celebrou um “contrato de trabalho” com a entidade “B…”, com sede na Av. … …, São Paulo, no qual está indicado o dia 24 de Abril de 2013 como data de admissão, e uma anotação final dizendo que foi firmado um “contrato de experiência de prazo determinado a vigorar a partir de 24/04/2013 e a findar-se em 23/06/2013”.
s) Resulta dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral que o requerente em 2013 passou 226 dias em território brasileiro, como resulta dos carimbos de entrada e saída apostos no seu passaporte pela Polícia Federal Brasileira, referenciados às seguintes datas:
Entrada no Brasil a 13 de Janeiro de 2013 e Saída a 1 de Fevereiro de 2013;
Entrada no Brasil a 17 de Fevereiro de 2013 e Saída a 1 de Março de 2013;
Entrada no Brasil a 13 de Março de 2013 e Saída a 28 de Março de 2013;
Entrada no Brasil a 24 de Abril de 2013 e Saída a 9 de Maio de 2013;
Entrada no Brasil a 23 de Maio de 2013 e Saída a 7 de Junho de 2013;
Entrada no Brasil a 12 de Junho de 2013 e Saída a 20 de Junho de 2013;
Entrada no Brasil a 14 de Julho de 2013 e Saída a 19 de Julho de 2013;
Entrada no Brasil a 22 de Julho de 2013 e Saída a 14 de Dezembro de 2013.
t) A clarificação sobre a prova de que os carimbos apostos no passaporte do requerente significavam a entrada e a saída do Brasil, para efeito de determinar o tempo de permanência naquele país, foi dada pelo requerente através de requerimento apresentado na sequência da reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, que teve lugar no dia 7 de Abril de 2016, em que requerente e requerida foram convidados a pronunciar-se, tendo em vista a sua clarificação, sobre o significado dos números 1 e 2 apostos nos carimbos do passaporte, dado que até essa data nenhuma das partes se tinha pronunciado sobre essa questão, dando-se por provado com os documentos apresentados com o referido requerimento que a aposição do número 1 significava que o detentor do passaporte deu entrada no território brasileiro e que o número 2 era aposto no passaporte à saída desse mesmo território.
II.A.2. Factos dados como provados e não provados
Em matéria de prova desde já se consigna que o requerente, declarando e reivindicando a sua qualidade de não residente em Portugal no ano de 2013, respetivamente, na declaração modelo 3 que apresentou em 29 de Novembro de 2014 e na reclamação graciosa apresentada pelo seu representante fiscal com data de 9 de Março de 2015, não produziu aí a prova adequada para demonstrar a situação que declarou e reivindicava, o que só veio a verificar-se numa fase posterior com o pedido de constituição de tribunal arbitral, apresentado em 06-08-2015, que deu origem aos presentes autos, e já depois deste pedido com o requerimento de 27 de Outubro de 2015 junto ao processo administrativo da reclamação, com o qual apresentou a versão assinada do contrato de arrendamento que teve por objeto a sua casa de morada em Portugal e fez a prova do recebimento das rendas.
Não há, com relevo para a decisão à luz das várias perspetivas de análise das questões de direito, quaisquer outros factos provados e/ou não provados.
A convicção do Tribunal ao fixar o quadro factual descrito fundou-se nos elementos documentais integrados nos autos pelo requerente e pela requerida sendo que esta, ao invés de ter analisado ou questionado os documentos juntos por aquele, na resposta e nas alegações limitou-se a afirmar que o requerente não produziu prova da invocada situação de não residente.
Não obstante, tem-se presente que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão e de discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
II.B. DO DIREITO
Está em causa nos presentes autos determinar se o requerente preencheu ou não os requisitos para ser considerado como não residente em Portugal no ano de 2013 e, caso afirmativo, decidir se pagou IRS superior ao devido pelos rendimentos da categoria A aqui auferidos, com o inerente direito ao seu reembolso, e, para além disso, se esse reembolso deve ser feito em singelo ou acrescido de juros indemnizatórios como requer no final do seu pedido de pronúncia arbitral.
Antes de avançar na análise final das questões enunciadas, há que chamar à colação os procedimentos deduzidos pelo requerente junto da autoridade tributária requerida, antes e até em simultâneo com o pedido de constituição do tribunal arbitral, nuns casos através do seu representante fiscal e noutros casos através do mandatário, também constituído como tal nos presentes autos, e determinar em que medida alguns atos praticados no âmbito administrativo e os documentos que aí foram juntos já na pendência do pedido de pronúncia arbitral poderão ou deverão ser considerados nos presentes autos.
Com efeito, como desenvolvido supra na matéria de facto dado por provada, além da reclamação graciosa deduzida junto da Direção de Finanças de…, que foi indeferida por despacho de 7 de Maio de 2015, o requerente apresentou mais as petições que passamos a referir.
Assim, notificado dos fundamentos que levaram ao indeferimento da reclamação, o requerente, através do seu representante fiscal, apresentou em 26 de Maio de 2015 um pedido de reembolso do IRS em causa dirigido ao Diretor de Serviços de Relações Internacionais.
Em 14 de Outubro de 2015, já na pendência do presente processo arbitral, o referido requerimento foi devolvido à Direção de Finanças de … com a indicação de que as instruções da administração fiscal em vigor determinavam que o meio próprio para obter o reembolso de IRS retido na fonte a trabalhadores dependentes não residentes, por aplicação de taxa superior à prevista no artigo 71.º do CIRS, é o procedimento da reclamação graciosa, conforme previsto no n.º 4 do artigo 132.º do CPPT.
Entretanto, como também resulta do processo administrativo, por novo despacho do Diretor de Finanças de…, proferido em 15/10/2015, foi revogado o primeiro despacho de indeferimento da reclamação graciosa, mantendo-se no entanto o indeferimento do pedido de devolução do IRS mas agora com fundamento na falta de prova de que o requerente tinha a qualidade de não residente em Portugal, tendo este segundo despacho de indeferimento dado oportunidade ao requerente para apresentar prova de que efectivamente reunia os requisitos para ser considerado como não residente.
Na sequência da referida notificação, como também supra se dá por provado, o requerente apresentou dois documentos de prova, a saber, um contrato de arrendamento da sua casa em Lisboa que já tinha sido apresentado mas sem assinaturas e um documento provando que as rendas recebidos por tal arrendamento foram legalmente declaradas ao fisco.
Estes documentos não chegaram a ser formalmente apreciados pela Direção de Finanças de …tendo sido juntos aos presentes autos, inseridos no processo administrativo, em 2 de Janeiro de 2016, através de email dirigido ao CAAD pela Exma Representante da autoridade requerida.
Como devem ser articulados os procedimentos administrativos sumariamente descritos com o presente processo arbitral?
Vejamos.
Determina o artigo 111.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) no seu número 3 que “Caso haja sido apresentada, anteriormente à recepção da petição de impugnação, reclamação graciosa relativamente ao mesmo acto, esta deve ser apensa à impugnação judicial, no estado em que se encontrar, sendo considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação”.
Por seu lado o n.º 4 do mesmo artigo determina que “caso, posteriormente à recepção da petição de impugnação, seja apresentada reclamação graciosa relativamente ao mesmo acto e com diverso fundamento, deve esta ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação”.
Os preceitos transcritos, aplicáveis subsidiariamente ao processo arbitral por força do disposto no artigo 29.º do RJAT, determinam, em resumo, que as reclamações graciosas pendentes nos serviços fiscais, quer tenham sido apresentadas antes ou depois da apresentação da impugnação judicial, neste caso com fundamento diferente, devem ser apensadas a este último processo para aí serem apreciadas e decididas.
Iremos assim apreciar aqui o procedimento administrativo e decidir o pedido de pronúncia arbitral considerando o que deve ser considerado.
E uma das questões que deve ser desde logo definida é a de saber se o fundamento para o indeferimento inicial da reclamação graciosa, que aliás constituiu parte significativa do pedido de pronúncia arbitral, deve constituir o objeto do presente processo?
O despacho de indeferimento inicial da reclamação graciosa, notificado em 7 de Maio de 2015, foi do seguinte teor:
“Determina o art.º 71.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) que “ (…) 4 – Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25%, os seguintes rendimentos obtidos em território português por não residentes: a) Os rendimentos do trabalho dependente e todos os rendimentos empresariais e profissionais, ainda que decorrentes de actos isolados: (…) 10 – A devolução do imposto retido e pago deve ser requerida aos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos, no prazo de dois anos contados do final do ano civil seguinte em que se verificou o facto tributário (…)”.
Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 58.º do mesmo código, “Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente: a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º e não optem, quando legalmente permitido, pelo seu englobamento; (…)”.
Nestes termos, quando entidades não residentes obtêm, em território português, rendimentos do trabalho dependente, os mesmos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25%, devendo, caso se verifique a existência de retenção excessiva de imposto, solicitar a sua devolução “aos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos”, ou seja, à Direção de Serviços de Relações Internacionais.
De facto, a entrega da declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, nestas situações, não é o meio idóneo para produzir o reembolso desejado, não só porque, de acordo com o disposto nos n.os 2 e 3 do art.º 78.º do CIRS, apenas as retenções na fonte que têm a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final (e não a natureza de retenção a título definitivo), conferem direito ao reembolso, mas também porque se encontra previsto um mecanismo próprio, com uma competência específica, para a obtenção do reembolso pretendido.
E a tal conclusão não obsta o facto do reclamante, à data do pagamento, ter sido considerado como residente, e tributado como tal em sede de retenções na fonte de IRS, nos termos do disposto nos art.os 98.º n.º 1, e 99.º e 99.º-A, uma vez que, concluindo-se posteriormente que o sujeito passivo sujeito a imposto é considerado como não residente, ter-se-á concomitantemente que seguir o regime legal estabelecido para os não residentes.
Analisando a liquidação efectuada verifica-se que esta, levando em consideração o facto do reclamante ter indicado ser não residente, calculou uma coleta de €58.692,54, decorrente da aplicação da taxa liberatória ao valor que o reclamante declarou ter auferido [€ 234.770,15 x 25% = 58.629,54], não emitindo, no entanto, o reembolso do valor retido em excesso, por impossibilidade legal, atendendo ao disposto no n.º 10 do art.º 71.º, e n.os 2 e 3 do art.º 78.º, todos do CIRS.
E assim sendo, verifica-se que a liquidação não enferma de qualquer ilegalidade ou incorrecção.”
No caso em apreço, como está demonstrado, o primeiro indeferimento da reclamação graciosa apresentada na Direção de Finanças de … teve fundamentos que os serviços centrais da própria autoridade tributária consideraram inconsistentes, tendo sido comunicado à referida Direção de Finanças que os preceitos legais que invocou para o indeferimento não se aplicavam ao caso e que o despacho de indeferimento não acatava as instruções administrativas vigentes.
Na sequência da referida intervenção dos serviços centrais da autoridade requerida, a Direção de Finanças de … revogou o despacho anterior, mantendo embora o indeferimento agora com base em diferente fundamento, a saber, o de que o requerente não fez prova de que reunia os requisitos para ser considerado não residente e assim ter direito a ser-lhe aplicada a taxa de 25% prevista no artigo 71.º do CIRS, com o consequente reembolso do que a mais lhe foi retido nos rendimentos da categoria A auferidos em Portugal.
Nestes termos, ponderando os preceitos transcritos sobre a junção do processo administrativo ao processo de impugnação judicial e a revogação do despacho inicial de indeferimento da reclamação, determina-se em primeiro lugar que não se vai apreciar aqui esse despacho inicial, dado que a própria autoridade requerida o revogou, embora o mesmo tenha sido objeto de análise e contestação no pedido de pronúncia arbitral, e que a presente decisão arbitral se baseará na questão de saber se está ou não provado que o requerente deve ser considerado como não residente em Portugal no ano de 2013 e, consequentemente, se tem ou não direito a ser reembolsado de parte do IRS que lhe foi retido na fonte sobre os rendimentos da categoria A aqui auferidos no referido ano.
É a esta análise que passamos de imediato.
O artigo 16.º do CIRS, na redação vigente em 2013, era do seguinte teor:
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;
……………………..
2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18.º (Redacção da Lei nº 60-A/2005 de 31 de Dezembro).
4 - Sendo feita a prova referida no número anterior, o cônjuge residente em território português apresenta uma única declaração dos seus próprios rendimentos, da sua parte nos rendimentos comuns e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo segundo o regime aplicável às pessoas na situação de separados de facto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 59.º (Redação da Lei nº 60-A/2005 de 31 de Dezembro).
………………………
Resulta do preceito transcrito, desde logo “a contrario” das alíneas a) e b) do n.º 1, que em 2013 era considerado não residente em Portugal o contribuinte que tivesse aqui permanecido 183 dias ou menos, seguidos ou interpolados, e que simultaneamente aqui não possuísse, em 31 de Dezembro desse ano, uma habitação em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como sua residência habitual.
Ora, já no decurso dos presentes autos, o requerente logrou demonstrar com significativo grau de segurança e credibilidade que no ano de 2013 reuniu os requisitos para ser considerado como não residente em Portugal e, desse modo, ter direito a ser reembolsado do IRS que lhe foi retido na fonte, às taxas gerais, relativamente aos rendimentos da categoria A aqui auferidos.
Com efeito, desde logo considera-se provado que, entre as entradas e saídas averbadas no seu passaporte, o requerente permaneceu no Brasil cerca de 226 dias e que, consequentemente, face ao número de dias do ano, não poderia ter permanecido em Portugal 183 dias ou mais (vd. supra II.A.1.s) e t)).
A permanência no Brasil decorre igualmente do facto de ter celebrado um contrato de trabalho dependente com uma entidade patronal brasileira com sede na cidade de São Paulo, com efeitos a partir de 24 de Abril de 2013, o qual durou pelo menos até 24 de Junho desse mesmo ano (vd. supra II.A.1.r)) e que, embora não tenha sido apresentada a prova da prorrogação desse contrato, as outras provas produzidas indicam que a permanência naquele país continuou para lá do limite temporal aposto no contrato.
A permanência em território brasileiro decorre igualmente do facto do requerente ter apresentado cópia de um contrato de arrendamento, em que intervém como locatário, tendo por objeto um imóvel situado na cidade de São Paulo, no qual está consignado que o dito imóvel era destinado “exclusivamente a moradia do locatário e sua família” e que teria efeitos a partir de 15 de Julho de 2013 (vd. supra II.A.1. q)).
Anota-se, por outro lado, que o cônjuge do requerente E…, cuja permanência em Portugal terá sido superior ao limite previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, afastou a presunção legal prevista no n.º 2 do citado artigo 16.º ao ter apresentado declaração modelo 3 referente a 2013, assinalando a situação de separada de facto (campo 3 do quadro 6) (vd. supra II.A.1.o)).
Por outro lado, sendo inegável que o requerente permaneceu em Portugal ainda alguns meses no início de 2013, embora menos do que 183 dias, consta-se que o mesmo afastou igualmente o requisito referente à detenção de casa de morada de família em 31 de Dezembro de 2013 ao ter junto, com o requerimento de 27 de Outubro de 2015, cópia de um contrato de arrendamento, datado de 28 de Junho de 2013 e com efeitos a partir de 1 de Julho seguinte, incidindo sobre a fração autónoma que esteve afeta à casa de morada de família do requerente e respetivo agregado familiar em Portugal até à referida data (vd. supra II.A.1, m), n) e o)).
Quanto à questão dos juros indemnizatórios o requerente alega que tem direito aos mesmos com a invocação de que sendo a liquidação de IRS que lhe foi dirigida datada de 5 de Dezembro de 2014, se tivesse sido corretamente efetuada pela AT esta deveria ter restituído o imposto pago em excesso no prazo de 1 mês, pelo que, a partir, na pior das hipóteses, de 5 de Janeiro de 2015 inclusive, são devidos juros indemnizatórios como preceitua o artigo 43.º, n.º 3, al. a), da LGT, os quais, como resulta do artigo 61.º do CPPT, devem ser pagos no prazo de 90 dias, contados a partir do início do prazo de execução espontânea da decisão arbitral que aqui se peticiona, devendo ser contados até à data em que for emitida a nota de crédito.
Não se acompanha, nesta parte, a argumentação do requerente.
Em segundo lugar a razão fundamental da improcedência total do pedido de juros indemnizatórios tem a ver com a não verificação dos pressupostos previstos no invocado n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Com efeito, prevê-se no n.º 1 do artigo 43.º da LGT que os juros indemnizatórios são devidos quando se determine “que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Ora, no caso em apreço, não se pode concluir que foi por erro imputável aos serviços que o requerente pagou imposto superior ao devido já que, como bem observa na petição inicial, no momento em que lhe eram pagos os rendimentos do trabalho e retido o imposto pelas taxas aplicadas a residentes, nem sequer era possível determinar se no final do período tributário iria ou não preencher os pressupostos para ser qualificado como contribuinte não residente em Portugal.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 43.º da LGT são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Vejamos,
A situação prevista na transcrita alínea a) não se verifica no caso em apreço dado que não está legalmente previsto um prazo para a restituição oficiosa do imposto liquidado nas circunstâncias subjacentes à situação tributária objeto dos presentes autos.
Na verdade, embora a liquidação de IRS que foi remetida ao interessado, ao indicar que a coleta total devida era de € 58.692,00, possa transmitir a ideia que a declaração modelo 3 que lhe esteve subjacente, em que foi assinalado que o contribuinte era não residente, foi automaticamente validada e que a qualidade de não residente foi definitivamente verificada e assumida pelo sistema de gestão de informação do fisco, a verdade é que tal situação não é um dos elementos que devesse ser do conhecimento da AT ou que residisse no seu sistema cadastral, nem tao pouco foi feita prova de qualquer uma dessas circunstâncias.
Por outro lado, faz todo o sentido que a AT tenha instruído os seus serviços – pelos vistos não o terá feito para a Direção de Serviços de … – de que o meio próprio para obter o reembolso de IRS retido a mais a trabalhadores não residentes é a reclamação graciosa conforme previsto no n.º 4 do artigo 132.º do CPPT, dado que está em causa a necessidade de instaurar um procedimento para, nomeadamente, se fazer a prova dos pressupostos dessa qualidade.
Ora, a verdade é que embora o requerente até tenha utilizado esse meio, apenas veio a produzir prova completa e consistente da sua qualidade de não residente, como claramente decorre da análise supra, já no decurso do presente processo arbitral.
Assim, não obstante a errada decisão da DF de … de invocar preceitos não aplicáveis e de remeter o interessado para outros serviços da AT, a verdade é que o indeferimento baseado na falta de prova da qualidade de não residente, que constituía um ónus do interessado, não oferece contestação.
Também não se verificou a situação prevista na transcrita alínea b), dado que não poderia estar em causa uma anulação oficiosa ou por iniciativa da administração tributária, face à razão, igualmente já aduzida, de que só com intervenção do próprio interessado a demonstrar a sua qualidade de não residente, o que veio a fazer apenas no processo arbitral, é que seria possível sustentar e decidir tal anulação.
Finalmente, também não está em causa arbitrar juros ao abrigo da alínea c) do preceito em análise, dado que não está demonstrado que foi apenas por atraso imputável à administração tributária, face ao ónus de prova da qualidade de não residente a cargo do interessado e que este não satisfez, que o pedido de restituição do imposto não foi anteriormente decidido favoravelmente ao requerido.
C. DECISÃO
Nestes termos,
Julga-se parcialmente procedente o pedido arbitral e, em consequência, determina-se que seja restituída ao requerente a quantia de € 45.885,91, diferença entre o imposto que foi efetivamente retido de € 104.578,45 e o imposto de € 58.692,54 que resultaria da aplicação da taxa de 25% prevista no artigo 71.º. n.º 4, alínea a), do CIRS, à quantia de € 234.770,15 que o requerente auferiu de rendimentos da Categoria A, vindo no final do período de tributação do ano de 2013 a preencher os requisitos previstos no artigo 16.º do CIRS para ser qualificado como não residente em Portugal.
Indefere-se parcialmente o pedido na parte referente à liquidação de juros indemnizatórios a favor do requerente.
D. Valor do processo
Fixa-se ao processo o valor de € 45.885,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 20 de Maio de 2016
Notifique-se.
O árbitro,
Joaquim Silvério Mateus