Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 485/2015-T
Data da decisão: 2016-04-06  Selo  
Valor do pedido: € 1.035.497,34
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12 (OE/2014); princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e igualdade
Versão em PDF

 

 

 

REFORMA DO ACÓRDÃO ARBITRAL FINAL

 

              No pedido de pronúncia arbitral a Requerente requereu indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias que viessem a ser prestadas com vista a suspensão dos processos de execução instaurados ou a instaurar para cobrança coerciva dos montantes das liquidações objeto do mesmo pedido de pronúncia arbitral, garantias essas que protestou juntar.

              Em 27 de Novembro de 2015 a Requerente enviou ao CADD as suas Alegações finais nas quais alegou e requereu a junção aos autos da garantia bancária prestada para suspensão dos processes de execução, que protestara juntar, e cuja cópia foi anexa as referidas alegações.

              Todavia, na decisão arbitral proferida em 06.04.2015, considerou este Tribunal, por mero lapso, como facto não provado que o Requerente tenha  prestado garantias e que, não tendo sido demonstrado  nem alegado tal prestação, improcedia liminar e totalmente o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação dessa garantia.

              Daí que, nessa parte, tenha o Requerente formulado pedido de reforma da decisão no sentido de considerar parcialmente procedente o pedido de indemnização.

              Notificada a Requerida para se pronunciar, nada disse ou requereu no prazo determinado (Cfr despacho de 10-4-2016).

              Cumpre decidir.

              O Tribunal não se apercebeu efetivamente da junção de documentos aquando da apresentação das alegações finais pelo Requerente.

              A reforma do acórdão é, no caso, admissível considerando designadamente o disposto no artigo 616º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT e ponderando ainda a regra da irrecorribilidade ordinária prevista no RJAT (Cfr preâmbulo do DL nº 10/2011, de 20 de janeiro e 25º e segs, deste diploma.legal.

              Assim sendo e deferindo o pedido de reforma, procede-se à emissão de novo texto integral do acórdão, reformado nos termos requeridos, que segue imediatamente a este despacho e que substitui totalmente o anterior.

 

·         Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 22-4-2016

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Jorge Carita

(Vogal)

 

Suzana Fernandes Costa

(Vogal)

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

A…, número de identificação fiscal…, com sede na Avenida…, …, Torre…, …, em Lisboa (Serviço de Finanças de Lisboa-…), gerido e representado pela A..., S.A., número de identificação fiscal…, com sede no mesmo endereço, apresentou, em 27/7/2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1, do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, solicitando a “(...)declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) (...)”.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) foi notificada da sua constituição em 7 de agosto de 2015.

 

O Tribunal ficou regularmente constituído em 7 de outubro de 2015.

 

O objeto do processo e a posição das partes

 

A - Posição da Requerente:

A Requerente começa por referir que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), impõe que os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, estão sujeitos a Imposto do Selo à taxa de 1% sobre o respetivo valor patrimonial tributário constante na matriz.

E alega que a referida verba “é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, pelo que os atos de liquidação em crise devem, consequentemente, ser anulados”.

Segundo a Requerente “o princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), vincula a Administração Tributária a promover, nas suas relações com os contribuintes, um igual tratamento de situações que se afiguram idênticas, impondo, simultaneamente, que trate de forma distinta aquilo que é jurídico ou materialmente desigual”. E refere ainda que “no domínio do direito tributário, o princípio da igualdade surge, desde logo, mencionado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que determina que “a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento“, sendo que “a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material””. A Requerente faz ainda alusão ao artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), afirmando que este artigo é norteador de toda a atividade da Administração Tributária, impondo que esta exerça as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes.

A Requerente refere também que em matéria de tributação do património, prevê expressamente o artigo 104º n.º 3 da CRP que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

E conclui que, “ter-se-á de concluir que tributar em sede de Imposto do Selo um terreno para construção como se de um imóvel com afetação habitacional e elevado valor patrimonial se tratasse, consubstancia uma violação do princípio constitucional da igualdade”.

A Requerente expõe exemplos que fundamentam a sua tese. A Requerente refere que resulta da verba 28.1 da TGIS, a contrário, que não está sujeito a Imposto do Selo o prédio urbano que se destine a comércio ou a serviços, ainda que o mesmo tenha um valor patrimonial tributário (VPT) superior a um milhão de euros, enquanto que um imóvel afeto à habitação com o mesmo VPT do anterior está sujeito a Imposto do Selo. Outro exemplo é o caso de dois prédios urbanos com afetação habitacional com diferença de um euro no VPT, diferença que conduz a resultados absolutamente distintos: um deles pagará Imposto do Selo e o outro não. Outra situação é o caso de um prédio constituído em propriedade horizontal com 11 frações autónomas com o VPT de 100.000 € cada, não estará abrangido pela verba 28.1 da TGIS, mas se se tratar de um prédio urbano com características semelhantes em regime de propriedade total já haverá lugar a tributação.

A Requerente faz referência à decisão arbitral de 07-03-2014, do processo n.º 51/2013-T, em que, à semelhança dos presentes autos, estava em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS a terrenos para construção. E menciona ainda a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, a decisão arbitral de 2 de Fevereiro de 2015, proferida no processo n.º 292/2013-T, e a decisão arbitral de 24-02-2014, proferida no processo n.º 218/2013-T, decisão essa que conclui que “(…) não pode deixar de ser dada razão ao requerente quando conclui que «(…) a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, porque: (i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional (…)»

Assim, para a Requerente, a verba 28.1 da TGIS consagra um regime de tributação que premeia um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes que se encontrem em situações semelhantes, em clara violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

E conclui afirmando que “ao tratar de forma idêntica situações que são material e manifestamente distintas, as liquidações em apreço manifestamente violam o princípio da igualdade, vício suscetível de determinar a sua anulação e que desde já se invoca para todos os efeitos legais”.

Por outro lado, a Requerente alega ainda que “a verba 28.1 da TGIS é também inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, no artigo 5.º, n.º 2 do CPA e, no âmbito do direito tributário, no artigo 55.º da LGT”.

Com efeito, a Requerente refere que a verba 28.1 da TGIS veio onerar, de forma manifestamente grave, desproporcional e arbitrária, um número restrito de contribuintes – os titulares de prédios urbanos com afetação habitacional e com um valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros.

Entende ainda a Requerente que “a verba 28 da TGIS colide, ainda, com o princípio constitucional da igualdade fiscal ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação jurídica”, uma vez que o facto tributário sobre o qual incide a verba 28.1 é a titularidade de um direito real, em concreto, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, sendo que essa titularidade de um direito real é também tributada em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Esta dupla tributação jurídica gera, na apreciação da Requerente, uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos face a outros que, sobre o mesmo facto tributário (i.e., a titularidade de um direito real sobre um prédio urbano), apenas viram incidir um único imposto. Sobre a questão da dupla tributação, a Requerente refere que a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, e a decisão arbitral de 07-03-2014, proferida no processo n.º 51/2013-T, já se pronunciaram sobre essa questão.

E conclui que devem as liquidações de Imposto do Selo sub judice, conquanto decorrentes da aplicação da verba 28.1 da TGIS, ser anuladas, com todos os efeitos legais.

Por fim, a Requerente requer que, caso assim não se entenda, o que apenas se concede por dever de patrocínio, importa aferir se a afetação habitacional prevista na verba 28.1 da TGIS resulta das avaliações dos prédios em causa, fazendo-se apelo, para o efeito, aos dados concretos de avaliação constantes das respetivas cadernetas prediais.

E relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo…, resulta da caderneta predial junta aos autos que ao referido prédio foram atribuídas “diferentes afetações”.

E da “Demonstração de cálculo” constante da caderneta predial resulta que, para cálculo do VPT do prédio em causa, foram tidas em conta diferentes fórmulas consoante a «afetação», a saber, Comércio, Habitação, Serviços e “outra afetação”, apurando-se o valor patrimonial de cada parte (Vtc, Vth, Vts e Vto).

No cálculo do VPT de cada parte foram tidos em conta diferentes coeficientes de afetação: o coeficiente de afetação de 1,2 para a parte comércio, o de 1 para a parte habitação, o de 1,1 para a parte serviços e o de 1,1, para a parte “outra afetação”. A Requerente refere que estes coeficientes refletem os previstos no artigo 41.º do CIMI, consoante o tipo de utilização dos prédios edificados.      

A Requerente alega que a soma dos VPT apurados para as partes comércio, serviços e “outra afetação” (€ 4.890.221,65 + € 41.431.903,32 + € 2.528.371,51 = € 48.850.496,48) é superior ao VPT da parte habitação (€ 46.548.299,03), e conclui que a parte afeta a habitação não é a principal.

A Requerente conclui defendendo que “referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédio com «afetação habitacional», não pode considerar-se nela abrangido um prédio com diferentes afetações, incluindo comércio e serviços, afetações essas que o legislador expressamente pretendeu afastar do âmbito de incidência da norma”, e que, por isso, tendo ao terreno em causa sido atribuídas diferentes afetações, o Imposto do Selo deveria incidir apenas sobre a parte do prédio com afetação habitacional. E assim sendo, o Imposto do Selo deveria ter incidido apenas sobre o valor patrimonial tributário da parte considerada afeta a habitação, ou seja, sobre o valor de € 46.548.299,03 e não sobre o valor patrimonial total do prédio (€ 93.398.800,00 à data da avaliação).

Por fim, a Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias que venham a ser prestadas, garantias essas que o Requerente protestou juntar após a respetiva apresentação.

 

B - Posição da Requerida

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 11-11-2015.

A AT refere que, em relação ao artigo urbano…, imóvel com diferentes afetações, procedeu à anulação de 51 % das liquidações, ou seja, anulou a parte das liquidações que correspondia às afetações diferentes da habitação.

A AT entende “que os prédios em apreço, têm natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem uma correta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”.

Para a AT “na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28.1 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

Dispõe o n.º 1 do art.º 2.º do CIMI que «prédio é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial».

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. A classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI). Com efeito, dispõe aquele normativo, acerca das espécies de prédios urbanos existentes, que – integrando neste conceito os terrenos para construção – os «terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…»

A AT alega que a noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

Para a AT, “para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

a.       Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), ex vi art.º 11º da Lei Geral Tributária - LGT.

b.      O n.º 2 do art.º 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

c.       A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d.      A própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.”

 

Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

A AT alega que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, que no entender da AT trata-se de uma expressão diferente e mais ampla cujo sentido tem que ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

A Requerida conclui que “inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar às liquidações sub judice, tendo a entidade Requerida atuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa”, e que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Requerida do pedido.

Já em relação às alegadas inconstitucionalidades das liquidações, a Requerida refere que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

A AT refere ainda que quanto ao princípio da igualdade “não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional”.

A AT alega que a verba 28 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa, e refere que a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

Para a Requerida, “o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto”.

Para a AT não se verificam quaisquer diferenças de tratamento entre contribuintes. E o facto de o legislador ter estabelecido o valor de um milhão de euros como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso. Assim, no entender da AT “a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

A AT alega que, assim sendo, não há qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva.

A Requerida faz, na sua resposta, o enquadramento histórico e cronológico que presidiu à criação da verba 28.1 da TGIS, e conclui que “o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só)”. E entende que é legítima a opção do legislador por este mecanismo de obtenção da receita, uma vez que a tributação da verba 28.1 da TGIS é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a um milhão de euros, incidindo assim sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

A Requerida conclui afirmando que a verba 28.1 da TGIS se trata de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, e que a “tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, fenecendo qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ou da capacidade contributiva”.

Já quanto à alegada dupla tributação jurídica, a Requerida afirma que “não existe consagração constitucional, nem qualquer expressão no texto constitucional a uma qualquer proibição da dupla tributação jurídica, nem tal proibição se pode sequer deduzir como uma qualquer decorrência lógica e necessária do princípio da capacidade contributiva enquanto princípio concretizador, no âmbito fiscal, do princípio da igualdade”.

 

Relativamente ao pedido da Requerente de condenação da AT no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, a AT refere que este pedido depende da procedência ou não do pedido arbitral formulado. Entendendo a AT que o pedido deve improceder, entende que este pedido de indemnização deve também, por consequência, improceder.

E conclui a Requerida afirmando que “ deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

Refere ainda, no final, que “estribando-se os fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral essencialmente na (suposta) desconformidade constitucional da aludida Verba 28.1 do CIS, caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente, recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento as suas prerrogativas legais”.

 

C – Saneamento do processo

 

Este Tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio e as partes legítimas e com capacidade jurídica e judiciária.

Não há, para apreciar neste momento, questões incidentais ou prévias, nulidades ou exceções.

Cumpre apreciar e decidir o mérito do pedido.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

Os factos provados

 

São os seguintes os factos essenciais provados:

 

a) A Requerente era, no final de 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo…, sito na Avenida … e Avenida…, freguesia…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção habitacional, e com o valor patrimonial tributário de 6.844.261,62 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 1];

b) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 68.442,62 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido na alínea anterior [conforme documento 4 junto ao pedido arbitral];

c) A Requerente era também, em 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob ao artigo … sito na Avenida…, freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção habitacional, e com o valor patrimonial tributário de 1.205.199,23 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 2];

d) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 12.051,99 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido na alínea anterior [conforme documento 5 junto ao pedido arbitral];.

e) A Requerente era ainda, em 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo…, sito na Rua da … (…), freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção com diferentes afetações, - comércio, habitação, serviços e outras - e com o valor patrimonial tributário de 95.500.273,00 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 3];

f) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 955.002,73 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido no ponto anterior [conforme documento 6 junto ao pedido arbitral].

g) Em relação ao artigo urbano…, [cfr supra, e)] imóvel com diferentes afetações, a AT procedeu à anulação de 51 % da coleta que reduziu a €46.548.299,03. [Cfr artigos 1. A 5., da resposta apresentada pela AT neste processo]

h) O Fundo requerente prestou garantia bancária na importância de €883.823,47 para suspensão dos processos de execução fiscal para cobrança das 1ª e 2ª prestações das liquidações objeto dos autos [Doc 4 com as alegações finais do Requerente].

                                                                                            

            Factos não provados

            Não há outros factos essenciais provados e/ou não provados

 

Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e Requerida nomeadamente as liquidações, documentos de cobrança e cadernetas prediais, tudo analisado de forma crítica e em articulação com a posição das partes no processo e tendo presente a inexistência de controvérsia quanto ao quadro factual mas tão só e apenas se reconduzir essencialmente ao direito o objeto do litígio.

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

O Direito

 

Está em causa no essencial e na fundamentação apresentada pela Requerente, alegada ilegalidade dos atos tributários impugnados decorrente da aplicação de norma (a verba 28, aditada à TGIS pela Lei nº 55-A/2012, de 29-10, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12), inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, igualdade fiscal e proporcionalidade.

 

Embora de forma não absolutamente clara, a Requerente parece também surpreender a ilegalidade dos atos de liquidação em sede de interpretação do artigo 28.1, da TGIS, que entende não abranger os terrenos para construção habitacional na medida em que carecem da necessária avaliação

 

Os atos tributários sindicados são as liquidações adicionais de Imposto do Selo do ano de 2014 e relativas a prédios urbanos, com valores patrimoniais tributários de €6.844.261,62 (artigo matricial nº…, freguesia de…, Lisboa), €1.205.199,23 (artigo matricial nº…, da freguesia de …– terreno para construção) e €95.500.273,00 (artigo matricial nº…, da freguesia de …– Terreno para construção).

 

Entende a Requerente que tais liquidações enfermam de ilegalidade decorrente da violação dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da proporcionalidade, para além de que, relativamente ao artigo matricial nº…, inclui a afetação para comércio e serviços (€93.398.800,00) quando apenas deveria incidir sobre a parte habitacional (€46.548.299,03)[1].

 

            Vejamos então.

 

A liquidação e as normas essenciais aplicadas

             

Por facilidade expositiva, segue-se a transcrição das disposições legais essenciais para, seguidamente, se apreciar os atos tributários à luz dos vícios invocados pelo requerente.

Assim:

 

 Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro [altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária]:

Artigo 3.º

Alteração ao Código do Imposto do Selo

Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 22.º, 23.º, 44.º, 46.º, 49.º e 67.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

(…)

Artigo 2.º

[...]

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI.

 

Artigo 23.º

[...]

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 - ...

7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

Artigo 67.º

[...]

1 - (Anterior corpo do artigo.)

2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.»

 

Artigo 4.º

Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo

É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redação:

             «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

            28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pesos singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.

 

Artigo 6.º

Disposições transitórias

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos

até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

            i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

            ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

            iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pesos singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.

Artigo 7.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

2 - As alterações ao artigo 72.º do Código do IRS e ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária produzem efeitos desde 1 de janeiro de 2012.

 

Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, esta  verba tem a seguinte redação, no que aqui interessa:

 

            28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.

 

A justificação para o aditamento da verba 28 à TGIS (redação original) foi indicada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere, além do mais o seguinte:

A prossecução do interesse público, em face da situação económico- financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial  tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo,  não  declaradas  nos  termos  da  lei,  passam  a  ser  consideradas     uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos».

 

O âmago do litígio que este Tribunal está vinculado a resolver prende-se assim com a questão de determinar se a norma objeto da citada verba 28.1 da TGIS, ao estabelecer a tributação em IS de prédios urbanos com afetação habitacional (incluindo agora os terrenos para construção com essa afetação), deve ser objeto de recusa de aplicação com fundamento na sua desconformidade com a Constituição, atento o estatuído no art.º  204 da CRP, na medida em que nos factos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados (cf, art.º 25, n.º 1 do RJAT) – mais concretamente se tal norma é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 266º-2, da Constituição, 7º, do Cód de Processo Administrativo e 55º, da LGT -  e se, consequentemente, devem ser invalidadas as liquidações impugnadas fundadas na sobredita norma do Código do Imposto do Selo.

 

Atenta a natureza impugnatória do processo arbitral tributário [cfr. artigo 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], deve o Tribunal Arbitral socorrer-se do artigo 124.º do CPPT, com base na idêntica natureza dos meios impugnatórios.

Assim, por indicação legal, conhecer-se-ão em primeiro lugar dos vícios aos quais o Requerente imputaria a nulidade e, seguidamente, daqueles a que este faz corresponder uma mera anulabilidade. Para definir quais os vícios de que se conhece prioritariamente na decisão, deve “(…) o tribunal atender à qualificação dos vícios feita pelo impugnante, isto é, dar prioridade à apreciação dos vícios que este qualifica como geradores de inexistência ou nulidade, pelo menos para apreciar se deve ou não ser lhes dada esta qualificação” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vislis, Lisboa, vol. II, 2011, 6.ª edição, p. 327).

No caso, não são invocados vícios conducentes à nulidade dos atos tributários.

Porque tal conduz à melhor tutela dos interesses e direitos do Requerente, apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de inconstitucionalidade alegados e, após, se a apreciação não ficar prejudicada, apreciar-se-ão, as demais questões suscitadas.

Assinale-se que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes para apreciar e decidir as questões que são suscitadas – é o que tem sido repetidamente afirmado desde há muito pela Jurisprudência [ Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95 (rec nº5239), in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094.

 

Vejamos então.

 

A.    Os princípios da igualdade (fiscal), da capacidade contributiva e da proporcionalidade

                 Não sendo sindicável pela Administração Fiscal, como melhor se verá adiante, a ilegalidade do ato tributário exclusivamente fundada em alegadas inconstitucionalidades, a decisão não podia nunca deixar de aplicar a Lei fundada na sua inconstitucionalidade.

 

Sendo, no caso dos autos, os atos de liquidação de IS (Imposto do Selo) relativos ao ano de 2014, é-lhes aplicável o regime previsto na TGIS, com a redação dada pelas citadas Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e Lei nº 83-C/20143, de 31 de dezembro.

E foram essas disposições que a AT aplicou para a liquidação objeto da impugnação.

E também, pela aplicação estrita dessas normas, dúvidas não existem de que o resultado está correto, ou seja, aplicada a taxa de 1% do VPT dos imóveis em 2014, o valor da liquidação é claramente o que foi liquidado, tomando já em linha de conta a revogação parcial da liquidação relativa ao artigo matricial nº… no reconhecimento da afetação parcial da construção a outras finalidades diferentes da habitação.

A pretensão da requerente e denegada pela AT, foi o pedido de desaplicação do regime legal em que se fundamentou a liquidação, por aquele violar os princípios constitucionais atrás invocados.

 

Não tem a Requerente razão.

A AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e “(…) não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso (…)” [Cfr Ac. do STA, de 12-10-2011, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.

            É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, “(…)este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição (…)” (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

            E, no mesmo sentido, JOÃO CAUPERS (atualmente Juiz do Tribunal Constitucional) afirma que “(…)a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

            Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exatamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excecional (…)” (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

            Concluímos assim, com a citada Doutrina e Jurisprudência, que, no Direito Constitucional Português, não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

            Daí que não pudesse nunca a AT desaplicar a sobredita norma do Código do Imposto do Selo, no reconhecimento de que afrontaria preceitos e/ou princípios constitucionais.

 

            Sendo aquela incumbência exclusiva de apreciação pelos Tribunais, cumpre a este apreciar e decidir.

            A questão está, no essencial, em saber se o Fundo Requerente, proprietário de prédios com valor patrimonial, cada um, superior a €1.000.000,00, para fins, total ou parcialmente, habitacionais, tributado em Imposto do Selo relativo a 2014, à luz das citadas normas introduzidas pelas Lei nºs 55-A/2011 e 83-C/2013 vê ou não “agredido” o seu direito ao respeito pelos sobreditos princípios constitucionais.

O princípio da igualdade, basilar num Estado de direito, traduz a proibição de quaisquer discriminações no tratamento de situações iguais (dimensão igualizadora) e admissão da desigualdade de tratamento de situações desiguais (dimensão diferenciadora).

 

            Em matéria de fiscalidade, o princípio da igualdade[2] traduz-se na “[(…)ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) (…)]” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 151 -152).

            Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva “(…)afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto (…)” (Casalta Nabais, Obra Citada, pág. 154).

            Ou seja e por outras palavras: está vedado constitucionalmente ao legislador ordinário determinar as suas normas de um modo “caprichoso”, antes devendo submete-las a sérios e rigorosos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.

            O princípio da igualdade tem a sua consagração expressa na nossa Lei Fundamental [cfr artigo 13º, da Constituição].

            Daqui resulta que este princípio também se pode expressar na obrigação de imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade (tendencialmente real) entre cidadãos.

Ou seja: o princípio da igualdade só deverá considerar-se violado se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável.

Entende ainda a Requerente que “a verba 28 da TGIS colide com o princípio constitucional da igualdade fiscal ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação jurídica”, uma vez que o facto tributário sobre o qual incide a verba 28.1 é a titularidade de um direito real, em concreto, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, sendo que essa titularidade de um direito real é também tributada em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

Esta dupla tributação jurídica gera, na apreciação da Requerente, uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos face a outros que, sobre o mesmo facto tributário (i.e., a titularidade de um direito real sobre um prédio urbano), apenas viram incidir um único imposto. Sobre a questão da dupla tributação, a Requerente refere que a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, e a decisão arbitral de 07-03-2014, proferida no processo n.º 51/2013-T, já se pronunciaram sobre essa questão.

Certo que nas decisões arbitrais citadas foi afirmado que a dupla tributação jurídica significa que a mesma manifestação de riqueza, que se traduz no mesmo facto fiscal, é tributada duas vezes, tal significando uma discriminação negativa em relação a outros contribuintes cuja tributação apenas foi realizada uma única vez sobre o mesmo facto tributário.

Tal não tem, como reconheceram os citados arestos, expressão literal no texto constitucional, deduzindo-se antes do princípio da capacidade contributiva.

Por outro lado, é verdade que alguma doutrina fiscal portuguesa tem insistido nesta vertente como corolário do princípio da igualdade (“…ao impor limites intra-sistemáticos, ou seja, coerência entre os diversos impostos e coerência do sistema fiscal no seu conjunto, o princípio em causa deve ser convocado para a solução de problemas tais como a dupla tributação interna, concretize-se esta numa dupla tributação (dupla tributação jurídica) ou numa sobreposição de impostos (dupla tributação económica), a tributação múltipla ou plural, que se traduz em os mesmos bens, por exemplo os imóveis, serem objeto de diversos impostos, a conversão de impostos, que se materializa na transformação de impostos sobre o rendimento em impostos sobre o património em virtude, por exemplo, da inércia do legislador face ao fenómeno da inflação, etc.” (Cfr JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, 2012, p. 164).

 Esta pretensa dupla tributação jurídica consistiria no facto de a titularidade de direitos reais ser simultaneamente tributada em sede de CIMI e em sede de IS, a qual incidiria sobre a mesma realidade.

Não parece que assim seja porquanto uma coisa é tributar todo e qualquer prédio em sede de CIMI (cfr artigo 2º) outra será tributar outra realidade fiscal que são os prédios habitacionais ou terrenos para esse fim, de valor superior a €1.000.000,00.

Depois os sujeitos ativos em cada uma dessas relações jurídicas fiscais são diversos: o Estado, no caso do IS e os Municípios, no caso do IMI.

Trata-se (a questão da dupla tributação jurídica), por isso, de visão ou análise que não tem, apoio jurídico e/ou legal porquanto não existe consagração constitucional, nem qualquer expressão no texto constitucional a uma qualquer proibição da dupla tributação jurídica, nem tal proibição se pode sequer deduzir como uma qualquer decorrência lógica e necessária do princípio da capacidade contributiva enquanto principio concretizador, no âmbito fiscal, do princípio da igualdade”.

            Por outro lado, “(…)o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais,’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)” [Cfr Ac do Tribunal Constitucional nº 142/04[3]]

            É neste contexto que se justificará a diferenciação de tratamento fiscal do património, designadamente, imobiliário, de molde a tributar, de forma agravada e proporcional, os titulares de prédios de maior valor ou criando mesmo uma tributação autónoma para aqueles prédios de valor excecionalmente elevado com base na presunção – que sabemos que nem sempre se concretiza -, de que quem tem património de valor elevado tem a correspondente capacidade contributiva.

 

            Em matéria de igualdade fiscal, a capacidade contributiva é elemento essencial a ponderar porquanto só haverá verdadeira igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes se houver tributação idêntica para capacidades contributivas igualmente idênticas. Como é bom de ver.

            A tributação especial, em sede de Imposto do Selo, incidente sobre os prédios com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000, foi, como se viu anteriormente, introduzida no nosso sistema fiscal pela Lei nº 55-A/2012, de 29-10, com aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) da verba 28.1 [cfr artigo 4º, da citada Lei].

            Depois de polémica jurisprudencial relativa à aplicação ou não do sobredito regime aos terrenos para construção habitacional (cfr, no CAAD, por todos, o Ac proferido no proc nº 51/2013, de 7 de março), cumpre analisar o estado da questão à luz da nova redação da TGIS.

            Vejamos então se a opção legislativa, traduzida na introdução deste novo regime de sujeição a Imposto do Selo viola, pela forma como foi formulado, o princípio constitucional da igualdade, na dimensão tributária, com o inerente corolário traduzido no princípio da capacidade contributiva.

            Tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que “(…)só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr Acórdão do Trib Constitucional nº 47/2010[4]).

            É entendimento que voltou a ser reiterado no acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional relativo à apreciação sucessiva de normas do Orçamento de Estado para 2013 - Acórdão nº 187/2013, de 5 de abril de 2013.

            Na base da aprovação da citada Lei nº 55-A/2012, esteve a “(…) prossecução do interesse público, em face da situação económica e financeira do País (…)” e a exigência de “(…) um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental (…)” medidas “(…) fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) e em conformidade com este desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa (…)” – Cfr termos da “Exposição de Motivos” na  proposta de Lei nº 96/XII/2ª apresentada pelo Governo à Assembleia da República e que esteve na base da aprovação da mencionada Lei (Cfr Diário da Assembleia da República – Série A, de 21-9-2012, pp. 44-52).

            Contraditoriamente, não parecem tais desideratos transparecer da ou estar totalmente evidenciados na Lei nº 55-A/2012.

            Desde logo porque não se compreende ou explica aparentemente a razão da tributação apenas de imóveis afetos a fins habitacionais, com exclusão, por conseguinte, daqueles que, embora de valor superior a € 1.000.000, não estão afetos a essa finalidade.

            Por outro lado, a tributação pelo verba 28.1, da TGIS, conduz aparentemente a manifesta iniquidade na medida em que deixa fora dessa tributação, inexplicada e inexplicavelmente, bens imóveis do mesmo sujeito passivo que, embora todos afetos a fins habitacionais, têm, cada um, VPT inferior a €1.000.000 mas que no seu conjunto perfazem um VPT superior (e, por vezes, até bastante superior) a €1.000.000.

            Ou seja: o princípio da capacidade contributiva traduzido no pagamento do imposto em função do índice dessa capacidade [o valor do património imobiliário do sujeito passivo], estará posto em causa na medida em que o regime de tributação em sede de Imposto do Selo [e que, no caso, se traduz em tributação do património] não asseguraria – bem pelo contrário – uma efetiva igualdade de tributação em função da capacidade contributiva dos cidadãos sujeitos a essa incidência.

            Esta Doutrina foi defendida na sentença proferida em 24-2-2014, no processo nº 218/2013-T, mas não veio a ter acolhimento pelo Tribunal Constitucional [Cfr., v. g., Acórdão nº 590/2015, de 11-11-2015 (www.tribunalconstitucinal.pt) no recurso interposto da sentença do Tribunal Arbitral proferida no processo nº 219/2013-T, do CAAD (cfr internet, www.caad.org.pt )]

            Ponderou o Tribunal Constitucional que, designadamente, “(...)o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.

“(...)A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário (...)”.

Pese embora carecer de força obrigatória geral, o sobredito aresto do Tribunal Constitucional é suficientemente convincente no sentido de permitir aceitar ou não repudiar, a orientação de que a norma em causa não enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

Daí que conclua este Tribunal pela improcedência do pedido de anulação dos atos tributários por aplicação de norma (verba 28, da TGIS) no reconhecimento de que a mesma não enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade fiscal, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

 

  1. Terreno para construção de edifício não exclusivamente habitacional

A Requerente alega que, relativamente ao sobredito artigo matricial nº …, a soma dos VPT apurados para as partes comércio, serviços e “outra afetação” (€ 4.890.221,65 + € 41.431.903,32 + € 2.528.371,51 = € 48.850.496,48) é superior ao VPT da parte habitação (€ 46.548.299,03), e conclui que a parte afeta a habitação não é a principal, defendendo que “referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédio com «afetação habitacional», não pode considerar-se nela abrangido um prédio com diferentes afetações, incluindo comércio e serviços, afetações essas que o legislador expressamente pretendeu afastar do âmbito de incidência da norma”, e que, por isso, tendo ao terreno em causa sido atribuídas diferentes afetações, o Imposto do Selo deveria incidir apenas sobre a parte do prédio com afetação habitacional. E assim sendo, o Imposto do Selo deveria ter incidido apenas sobre o valor patrimonial tributário da parte considerada afeta a habitação, ou seja, sobre o valor de € 46.548.299,03 e não sobre o valor patrimonial total do prédio (€ 93.398.800,00).

Nesta matéria afigura-se, na verdade, indiferente apurar qual a afetação principal do edifício a construir no terreno na medida em que o que é absolutamente relevante é apurar se o VPT do terreno na parte destinada a habitação é ou não superior a €1.000.000,00.

Ora como resultou demonstrado e a Requerente reconhece, esse VPT da parte habitacional cifra-se em €46.548.299,39 sendo sobre este valor que deveria incidir – como acabou por acontecer – a liquidação.

Na verdade, a AT revogou parcialmente o ato de liquidação original desconsiderando, para efeitos da liquidação, a diferença entre este valor (€46.548.299,30) e o VPT total do terreno sobre o qual havia incidido aquela liquidação (€93.398.800,00).

Tanto basta para não se evidenciar, ou estar sanada, a ilegalidade na liquidação.

 

C.    A questão da dupla tributação jurídica.

Esta questão já foi abordada supra.

 

D.    A questão da indemnização por garantia indevida

Dispõe a LGT:

 Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

            No caso, vem o Requerente pedir a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias prestadas em sede de execução fiscal.

            Estando comprovada a prestação da garantia bancária, terá o Requerente direito a ser ressarcido pelos encargos e prejuízos com essa prestação atento o desfecho do presente processo impugnatório.

            Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que, pese embora não ter sido alegado, o requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção das garantias.

Ora tendo prestado as garantias pelo valor total das liquidações objeto desta impugnação, juros, custas e demais acréscimos (Cfr artigo 199º-6, do CPPT) e indo obter vencimento parcial nesta ação, aqueles encargos bancários serão liquidados oportunamente tendo por base o critério da proporcionalidade previsto no artigo 53º-3, da LGT.

Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem à requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.

Certo que não foi concretizado o quantum indemnizatório.

Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.

A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado e tendo presente as limitações do seu quantum previstas no artigo 53º-3, da LGT.

 

             

            III – Decisão

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)     Julgar parcialmente improcedente o pedido, mantendo na ordem jurídica as liquidações de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 68.442,62 €, relativa ao ano de 2014 e n.º 2015 … no valor de 12.051,99 €, relativa ao ano de 2014;

B)    Julgar parcialmente procedente o pedido relativo à liquidação n.º 2015 … no valor de 955.002,73 €, relativa ao artigo matricial urbano nº…, da freguesia de … (Lisboa), reduzindo esta à importância de €467.951,33, correspondente a 49% daquela liquidação;

C)    Julgar procedente, parcialmente, nos termos e com os limites expostos, o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária para o valor das 1ª e 2ª prestações (€883.823,47) das liquidações objeto dos autos;

D)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização ao Requerente, nos termos proporção e limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência parcial do pedido;

E)     Julgar totalmente improcedente tudo o mais peticionado e

F)     Condenar ambas as partes nas custas na proporção dos respetivos decaimentos nos termos precisados infra.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.035.497,34

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.382,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Requerente, na proporção que resultar do decaimento da AT na importância de €487.051,14.

           

Lisboa, 6-4-2016

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Jorge Carita

(Vogal)

 

 

Suzana Fernandes da Costa

(Vogal)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 485/2015-T

Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12 (OE/2014); princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e igualdade

 

* Decisão Arbitral substituída pela Decisão Arbitral de 22-04-2016

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PROCESSO ARBITRAL N.º 485/2015-T - CAAD

           

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

A…, número de identificação fiscal …, com sede na Avenida …, …, Torre …, … Piso, em Lisboa (Serviço de Finanças de Lisboa-…), gerido e representado pela B… – …, S.A., número de identificação fiscal …, com sede no mesmo endereço, apresentou, em 27/7/2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1, do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, solicitando a “(...)declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) (...)”.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) foi notificada da sua constituição em 7 de agosto de 2015.

 

O Tribunal ficou regularmente constituído em 7 de outubro de 2015.

 

O objeto do processo e a posição das partes

 

A - Posição da Requerente:

A Requerente começa por referir que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), impõe que os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, estão sujeitos a Imposto do Selo à taxa de 1% sobre o respetivo valor patrimonial tributário constante na matriz.

E alega que a referida verba “é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, pelo que os atos de liquidação em crise devem, consequentemente, ser anulados”.

Segundo a Requerente “o princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), vincula a Administração Tributária a promover, nas suas relações com os contribuintes, um igual tratamento de situações que se afiguram idênticas, impondo, simultaneamente, que trate de forma distinta aquilo que é jurídico ou materialmente desigual”. E refere ainda que “no domínio do direito tributário, o princípio da igualdade surge, desde logo, mencionado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que determina que “a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento“, sendo que “a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material””. A Requerente faz ainda alusão ao artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), afirmando que este artigo é norteador de toda a atividade da Administração Tributária, impondo que esta exerça as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes.

A Requerente refere também que em matéria de tributação do património, prevê expressamente o artigo 104º n.º 3 da CRP que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

E conclui que, “ter-se-á de concluir que tributar em sede de Imposto do Selo um terreno para construção como se de um imóvel com afetação habitacional e elevado valor patrimonial se tratasse, consubstancia uma violação do princípio constitucional da igualdade”.

A Requerente expõe exemplos que fundamentam a sua tese. A Requerente refere que resulta da verba 28.1 da TGIS, a contrário, que não está sujeito a Imposto do Selo o prédio urbano que se destine a comércio ou a serviços, ainda que o mesmo tenha um valor patrimonial tributário (VPT) superior a um milhão de euros, enquanto que um imóvel afeto à habitação com o mesmo VPT do anterior está sujeito a Imposto do Selo. Outro exemplo é o caso de dois prédios urbanos com afetação habitacional com diferença de um euro no VPT, diferença que conduz a resultados absolutamente distintos: um deles pagará Imposto do Selo e o outro não. Outra situação é o caso de um prédio constituído em propriedade horizontal com 11 frações autónomas com o VPT de 100.000 € cada, não estará abrangido pela verba 28.1 da TGIS, mas se se tratar de um prédio urbano com características semelhantes em regime de propriedade total já haverá lugar a tributação.

A Requerente faz referência à decisão arbitral de 07-03-2014, do processo n.º 51/2013-T, em que, à semelhança dos presentes autos, estava em causa a aplicação da verba 28.1 da TGIS a terrenos para construção. E menciona ainda a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, a decisão arbitral de 2 de Fevereiro de 2015, proferida no processo n.º 292/2013-T, e a decisão arbitral de 24-02-2014, proferida no processo n.º 218/2013-T, decisão essa que conclui que “(…) não pode deixar de ser dada razão ao requerente quando conclui que «(…) a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, porque: (i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional (…)»

Assim, para a Requerente, a verba 28.1 da TGIS consagra um regime de tributação que premeia um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes que se encontrem em situações semelhantes, em clara violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

E conclui afirmando que “ao tratar de forma idêntica situações que são material e manifestamente distintas, as liquidações em apreço manifestamente violam o princípio da igualdade, vício suscetível de determinar a sua anulação e que desde já se invoca para todos os efeitos legais”.

Por outro lado, a Requerente alega ainda que “a verba 28.1 da TGIS é também inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, no artigo 5.º, n.º 2 do CPA e, no âmbito do direito tributário, no artigo 55.º da LGT”.

Com efeito, a Requerente refere que a verba 28.1 da TGIS veio onerar, de forma manifestamente grave, desproporcional e arbitrária, um número restrito de contribuintes – os titulares de prédios urbanos com afetação habitacional e com um valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros.

Entende ainda a Requerente que “a verba 28 da TGIS colide, ainda, com o princípio constitucional da igualdade fiscal ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação jurídica”, uma vez que o facto tributário sobre o qual incide a verba 28.1 é a titularidade de um direito real, em concreto, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, sendo que essa titularidade de um direito real é também tributada em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Esta dupla tributação jurídica gera, na apreciação da Requerente, uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos face a outros que, sobre o mesmo facto tributário (i.e., a titularidade de um direito real sobre um prédio urbano), apenas viram incidir um único imposto. Sobre a questão da dupla tributação, a Requerente refere que a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, e a decisão arbitral de 07-03-2014, proferida no processo n.º 51/2013-T, já se pronunciaram sobre essa questão.

E conclui que devem as liquidações de Imposto do Selo sub judice, conquanto decorrentes da aplicação da verba 28.1 da TGIS, ser anuladas, com todos os efeitos legais.

Por fim, a Requerente requer que, caso assim não se entenda, o que apenas se concede por dever de patrocínio, importa aferir se a afetação habitacional prevista na verba 28.1 da TGIS resulta das avaliações dos prédios em causa, fazendo-se apelo, para o efeito, aos dados concretos de avaliação constantes das respetivas cadernetas prediais.

E relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo …, resulta da caderneta predial junta aos autos que ao referido prédio foram atribuídas “diferentes afetações”.

E da “Demonstração de cálculo” constante da caderneta predial resulta que, para cálculo do VPT do prédio em causa, foram tidas em conta diferentes fórmulas consoante a «afetação», a saber, Comércio, Habitação, Serviços e “outra afetação”, apurando-se o valor patrimonial de cada parte (Vtc, Vth, Vts e Vto).

No cálculo do VPT de cada parte foram tidos em conta diferentes coeficientes de afetação: o coeficiente de afetação de 1,2 para a parte comércio, o de 1 para a parte habitação, o de 1,1 para a parte serviços e o de 1,1, para a parte “outra afetação”. A Requerente refere que estes coeficientes refletem os previstos no artigo 41.º do CIMI, consoante o tipo de utilização dos prédios edificados.      

A Requerente alega que a soma dos VPT apurados para as partes comércio, serviços e “outra afetação” (€ 4.890.221,65 + € 41.431.903,32 + € 2.528.371,51 = € 48.850.496,48) é superior ao VPT da parte habitação (€ 46.548.299,03), e conclui que a parte afeta a habitação não é a principal.

A Requerente conclui defendendo que “referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédio com «afetação habitacional», não pode considerar-se nela abrangido um prédio com diferentes afetações, incluindo comércio e serviços, afetações essas que o legislador expressamente pretendeu afastar do âmbito de incidência da norma”, e que, por isso, tendo ao terreno em causa sido atribuídas diferentes afetações, o Imposto do Selo deveria incidir apenas sobre a parte do prédio com afetação habitacional. E assim sendo, o Imposto do Selo deveria ter incidido apenas sobre o valor patrimonial tributário da parte considerada afeta a habitação, ou seja, sobre o valor de € 46.548.299,03 e não sobre o valor patrimonial total do prédio (€ 93.398.800,00 à data da avaliação).

Por fim, a Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias que venham a ser prestadas, garantias essas que o Requerente protestou juntar após a respetiva apresentação.

 

B - Posição da Requerida

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 11-11-2015.

A AT refere que, em relação ao artigo urbano …, imóvel com diferentes afetações, procedeu à anulação de 51 % das liquidações, ou seja, anulou a parte das liquidações que correspondia às afetações diferentes da habitação.

A AT entende “que os prédios em apreço, têm natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem uma correta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”.

Para a AT “na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28.1 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

Dispõe o n.º 1 do art.º 2.º do CIMI que «prédio é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial».

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. A classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI). Com efeito, dispõe aquele normativo, acerca das espécies de prédios urbanos existentes, que – integrando neste conceito os terrenos para construção – os «terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…»

A AT alega que a noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

Para a AT, “para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

e.       Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), ex vi art.º 11º da Lei Geral Tributária - LGT.

f.       O n.º 2 do art.º 67.º do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

g.      A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

h.      A própria verba 28.1 TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.”

 

Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

A AT alega que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, que no entender da AT trata-se de uma expressão diferente e mais ampla cujo sentido tem que ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

A Requerida conclui que “inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar às liquidações sub judice, tendo a entidade Requerida atuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa”, e que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Requerida do pedido.

Já em relação às alegadas inconstitucionalidades das liquidações, a Requerida refere que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

A AT refere ainda que quanto ao princípio da igualdade “não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional”.

A AT alega que a verba 28 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa, e refere que a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

Para a Requerida, “o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto”.

Para a AT não se verificam quaisquer diferenças de tratamento entre contribuintes. E o facto de o legislador ter estabelecido o valor de um milhão de euros como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso. Assim, no entender da AT “a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

A AT alega que, assim sendo, não há qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva.

A Requerida faz, na sua resposta, o enquadramento histórico e cronológico que presidiu à criação da verba 28.1 da TGIS, e conclui que “o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só)”. E entende que é legítima a opção do legislador por este mecanismo de obtenção da receita, uma vez que a tributação da verba 28.1 da TGIS é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a um milhão de euros, incidindo assim sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

A Requerida conclui afirmando que a verba 28.1 da TGIS se trata de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, e que a “tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, fenecendo qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ou da capacidade contributiva”.

Já quanto à alegada dupla tributação jurídica, a Requerida afirma que “não existe consagração constitucional, nem qualquer expressão no texto constitucional a uma qualquer proibição da dupla tributação jurídica, nem tal proibição se pode sequer deduzir como uma qualquer decorrência lógica e necessária do princípio da capacidade contributiva enquanto princípio concretizador, no âmbito fiscal, do princípio da igualdade”.

 

Relativamente ao pedido da Requerente de condenação da AT no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, a AT refere que este pedido depende da procedência ou não do pedido arbitral formulado. Entendendo a AT que o pedido deve improceder, entende que este pedido de indemnização deve também, por consequência, improceder.

E conclui a Requerida afirmando que “ deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

Refere ainda, no final, que “estribando-se os fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral essencialmente na (suposta) desconformidade constitucional da aludida Verba 28.1 do CIS, caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente, recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento as suas prerrogativas legais”.

 

C – Saneamento do processo

 

Este Tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio e as partes legítimas e com capacidade jurídica e judiciária.

Não há, para apreciar neste momento, questões incidentais ou prévias, nulidades ou exceções.

Cumpre apreciar e decidir o mérito do pedido.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

Os factos provados

 

São os seguintes os factos essenciais provados:

 

a) A Requerente era, no final de 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …, sito na Avenida … e Avenida …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção habitacional, e com o valor patrimonial tributário de 6.844.261,62 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 1];

b) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 68.442,62 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido na alínea anterior [conforme documento 4 junto ao pedido arbitral];

c) A Requerente era também, em 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob ao artigo …, sito na Avenida …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção habitacional, e com o valor patrimonial tributário de 1.205.199,23 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 2];

d) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 12.051,99 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido na alínea anterior [conforme documento 5 junto ao pedido arbitral];.

e) A Requerente era ainda, em 2014, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …, sito na Rua … (antigo …), freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz como terreno para construção com diferentes afetações, - comércio, habitação, serviços e outras - e com o valor patrimonial tributário de 95.500.273,00 € [conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 3];

f) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 955.002,73 €, relativa ao ano de 2014 e ao imóvel referido no ponto anterior [conforme documento 6 junto ao pedido arbitral].

g) Em relação ao artigo urbano …, [cfr supra, e)] imóvel com diferentes afetações, a AT procedeu à anulação de 51 % da coleta que reduziu a €46.548.299,03. [Cfr artigos 1. A 5., da resposta apresentada pela AT neste processo] -

           

            Os factos não provados

            Não está demonstrado:

            - que o Requerente tenha prestado garantia para assegurar o pagamento das liquidações objeto destes autos.

 

Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e Requerida nomeadamente as liquidações, documentos de cobrança e cadernetas prediais, tudo analisado de forma crítica e em articulação com a posição das partes no processo e tendo presente a inexistência de controvérsia quanto ao quadro factual mas tão só e apenas se reconduzir essencialmente ao direito o objeto do litígio.

 

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

O Direito

 

Está em causa no essencial e na fundamentação apresentada pela Requerente, alegada ilegalidade dos atos tributários impugnados decorrente da aplicação de norma (a verba 28, aditada à TGIS pela Lei nº 55-A/2012, de 29-10, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12), inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, igualdade fiscal e proporcionalidade.

 

Embora de forma não absolutamente clara, a Requerente parece também surpreender a ilegalidade dos atos de liquidação em sede de interpretação do artigo 28.1, da TGIS, que entende não abranger os terrenos para construção habitacional na medida em que carecem da necessária avaliação

 

Os atos tributários sindicados são as liquidações adicionais de Imposto do Selo do ano de 2014 e relativas a prédios urbanos, com valores patrimoniais tributários de €6.844.261,62 (artigo matricial nº …, freguesia de …, Lisboa), €1.205.199,23 (artigo matricial nº …, da freguesia de … – terreno para construção) e €95.500.273,00 (artigo matricial nº …, da freguesia de … – Terreno para construção).

 

Entende a Requerente que tais liquidações enfermam de ilegalidade decorrente da violação dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da proporcionalidade, para além de que, relativamente ao artigo matricial nº …, inclui a afetação para comércio e serviços (€93.398.800,00) quando apenas deveria incidir sobre a parte habitacional (€46.548.299,03)[5].

 

            Vejamos então.

 

A liquidação e as normas essenciais aplicadas

             

Por facilidade expositiva, segue-se a transcrição das disposições legais essenciais para, seguidamente, se apreciar os atos tributários à luz dos vícios invocados pelo requerente.

Assim:

 

 Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro [altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária]:

Artigo 3.º

Alteração ao Código do Imposto do Selo

Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 22.º, 23.º, 44.º, 46.º, 49.º e 67.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

(…)

Artigo 2.º

[...]

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI.

 

Artigo 23.º

[...]

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 - ...

7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

Artigo 67.º

[...]

1 - (Anterior corpo do artigo.)

2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.»

 

Artigo 4.º

Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo

É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redação:

             «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

            28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pesos singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.

 

Artigo 6.º

Disposições transitórias

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos

até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

            i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

            ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

            iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pesos singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.

 

Artigo 7.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

2 - As alterações ao artigo 72.º do Código do IRS e ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária produzem efeitos desde 1 de janeiro de 2012.

 

Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, esta  verba tem a seguinte redação, no que aqui interessa:

 

            28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.

 

A justificação para o aditamento da verba 28 à TGIS (redação original) foi indicada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere, além do mais o seguinte:

A prossecução do interesse público, em face da situação económico- financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial  tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo,  não  declaradas  nos  termos  da  lei,  passam  a  ser  consideradas     uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos».

 

O âmago do litígio que este Tribunal está vinculado a resolver prende-se assim com a questão de determinar se a norma objeto da citada verba 28.1 da TGIS, ao estabelecer a tributação em IS de prédios urbanos com afetação habitacional (incluindo agora os terrenos para construção com essa afetação), deve ser objeto de recusa de aplicação com fundamento na sua desconformidade com a Constituição, atento o estatuído no art.º  204 da CRP, na medida em que nos factos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados (cf, art.º 25, n.º 1 do RJAT) – mais concretamente se tal norma é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 266º-2, da Constituição, 7º, do Cód de Processo Administrativo e 55º, da LGT -  e se, consequentemente, devem ser invalidadas as liquidações impugnadas fundadas na sobredita norma do Código do Imposto do Selo.

 

Atenta a natureza impugnatória do processo arbitral tributário [cfr. artigo 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], deve o Tribunal Arbitral socorrer-se do artigo 124.º do CPPT, com base na idêntica natureza dos meios impugnatórios.

Assim, por indicação legal, conhecer-se-ão em primeiro lugar dos vícios aos quais o Requerente imputaria a nulidade e, seguidamente, daqueles a que este faz corresponder uma mera anulabilidade. Para definir quais os vícios de que se conhece prioritariamente na decisão, deve “(…) o tribunal atender à qualificação dos vícios feita pelo impugnante, isto é, dar prioridade à apreciação dos vícios que este qualifica como geradores de inexistência ou nulidade, pelo menos para apreciar se deve ou não ser lhes dada esta qualificação” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vislis, Lisboa, vol. II, 2011, 6.ª edição, p. 327).

No caso, não são invocados vícios conducentes à nulidade dos atos tributários.

Porque tal conduz à melhor tutela dos interesses e direitos do Requerente, apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de inconstitucionalidade alegados e, após, se a apreciação não ficar prejudicada, apreciar-se-ão, as demais questões suscitadas.

Assinale-se que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes para apreciar e decidir as questões que são suscitadas – é o que tem sido repetidamente afirmado desde há muito pela Jurisprudência [Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95 (rec nº5239), in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094.

 

Vejamos então.

 

  1. Os princípios da igualdade (fiscal), da capacidade contributiva e da proporcionalidade

            Não sendo sindicável pela Administração Fiscal, como melhor se verá adiante, a ilegalidade do ato tributário exclusivamente fundada em alegadas inconstitucionalidades, a decisão não podia nunca deixar de aplicar a Lei fundada na sua inconstitucionalidade.

 

Sendo, no caso dos autos, os atos de liquidação de IS (Imposto do Selo) relativos ao ano de 2014, é-lhes aplicável o regime previsto na TGIS, com a redação dada pelas citadas Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e Lei nº 83-C/20143, de 31 de dezembro.

E foram essas disposições que a AT aplicou para a liquidação objeto da impugnação.

E também, pela aplicação estrita dessas normas, dúvidas não existem de que o resultado está correto, ou seja, aplicada a taxa de 1% do VPT dos imóveis em 2014, o valor da liquidação é claramente o que foi liquidado, tomando já em linha de conta a revogação parcial da liquidação relativa ao artigo matricial nº … no reconhecimento da afetação parcial da construção a outras finalidades diferentes da habitação.

A pretensão da requerente e denegada pela AT, foi o pedido de desaplicação do regime legal em que se fundamentou a liquidação, por aquele violar os princípios constitucionais atrás invocados.

 

Não tem a Requerente razão.

A AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e “(…) não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso (…)” [Cfr Ac. do STA, de 12-10-2011, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.

            É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, “(…)este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição (…)” (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

            E, no mesmo sentido, JOÃO CAUPERS (atualmente Juiz do Tribunal Constitucional) afirma que “(…)a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

            Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exatamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excecional (…)” (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

            Concluímos assim, com a citada Doutrina e Jurisprudência, que, no Direito Constitucional Português, não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

            Daí que não pudesse nunca a AT desaplicar a sobredita norma do Código do Imposto do Selo, no reconhecimento de que afrontaria preceitos e/ou princípios constitucionais.

 

            Sendo aquela incumbência exclusiva de apreciação pelos Tribunais, cumpre a este apreciar e decidir.

            A questão está, no essencial, em saber se o A… Requerente, proprietário de prédios com valor patrimonial, cada um, superior a €1.000.000,00, para fins, total ou parcialmente, habitacionais, tributado em Imposto do Selo relativo a 2014, à luz das citadas normas introduzidas pelas Lei nºs 55-A/2011 e 83-C/2013 vê ou não “agredido” o seu direito ao respeito pelos sobreditos princípios constitucionais.

O princípio da igualdade, basilar num Estado de direito, traduz a proibição de quaisquer discriminações no tratamento de situações iguais (dimensão igualizadora) e admissão da desigualdade de tratamento de situações desiguais (dimensão diferenciadora).

 

            Em matéria de fiscalidade, o princípio da igualdade[6] traduz-se na “[(…)ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) (…)]” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 151 -152).

            Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva “(…)afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto (…)” (Casalta Nabais, Obra Citada, pág. 154).

            Ou seja e por outras palavras: está vedado constitucionalmente ao legislador ordinário determinar as suas normas de um modo “caprichoso”, antes devendo submete-las a sérios e rigorosos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.

            O princípio da igualdade tem a sua consagração expressa na nossa Lei Fundamental [cfr artigo 13º, da Constituição].

            Daqui resulta que este princípio também se pode expressar na obrigação de imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade (tendencialmente real) entre cidadãos.

Ou seja: o princípio da igualdade só deverá considerar-se violado se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável.

Entende ainda a Requerente que “a verba 28 da TGIS colide com o princípio constitucional da igualdade fiscal ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação jurídica”, uma vez que o facto tributário sobre o qual incide a verba 28.1 é a titularidade de um direito real, em concreto, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, sendo que essa titularidade de um direito real é também tributada em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

Esta dupla tributação jurídica gera, na apreciação da Requerente, uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos face a outros que, sobre o mesmo facto tributário (i.e., a titularidade de um direito real sobre um prédio urbano), apenas viram incidir um único imposto. Sobre a questão da dupla tributação, a Requerente refere que a decisão arbitral de 28-07-2014, proferida no processo n.º 247/2013-T, e a decisão arbitral de 07-03-2014, proferida no processo n.º 51/2013-T, já se pronunciaram sobre essa questão.

Certo que nas decisões arbitrais citadas foi afirmado que a dupla tributação jurídica significa que a mesma manifestação de riqueza, que se traduz no mesmo facto fiscal, é tributada duas vezes, tal significando uma discriminação negativa em relação a outros contribuintes cuja tributação apenas foi realizada uma única vez sobre o mesmo facto tributário.

Tal não tem, como reconheceram os citados arestos, expressão literal no texto constitucional, deduzindo-se antes do princípio da capacidade contributiva.

Por outro lado, é verdade que alguma doutrina fiscal portuguesa tem insistido nesta vertente como corolário do princípio da igualdade (“…ao impor limites intra-sistemáticos, ou seja, coerência entre os diversos impostos e coerência do sistema fiscal no seu conjunto, o princípio em causa deve ser convocado para a solução de problemas tais como a dupla tributação interna, concretize-se esta numa dupla tributação (dupla tributação jurídica) ou numa sobreposição de impostos (dupla tributação económica), a tributação múltipla ou plural, que se traduz em os mesmos bens, por exemplo os imóveis, serem objeto de diversos impostos, a conversão de impostos, que se materializa na transformação de impostos sobre o rendimento em impostos sobre o património em virtude, por exemplo, da inércia do legislador face ao fenómeno da inflação, etc.” (Cfr JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, 2012, p. 164).

 Esta pretensa dupla tributação jurídica consistiria no facto de a titularidade de direitos reais ser simultaneamente tributada em sede de CIMI e em sede de IS, a qual incidiria sobre a mesma realidade.

Não parece que assim seja porquanto uma coisa é tributar todo e qualquer prédio em sede de CIMI (cfr artigo 2º) outra será tributar outra realidade fiscal que são os prédios habitacionais ou terrenos para esse fim, de valor superior a €1.000.000,00.

Depois os sujeitos ativos em cada uma dessas relações jurídicas fiscais são diversos: o Estado, no caso do IS e os Municípios, no caso do IMI.

Trata-se (a questão da dupla tributação jurídica), por isso, de visão ou análise que não tem, apoio jurídico e/ou legal porquanto não existe consagração constitucional, nem qualquer expressão no texto constitucional a uma qualquer proibição da dupla tributação jurídica, nem tal proibição se pode sequer deduzir como uma qualquer decorrência lógica e necessária do princípio da capacidade contributiva enquanto principio concretizador, no âmbito fiscal, do princípio da igualdade”.

            Por outro lado, “(…)o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais,’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)” [Cfr Ac do Tribunal Constitucional nº 142/04[7]]

            É neste contexto que se justificará a diferenciação de tratamento fiscal do património, designadamente, imobiliário, de molde a tributar, de forma agravada e proporcional, os titulares de prédios de maior valor ou criando mesmo uma tributação autónoma para aqueles prédios de valor excecionalmente elevado com base na presunção – que sabemos que nem sempre se concretiza -, de que quem tem património de valor elevado tem a correspondente capacidade contributiva.

 

            Em matéria de igualdade fiscal, a capacidade contributiva é elemento essencial a ponderar porquanto só haverá verdadeira igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes se houver tributação idêntica para capacidades contributivas igualmente idênticas. Como é bom de ver.

            A tributação especial, em sede de Imposto do Selo, incidente sobre os prédios com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000, foi, como se viu anteriormente, introduzida no nosso sistema fiscal pela Lei nº 55-A/2012, de 29-10, com aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) da verba 28.1 [cfr artigo 4º, da citada Lei].

            Depois de polémica jurisprudencial relativa à aplicação ou não do sobredito regime aos terrenos para construção habitacional (cfr, no CAAD, por todos, o Ac proferido no proc nº 51/2013, de 7 de março), cumpre analisar o estado da questão à luz da nova redação da TGIS.

            Vejamos então se a opção legislativa, traduzida na introdução deste novo regime de sujeição a Imposto do Selo viola, pela forma como foi formulado, o princípio constitucional da igualdade, na dimensão tributária, com o inerente corolário traduzido no princípio da capacidade contributiva.

            Tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que “(…)só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr Acórdão do Trib Constitucional nº 47/2010[8]).

            É entendimento que voltou a ser reiterado no acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional relativo à apreciação sucessiva de normas do Orçamento de Estado para 2013 - Acórdão nº 187/2013, de 5 de abril de 2013.

            Na base da aprovação da citada Lei nº 55-A/2012, esteve a “(…) prossecução do interesse público, em face da situação económica e financeira do País (…)” e a exigência de “(…) um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental (…)” medidas “(…) fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) e em conformidade com este desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa (…)” – Cfr termos da “Exposição de Motivos” na  proposta de Lei nº 96/XII/2ª apresentada pelo Governo à Assembleia da República e que esteve na base da aprovação da mencionada Lei (Cfr Diário da Assembleia da República – Série A, de 21-9-2012, pp. 44-52).

            Contraditoriamente, não parecem tais desideratos transparecer da ou estar totalmente evidenciados na Lei nº 55-A/2012.

            Desde logo porque não se compreende ou explica aparentemente a razão da tributação apenas de imóveis afetos a fins habitacionais, com exclusão, por conseguinte, daqueles que, embora de valor superior a € 1.000.000, não estão afetos a essa finalidade.

            Por outro lado, a tributação pelo verba 28.1, da TGIS, conduz aparentemente a manifesta iniquidade na medida em que deixa fora dessa tributação, inexplicada e inexplicavelmente, bens imóveis do mesmo sujeito passivo que, embora todos afetos a fins habitacionais, têm, cada um, VPT inferior a €1.000.000 mas que no seu conjunto perfazem um VPT superior (e, por vezes, até bastante superior) a €1.000.000.

            Ou seja: o princípio da capacidade contributiva traduzido no pagamento do imposto em função do índice dessa capacidade [o valor do património imobiliário do sujeito passivo], estará posto em causa na medida em que o regime de tributação em sede de Imposto do Selo [e que, no caso, se traduz em tributação do património] não asseguraria – bem pelo contrário – uma efetiva igualdade de tributação em função da capacidade contributiva dos cidadãos sujeitos a essa incidência.

            Esta Doutrina foi defendida na sentença proferida em 24-2-2014, no processo nº 218/2013-T, mas não veio a ter acolhimento pelo Tribunal Constitucional [Cfr., v. g., Acórdão nº 590/2015, de 11-11-2015 (www.tribunalconstitucinal.pt) no recurso interposto da sentença do Tribunal Arbitral proferida no processo nº 219/2013-T, do CAAD (cfr internet, www.caad.org.pt )]

            Ponderou o Tribunal Constitucional que, designadamente, “(...)o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.

“(...)A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário (...)”.

Pese embora carecer de força obrigatória geral, o sobredito aresto do Tribunal Constitucional é suficientemente convincente no sentido de permitir aceitar ou não repudiar, a orientação de que a norma em causa não enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

Daí que conclua este Tribunal pela improcedência do pedido de anulação dos atos tributários por aplicação de norma (verba 28, da TGIS) no reconhecimento de que a mesma não enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade fiscal, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

 

            B. Terreno para construção de edifício não exclusivamente habitacional

A Requerente alega que, relativamente ao sobredito artigo matricial nº …, a soma dos VPT apurados para as partes comércio, serviços e “outra afetação” (€ 4.890.221,65 + € 41.431.903,32 + € 2.528.371,51 = € 48.850.496,48) é superior ao VPT da parte habitação (€ 46.548.299,03), e conclui que a parte afeta a habitação não é a principal, defendendo que “referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédio com «afetação habitacional», não pode considerar-se nela abrangido um prédio com diferentes afetações, incluindo comércio e serviços, afetações essas que o legislador expressamente pretendeu afastar do âmbito de incidência da norma”, e que, por isso, tendo ao terreno em causa sido atribuídas diferentes afetações, o Imposto do Selo deveria incidir apenas sobre a parte do prédio com afetação habitacional. E assim sendo, o Imposto do Selo deveria ter incidido apenas sobre o valor patrimonial tributário da parte considerada afeta a habitação, ou seja, sobre o valor de € 46.548.299,03 e não sobre o valor patrimonial total do prédio (€ 93.398.800,00).

Nesta matéria afigura-se, na verdade, indiferente apurar qual a afetação principal do edifício a construir no terreno na medida em que o que é absolutamente relevante é apurar se o VPT do terreno na parte destinada a habitação é ou não superior a €1.000.000,00.

Ora como resultou demonstrado e a Requerente reconhece, esse VPT da parte habitacional cifra-se em €46.548.299,39 sendo sobre este valor que deveria incidir – como acabou por acontecer – a liquidação.

Na verdade, a AT revogou parcialmente o ato de liquidação original desconsiderando, para efeitos da liquidação, a diferença entre este valor (€46.548.299,30) e o VPT total do terreno sobre o qual havia incidido aquela liquidação (€93.398.800,00).

Tanto basta para não se evidenciar, ou estar sanada, a ilegalidade na liquidação.

 

  1. A questão da dupla tributação jurídica.

Esta questão já foi abordada supra.

 

  1. A questão da indemnização por garantia indevida

Dispõe a LGT:

 Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

            No caso, vem o Requerente pedir a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes das garantias que venham a ser prestadas, garantias essas que o Requerente protestou juntar após a respetiva apresentação.

            Não tendo ficado demonstrado (nem está alegado) que o Requerente tenha prestado garantias nem tão pouco que esteja sequer pendente execução instaurada pela AT para cobrança das importâncias objeto das liquidações ora sindicadas, torna-se evidente a improcedência liminar total deste pedido.

             

            III – Decisão

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

G)     Julgar parcialmente improcedente o pedido, mantendo na ordem jurídica as liquidações de Imposto do Selo n.º 2015 … no valor de 68.442,62 €, relativa ao ano de 2014 e n.º 2015 … no valor de 12.051,99 €, relativa ao ano de 2014;

H)    Julgar parcialmente procedente o pedido relativo à liquidação n.º 2015 … no valor de 955.002,73 €, relativa ao artigo matricial urbano nº …, da freguesia de … (Lisboa), reduzindo esta à importância de €467.951,33, correspondente a 49% daquela liquidação;

I)       Julgar totalmente improcedente tudo o mais peticionado e

D) Condenar ambas as partes nas custas na proporção dos respetivos decaimentos nos termos precisados infra.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.035.497,34.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.382,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Requerente, na proporção que resultar do decaimento da AT na importância de €487.051,14.

 

            Lisboa, 6-4-2016

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Jorge Carita

(Vogal)

 

 

Suzana Fernandes da Costa

(Vogal)

 

 



[1] Conforme se refere supra, em g), dos factos provados, o litígio reduz-se nesta parte ao VPT relativo à parte habitacional, ou seja, €46.548.299,03.

[2]  Ao contrário de outras Constituições [v. g., italiana e alemã], não se encontra na Constituição qualquer disposição explícita que mencione o princípio da igualdade em matéria fiscal. Este princípio pode apenas ser expressamente surpreendido na Lei Geral Tributária (artigo 5º).

[3] Cfr infra, nota 4.

[4] Este acórdão como os demais citados e proferidos pelo Tribunal Constitucional, encontram-se publicados no respetivo sítio da internet: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/

 

[5] Conforme se refere supra, em g), dos factos provados, o litígio reduz-se nesta parte ao VPT relativo à parte habitacional, ou seja, €46.548.299,03.

[6]  Ao contrário de outras Constituições [v. g., italiana e alemã], não se encontra na Constituição qualquer disposição explícita que mencione o princípio da igualdade em matéria fiscal. Este princípio pode apenas ser expressamente surpreendido na Lei Geral Tributária (artigo 5º).

[7] Cfr infra, nota 4.

[8] Este acórdão como os demais citados e proferidos pelo Tribunal Constitucional, encontram-se publicados no respetivo sítio da internet: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/