Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 586/2015-T
Data da decisão: 2016-06-06  IRC  
Valor do pedido: € 325.791,51
Tema: IRC - Sistema de Inventário Permanente e Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE)
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Decisão Arbitral

                                                             

Os árbitros Juiz Conselheira Dra. Maria Fernanda dos Santos Maças, (árbitro presidente), Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20 de Novembro de 2015, acordam no seguinte: 

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 08 de Setembro de 2015 a contribuinte A…Portugal, Lda., com sede na …, …-… Tondela, NIF … requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do coletivo de três árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 23 de Setembro de 2015.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º 2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

4.      Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20 de Novembro de 2015.

5.      Por despacho de 03.01.2016, foi a Requerente convidada a aperfeiçoar o seu requerimento arbitral.

6.      No dia 04 de Janeiro de 2016 a Requerente requereu a junção do ofício n.º … de 17.12.2015 da Direção de Serviços do IRC, que foi admitida por despacho de 04.01.2016, tendo a Requerida sido convidada a pronunciar-se, o que não ocorreu.

7.      No dia 13.01.2016 a Requerente apresentou o seu requerimento arbitral aperfeiçoado, que foi admitido por despacho de 18.01.2016.

8.      A inquirição das testemunhas realizou-se nos dias 27 de Janeiro e 12 de Fevereiro de 2016, tendo sido fixada como data limite da prolação do Acórdão o dia de 20 de Maio de 2016.

9.      Em 26 de Fevereiro de 2016 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.

10.  Em 09 de Março de 2016 a Requerida apresentou as suas alegações de direito.

11.  Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação adicional n.º 2015 …, com as demais consequências legais, nomeadamente que a AT seja condenada ao pagamento de custas de parte e de uma indemnização pela prestação de garantia bancária indevida relativa à liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2010.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. Na sequência da ação de inspeção por referência ao exercício de 2010, a AT concluiu pela aplicação de correções ao lucro tributável declarado e, bem assim, ao cálculo do imposto na sequência da desconsideração dos benefícios fiscais.
  2. Para sustentar as correções supra expostas, a AT apoiou-se num único argumento – a (alegada) inexistência de contabilidade organizada na esfera da Requerente, condição sine qua non para a aplicação dos benefícios fiscais.
  3. Tal suposta inexistência de contabilidade organizada deve-se ao facto de alegadamente a Requerente não adotar o sistema de inventário permanente, previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”).
  4. A AT conclui que a Requerente não adotou, no exercício de 2010, o sistema de inventário permanente, dado que “as contas relevantes para efeitos de aferição da utilização do mesmo, apenas são movimentadas periodicamente, que no presente caso é mensalmente”,
  5. Pelo que “não é possível determinar, a todo o momento, os inventários existentes, bem como, o custo de cada venda”.
  6. Apenas existem dois tipos de sistemas de inventário das existências, os quais se contrapõem, a saber: (i) o sistema de inventário intermitente ou periódico e o (ii) sistema de inventário permanente.
  7. A Requerente procedeu aos registos contabilísticos segundo os ditames do sistema de inventário permanente com a consequente e inerente movimentação das contas e não com recurso à contagem física dos inventários no final do exercício, de forma a apurar o custo das vendas e, bem assim, o stock final de inventários.
  8. Contudo, o sistema informático utilizado à data não se encontrava adaptado por forma a, automaticamente, efetuar os lançamentos contabilísticos relativamente aos movimentos das contas 32 a 35 (relativamente a mercadorias/ produtos acabados) e, bem assim, da conta 61 – Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas, aquando da realização de uma venda,
  9. Pelo que no exercício de 2010, por uma questão de gestão de tempo e alívio do trabalho administrativo, foi implementado o procedimento de apenas ser efetuado o respetivo registo contabilístico, de forma manual, no final de cada mês.
  10. Assim, no final de cada mês, de forma a refletir na respetiva contabilidade o valor dos inventários em stock e, bem assim, o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, a A… Portugal procedia aos registos contabilísticos.

11.  Desta forma, o reconhecimento do valor do inventário em armazém era dado a todo o momento – apenas dependente do dito lançamento contabilístico manual – não sendo necessário efetuar inventariação física do inventário.

12.  Se (i) o valor do custo das vendas e o valor do inventário em armazém é aferível em todo o tempo – caraterística distintiva do sistema de inventário permanente – e (ii) não são necessárias inventariações físicas para obter o valor do inventário em armazém – caraterística distintiva do sistema de inventário intermitente –, então é inegável que a Requerente adota o sistema de inventário permanente!

13.  As características do sistema de inventário permanente se encontram, definitivamente cumpridas, nomeadamente: (i) a Requerente não recorrer a contagens físicas para determinar os stocks finais/consumos das mercadorias vendidas e (ii) a Requerente registar uma venda através de dois registos (assentos) – um para registar a venda e outro para registar os produtos vendidos pelo custo das saídas de inventário, apesar de este último ser feito mensalmente.

14.   A Requerente chama, ainda, a atenção para o facto de as suas demonstrações financeiras terem sido devidamente auditadas por uma entidade independente que, no âmbito das funções dotadas de fé pública, considerou que as mesmas refletiram de forma verdadeira e apropriada a sua situação financeira, tendo inclusivamente atestado que a Requerente havia adotado o SNC em 1 de Janeiro de 2010.

15.  Mesmo que se considerasse que a Requerente não possuía sistema de inventário permanente implementado no exercício de 2010, o direito que a AT exerceu, procedendo às correções em apreço, traduz-se em ilegítimo na medida em que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

16.  Importa ainda atender ao que dispõe o n.º 3 do artigo 123.º do Código do IRC – redação à data –, segundo o qual “não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam”.

17.  Uma vez que, como a própria AT concluiu, os lançamentos eram efetuados mensalmente, ou seja, no máximo existiria um atraso de 30 dias na execução da contabilidade.

18.  Face ao exposto, as correções aplicadas pela AT padecem de ilegalidade porquanto, concebendo-se algum atraso na execução da contabilidade (o que não se equaciona), a mesma é permitida, uma vez que o hipotético atraso não ultrapassa 90 dias face ao momento a que as operações respeitam.

19.  Mais refere a Requerente que, no que respeita ao ciclo de I&D levado a cabo pelo Grupo B…, este compreende um conjunto de etapas iterativas, envolvendo as várias unidades do Grupo a nível internacional em função do seu know-how acumulado e especialização.

20.  As fases de prototipagem e respetivos ensaios podem ser implementadas por qualquer uma das unidades do Grupo, sendo a A… Portugal uma das principais unidades que concorre a este nível, dada a sua experiência no sector.

21.  Assim, a A… Portugal participa em cada uma das seguintes fases do processo de desenvolvimento experimental, a saber:

Fase 5: Conceção teórica e desenvolvimento de protótipos

Fase 6: Realização de testes e ensaios “básicos” e “complexos” e posterior (re)definição de parâmetros processuais.

Fase 7: Validação técnica final

22.  É errado concluir que o facto de participar apenas na fase de prototipagem significa que a A… Portugal não realiza atividades de I&D, dado que esta constitui uma das fases previstas de I&D à luz dos principais referenciais mundiais que se debruçam sobre o tema.

23.  Em face do exposto, entende a Requerente que a correção em análise carece de total fundamento, pelo que deverá igualmente ser anulada.

24.  Por fim, a Requerente refere que no cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT e tendo em vista a suspensão do processo executivo resultante da falta do pagamento da liquidação adicional referente ao exercício de 2010, suspensão essa que já obteve, de acordo com o ofício n.º …, de 10 de Julho de 2015 a Requerente apresentou, no dia 10 de junho de 2015, uma garantia bancária, no valor de EUR 412.864,95.

25.  Garantia esta que representa um custo significativo na esfera da Requerente, custo esse que, até ao momento da interposição da ação foi de EUR 2.807,35.

26.  Assim, caso venha a ser concedida razão quanto ao teor do presente pedido de pronúncia arbitral (conforme se espera), a Requerente requer ser indemnizada pelos prejuízos causados com a constituição da dita garantia bancária que se vê obrigada a prestar, ao abrigo do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. Nos termos previstos no artigo 123.º do CIRC a Requerente estava, em 2010, obrigada a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, para além do cumprimento dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, deve permitir o controlo do lucro tributável.
  2. A Requerente estava, assim, obrigada a utilizar o sistema de inventário permanente como forma de contabilização dos inventários.
  3. No âmbito do procedimento inspetivo, verificou-se que a Requerente usufruiu de diferentes benefícios fiscais cujo gozo se encontra dependente, entre outras condições, do facto de o sujeito passivo dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística vigente.
  4. Em sede de procedimento de inspeção ficou demonstrado que a Requerente não utilizou, em 2010, o sistema de inventário permanente, pelo que a contabilidade não se encontrava organizada nos termos do SNC.
  5. Assim, por não cumprir este requisito a Requerente não podia usufruir dos benefícios fiscais previstos no artigo 43.º do EBF, na Lei n.º 10/2009, de 10 de Março e no artigo 116º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo que se propôs a sua correção, conforme consta do Processo Administrativo (PA).
  6. De acordo com a análise efetuada às declarações da Requerente, verificou-se que esta utilizou o benefício fiscal previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.ºdo Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF): a redução de taxa de IRC.
  7. Neste sentido, e ainda ao abrigo do n.º 7 do artigo 39.º-B do EBF (artigo 43.ºdo EBF em 2010), foi publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que estabeleceu as normas de regulamentação necessárias à boa execução dos benefícios fiscais à interioridade, incluindo o regime de redução de taxa de IRC.
  8. O artigo 2.º daquele diploma define as condições de acesso das entidades beneficiárias: «1 -Sem prejuízo do previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as entidades beneficiárias devem reunir as seguintes condições de acesso:

a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua atividade;

b)Encontrarem-se em situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respetivo município;

c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

d) Situarem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias;

(...)»

  1. Assim, verifica-se que um dos requisitos essenciais para que a Requerente possa beneficiar do regime de taxa reduzida previsto no artigo 43.º do EBF corresponde à exigência de dispor da contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, que, em 2010, foi substituído pelo Sistema de Normalização Contabilística.
  2. O artigo 43.º n.º 1 alínea c) do EBF permitia a majoração, em 30%, do valor das reintegrações e amortizações por investimentos efectuados: «1. Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

c)As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até €500 000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30 %;»

  1. Conforme já referido, um dos requisitos obrigatórios para que a Requerente possa usufruir deste benefício é o de dispor de contabilidade organizada de acordo com o SNC, conforme dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008.
  2. O sujeito passivo procedeu à dedução à coleta, no valor de € 34.674,34, por investimentos realizados ao abrigo do regime fiscal de apoio ao investimento criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março (aplicando-se a investimentos realizados em 2009).
  3. Contudo, o n.º 3 do artigo 2.º do RFAI estipula condições cumulativas para que os sujeitos passivo possam beneficiar deste regime: «Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade.;(...)»

  1. Para que a Requerente possa usufruir dos benefícios fiscais supra mencionados, torna-se necessário verificar se a mesma dispõe de contabilidade regularmente nos termos do SNC.
  2. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.ºdo Decreto-Lei n.º 158/2009, as entidades a que seja aplicável o SNC ficam obrigadas a adotar o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, de forma a ser possível identificar os bens quanto à sua natureza, quantidade e custos unitários e globais, por forma a permitir a verificação, a todo o momento, da correspondência entre as contagens físicas e os respetivos registos contabilísticos.
  3. Assim uma entidade deve dispor de informação contabilística organizada sobre a movimentação dos seus inventários de forma a que se permita obter a cada momento as quantidades de cada item em armazém, bem como os seus movimentos.
  4. Este objetivo só pode ser alcançado através do sistema de inventário permanente, já que este possibilita a uma entidade calcular de forma direta o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas.
  5. Neste sistema de inventário, o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas é calculado por cada venda ou consumo permitindo, a todo o momento, identificar os bens (existentes no armazém) quanto à sua natureza, quantidade e custos unitários e globais.
  6. Deste modo, a Requerente não preenchia os requisitos referidos no n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, para a dispensa de utilização do sistema de inventário permanente,
  7. Estando, por isso, obrigada à sua adoção,
  8. Da consulta e análise à contabilidade da Requerente verificou-se que a mesma não utilizou, para efeitos contabilísticos, o sistema de inventário permanente, uma vez que as contas relevantes para efeitos de aferição da sua utilização apenas são movimentadas periodicamente, que, no presente caso, é mensalmente.
  9. Assim, após análise dos extratos contabilísticos das subcontas da conta “71 –Vendas” e da conta “61 – CMVMC”, e respetiva movimentação contabilística, constatou-se que existe um desfasamento temporal entre o registo das vendas de existências e do custo das existências vendidas.
  10. Não é possível determinar, a todo o momento, os inventários existentes, bem como o custo de cada venda.
  11. Relativamente à questão de saber se a existência de documentação completa das compras e dos consumos efetuados cumpre a obrigação de adoção do inventário permanente, entende a AT que não.
  12. Nem se poderá afirmar que, pelo facto de ser efetuado um único lançamento no final de cada mês, estejamos perante um singelo atraso na contabilidade da Requerente,
  13. Uma vez que o lançamento efetuado não permite verificar, a todo o momento, o custo dos produtos vendidos.
  14. Nestes termos, ficou demonstrado que a Requerente não utilizou, em 2010, o sistema de inventário permanente,
  15. Pelo que a contabilidade não se encontra regularmente organizada nos termos do SNC.
  16. Por não cumprir este requisito, não pode a Requerente usufruir dos benefícios fiscais previstos no artigo 43.º do EBF e na Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, e no artigo 116.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo que se propôs a sua correção, conforme consta das páginas 135 e 136 do PA.
  17. No âmbito do procedimento de inspeção aqui em causa, analisou-se o benefício referente ao SIFIDE 2010 no valor de € 130.499,32.
  18. A despesa aqui em causa não pode ser considerada como tendo sido realizada com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos ou realizada pela empresa através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico.
  19. A Requerente quer fazer crer que a prototipagem em maior escala que desenvolve é considerada como atividade de I&D.
  20. Na realidade a Requerente limita-se a fabricar os produtos mediante as especificações técnicas que lhe são transmitidas
  21. De tudo quanto foi apurado sobre o funcionamento da empresa, quanto ao enquadramento dos encargos registados contabilisticamente como despesas de I&D, e tendo por base documentos contabilísticos, extra-contabilísticos e informações prestadas no âmbito do procedimento de inspeção, concluiu-se que:

-A Requerente não tem autonomia dentro do grupo, nem dispõe de meios materiais e humanos para desenvolver tarefas que correspondam à conceção de novos produtos ou ao melhoramento dos existentes ou de quaisquer outras atividades que possam ser designadas como investigação e desenvolvimento;

-A Requerente não procede ao desenvolvimento dos produtos a nível laboratorial e às restantes tarefas anteriores à fase de produção;

-A escolha e a composição das matérias primas são determinadas pelo Grupo B…, não tendo a Requerente nenhuma autonomia na sua aquisição ou negociação de condições ou seleção das matérias primas a utilizar;

-A Requerente, tal como consta de diversos documentos contabilísticos, utiliza conhecimento resultante dos serviços prestados pelas empresas do Grupo, essencialmente ao nível dos tubos de refrigeração de borracha, por estas serem detentoras do conhecimento e do know-how acumulados ao longo dos 130 anos de laboração na indústria da borracha.

-A Requerente intervém, apenas, no processo de operacionalização de prototipagem e de fabrico no estrito cumprimento das especificações técnicas fornecidas pela C… UK ou pela D… Inc. e de acordo com as especificações do produto que o cliente pretende; (E que, neste âmbito, a Requerente executa alguns testes de qualidade.)

-A Requerente não define o que produzir, nem tem qualquer contacto com o cliente;

  1. Assim, a atividade de produção desenvolvida pela Requerente, ao contrário do que é mencionado na candidatura, não acarreta qualquer atividade de investigação e de desenvolvimento, não existindo, assim, quaisquer encargos referentes a atividades de investigação e desenvolvimento.
  2. Ao benefício fiscal, no valor de € 130.499,32 (SIFIDE 2010), não estão associadas despesas ou encargos que, contabilisticamente, estejam registadas como despesas de I&D,
  3. Pelo que, tal despesa não pode ser aceite, para efeitos fiscais, por não se enquadrar no estipulado no artigo 2.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

As questões a apreciar são as seguintes:

  1. A contabilidade da Requerente não está organizada nos termos do SNC por não ter um sistema de inventário permanente?
  2. A Requerente realiza atividades de I&D?

 

IV. MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico de produtos de borracha e plástico para o setor automóvel.

2.      A Requerente é um sujeito passivo de IRC e apura o lucro tributável pelo regime geral.

3.      A Requerente declarou uma matéria coletável no valor de € 1.883.067,87 na declaração de rendimentos modelo 22 referente ao período de 2010.

4.      A Requerente assinalou no campo 245 do quadro 08 da referida declaração o regime de redução de taxa associada aos benefícios relativos à interioridade.

5.      A Requerente calculou a coleta de IRC em € 282.460,18, em resultado da utilização da taxa reduzida (15%).

6.      A Requerente usufruiu de benefícios fiscais cujo gozo se encontra dependente, entre outras condições, do facto de o sujeito passivo dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística vigente.

7.      A Requerente, na preparação das demonstrações financeiras relativas ao exercício de 2010 adotou o SNC, conforme estabelece a alínea a), do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho.

  1. Na sequência do procedimento inspetivo levado a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), por referência ao exercício de 2010, a Requerente foi notificada, da liquidação adicional n.º 2015 …, a qual definiu como data do termo do pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte o dia 12 de junho de 2015, e que teve por base um processo inspetivo, no âmbito do qual foi notificada, no dia 11 de março de 2015, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, o qual propôs as seguintes correções:

i)                    Benefício fiscal à interioridade

a)      Redução da taxa de IRC

Correção da coleta do IRC através da aplicação da taxa normal de IRC, ao invés da taxa reduzida de 15% definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 43º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) – redação à data –, no valor de EUR 186.744,29;

b)      Majoração de amortizações

Correção ao lucro tributável do IRC do exercício de 2010, correspondente à majoração em 30% das depreciações/amortizações associadas a investimentos efetuados, no valor de EUR 26.739,70;

ii)                  Benefícios fiscais por dedução à coleta de IRC

a)      Regime fiscal de apoio ao investimento (“RFAI”)

Desconsideração do valor inscrito pela A… Portugal a título de dedução à coleta relativamente ao benefício fiscal decorrente do RFAI, por referência ao exercício de 2010, no valor de EUR 34.674,34;

b)      Sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial (“SIFIDE”)

Desconsideração do valor inscrito pela Requerente a título de dedução à coleta relativamente ao benefício fiscal decorrente do SIFIDE, por referência ao exercício de 2010, no valor de EUR 130.499,32;

c)      Excedente do valor inscrito no campo 355 do quadro 10 da Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa a 2010

Desconsideração do valor correspondente à diferença do montante de benefícios fiscais considerado dedutível à coleta de IRC de 2010 e aquele que a AT entende ter sido considerado pela A… Portugal no montante de EUR 85.013,83.

iii)                 Gastos de exercícios anteriores

Correção ao lucro tributável de IRC do exercício de 2010, ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, referente ao gasto considerado no exercício de 2010 relativo a fatura datada de 2009 no montante de EUR 11.117,74

  1. Não concordando com as correções propostas, a Requerente exerceu o direito de audição por escrito.
  2. A 26 de março de 2015, foi a Requerente notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária, o qual manteve as correções propostas no Projeto de Relatório de Inspeção Fiscal, à exceção da correção mencionada no ponto iii) do artigo 2.º do presente expediente, a qual a AT deu provimento.
  3. As demonstrações financeiras da requerente foram auditadas e certificadas sem reservas por um revisor oficial de contas (ROC) que atestou que a Requerente havia adotado o SNC em 1 de Janeiro de 2010.

12.  A Requerente ultrapassou durante os exercícios de 2008 e 2009 os três limites indicados no n.º 2 do artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais, facto que impede a dispensa da obrigatoriedade de adoção do sistema de inventário permanente.

 

Limites

(CSC, art. 262.º, n.º 2 )

Exercício de 2008

Exercício de 2009

Total de balanço

Superior a € 1 500 000

€ 18 434 003,34

€ 19 022 812,82

Vendas líquidas e outros proveitos

                                       Superior a € 3 000 000

                                 € 23 663 120,37

                             € 22 705 969,40

N.º médio de trabalhadores

                              Superior a 50

                                  326

                                   287

 

13.  A Requerente movimentou um conjunto de contas (com códigos do SNC) relevantes para efeitos de aferição da utilização sistema de inventário permanente, nomeadamente as contas 33 à 36 e “61 – CMVMC” apenas foram movimentadas uma vez por mês:

a.       A conta “331 – Matérias-primas” apenas é movimentada mensalmente, no diário de operações diversas, por contrapartida da conta “6121 – CMVMC – Matérias primas” transferindo-se para aqui as compras de matérias primas (não os consumos) a débito, o stock inicial a débito e o stock final a crédito.

b.      As contas “341 – Produtos Acabados” e “361 – Produtos e Trabalhos em Curso”, apenas são movimentadas mensalmente, no diário de operações diversas, por contrapartida da conta “73 Variação de produções” transferindo-se para aqui o stock inicial a débito e o stock final a crédito

c.       As subcontas “6121 – Matérias-Primas” e “6123 – Materiais Diversos”, que se destinam a apurar o custo das vendas e das matérias consumidas, se encontram movimentadas apenas no fim do mês.

d.      As subcontas “7112 – Mercadorias Mercado Intracomunitário”, “7122 – Produtos Acabados Mercado Intracomunitário”, “7123 – Produtos Acabados Outros Mercados” e “719 – Vendas Ajustamentos” foram movimentadas por cada venda efetuada, ou seja, na data de emissão da fatura e saída da respetiva existência.

  1. A C… UK Holdings (“C… UK”) e a D…, Inc. (“D… USA”) são responsáveis pelas seguintes fases do processo de I&D: i) definição e negociação das especificidades técnicas da solução; ii) conceção e desenho técnico da solução; e iii) desenvolvimento de formulações químicas e realização de testes e ensaios à escala laboratorial.
  2. No processo de desenvolvimento experimental a A… Portugal desenvolve as seguintes tarefas:

·          Conceção teórica e desenvolvimento de protótipos – Nesta fase, a A… Portugal desenvolve protótipos para a formulação de borracha, plásticos e/ou outros componentes resultante da fase anterior (a qual é responsabilidade da C… UK ou D… USA) e de acordo com as especificações técnicas do cliente ao nível do produto final e/ou das necessidades ao nível de novos processos.

·          Realização de testes e ensaios “básicos” e “complexos” e posterior (re)definição de parâmetros processuais – A presente fase consubstancia-se na prossecução de um conjunto de “testes básicos” de funcionalidade ao produto e aos materiais (designadamente, testes de rebentamento, dilatação e separação das camadas) e “ensaios complexos” (nomeadamente, testes de envelhecimento rápido, testes de pressão, vibração e temperatura) e posterior (re)definição de parâmetros processuais face aos resultados dos ensaios obtidos, visando viabilizar ou obter melhorias ao nível do desempenho técnico da solução.

·          Validação técnica final – Por último são efetuadas as validações técnicas finais da solução por parte dos técnicos de engenharia e desenvolvimento da A… Portugal (com especial enfoque na fase de prototipagem) e pelos técnicos de I&D da C… UK ou D… USA (com especial enfoque na fase laboratorial), ditando a aprovação do projeto e/ou a realização de I&D retroativa, ou seja, voltar às fases iniciais de laboratório, prototipagem e (re)definição de parâmetros processuais.

  1. No que respeita à candidatura da A… Portugal ao SIFIDE, referente ao exercício de 2010, a Comissão Certificadora emitiu uma declaração com a notificação da decisão de deferimento de um crédito fiscal no valor de EUR130.499,32, a qual considera que as atividades exercidas pela A… Portugal nos projetos considerados em candidatura correspondem a ações de I&D.
  2. A Requerente apresentou, no âmbito do procedimento de inspeção, a candidatura n.º … remetida ao IAPMEI em 24/05/2012 e a declaração emitida pela comissão certificadora para os incentivos fiscais I&D empresariais obtida em 01/04/2013 que recomenda a atribuição à empresa de um crédito fiscal de € 130.499,32.

18.  A Requerente apresentou, no dia 10 de junho de 2015, uma garantia bancária, no valor de EUR 412.864,95 para suspender o processo executivo resultante da falta de pagamento da liquidação sub judice.

 

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto à factualidade provada e não provada no conjunto da prova produzida em audiência analisada segundo as regras de experiência comum e juízos de normalidade.

Foram relevantes os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede audiência de julgamento e a prova documental junta aos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 14 e 17 a 19 são dados como assentes pela análise do Processo Administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 13 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral) e pela posição assumida pelas partes.

Os factos que constam dos números 15 e 16 resultaram do depoimento das testemunhas E… (consultor da Requerente) e F… (gerente da Requerente), que confirmaram, com isenção e objetividade, a factualidade em apreço. Os depoimentos foram esclarecedores por terem conhecimento direto quanto às etapas e tarefas desenvolvidas pela Requerente.

 

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

 

1.      A contabilidade da Requerente não está organizada nos termos do SNC por não ter um sistema de inventário permanente?

 

Um dos requisitos essenciais para que a Requerente possa beneficiar do regime de taxa reduzida previsto no artigo 43.º do EBF corresponde à exigência de dispor da contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC.)[1]

A questão em apreço consiste em saber se a Requerente cumpria este requisito[2] a fim de poder usufruir de tais benefícios fiscais, nomeadamente:

·          Está a contabilidade da Requerente não organizada nos termos do SNC por não ter um sistema de inventário permanente?

·          O que se entende por uma contabilidade organizada de acordo com o SNC?

O SNC é um modelo contabilístico que resultou da transposição de diretivas contabilísticas da União Europeia e da adaptação de normas internacionais de contabilidade. É formado por um conjunto de instrumentos normativos que se restringem à contabilidade externa ou financeira, mas não à contabilidade interna, analítica ou de custos.

Uma contabilidade estará organizada de acordo com o SNC quando respeita e aplica os instrumentos que compõem este sistema e que se encontram enunciados no ponto 1.3 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho de 2009, nomeadamente:

·          a Estrutura Conceptual que é o conjunto de conceitos contabilísticos subjacentes ao SNC (Aviso n.º 15652/2009, de 7 de Setembro);

·          as Bases para a Apresentação de Demonstrações Financeiras, ou seja, os princípios básicos que um conjunto completo de demonstrações financeiras deverá respeitar (Anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho de 2009);

·          os Modelos de Demonstrações Financeiras, que permitem apresentar apropriadamente a posição financeira, o desempenho económico e os fluxos de caixa de uma entidade (Portaria n.º 986/2009, de 7 de Setembro);

·          o Código de Contas, documento que inclui o quadro síntese de contas, uma lista codificada de contas e notas de enquadramento a algumas dessas contas (Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro);

·          as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) (Aviso n.º 15655/2009, de 7 de Setembro);

·          a Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades (Aviso n.º 15654/2009, de 7 de Setembro);

·          as Normas Interpretativas (Aviso n.º 15653/2009, de 7 de Setembro).

 

Desde logo se nota que o sistema de inventário permanente não é um instrumento do SNC. Antes é um processo de organização da contabilização das existências, que interessa sobretudo à gestão interna e que se considera um elemento de boa organização e controlo.

As NCRF são um instrumento central do SNC: enunciam os modos a adotar no reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação das realidades económicas e financeiras de uma entidade. Conforme se indica no ponto 2.1.6 do Anexo ao SNC, “na generalidade das circunstâncias, uma apresentação apropriada é conseguida pela conformidade com as NCRF aplicáveis.”

A NCRF 18 é o instrumento de normalização que se refere especificamente ao reconhecimento e à mensuração de inventários[3] (parágrafos 9 a 33). A NCRF 18, referindo-se à mensuração dos inventários, indica queos inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.” (NCRF 18, parágrafo 9). E ainda, menciona que “o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição actuais.” (NCRF 18, parágrafo 10). Já quanto ao reconhecimento, a NCRF 18 expressa que “a quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários. As circunstâncias da entidade também podem admitir a inclusão de outras quantias, tais como custos de distribuição.” (NCRF 18, parágrafo 38). A NCRF 18 é omissa, quanto ao sistema de inventário permanente.

Um outro instrumento do SNC é o Código de Contas[4], cuja aplicação é obrigatória para as entidades sujeitas àquele normativo contabilístico. No que respeita aos inventários, o SNC fixou os títulos e os códigos das contas para o registo das compras de inventários, dos tipos ou categorias de inventários e do custo das matérias consumidas, designadamente as contas da classe 3 Inventários e ativos biológicos, que serão apresentadas no ativo do balanço, a conta de 61 Custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas e a conta 73 Variações nos inventários da produção. As duas últimas, que figuram na demonstração dos resultados, são contas que a Requerente utilizou na contabilização de inventários, conforme se observa nos balancetes analisados.

Os instrumentos que formam o modelo contabilístico SNC não contêm referências explícitas aos sistemas de inventário, a não ser na Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, nas notas de enquadramento relacionadas com inventários. Este instrumento contabilístico refere-se à conta 73 — Variações nos inventários da produção mencionando que “no caso de ser adoptado o sistema de inventário permanente considera-se conveniente subdividir cada uma das suas contas divisionárias em rubricas de “Produção” e de “Custo das vendas”, as quais serão movimentadas por contrapartida das respectivas contas da classe 3.” Este é, pois, o único sítio onde os instrumentos do SNC se referem ao sistema de inventário permanente. Note-se que, no entanto, o menciona no condicional, pois que aí se lê “no caso de ser adoptado”, o que leva a concluir que o SNC admite que tal sistema de inventário não seja, de facto, adotado.

Refira-se ter sido esta nota de enquadramento suprimida na revisão recente que sofreu o SNC, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho de 2015. Conforme referem José Pinheiro Pinto e Cristina Pinto[5], “É com toda a certeza sintomático o facto desta nota de enquadramento ter sido recentemente eliminada através da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho. Na verdade, apesar de se manter no código de contas a conta 73, a nota de enquadramento inicialmente para ela prevista foi pura e simplesmente eliminada, não lhe sendo dedicada agora qualquer referência. Tudo leva a crer que se tenha concluído - muito bem, quanto a nós - que a referência nessa nota ao sistema de inventário permanente não tinha razão de ser, e daí a sua natural supressão.”

Na conta 73 Variações nos inventários da produção, não se conclui que a Requerente tenha procedido à referida subdivisão, pois o Balancete geral (mensal e acumulado) não evidencia subcontas relativas à variação nos inventários da produção, mas também não pode afirmar-se que essa subdivisão fosse indispensável, ou mesmo necessária no caso em análise.

A Portaria n.º 986/2009, de 7 de Setembro, contém um outro instrumento do SNC: os modelos de demonstrações financeiras, nomeadamente o balanço, a demonstração dos resultados, a demonstração dos fluxos de caixa, a demonstração das alterações no capital próprio e o anexo às demonstrações financeiras. No tocante aos inventários, elenca a Portaria n.º 986/2009, no ponto 19 intitulado ‘Inventários’, que o anexo às demonstrações financeiras deve, pelo menos, divulgar “19.1 — Políticas contabilísticas adoptadas na mensuração dos inventários e fórmula de custeio usada; 19.2 — Quantia total escriturada de inventários e quantia escriturada em classificações apropriadas; 19.3 — Quantia de inventários escriturada pelo justo valor menos os custos de vender (no caso de corretores/negociantes); 19.4 — Quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período; 19.5 — Quantia de ajustamento de inventários reconhecida como um gasto do período; 19.6 — Quantia de reversão de ajustamento reconhecida como uma redução na quantia de inventários reconhecida como gasto do período; 19.7 — Circunstâncias ou acontecimentos que conduziram à reversão de um ajustamento de inventários; 19.8 — Quantia escriturada de inventários dados como penhor de garantia a passivos.” Não se encontra neste, nem noutros pontos do anexo às demonstrações financeiras, referências aos sistemas de inventário.

Efetivamente, entendemos que o sistema de inventário permanente não é um elemento do SNC, mas antes um sistema de organização interna da contabilidade que o legislador tornou obrigatório na contabilização dos inventários “para as entidades a que seja aplicável o SNC”. Pretendeu igualmente o legislador que as entidades a que sejam aplicáveis as normas internacionais de contabilidade da União Europeia ficassem obrigadas a adotar o inventário permanente, para além da normalização contabilística que nestas entidades não é já o SNC.

Mas o legislador previu também que certas entidades com contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística não ficassem obrigadas a adotar o inventário permanente, tendo-as dispensado, conforme se previu no próprio artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Setembro de 2009, nos n.º 2 e seguintes. E esse é justamente o caso de empresas sujeitas ao SNC com uma menor dimensão ou que atuam em determinadas atividades.

Ademais, a obrigação de adotar inventário permanente não é uma característica exigida para qualificar uma contabilidade que esteja sujeita ao SNC de regularmente organizada de acordo com a normalização contabilística, nem é uma característica exclusiva de contabilidades que adotem, ou devam adotar, o SNC.

Não é o facto de existir inventário permanente que permite concluir que uma empresa tem a contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística legal, tal como no caso de não ter inventário permanente se pode inferir que esteja a contabilidade não organizada de acordo com a normalização contabilística. Uma entidade pode adotar o sistema de inventário periódico e ter a contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística legal. Veja-se o caso das microentidades, as quais podem adotar o inventário permanente na organização da contabilidade, mas podem também usar o sistema de inventário intermitente, e, em ambas as situações, apresentam a contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística legal.

De acordo com a lei, o sistema de inventário permanente não é parte do SNC. Antes, o sistema de inventário permanente é uma obrigação aplicável a certas entidades abrangidas por esse sistema de normalização contabilística. A exigência de adotar o inventário permanente é uma obrigação adicional e externa à normalização contabilística.

As normas de contabilidade não referem, e bem, os sistemas de inventário, pois adotar um sistema de inventário permanente é uma decisão de gestão e de organização da contabilidade, mas não do próprio SNC.

A Comissão de Normalização Contabilística expressou o seu entendimento sobre o significado da expressão contabilidade regularmente organizada através do Ofício n.º 052/15, emitido em 2015-11-12[6], nos termos seguintes:

a)      “Resulta do ponto 1.3 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho que o sistema de inventário permanente não é um instrumento contabilístico que integre o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), constituindo antes nos termos previstos do Artigo 12.0 desse diploma uma obrigação das entidades a quem seja aplicável o SNC ou as normas internacionais de contabilidade adotadas pela UE.

b)       O facto de uma entidade não adotar o sistema de inventário permanente quando a tal estiver obrigada, não permite concluir, por si só, que não foi adotado o SNC e não impede que as suas demonstrações financeiras apresentem de forma verdadeira e apropriada a sua posição financeira, desempenho financeiro e alterações na posição financeira.”

E assim, o facto de a Requerente adotar o sistema de inventário permanente não permitiria concluir que tem a contabilidade organizada nos termos do Sistema de Normalização Contabilística. Mas também a não adoção de sistema de inventário permanente não é condição suficiente para se poder afirmar e concluir que a contabilidade de uma entidade não está organizada de acordo com o SNC.

Não se poderia concluir que a Requerente não tem a contabilidade organizada nos termos do Sistema de Normalização Contabilística pelo facto de não adotar o sistema de inventário permanente.

As dispensas que a lei prevê levam a concluir que o legislador admitiu a coexistência de contabilidade organizada de acordo com o SNC e não adoção de inventário permanente. Aceita-se, portanto, que a contabilidade possa, no âmbito do SNC, ser organizada sem sistema de inventário permanente[7].

O n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, não refere que o sistema de inventário permanente faz parte do SNC, mas antes que “as entidades a que seja aplicável o SNC ficam obrigadas a adotar o sistema de inventário permanente quando dele não estiverem dispensadas,”

Mas não pode dizer-se que uma contabilidade sem inventário permanente será, só por isso, uma contabilidade desorganizada, pois com inventário intermitente podem também as contabilidades estar organizadas. Com efeito, uma entidade pode ainda ter a contabilidade organizada e manter os registos de inventários organizados segundo um de dois modos: sistema de inventário permanente e sistema de inventário periódico, sem que, por isso, se posso inferir que se encontra desorganizada neste e apenas organizada naquele. As microentidades, por exemplo, podem adotar o sistema de inventário periódico, e isso não significa que não estejam organizadas de acordo com a normalização, nem que devam ser sujeitas a métodos indiretos de tributação.

O próprio diploma que aprovou o SNC prevê coimas para os casos de contabilidade não organizada de acordo com o SNC, ao enumerar as irregularidades na aplicação deste modelo de normalização contabilística, que podem ocorrer por três motivos, nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, a saber:

i) se a entidade não aplique qualquer das disposições constantes nas normas contabilísticas e de relato financeiro cuja aplicação lhe seja exigível e que distorça com tal prática as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas que seja, por lei, obrigada a apresentar;

ii) se a entidade efetue a supressão de lacunas de modo diverso do que se encontra previsto no SNC e que distorça com tal prática as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas que seja, por lei, obrigada a apresentar;

iii) se a entidade não apresente qualquer das demonstrações financeiras que seja, por lei, obrigada a apresentar.

Ora, ainda que a Requerente não tivesse a contabilidade organizada de acordo com o SNC, estar-se-ia perante um ilícito de mera ordenação social, para o qual o legislador previu as coimas[8]. Mas não pode aceitar-se a conclusão de que a Requerente não tem a contabilidade organizada de acordo com o SNC apenas pelo facto de não adotar o sistema de inventário permanente.

Possuir contabilidade organizada traduz-se no cumprimento pelo sujeito passivo das obrigações impostas pela legislação comercial, fiscal, e pelo SNC. O que o SNC exige à Requerente, quanto ao registo dos inventários, para que tenha a contabilidade organizada de acordo com o SNC, é que adote os instrumentos legislativos que o compõem, ou seja, respeite a estrutura conceptual da contabilidade, adote os códigos de contas previstos para o registo dos movimentos de inventários, reconheça e mensure os inventários de acordo com a NCRF 18 e apresente-os nas demonstrações financeiras de modo a que seja possível conhecer a situação financeira, o desempenho da atividade e as alterações da posição financeira, de uma forma verdadeira e apropriada.

Foi entendimento expresso pelo Conselho Diretivo da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), ouvida a Comissão Técnica das Entidades não Financeiras, quando emitiu a Circular n.º 08/01, de 25 de Janeiro de 2001[9], o seguinte:

”b) A não adopção do sistema de inventário permanente não é, porém, determinante para a formação da opinião do revisor/auditor, visto que, em variadas circunstâncias, o controlo das existências e o razoável apuramento dos saldos relacionados com as mesmas podem ser assegurados por outras formas. Pode, por conseguinte, expressar-se uma opinião sem reservas nem ênfases apesar de não ter sido adoptado tal sistema.”

c) Quando a entidade não adopte o sistema de inventário permanente e o revisor/ auditor entenda que ele seria necessário para o objectivo do seu trabalho, o revisor/auditor deve expressar uma reserva por limitação de âmbito;

d) A não adopção do sistema do inventário permanente por empresa/entidade que a tal esteja obrigada deve ainda ser divulgada nos componentes relatórios e pareceres emitidos pelo revisor/auditor, independentemente de se justificar ou não uma reserva nos termos da alínea c);”

A certificação legal de contas de 2010 emitida pelo revisor oficial de contas da Requerente não contém reserva nem ênfase a mencionar a ausência de inventário permanente ou a mencionar que a contabilidade não está organizada de acordo com o SNC. Certamente o teria feito, caso existissem essas irregularidades.

Ainda que se concluísse não ter a Requerente inventário permanente e que isso fosse motivo de incumprimento legal, não podia daí extrair-se não dispor de contabilidade organizada, nos termos do Sistema de Normalização Contabilística (SNC). E, muito menos, haveria motivo para com esse fundamento negar-lhe o acesso aos benefícios fiscais.

Em carta dirigida à APECA – Associação Portuguesa das Empresas de Contabilidade e Administração, e por esta recebida em 22.12.2015, ofício … da DSIRC, datada de 17.12.2015 refere “Em resposta à carta remetida ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre a perda dos benefícios fiscais pela não adoção do sistema de inventário permanente, a DSIRC informou terem sido dadas instruções aos Serviços no sentido e se considerar que o facto de uma entidade não adoptar o sistema de inventário permanente, estando a tal obrigada, não é só por si razão para se concluir que não foi adotado o SNC e que a contabilidade não se encontra regularmente organizada, pelo que se deve aguardar o desfecho do procedimento.” [sublinhado nosso].

Não ter implementado o sistema de inventário permanente não justifica que, a empresa não disponha de contabilidade organizada de acordo com o SNC. Determinar que não adotar o sistema de inventário permanente significa que não existe contabilidade organizada nos termos do SNC é posição inaceitável da AT.

Em síntese, ainda que não possa concluir-se ou houvesse dúvidas quanto a dizer que a Requerente, tem, ou não tem, inventário permanente, nas contas de 2010, em relação a alguma categoria ou tipo de inventários, a inexistência de inventário permanente não é razão para concluir que a Requerente não tem a contabilidade organizada ou que não a tem organizada de acordo com o SNC.

Repete-se, ainda que houvesse dúvidas, quanto a concluir se a Requerente tinha, ou não tinha, inventário permanente, a ilação da Autoridade Tributária é ilegítima quando conclui que não ter inventário permanente determina que a Requerente não tem a contabilidade organizada de acordo com o SNC. E, assim, as implicações da não adoção do sistema de inventário permanente, ainda que obrigatório, não podem ser a retirada dos benefícios fiscais à Requerente.

Termos em que improcede a argumentação da AT, dando-se razão à Requerente.

 

2.      A requerente realiza atividades de I&D?

 

Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer é a seguinte: “A requerente realiza atividades de I&D?

O caso em apreço é relativo ao exercício de 2010, devendo por isso ser considerada a legislação à data em vigor. O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento (I&D) empresarial (SIFIDE) estava consagrado na Lei n.º 40/2005 de 3 de Agosto.

O SIFIDE foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e permitia que os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exercessem, a título principal uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável deduzissem à coleta, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado, numa dupla percentagem: a) taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período; e b) taxa incremental - 50% das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.

Nos termos do art. 2.º do diploma citado considera-se despesas de I&D:

 

a) «Despesas de investigação» as realizadas pelo sujeito passivo de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos;

b) «Despesas de desenvolvimento» as realizadas pelo sujeito passivo de IRC através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico.

 

Alega a Requerida que a atividade da Requerente não se enquadra no conceito de I&D e que ela não apresenta qualquer encargo referente a esta atividade.

As despesas elegíveis estão indicadas no art. 3.º, n.º 1:

1 - Consideram-se dedutíveis as seguintes categorias de despesas, desde que se refiram a actividades de investigação e desenvolvimento, tal como definidas no artigo anterior:

a) Aquisições de imobilizado, à excepção de edifícios e terrenos, desde que criados ou adquiridos em estado novo e directamente afectos à realização de actividades de I&D;

b) Despesas com pessoal directamente envolvido em tarefas de I&D;

c) Despesas com a participação de dirigentes e quadros na gestão de instituições de I&D;

d) Despesas de funcionamento, até ao máximo de 55% das despesas com o pessoal directamente envolvido em tarefas de I&D contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários, respeitantes ao exercício;

e) Despesas relativas à contratação de actividades de I&D junto de entidades públicas ou beneficiárias do estatuto de utilidade pública ou de entidades cuja idoneidade em matéria de investigação e desenvolvimento seja reconhecida por despacho conjunto dos Ministros da Economia e da Inovação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;

f) Participação no capital de instituições de I&D e contributos para fundos de investimentos, públicos ou privados, destinados a financiar empresas dedicadas sobretudo a I&D, incluindo o financiamento da valorização dos seus resultados, cuja idoneidade em matéria de investigação e desenvolvimento seja reconhecida por despacho conjunto dos Ministros da Economia e da Inovação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;

g) Custos com registo e manutenção de patentes;

h) Despesas com a aquisição de patentes que sejam predominantemente destinadas à realização de actividades de I&D;

i) Despesas com auditorias à I&D.

 

Nos termos do art. 3.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 40/2005, as despesas com o pessoal são dedutíveis.

Quanto à inexistência de qualquer encargo relativo a atividade de I&D, a própria AT refere que os encargos elegíveis na candidatura ao SIFIDE são relativos a encargos com o pessoal (Cfr. pág. 28 do RIT). Porquanto inevitavelmente a Requerente não possui outros encargos que não os do pessoal que estão refletidos na contabilidade.

Face ao exposto, não podemos deixar de concluir que a Requerente apresenta despesas, nomeadamente com o pessoal, as quais imputa à atividade de I&D.

O SIFIDE é uma medida de desagravamento fiscal “de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores ao da própria tributação que impedem” (artigo 2.º n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Tendo em conta os respetivos pressupostos, o SIFIDE é um benefício fiscal automático (artigo 5.º n.º 1 do EBF), por não carecer de reconhecimento prévio, e tem natureza mista, pois incorpora não só requisitos objetivos relativos ao tipo e natureza das despesas elegíveis (artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 40/2005) mas também requisitos subjetivos que atendem às condições e natureza dos beneficiários (artigos 5.º a 7.º da mesma Lei).

Para poderem beneficiar deste incentivo fiscal, os sujeitos passivos devem cumprir as condições e obrigações previstas nos artigos 5.º a 7.º, entre outras, a não tributação por métodos indiretos, a inexistência de dívidas ao Estado e o processo de documentação fiscal. Este deve conter a declaração comprovativa, de que as atividades exercidas correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, os respetivos montantes envolvidos, o cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes. A declaração comprovativa é emitida por entidade nomeada por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 121.º do Código do IRC. Nesta documentação deve constar também um documento que evidencie o cálculo do benefício.

Quanto à natureza da decisão da entidade certificadora o STA através do Ac. proferido em 10.09.2014 no proc. n.º 01960/13 asseverou o seguinte:

“Não obstante a entidade ali mencionada deva, também, apreciar se as actividades exercidas ou a exercer correspondem efectivamente a acções de investigação ou desenvolvimento, a finalidade legal deste acto certificativo se satisfaz na averiguação e certificação de que a despesa preenche a condição de dedutibilidade para aquele efeito fiscal e, por conseguinte, na certificação, afinal, de que àquele sujeito passivo fica, ou não, atribuída a condição de sujeito do benefício fiscal aqui em causa.”

Prossegue o referido Acórdão, a propósito do SIFIDE: “(…) a competência da entidade declarante/certificadora é atribuída com vista a um acto verificativo dirigido, em qualquer das respectivas vertentes (declaração da natureza da despesa e declaração da elegibilidade da despesa) apenas à atribuição do benefício fiscal ali regulado.”

O fato da contribuinte não possuir um departamento com a denominação de I&D, nem contactar diretamente com os clientes não significa que não desenvolva atividades de I&D. O facto determinante consiste em apurar se efetivamente a contribuinte desenvolve ou não atividades de I&D.

No que diz respeito à atividade da contribuinte, as partes concordam que a atividade da Requerente se desenvolve essencialmente na prototipagem do produto e realização de ensaios. Esta atividade foi realizada e foi suficientemente descrita pelas testemunhas E… e F….

Contudo, a AT entende que esta atividade não se enquadra na qualificação de I&D. Um dos dissensos é este. A prototipagem e os ensaios devem ou não ser qualificados como I&D?

A comissão certificadora para os incentivos fiscais à I&D empresarial qualificou esta atividade como sendo de I&D. A entidade certificadora não só qualificou a atividade da Requerente como sendo de I&D como declarou a elegibilidade das despesas apresentadas.

Depois da certificação cabe à AT fiscalizar a atribuição do benefício fiscal.

A este propósito, o STA no proc. n.º 1960/13 de 10/09/2014 referiu que:

 “Aliás, embora apenas para efeitos de fiscalização posterior por parte da AT (que não para efeitos constitutivos do direito ao benefício em questão), a declaração da entidade certificadora passa a integrar o processo de documentação fiscal previsto no art. 121º do CIRC (processo que, relativamente a cada exercício, os sujeitos passivos de IRC devem manter durante o prazo de 10 anos) (…)”

A atribuição do benefício fiscal não está dependente de reconhecimento pela AT. Trata-se de um benefício fiscal automático. A verificação dos pressupostos para concessão do benefício fiscal deve ser fiscalizado pela AT (art. 7.º do EBF).

Contudo, a fiscalização da AT é uma fiscalização quantitativa e não qualitativa, uma vez que esta já foi analisada e no caso em concreto aprovada pela entidade certificadora. Neste sentido cfr. decisão arbitral n.º489/2014, proferida em 19.03.2015, na qual foi decidido que: “Entende-se, assim, que um determinado conjunto de valores, relativo a despesas tidas como elegíveis pela Comissão Certificadora, não deixa, por essa circunstância, de poder ser aferido (quantitativamente, não qualitativamente) pela AT no âmbito dos poderes que lhe são conferidos, designadamente, pelas normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”

Não obstante o entendimento agora sufragado não podemos deixar de ter em conta os estudos desenvolvidos no âmbito da OCDE e da UE sobre a análise e avaliação das despesas de I&D. Neste prisma os estudos aí desenvolvidos incluem a prototipagem e ensaios no conceito de I&D.

Vejamos o estudo constante do Manual de Frascati, desenvolvido no âmbito da OCDE:

115. Aplicando o critério da NSF, o desenho, a construção e os ensaios com os protótipos entram normalmente dentro da definição de ID. Isto é assim quer se fabrique um só protótipo ou vários, independentemente de se construírem consecutiva ou simultaneamente.” (Manual de Frascati, Traduzido, Edição: F-Iniciativas, 2007, pág. 59).

Na mesma linha o Manual de Oslo, também desenvolvido no âmbito da OCDE, Comissão Europeia e Eurostat assevera: “ 183. Construction and testing of a prototype is often the most important phase of experimental development. A prototype is an original model (or test situation) which includes all the technical characteristics and performances of the new product or process. The acceptance of a prototype often means that the experimental development phase ends and the other phases of the innovation process begin.”[10]

Destarte, entende este Tribunal que a prototipagem e os ensaios são despesas de desenvolvimento realizadas pelo sujeito passivo através da exploração de conhecimento técnicos com vista à descoberta ou melhoria, de produtos ou processos de fabrico (art. 2.º, al. b) da Lei n.º 40/2005 de 3 de Agosto).

Deste modo, afigura-se-nos que as despesas sub judice se enquadram no conceito de I&D, devendo por isso ser consideradas elegíveis para efeitos de SIFIDE.

Improcede, também por aqui, a argumentação da AT.

 

3. Encargos com prestação de garantia

 

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

 

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, o erro da correção que está subjacente à liquidação de IRC é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a correção que efetuou foi de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da prestação de garantia para suspender a execução fiscal n.º …2015…, instaurada para cobrança das quantias liquidadas, na parte em que se reporta à liquidação de IRC (ponto 19 dos factos provados).

Pelo que procede o pedido da Requerente em ser indemnizada pelos encargos que suportou com a prestação de tal garantia bancária, necessariamente a serem determinados em execução de sentença, até ao limite previsto no n.º 3 do art.º 53º da LGT.

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional n.º 2015 … de IRC, relativa a 2010, e, em consequência, anular a liquidação;

2. Condenar a Requerida, AT, a indemnizar a Requerente pelos encargos que esta suportou com a prestação de garantia bancária para obstar à execução das liquidações impugnadas, em valor a ser determinado em execução de sentença, até ao limite previsto no n.º 3 do art.º 53º da LGT.

 

Fixa-se o valor do processo em € 325.791,51 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.814,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Maio de 2016  

 

Os Árbitros

 

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(Dra. Maria Fernanda dos Santos Maças -Árbitro Presidente)

 

___________________________________

(Profª. Doutora Leonor Fernandes Ferreira)

 

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(Dr. André Festas da Silva)

 



[1] A aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), através do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, introduziu um novo normativo contabilístico nacional e revogou o Plano Oficial de Contabilidade (POC), com efeitos a partir do exercício de 2010.

[2] Um dos requisitos essenciais para que a Requerente possa beneficiar do regime de taxa reduzida previsto no artigo 43.º do EBF corresponde à exigência de dispor da contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC.)

[3] As classificações comuns de inventários incluem mercadorias, matérias primas, consumíveis de produção, materiais, trabalhos em curso e bens acabados (NCRF 18, parágrafo 37).

[4] A Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, publicou o código de contas. Uma estrutura contas codificada e uniformizada apresenta vantagens: acautela necessidades de utilizadores diversos e permite o desenvolvimento de bases de dados.

[5] Pinheiro Pinto, José Alberto e Cristina Pinto (2016)., “Sistema de Inventário Permanente – Aspetos Contabilísticos e Fiscais”, Contabilista, n.º 190, Janeiro 2016, págs.. 57-58.

[6] Ofício n.º 052/15, da Comissão de Normalização Contabilística, de 12 de novembro de 2015.

[7] Refere o n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 158/2009 que “A obrigação prevista no número anterior não se aplica às entidades nele referidas que não ultrapassem, durante dois exercícios consecutivos, dois dos três limites indicados no n.º 2 do artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais, deixando essa dispensa de produzir efeitos no exercício seguinte ao termo daquele período.”

O referido artigo 12.º prevê exceções à obrigatoriedade de adoção, baseadas na dimensão da entidade e na atividade desenvolvida. Ficam fora da obrigação de adotar o inventário permanente na contabilização dos inventários as entidades abaixo dos limites indicados no n.º 2 do art.º 262.º do Código das Sociedades Comerciais (cf. n.ºs 2 e 3 do art. 12.º referido) e ficam dispensadas, as entidades que prossigam as seguintes atividades: a) agricultura, produção animal, apicultura e caça; b) silvicultura e exploração florestal; c) indústria piscatória e aquicultura; d) pontos de vendas a retalho. que, no seu conjunto, não apresentem, no período de um exercício, vendas superiores a € 300.000 nem a 10% das vendas globais da respetiva entidade e ainda certas entidades sujeitas ao SNC cuja atividade predominante consista na prestação de serviços, nos termos definidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 12.º do citado Decreto-Lei n.º 158/2009.

[8] O SNC prevê coimas até € 15 000, em cuja fixação são tidos em conta os valores dos capitais próprios e do total de rendimentos da entidade, os valores associados à infração e a condição económica do infrator. O legislador previu que as coimas sejam reduzidas a metade se as infrações forem praticadas a título de negligência.

[9] Circular n.º 08/01, de 25 de Janeiro de 2001, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.

[10] Cfr. Manual de Oslo, 2ª edição, In www.oecd.org, acedido em 18 de março de 2016.