Decisão Arbitral
I – Relatório
1.1. A…, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede no…, Avenida…, lote …, … andar, Lisboa (doravante designada por «Requerente»), tendo sido notificada de 23 liquidações de IUC sobre veículos relacionados com a sua actividade, apresentou, em 28/10/2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “anulação [das mesmas], por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 3.224,18 Euros, correspondente a 3.189,22 Euros de imposto pago indevidamente e 34,96 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”
1.2. Em 8/1/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo. A AT apresentou a sua resposta em 8/2/2016, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente, e invocado questão prévia relativa ao valor do pedido.
1.4. A ora Requerente, em requerimento datado de 6/4/2016, pronunciou-se sobre a referida questão prévia, tendo, em síntese, considerado que não assistia qualquer razão à AT.
1.5. Por despacho de 2/5/2016, o Tribunal considerou que, como a ora Requerente já se tinha pronunciado sobre a excepção invocada pela Requerida – estando, assim, cumprido o disposto no artigo 18.º, n.º 1, al. b), do RJAT –, se mostrava dispensável, ao abrigo do artigo 16.º, al. c), do RJAT, a reunião prevista no referido art. 18.º e que o processo estava pronto para decisão. Nestes termos, foi, por último, fixada a data de 9/5/2016 para a prolação da decisão arbitral.
1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem (vd. infra, “questão prévia”) e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a Requerente não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão”; b) “os actos tributários do IUC em crise enfermam de erro sobre os pressupostos do (alegado) facto tributário, o que consubstancia um vício de violação de lei, por força do artigo 99.º, alínea a), do Código do Procedimento e do Processo Tributário [...] susceptível de ser arguido para fundamentar a anulação dos actos tributários de liquidação de Iuc na presente sede”; c) “em todos os casos abrangidos pelo presente pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a: (i) veículos já vendidos pela Requerente, (ii) veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente e (iii) imposto relativo a situações em que o contrato de leasing se encontrava em incumprimento, sendo que todos estes casos [...] correspondem a motivos de exclusão de incidência subjectiva do imposto, não atendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em cada uma das liquidações ora objecto de pedido de pronúncia arbitral”; d) “de acordo com o art. 6.º, n.º 3, do Código do IUC, o imposto considera-se exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo, o qual, de acordo com o art. 4.º, n.º 2, do mesmo Código, tem lugar na data em que a matrícula é atribuída”; e) “desse modo, nos termos desse preceito, e considerando que na data de vencimento do imposto a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, conclui-se que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário do veículo, ou outro detentor equiparável nos termos do art. 3.º, n.º 2, do Código do IUC”; f) “as primeiras 16 situações identificadas na tabela em anexo partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC”; g) “mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade sobre os veículos através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada pela Requerente a respectiva transmissão”; h) “a situação seguinte, identificada na tabela em anexo, reconduz-se ao facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato de leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributável e a correspondente exigibilidade”; i) “da aplicação conjugada [do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do CIUC], resulta [...] que o IUC se vence numa base anual, sendo que, embora por norma o respectivo sujeito passivo seja o proprietário, caso o veículo tenha sido objecto de leasing, o sujeito passivo deverá ser o locatário financeiro”; j) “tendo em conta a factualidade apresentada, bem como o conteúdo normativo dos referidos preceitos do Código do IUC, cumpre concluir que, estando em curso nas situações assinaladas, um contrato de locação financeira durante o período de tributação do veículo e, em particular, no momento em que se despoletaram os factos geradores do imposto, o sujeito passivo de imposto era exclusivamente o locatário financeiro, e não a Requerente”; l) “finalmente, nas 6 últimas situações identificadas na tabela anexa, as viaturas identificadas na presente defesa encontravam-se cedidas em locação financeira a clientes da Requerente”; m) “todavia, previamente à data de vencimento do IUC, e na sequência de incumprimento das obrigações contratuais por parte de cada um dos clientes da Requerente, a Requerente viu-se obrigada a pôr termo às relações contratuais de locação financeira, as quais foram resolvidas antecipadamente (face ao tempo contratualmente previsto) sem que os locatários tenham procedido à restituição dos bens ao locador a que estavam obrigados”; n) “neste contexto, a Requerente recorreu ao expediente previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho [...], o qual pressupõe o cancelamento prévio ao registo da locação financeira”; o) “nos casos em apreço, assiste-se à situação de o locatário manter na sua esfera todas as prerrogativas a que o habilitava a relação contratual de locação financeira, não obstante o registo do leasing ter sido cancelado. Entende, portanto, a Requerente que deve ser imputado aos detentores dos veículos/locatários, em linha com o seu comportamento demonstrado, o imposto que pretende liquidar”.
2.2. Pelo exposto, pretende a Requerente, em síntese, a “anulação das liquidações de IUC juntas aos autos, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 3.224,18 Euros, correspondente a 3.189,22 Euros de imposto pago indevidamente e 34,96 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “o Requerimento de 30.10.2015 apresentado pela Requerente, não pode ser permitido, por carecer de suporte legal, sob pena de violação da lei”; b) que “a figura processual da ampliação do pedido não pode servir para suprir deficiências instrutórias intrínsecas à própria p.i. da Requerente e que, inexoravelmente, implicam a intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral sobre aquele vigésimo quarto veículo e correspondente nota de liquidação sem factura de venda”; c) que “a ampliação do pedido apenas pode ter lugar, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, quando for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. [...]. Não é, de todo, este o caso dos presentes autos, porquanto a pretendida ampliação não poderá ser acolhida, tendo em conta que o processo (seja ele arbitral ou não) é composto por ciclos processuais rígidos, formalmente estanques”; d) que “por mais informalidade de que possa ser dotada a arbitragem tributária, obstam a que as partes, à medida das suas necessidades e a qualquer momento que lhes aprouver na instância, aleguem de novo e «corrijam» o inicialmente aduzido, invocando para o efeito um mero lapso. [...]. Pelo que, nos termos supra expostos, requer-se, o desentranhamento do Requerimento de 30.10.2015 da Requerente, da correspondente Nota de Liquidação, bem como da nova tabela anexa com o vigésimo quarto veículo, ou que este Requerimento se entenda como não escrito”; e) que, “no concreto caso dos autos, [...] o Tribunal, na decisão que vier a proferir não poderá condenar naquilo que não tiver sido pedido no douto pedido inicial de 28.10.2015, nomeadamente sobre as 23 liquidações de IUC referentes ao ano de 2015, no valor global de € 3.224,18”; f) que “o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”; g) que “é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”; h) que “entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem”; i) que “o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, sendo certo que a tese propugnada pela Requerente direcciona o seu objectivo para o alvo errado”; j) que “também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando, o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei. Tal resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código”; l) que, “mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados”; m) que, “à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada [...] na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel”; n) que “os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.os 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”; o) que “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”; p) que “as facturas apenas são válidas após a demonstração da sua boa cobrança, e se esta prova não foi feita, então as facturas são inválidas, ou pelo menos claramente insuficientes, para a prova dos factos pretendidos”; q) que “os meros documentos unilaterais não possuem valor probatório bastante com vista a ilidir a presunção legal constante do registo”; r) que, “se as facturas são inválidas, ou pelo menos claramente insuficientes, para a prova dos factos pretendidos pela Requerente, por maioria de razão, a Nota de Liquidação n.º 2015…, sem factura de venda, não prova absolutamente nada, pelo que se impugna para todos os efeitos legais este documento. Ou seja, a Nota de Liquidação n.º 2015…, sem factura de venda, não é prova suficiente para abalar qualquer presunção legal, eventualmente, estabelecida no artigo 3.º do CIUC”; s) que “não obstante a Requerente juntar cópia do respectivo contrato [relativo ao veículo, objecto do contrato de leasing, com a matrícula …-… -…], a verdade é não é feita qualquer prova de que o mesmo estivesse vigente no ano do IUC em causa. [...]. A prova indubitável que a Requerente deveria ter feito, mas que não fez, era de juntar documento comprovativo do pagamento da renda de leasing no mês da exigibilidade do imposto”; t) que “não é credível a mera invocação de um incumprimento contratual de locação financeira, com não devolução dos bens locados, para justificar a não sujeição a IUC [...] não sendo razoável considerar que a Requerente não tenha qualquer documento comprovativo da situação do incumprimento dos contratos de locação em causa, ou das tentativas de recuperação dos seus créditos ou dos veículos, tratando-se, para mais, de uma grande empresa financeira do sector”; u) que, “se esse Douto Tribunal entender que os supra referidos contratos de locação juntos aos autos fazem prova do incumprimento contratual de locação financeira, com não devolução dos bens locados, para justificar a não sujeição a IUC, em relação ao contrato de locação financeira n.º … referente ao veículo com matrícula …-…-…, o mesmo não pode ser considerado como prova deste facto, tendo em conta que é omisso, quanto ao vencimento das rendas, bem como à data do seu início ou do seu termo”; v) que “a interpretação veiculada pela Requerente [...] mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”; x) que “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é suscetível de ser controlada pela Requerida [uma vez que] o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado. [...]. [...] a Requerida [limitou-se] a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito”; z) que “os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços [...]. Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios. [...]. Nem, tão pouco, dos juros compensatórios cujo reembolso pretende.”
2.4. A AT conclui, em síntese final, que: “a) deverá o requerimento da Requerente de 30.10.2015 ser desentranhado, não sendo admitida a ampliação do pedido, procedendo, concomitantemente, a excepção invocada; b) deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A ora Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a forma de concessão de empréstimos para a aquisição de veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.
ii) A Requerente recebeu 23 notas de liquidação de IUC do ano de 2015 sobre veículos relacionados com a actividade acima mencionada, conforme notas de liquidação juntas à p.i. e que aqui se dão por reproduzidas. A estas há que acrescentar a que consta do requerimento da ora Requerente de 30/10/2015, por se entender que a ampliação do pedido é, no presente caso, admissível (v. infra, “questão prévia”). Em conformidade, o valor do presente processo passa de €3224,18 para €3245,28.
iii) A 24.ª liquidação, conforme a numeração constante da tabela (actualizada) anexa à p.i., referente ao veículo de matrícula …-…-… (data limite de pagamento a 2/2/2015), não tem factura de venda associada.
iv) A liquidação objecto de contrato de leasing (vd. situação 17 da tabela anexa à p.i.: liquidação n.º 2015…), no montante total de €32,35 (€32,00 de IUC + €0,35 de juros compensatórios), foi colocada em causa pela apresentação de contrato de leasing (contrato n.º…), o qual demonstra, pela data de início e de termo do mesmo, que a Requerente não era a proprietária do veículo em causa à data do pagamento do imposto.
v) A Requerente procedeu ao pagamento do IUC ora em causa. Inconformada com as liquidações supra referidas, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral a 28/10/2016.
3.2. Quanto aos documentos trazidos aos presentes autos pela Requerente visando a demonstração de que o imposto se refere a veículos já vendidos (situações 1 a 16 da tabela anexa à p.i. + situação 24), ou que é relativo a situações de incumprimento de contratos de locação financeira sem devolução dos bens locados (situações 18 a 23), considera-se que, para o primeiro conjunto de situações (1-16 + 24), os documentos apresentados não permitem ilidir a presunção do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, e que, para os segundos (18-23), os documentos apresentados não são aptos a demonstrar o alegado incumprimento (com efeito, no primeiro conjunto, apresentaram-se facturas emitidas pela ora Requerente mas não contratos de compra e venda, facturas/recibos ou recibos que permitam provar o pagamento e quitação; no segundo conjunto, a Requerente alegou que se tratava de “IUC após o contrato entrar em dívida” mas limitou-se a apresentar os contratos, não tendo apresentado documentos comprovativos dos incumprimentos contratuais, ou documentos comprovativos das, por si alegadas, tentativas de recuperação dos créditos ou veículos).
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos. Os factos que se consideraram não provados fundamentam-se na falta de provas documentais demonstrativas das alegações feitas (v. 3.2).
IV – Questão Prévia
Como se referiu no relatório da presente decisão, a Requerida invocou, na sua resposta de 8/2/2016, excepção que entende que “[implica] a intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral sobre [o] vigésimo quarto veículo e correspondente nota de liquidação sem factura de venda.”
Cabe, assim, averiguar se a mesma deve ser considerada procedente, atendendo, ainda, ao que consta do requerimento da Requerente de 6/4/2016, no qual esta se pronunciou sobre a referida excepção.
Alega a Requerida, em síntese, que “a figura processual da ampliação do pedido não pode servir para suprir deficiências instrutórias intrínsecas à própria p.i. da Requerente e que, inexoravelmente, implicam a intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral sobre aquele vigésimo quarto veículo e correspondente nota de liquidação sem factura de venda” e, ainda, que, “por mais informalidade de que possa ser dotada a arbitragem tributária, [os ciclos processuais rígidos] obstam a que as partes, à medida das suas necessidades e a qualquer momento que lhes aprouver na instância, aleguem de novo e «corrijam» o inicialmente aduzido, invocando para o efeito um mero lapso”. Conclui, assim, a Requerida que “deverá o requerimento da Requerente de 30.10.2015 ser desentranhado, não sendo admitida a ampliação do pedido, procedendo, concomitantemente, a excepção invocada”.
Conclui-se, contudo, que não assiste razão à Requerida, uma vez que (e em síntese): a) o referido requerimento, datado de 30/10/2015, deu entrada no dia seguinte ao do pedido de constituição do presente Tribunal, o que permitiu o conhecimento atempado do mesmo, bem como o exercício do direito ao contraditório por parte da Requerida (o que pôde fazer através da sua resposta); b) no requerimento em causa, em que a Requerente solicita a rectificação do pedido inicial, por forma a incluir o valor referente à nota de liquidação n.º 2015…, cuja anulação é arguida, verifica-se que os fundamentos do pedido de ilegalidade coincidem com os invocados para situações do mesmo tipo que constavam do pedido inicial, ou seja, não se justificava – também por razões de economia processual – que se exigisse a interposição de processo distinto apenas para arguir a nulidade dessa específica nota de liquidação (até porque há, entre todas elas, identidade de imposto, circunstâncias e fundamentos de facto e de direito invocados para a sua apreciação e decisão); c) acresce que, por força do disposto no art. 265.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.” Ora, como se disse supra, em a), o pedido de ampliação teve lugar bem antes dessa fase (equivalente, em processo arbitral, à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; ou, nos casos em que esta não se realize, por se entender ser desnecessária, ao momento da apresentação das alegações finais ou, ainda, do despacho arbitral que encerra esta fase processual e determina o prosseguimento do processo para decisão final).
Assim sendo, estando cumpridos os pressupostos legais para a ampliação do pedido, e verificando-se ter sido acautelado o princípio do contraditório, justifica-se, também em nome do princípio da economia processual, a admissão do requerimento da ora Requerente datado de 30/10/2015, sendo improcedente a excepção alegada pela Requerida. Consequentemente, em resultado da referida ampliação, o valor do presente processo passa a ser de €3245,28 (o que não implica alteração do valor das custas).
V – Do Direito
No presente caso, são cinco as questões de direito controvertidas: 1) saber se o artigo 3.º do CIUC contém uma presunção e se a ilisão da mesma foi feita; 2) saber se, como alega a AT, a interpretação da ora Requerente não atende aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei; 3) saber se a apresentação de contrato(s) é suficiente para demonstrar o alegado incumprimento contratual dos veículos cedidos em locação financeira, e a vigência de contrato de leasing à data em que se gerou o facto tributável; 4) saber se, como alega a AT, “a interpretação veiculada pela Requerente [...] mostra-se contrária à Constituição”; 5) saber se são devidos juros indemnizatórios à ora Requerente.
Vejamos, então.
1) e 2) As duas primeiras questões de direito confluem na direcção da interpretação do art. 3.º do CIUC, pelo que se mostra necessário: A) saber se a norma de incidência subjectiva, constante do referido art. 3.º, estabelece ou não uma presunção; B) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico; C) saber – admitindo que a presunção existe (e que a mesma é iuris tantum) – se foi feita a ilisão da mesma.
A) O artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Código do Imposto Único de Circulação, tem a seguinte redacção, que aqui se reproduz:
“Artigo 3.º – Incidência Subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
A interpretação do texto legal citado é, naturalmente, imprescindível para a resolução do caso em análise. Nessa medida, afigura-se necessário recorrer ao art. 11.º, n.º 1, da LGT, e, por remissão deste, ao art. 9.º do Código Civil (CC).
Ora, nos termos do referido art. 9.º do CC, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O mesmo é dizer (independentemente da querela objectivismo-subjectivismo) que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.
A apreensão literal do texto legal em causa não gera - ainda que seja muito discutível a separação desta relativamente ao apuramento, mesmo que mínimo, do respectivo sentido - a noção de que a expressão “considerando-se como tais” significa algo diverso de “presumindo-se como tais”. De facto, muito dificilmente encontraríamos autores que, numa tarefa de pré-compreensão do referido texto legal, repelissem, “instintivamente”, a identidade entre as duas expressões.
Confirmando a indistinção (tanto literal como de sentido) das palavras “considerando” e “presumindo” (presunção), vejam-se, por ex., os seguintes artigos do Código Civil: 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2, e 1629.º. E, com especial interesse, o caso da expressão “considera-se”, constante do art. 21.º, n.º 2, do CIRC. Como assinalam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a respeito desse artigo do CIRC: “para além de esta norma evidenciar que o que está em causa em sede de tributação de mais valias é apurar o valor real (o de mercado), a limitação ao apuramento do valor real derivada das regras de determinação do valor tributável previstas no CIS não poder deixar de ser considerada como uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT” (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 651-2).
B) Estes são apenas alguns exemplos que permitem concluir que é precisamente por razões relacionadas com a “unidade do sistema jurídico” (o elemento sistemático) que não se poderá afirmar que só quando se usa o verbo “presumir” é que se está perante uma presunção, dado que o uso de outros termos ou expressões (literalmente similares) também podem servir de base a presunções. E, de entre estas, as expressões “considera-se como” ou “considerando-se como” assumem, como se viu, destaque.
Se a análise literal é apenas a base da tarefa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz dos demais elementos (ou subelementos do denominado elemento lógico). Com efeito, a AT alega, também, que a interpretação da Requerente não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, e que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pelo ora Requerente é errada.
Justifica-se, portanto, averiguar se a interpretação que considere a existência de uma presunção no art. 3.º do CIUC colide com o elemento teleológico, i.e., com as finalidades (ou com a relevância sociológica) do que se pretendia com a regra em causa. Ora, tais finalidades estão claramente identificadas no início do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (vd. art. 1.º do CIUC).
O que se pode inferir deste artigo 1.º? Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se assinalou na DA proferida no proc. n.º 73/2013-T: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”
Com efeito, se a referida ratio legis fosse outra, como compreender, p. ex., a obrigação (por parte das entidades que procedam à locação de veículos) - e para efeitos do disposto no art. 3.º do CIUC e no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 22-A/2007, de 29/6 - de fornecimento à DGI dos dados respeitantes à identificação fiscal dos utilizadores dos referidos veículos (vd. art. 19.º)? Será que onde se lê “utilizadores”, devia antes ler-se, desconsiderando o elemento sistemático, “proprietários com registo em seu nome”...?
C) Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados - ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores dos mesmos -, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação. E, ainda que se alegue a intenção do legislador foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que, como tal, constem do registo automóvel, é necessário ter presente que tal registo, em face do que foi dito anteriormente, gera apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada pela apresentação de prova em contrário. Neste sentido, vd., p. ex., o Acórdão do TCAS de 19/3/2015, processo 8300/14: “O [...] art. 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível”.
Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa, no presente caso, a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).
Acresce que, se não se permitisse ao vendedor a ilisão da presunção constante do art. 3.º do CIUC, estar-se-ia a beneficiar, sem uma razão plausível, os adquirentes que, na posse de formulários de contratos de aquisição correctamente preenchidos e assinados, e usufruindo das vantagens associadas à sua condição de proprietários, se tentassem eximir, por via de um “formalismo registral”, ao pagamento de portagens ou coimas.
A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, vd., v.g., o Ac. do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”
No mesmo sentido, referiu, a este respeito, a DA proferida no proc. n.º 14/2013-T, em termos que aqui se acompanham: “a função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode ser ilidida por prova em contrário. Não preenchendo a AT os requisitos da noção de terceiro para efeitos de registo [circunstância que poderia impedir a eficácia plena dos contratos de compra e venda celebrados], não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda.”
Ora, no caso aqui em análise, verifica-se que a ilisão da presunção não foi alcançada nas situações 1 a 16 da tabela anexa à p.i., uma vez que a prova apresentada pela Requerente limitou-se às facturas (unilateralmente emitidas), não tendo sido apresentados, como refere a AT, os contratos de compra e venda (ou então – o que teria idêntica força probatória – as facturas/recibos ou recibos que permitem fazer a prova do pagamento e quitação, ou seja, que permitem demonstrar, inequivocamente, que se concluíram as compras e vendas alegadas).
A respeito da força probatória de documentos como contratos de compra e venda, ou facturas/recibos ou recibos que permitam fazer a prova do pagamento, veja-se, por exemplo, a DA proferida no proc. n.º 583/2015-T, de 15/2/2016: “não tendo sido anexadas ao processo, nomeadamente, cópias dos documentos comprovativos de pagamento do preço (cheque ou comprovativo de transferência do montante relativo à alienação de cada uma das viaturas), a transmissão da propriedade efectiva das referidas viaturas não conseguiu ser comprovada. Com efeito, só com a apresentação de tais documentos (com presunção de veracidade e idoneidade), é que teria havido força bastante para ilidir, de acordo com o disposto no artigo 73.º da LGT, a presunção constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC (e em consequência da qual resultaram as liquidações de imposto). Nestes termos, será forçoso concluir que a Requerente não conseguiu provar a transmissão da propriedade dos veículos que constituem o objecto das liquidações de IUC que fazem parte do Pedido Arbitral e, em consequência, não conseguiu ilidir a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel.”
No mesmo sentido, veja-se, também, a DA por nós proferida no proc. n.º 428/2015-T, de 11/1/2016: “Considera-se não provada [...] a (alegada) venda do veículo automóvel [...], por não ter sido apresentado documento (contrato de compra e venda, devidamente assinado por ambas as partes, ou factura comprovativa do recebimento do preço) que prove a invocada transferência de propriedade”.
Veja-se, por último, o Acórdão do TCAS de 19/3/2015 (no proc. 8300/14): “O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do art. 3.º, n.º 1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. O citado art. 3.º, n.º 1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art. 73.º da L.G.T. A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do art. 347.º do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova – a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. art. 346.º do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. [...] a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação [«e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda»] - cfr. art. 787.º, do C.Civil”.
Sendo insuficientes as facturas apresentadas pela Requerente, pelas razões expostas, conclui-se também, a fortiori, que a nota de liquidação n.º 2015 …(relativa a veículo com a matrícula …-…-…), apresentada sem factura de venda, não constitui, por si, prova suficiente para afastar a referida presunção legal.
3) Relativamente aos casos em que se alegou ter havido incumprimento contratual de locação financeira (situações 18 a 23 da tabela anexa à p.i.), entende-se que a apresentação dos contratos é insuficiente para justificar a não sujeição a IUC, dado que os mesmos, embora contenham referências ao vencimento das rendas, bem como à data do seu início e termo, não permitem provar o invocado incumprimento – com efeito, a Requerente não apresentou, para todos estes casos, documentos comprovativos da situação de incumprimento nem documentos comprovativos das alegadas tentativas de recuperação dos seus créditos ou veículos.
Como se disse no ponto iv) da factualidade provada, a liquidação objecto de contrato de leasing (situação 17 da tabela anexa à p.i.), no montante global de €32,35 (liquidação n.º 2015…), foi colocada em causa com a apresentação de contrato de leasing (contrato n.º…), o qual demonstra, pela data de início e de termo do mesmo, que a Requerente não era a proprietária do veículo respectivo à data do pagamento do imposto. O que constitui prova bastante, não se mostrando necessária – ao contrário do que alega a AT – a junção de doc. comprovativo do pagamento da renda de leasing no mês da exigibilidade do imposto.
4) Em face do que foi supra exposto [em 1) e 2)], conclui-se não existir interpretação “contrária à Constituição”, ao contrário do que alegou a Requerida nos pontos 133.º a 141.º da sua resposta.
5) Uma nota final para apreciar, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente (art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT).
A este respeito, lembrou a DA proferida no processo n.º 26/2013-T, de 19/7/2013 (que tratou de situação semelhante à ora em apreciação): “O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. [...] ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respectivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito [a juros indemnizatórios] a favor do contribuinte. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.”
Considerando esta justificação – com a qual se concorda inteiramente –, conclui-se, também quanto ao presente caso, pela improcedência do mencionado pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
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VI – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica as liquidações de IUC impugnadas (excepto a liquidação n.º 2015…), e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas quanto à mencionada liquidação n.º 2015…, restituindo-se à requerente o respectivo montante global.
- Julgar improcedente o pedido na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.
Fixa-se o valor do processo em €3245,28 (três mil duzentos e quarenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerente, no montante de €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 9 de Maio de 2016.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.