CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa
Arbitragem Tributária
Processo Arbitral n.º 97/2012-T CAAD
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro José Rodrigo de Castro, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acorda no seguinte:
RELATÓRIO
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Requerentes
A, contribuinte fiscal n.º ... e B, contribuinte fiscal n.º ..., residentes em ...
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Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (abreviadamente AT) representada pelos Ex. mos Juristas da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso …, designados por despacho do Diretor-Geral da referida Autoridade, datado de 25 de Setembro de 2012.
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Constituição e funcionamento do Tribunal Arbitral
Os requerentes supra identificados apresentaram no CAAD, no dia 9 de Agosto de 2012, um pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex. mo Senhor Presidente do CAAD e devidamente notificado às partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, Conf. Doc. 1.
O signatário, José Rodrigo de Castro, foi designado pelo Ex. mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) como árbitro-singular, nomeação que foi aceite por ter considerado não existir qualquer impedimento para o exercício da função Conf. Doc. 7 e 8.
O Tribunal Arbitral foi, assim, legalmente constituído em 1-10-2012, de que foi lavrada a competente ata, que depois de lida foi assinada por todos os presentes, tendo desde logo sido notificada a Requerida para apresentar resposta, no prazo e termos legais e acordado o dia 24-10-2012 para realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Por à data da constituição do Tribunal não ter sido junto o Substabelecimento da Mandatária da Requerente presente à primeira Reunião, foi aceite a sua junção posterior por despacho de 4-10-2012, o que foi feito nessa data.
Quer a Resposta da AT quer o respetivo processo administrativo foram atempadamente apresentados e juntos ao processo.
Na Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada na prevista data de 24-10-2012, a Requerente manifestou a sua preferência pela apresentação de alegações escritas, a que não se opôs a Requerida nem o Árbitro-singular, tendo sido designado o dia 26-11-2012 para o efeito. Na mesma Reunião foi notificada a Requerente para, no prazo de 15 dias, proceder à junção ao processo da notificação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente ao seu reenquadramento no Regime Simplificado de Tributação, bem como para apresentar comprovativo de ter tentado apresentar, sem êxito, a declaração mod. 3 de IRS do ano de 2009 com o respetivo Anexo C, respeitante à contabilidade organizada, notificação extensiva à Requerida, nesta parte, caso lhe seja possível.
O Tribunal designou o dia 10-01-2013 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
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DO SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e os Requerentes e Requerida estiveram legalmente representados.
O processo contém um incidente processual, levantado pela Requerida na sua Resposta, qual seja o da inidoneidade do meio processual, com o fundamento em que “os Autores não colocam em causa nenhum aspeto atinente à liquidação propriamente dita…nem apontam quaisquer vícios que a inquinem do ponto de vista legal, antes esgrimem argumentos contra a decisão que, em sede de procedimento próprio, o enquadrou no âmbito do regime simplificado em IRS.”
Incidente que será analisado e decidido a seu tempo e prioritariamente, até porque da sua resolução depende ou não a apreciação do mérito ou demérito da causa, nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 493.º do CPC.
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DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR
Os Requerentes supra identificados vêm, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular “com vista à declaração da ilegalidade das liquidações adicionais de IRS e Juros Compensatórios”, “com os n.ºs ..., no valor de € 2.477,71 de IRS e ... de JC, que liquida adicionalmente IRS e JC de 2009, que se cifra em 2. 447,71 € e 195,66 €, num total de 2.673,37 €.
As referidas liquidações foram efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-06-2012, com fundamento em correções, devidamente notificadas, aos elementos declarados na respetiva declaração mod. 3 e Anexo B, no Campo 401 do Quadro 4-A, do ano de 2009, respeitante ao regime simplificado de tributação, no valor de € 70.121,25 de venda de mercadorias e produtos, “que, em síntese, consideram que aquele (contribuinte) terá tido um rendimento bruto da categoria B, em sede de IRS, para o ano de 2009, de 70.121,25 €, coincidente com o declarado, mas subdividido em vendas e prestações de serviços, respetivamente, de 49.347,67 € e 20.773,58 € “.
Em consequência, tais correções que consistiram em separar o referido rendimento bruto declarado pelos Requerentes em, respetivamente, € 49.347,67 de venda de mercadorias e produtos (campo 401) e € 20.773,58 de outras prestações de serviços e outros rendimentos (campo 403), para efeitos de aplicação dos respetivos coeficientes de 0,20 e 0,70, a AT “empreendeu correções ao rendimento global dos aqui Requerentes, considerando que aquele passara a cifrar-se em 24.441,04 €”, conforme consta do doc. 2-v dos respetivos elementos juntos ao processo.
Mais alegam os Requerentes que “as liquidações que ora se controvertem foram efetuadas em manifesto erro de enquadramento cadastral, na medida em que, como visto, claramente se percebe que a determinação do rendimento colectável dos aqui Requerentes foi empreendida em conformidade com as regras previstas na lei para o regime simplificado e já não, como devia, apurado de acordo com o regime de contabilidade organizada.”
Alegam ainda os Requerentes que o seu reenquadramento no regime simplificado de tributação é desadequado face ao “total dos proveitos, ou seja, em conformidade com o estatuído no Ofício-Circulado n.º 30.333,” de 9-02-2001, da Administração Tributária e Aduaneira-Direção dos Serviços do Cadastro, “que releva, para aquele efeito, o total do campo A112 do Anexo A à declaração anual de informação contabilística e fiscal, nele se incluindo a variação de produção e os trabalhos para a própria empresa.”
E assim sendo “o Requerente sempre ultrapassou os limites impostos pelo art.º 28.º do CIRS que legitimavam a subsunção no regime simplificado e, por isso, jamais poderia ficar subordinado à sua aplicabilidade”, como demonstra pelos valores dos proveitos dos anos de 2006, 2007, 2008 e até 2009.
E pormenoriza que “no exercício de 2006, o valor total proveitos registados cifrou-se em 280.976,24 €, sendo que 37.354,69 € respeitantes a vendas e 243.534,15 € relativos a prestações de serviços (cfr. Doc. N.º 5)”.
E que “em 2007, relevou como réditos 164.263,76 €, sendo 50.386,17 € de vendas e 113.877,59 € de prestações de serviços (Doc. N.º 6)”.
E que “em 2008 e como se pode ver pela leitura da IES que vai junta como Doc. N.º 7, foram declarados como total dos proveitos 150.804,08 €, discriminados como se segue: i) vendas de mercadorias – 59.328,93 €; ii) Prestações de Serviços- 31.475,13 €; iii) variação de produção – 60.000,00 €”.
E que, “finalmente em 2009 e como se pode ver pela leitura do Balancete que vai junto como documento n.º 8, foram declarados como total de proveitos 160.121,25 €, discriminados como se segue: i) venda de mercadorias – 49.347,67 €; ii) Prestações de Serviços – 20.773,58 €; iii) variação de produção – 90.000,00 €”.
Não se conformam, deste modo, os Requerentes “com o enquadramento cadastral que adveio entretanto ao seu conhecimento e que está a estribar as liquidações que aqui se controvertem”
Mais alega que existe suporte legal para incluir nos proveitos a variação da produção, sendo que “tal suporte existe e está ínsito nem mais nem menos no art.º 32.º do CIRS, que estabelece quanto aos rendimentos empresariais e profissionais, uma remissão genérica e total para as regras estabelecidas no CIRC.”
Pretende, portanto, que, “se a variação da produção era relevante, nos exatos termos em que o afirmava o aludido Ofício-Circulado, para os sujeitos passivos de IRC, então igualmente relevava para efeitos de enquadramento ou não no regime simplificado de tributação para os sujeitos passivos de IRS que auferissem rendimentos empresariais e, assim sendo, já a decisão que está a suportar os atos de liquidação que aqui se sindicam está incontornavelmente enfermada.”
E termina alegando que a Autoridade Tributária e Aduaneira cometeu “um vício de tipo residual, que afeta a validade dos atos cujo conteúdo não respeita as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”, ao “decidir coisa diversa do que a lei estabelece….”
E, assim sendo, requerem que se considerem “as liquidações controvertidas ilegais, porquanto enfermadas por errónea quantificação, consubstanciando-se, tal vício, na fundamentação que supra enunciámos e que aqui se reitera, sancionando-se tal ilegalidade com a consequência jurídica da anulabilidade dos atos de liquidação controvertidos e a consideração dos valores que resultam da declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes para o ano de 2009 e que pressupõem a aplicação do enquadramento cadastral como sujeito passivo com contabilidade organizada não abrangido pelo regime simplificado de tributação por sempre haver extravasado, levando na devida conta os valores de variação da produção, os limites estabelecidos no artigo 28.º do CIRS.”
6. DA RESPOSTA DA REQUERIDA
a) Da resposta da AT, há a salientar a invocação da exceção por inidoneidade do meio processual utilizado de pronúncia arbitral, porquanto os Requerentes “não colocam em causa nenhum aspeto atinente à liquidação propriamente dita, antes esgrimem argumentos contra a decisão que, em sede de procedimento, enquadrou o A. no âmbito do regime simplificado.”
b) E, assim sendo, alega a AT que “o enquadramento jurídico do sujeito passivo no âmbito de um regime de tributação, simplificado ou da contabilidade, constitui um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa”.
c) Mais clarifica a AT que “este procedimento (de enquadramento cadastral) sendo prejudicial face ao “acto de liquidação” propriamente dito não se confunde com o ato tributário, sendo que a lei prevê a sua impugnabilidade contenciosa direta/imediata”.
d) Termos em que, alega a AT, “o meio processual não é o próprio com vista a sindicar o acto de enquadramento do autor no âmbito do regime simplificado, subsumindo-se à acção administrativa especial”,… “a interpor nas circunstâncias de tempo previstas no artigoº 58.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), isto por força do disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 191.º do CPTA”.
e) Donde resulta, realça a AT, “a inadequação do meio processual utilizado como forma de sindicância do acto de enquadramento no regime simplificado e que projetou na liquidação em causa nos autos, a correção contestada”.
f) E, em consequência, conclui a AT, que “fica precludido o direito de suscitar eventuais desconformidades legais de que o acto padeça” porquanto o acto destacável de enquadramento no regime simplificado se consolidou na ordem jurídica, formando caso julgado, e por esse motivo insuscetível de ser sindicado, à luz do preceituado no Art.º 495.º do CPC”.
g) Mais diz a AT que “mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite”, são suscitadas as seguintes questões adicionais:
a) Quanto à intempestividade:
a.1 Alega a AT que “a sindicabilidade do acto que procedeu ao reenquadramento no regime simplificado ficaria sempre prejudicada pela circunstância de ser manifesta a intempestividade da presente acção, aferida face ao momento em que ocorreu a notificação/conhecimento da decisão de enquadramento tributário”.
a.2) Diz ainda a AT que “efetivamente o Requerente teve – pelo menos – conhecimento do seu enquadramento tributário no regime simplificado a 28-05-2010 (data em que entregou a sua declaração de rendimentos, submetida no âmbito do regime simplificado), alcançando-se, sem grande esforço, que a reação a tal facto foi interposta em momento (21 de Dezembro de 2011 – data em que solicitou a revisão do enquadramento de que entretanto havia aproveitado) em que já havia ocorrido a caducidade do direito de ação”.
a.3) E AT termina esta parte alegando “manifesta a intempestividade da presente ação”.
b) Quanto à incompetência rationae materiae:
b.1 Também sem conceder, mais diz a AT que “caberia ainda apreciar, nomeadamente, se o acto é suscetível de ser submetido à arbitragem em face do que está regulado na Lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro, e na Portaria 112-º-A/2011, de 22 de Março, que estabelece os exactos termos da vinculação da Direcção-Geral dos Impostos à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)”.
b.2 Mais alega ser pacífico que “a competência em razão da matéria se afere pela natureza da relação jurídica configurada pelo Requerente na petição inicial, isto, independentemente do mérito da pretensão formulada”.
b.3 E realça que “no caso vertente, é formulado um pedido de anulação de acto de liquidação, com a particularidade de o único fundamento aventado ser a (suposta) ilegalidade da decisão que procedeu ao enquadramento do autor no âmbito do regime simplificado, matéria que, salvo melhor opinião, está afastada do âmbito dos poderes de pronúncia dos tribunais fiscais arbitrais, definidos pelo disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e pela Portaria 112-A/2011 de 22 de Março”.
b.3 E, deste modo, alega que “faleceria sempre a pretensão dos autores, isto na medida em que não sendo o acto a sindicar meramente interlocutório do acto de liquidação objecto dos autos, nunca este poderia ser anulado por eventuais vícios daquele”.
c) “Quanto, sem conceder, à impugnação do enquadramento factual da situação”.
c.1 “O Requerente encontrava-se enquadrado no regime da contabilidade, por obrigação, desde 2001.01.01”.
c.2 Refere a AT que “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 28.º do CIRS, foi o A. enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 2009.01.01”.
c.3 E realça “que a 28 de Maio de 2010, o Requerente entregou a sua declaração de rendimentos, referente ao IRS de 2009, de acordo com o regime simplificado”.
c.4 E que “a 23 de Junho de 2010, em resultado dessa declaração, foi emitida uma liquidação com o n.º ... no valor de € 75,61”.
c.5 E continua a AT referindo que “a 21 de Dezembro de 2011, os ora Requerentes solicitaram à Direção de Serviços de Registo dos Contribuintes a revisão do enquadramento no âmbito do regime simplificado, nos termos do artigo 78.º da LGT – pedido esse que foi indeferido a 14 de Março de 2012”.
c.6 “Indeferimento esse que a Requerente não reagiu”.
c.7 Mais refere “que a 7 de Maio de 2012 no âmbito do procedimento tributário que correu seus termos junto do Serviço de Finanças de Sintra-…, verificou-se que o total de € 70.121,25, declarado pelo sujeito passivo na sua declaração de IRS de 2009 como respeitando a vendas sujeitas a tributação, pelo regime simplificado de tributação, respeitam, de facto, a vendas e prestações de serviços, sendo € 49.347,67 de vendas e € 20.773,58 de prestações de serviços”
c.8 Continuando a AT, refere que elaborado o projeto de decisão inerente a esta correção e “não tendo exercido o A. o seu direito de audição prévia – apesar de ter sido notificado – foi o mesmo convertido em definitivo”.
c.9 Donde se conclui, diz a AT que “a liquidação adicional que ora o A. deseja ver sindicada, limita-se assim apenas e tão-só a corrigir o valor das vendas declarado e o valor das prestações de serviços, em conformidade com as declarações do sujeito passivo e vertidas no balancete por si apresentado”.
d) E termina em termos do Direito alegando a AT que:
d.1 “O A. encontrava-se enquadrado no regime da contabilidade, por obrigação, desde 2001.01.01, sendo que este é renovável em cada triénio, em face dos rendimentos efetivamente auferidos nos exercícios anteriores”.
d.2 “Tomando em consideração os rendimentos auferidos em 2008, - vide artigo 21.º do douto pedido de pronúncia arbitral, e na ausência de opção nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 28.º do CIRS, foi o sujeito passivo enquadrado no regime simplificado de tributação com efeitos desde 2009.01.01”.
d.3 “A Requerente – supostamente em abono do seu entendimento vd. Artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral – o disposto no Ofício-Circulado n.º 30.033, de 09-02-2001, da Direção de Serviços do Cadastro”.
d.4 “Essa interpretação deve-se, todavia, a uma leitura precipitada e errónea do disposto na referida instrução administrativa”, justificando a AT este seu entendimento com o fato de aquela instrução administrativa “apenas vem esclarecer que deve ser entregue pelos sujeitos passivos de IRS uma declaração de alterações quando reunindo os pressupostos de inclusão”, face aos volume de proveitos, “não pretendam ficar abrangidos pelo regime simplificado, devendo optar pelo regime da contabilidade organizada (ainda que facultativamente tenham optado, em ano anterior, por possuir contabilidade organizada)”.
d.5 “Se não fizerem esta opção, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites: a) Volume de vendas 30 000 000 $ e b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20 000 $”.
d.6 E mais esclarece a AT que o referido no ponto “E” do citado oficio-circulado “consta a “definição de conceitos”, sendo que o volume de vendas é o correspondente ao valor das vendas de mercadorias e produtos, e o valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria é o valor das prestações de serviços e outros proveitos - definições, sublinhe-se, dão conteúdo ao disposto no Ponto A 1.1 da referida instrução administrativa, referida às situações do artigo 31.º do Código do IRS”.
d.7 E esclarece ainda que, “diferentemente, para efeitos de enquadramento dos sujeitos passivos de IRC”, que frisa, “(não é obviamente o caso dos autos), determina o mesmo ofício-circulado que deve atender-se ao valor total dos proveitos, sendo a definição deste conceito, o valor correspondente ao total dos proveitos calculados de harmonia com as regras previstas para o preenchimento do campo A 112 do quadro 3 do anexo A da declaração anual”.
d.8 E termina concluindo “que não colhe pois a alegação do sujeito passivo de IRS de regras específicas referentes aos sujeitos passivos de IRC” e que “aliás, não podia ser de outra forma, nos termos do artigo 31.º do CIRS”, pelo que a “variação da produção é exclusiva do conceito de rendimento”.
d.9 Termos em que conclui que “devem ser julgadas procedentes as invocadas excepções, absolvendo-se, em conformidade, a R da instância ou, caso assim não se entenda - deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se o R. do pedido, como é de Direito e de Justiça”.
7. DAS ALEGAÇÕES ESCRITAS
7.1 DA REQUERENTE
Questionada a representante dos Requerentes na Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada na prevista data de 24-10-2012, a Requerente manifestou, como antes foi referido, a sua preferência pela apresentação de alegações escritas, a que não se opôs a Requerida nem o Árbitro-singular, tendo sido designado o dia 26-11-2012 para o efeito.
Nas alegações apresentadas pelos Requerentes em 22 de Novembro último, dentro do prazo fixado pelo Tribunal na primeira reunião do Tribunal arbitral, alegou o seguinte:
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Da razão que lhe “inequivocamente lhe assiste”.
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Da clareza da prova produzida e “da clareza e consistência dos factos alegados”.
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Da reiteração, “na íntegra, de tudo quanto foi alegado no pedido de pronúncia arbitral”.
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Quanto à exceção da “idoneidade do meio processual” suscitada pela Requerida, nos artigos 1.º a 8.º da Resposta, “sempre se dirá que, ali e partindo da constatação de que o acto de inscrição cadastral é acto destacável, sustenta a AT que ele é prejudicial em relação aos atos de liquidação “sub judice” e, assim sendo, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa direta/imediata. A AT enuncia até o meio processual que na sua perspetiva deveria ter sido usado e daí retira a inadequação do meio processual suscitados pelos aqui requerentes”.
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Os Requerentes alegam que “nada de mais errado”, com os seguintes fundamentos:
e.1 “Em face do que dispõe o art.º 54.º do CPPT, sob a epígrafe “Impugnação Unitária”: Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
e.2 Fundamentam os Requerentes que “assim sendo, ainda que estivéssemos perante acto destacável (e não estamos!), contenciosamente impugnável, autónoma e imediatamente, isso não prejudicava minimamente que o(s) actos(s) de liquidação que pudessem estar influenciados por tal manifesto erro cadastral pudessem ser atacados com fundamento em ilegalidade que pudesse estar a enfermar tal acto interlocutório e, por isso, praticada anteriormente ao acto de liquidação propriamente dito, tal como se pode inferir, com meridiana clareza do normativo acima transcrito”.
e.3 Sustentam, assim, os Requerentes “que o acto de inscrição cadastral não é acto destacável”
e.4 E isto porque, dizem os Requerentes, “só há impugnabilidade autónoma e imediata se o acto preparatório da decisão final (ato interlocutório) for imediatamente lesivo dos direitos e interesses do seu destinatário, o que, “in casu” manifestamente não ocorre, já que o acto de inscrição cadastral, ainda que produzido em manifesto erro de fato e de direito, nenhum prejuízo imediato causou aos aqui requerentes, sendo que ele só emergiu com a concretização dos actos tributários de liquidação que estão suportados em tal enfermo acto de inscrição cadastral no regime simplificado”.
e.5 E, nestes termos, alegam os Requerentes que “falece a inusitada hermenêutica advogada pela Requerida e que vai no sentido da idoneidade do meio processual usado para sindicar os actos tributários de liquidação aqui em causa, já que, partindo-se da construção que vem sendo pelos Requerentes empreendida, a ilegalidade praticada no acto de inscrição cadastral pode ser invocada na impugnação do acto de liquidação”.
e.6 E mais alega que “estando esse acto de liquidação a ser atacado ao abrigo do disposto no art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (Regime da Arbitragem em matéria Tributária) e do art.º 1.º e 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março, está demonstrada a adequação e idoneidade do meio processual usado pelos aqui Requerentes, devendo julgar-se improcedente a presente excepção suscitada pela Requerida”.
e.7 Quanto “à aduzida excepção do caso julgado”, afirmam os Requerentes que “é evidente que não há consolidação do acto de inscrição cadastral na ordem jurídica”, pelo que, conclui no sentido de “longe de estarmos perante a impossibilidade (por intempestividade) de se sindicarem as ilegalidades que enfermam tal acto de inscrição cadastral”.
e.8 E reafirma que “simplesmente não inexiste caso julgado, pelo que também esta excepção deve liminarmente e sem necessidade de maiores desenvolvimentos argumentativos, ser julgada procedente”.
e.9 E fazendo os Requerentes “uma abordagem conjunta às excepções “intempestividade” e “incompetência rationae materiae”, vêm alegar o seguinte:
e.9.1 “Partindo, mais uma vez, da hermenêutica acima enunciada e que sustenta que os vícios que enfermam o acto interlocutório (ainda que destacável, sem conceder) podem ser invocados na discussão da legalidade da decisão final respectiva, ou seja, in casu, na sindicância do acto de liquidação influenciado por tal acto interlocutório enfermado, risível é aduzir-se com a intempestividade da presente acção”.
e.9.2 E quanto à intempestividade alega que tanto assim é “ que ela foi apresentada, nos termos e em conformidade com o estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro,(Rregime da Arbitragem em Matéria Tributária), nos 90 dias seguintes ao terminus do prazo para pagamento voluntário do tributo aqui em causa, donde, em conformidade com o citado normativo, o presente pedido de pronúncia arbitral é incontornavelmente tempestivo”.
e.9.3 Relativamente à excepção da incompetência rationae materiae, apresentam os Requerentes nos termos e fundamentos seguintes, as suas alegações, que por relevantes, se transcrevem na íntegra: “ Vamos começar por nos louvar e seguir de perto a decisão arbitral proferida no processo n.º 05/2011-T, datada de 26.01.2012, entretanto transitada em julgado e consultada in hhtp:www.caad.org.pt/contente/show/id/35/s/3 e que a dado passo diz:” - “A competência do tribunal para julgar a causa que nele foi instaurada, que constitui pressuposto processual essencial e, como tal, condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, é a medida da sua jurisdição, pelo que um certo tribunal é competente para o julgamento de uma certa causa quando os critérios determinativos da competência que lhe atribuem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Consabidamente, a verificação do tribunal competente mediante o preenchimento desses critérios opera como factor de legitimação dos poderes de que esse tribunal se pode servir para apreciar a admissibilidade da acção, instruí-la e julgá-la. Pois bem, em geral a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quiddisputatum ou quiddecidendum tal como o mesmo é configurado pelo autor (vd., assim, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1 e de 10.12.09, proc. 09S0470, divulgados in www.dgsi.pt)”.
e.9.4 E em reforço da defesa da sua posição vêm os Requerentes alegar também e repetir que “o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/11, (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária), delimitando a competência dos tribunais arbitrais, diz que ela compreende a apreciação das pretensões que se consubstanciam no estatuído nas alíneas a) e b) daquele normativo. Concretamente a alínea a) estatui no sentido de que os tribunais arbitrais têm competência para declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos (entre outros que não interessa aqui trazer, pelo que a tal propósito calamos)”.
e.9.4 E vêm acrescentar alegando ainda “que o art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, delimitando o objecto da vinculação a que está sujeita a AT, diz que são ali sindicáveis as que tenham por objecto a apreciação de pretensões (como, v.g., o decretamento da ilegalidade de um acto de liquidação) relativas a impostos cuja administração esteja cometida aos serviços e organismos referidos no art.º 1.º da Portaria (e entre eles a AT)”.
e.9.5 Mais referem os Requerentes que “revertendo para o caso dos autos, e sabendo-se que o pedido objecto dos presentes autos arbitrais é a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e JC de 2009, verifica-se, em atenção ao modo como os Requerentes configuraram a sua pretensão no requerimento de pronúncia arbitral, que aqueles formularam pedido dirigido contra actos de liquidação, em ordem à respectiva anulação, com base em vícios que, como visto acima, são diretamente imputados às identificadas liquidações sub judice, ainda que tais vícios que as enfermam hajam sido praticados na acto interlocutório de inscrição cadastral”.
e.9.6 E prosseguem os Requerentes, alegando ainda que “nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, e em atenção ao disposto no art.º 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, a competência dos tribunais arbitrais tributários compreende a apreciação de pretensão atinente à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação dos tributos (a questão submetida a julgamento não se enquadra em nenhuma das excepções previstas nas alíneas a) a d) do art.º 2,º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março), no caso de IRS e JC de 2009, que é incontornavelmente administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.
e.9.7 O que, prosseguindo os Requerentes nas suas alegações, “sendo o IRS administrado pela AT, a jurisdição arbitral é obviamente competente para apreciar e julgar o dissídio objecto dos presentes autos”.
e.9.8 E alegam ainda os Requerentes que “desta forma, atento o facto de os Requerentes formularem pedido de anulação da liquidação de IRS e JC, invocando como causa de pedir a respectiva ilegalidade, caberá certamente julgar o Tribunal Arbitral competente, improcedendo assim a excepção de incompetência aduzida pela Requerida”.
e.9.9 E mais referem os Requerentes que “ora, isto dito parece evidente que não só a AT está vinculada à jurisdição do tribunal arbitral; como também que a discussão da legalidade dos actos de liquidação aqui em causa é susceptível de ser levada a efeito naquela mesma jurisdição arbitral”
e.9.10 E a terminar as alegações dos Requerente referem estes que “face ao exposto, sustentamos, apreciando-se a questão de mérito e com fundamento em tudo quanto se aduziu no pedido de pronúncia arbitral, estão feridos de ilegalidade os actos tributários ‘sub judico’, pelo que emerge o imperioso direito que assiste aos aqui Requerentes de verem anuladas as liquidações concretizadas em sede de IRS, firmando-se enquadramento jurídico-tributário divergente do que vem sendo sustentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.
e.9.11 E concluem: “TERMOS EM QUE, EM FACE DA PROVA PRODUZIDA E DAS ALEGAÇÕES, DEVERÁ O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL SER JULGADO PROCEDENTE COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA, SÃ E OBJECTIVA JUSTIÇA”.
7.2 DA REQUERIDA
Na Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada na prevista data de 24-10-2012, a Requerida, a exemplo dos Requerentes, manifestaram, como já foi referido, a intenção de apresentar alegações escritas, a que não se opôs a Requerida nem o Árbitro-singular, tendo sido designado, como foi referido no ponto anterior, o dia 26-11-2012 para o efeito.
Nas alegações apresentadas pela Requerida na prevista data de 26 de Novembro último, dentro do prazo fixado pelo Tribunal na primeira reunião do Tribunal arbitral, foram apresentados os seguintes fundamentos e conclusões:
a.1 A Requerida começa as suas alegações por reafirmar tudo o que já havia exposto na sua contestação “quer quanto às excepções apresentadas, quer, caso aquelas não mereçam acolhimento, quanto ao mérito, mantendo a sua conclusão que o acto que agora se visa sindicar não só não é sindicável através do presente meio processual, como, se o fosse, não enfermava de qualquer vício que lhe é imputado”.
a.2 Diz a requerida que “os Requerentes não vêm imputar qualquer vício à liquidação de per si”.
a.3 E relembra “que este meio processual foi accionado da liquidação adicional de IRS de 2009, derivada, tão simplesmente, da correcção do rendimento bruto declarado da categoria B, em sede de IRS, para o ano de 2009, de € 70.121,25, como proveniente, na totalidade, de venda de mercadorias e produtos, para os mesmos € 70.121,25, mas em que apenas € 49.347,67 são respeitantes a venda de mercadorias e produtos, sendo o remanescente (€ 20.773,58) provenientes de prestações de serviços”:
a.4 E realça a Requerida que “foi, tão-somente, esse o fundamento da liquidação adicional”.
a.5 E tentando a clarificação da situação esclarece a AT que “ A Administração Tributária não alterou o regime de tributação, não corrigiu, para mais ou para menos o rendimento declarado; a Administração Tributária limitou-se a distinguir no Balanço do contribuinte o valor que era respeitante a venda de mercadorias do montante que era respeitante a prestações de serviços. Só.”
a.6 E refere ainda que “imputação essa, realizada pela AT, que os Requerentes não contestam, ou seja, em bom rigor, os Requerentes não contestam o acto tributário per si, desejam sim ver sindicado um acto em matéria tributária, como é o do enquadramento no regime de tributação pela contabilidade organizada ou pelo regime simplificado”.
a.7 Quanto às razões de facto e de direito, alega a Requerida o seguinte:
a.7.1 Da idoneidade do meio processual
a.7.1.1 Começa a Requerida por afirmar que “o enquadramento jurídico do sujeito passivo no âmbito de um regime de tributação, seja este o regime simplificado ou de contabilidade organizada, constitui um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa”, ou “dito de outro modo, o procedimento de enquadramento cadastral sendo prejudicial face ao “acto de liquidação” propriamente dito não se confunde com o próprio acto tributário, sendo que a lei prevê a sua impugnabilidade contenciosa directa/imediata”.
a.7.1.2 Termos em que a Requerida conclui que “o acto de enquadramento do autor no âmbito do regime simplificado deverá ser sindicado através de acção administrativa especial, a interpor nas circunstâncias de tempo previstas no art.º 58.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), isto por força do disposto no n.º 2 do art.º 97.º do CPPT e do art.º 191.º do CPTA”.
a.7.1.3 E mais refere a AT que “o carácter de acto destacável e a consequente impugnabilidade directa (do enquadramento no regime simplificado) significam ainda que, se o acto não for impugnado nas circunstâncias descritas, a decisão nele contida se consolida, formando-se caso decidido ou resolvido, projectando-se este efeito inelutavelmente no acto tributário, que não pode ser sindicado com fundamento em vícios (desconformidades) próprios do acto destacável – relembre-se a este propósito que foram os próprios Requerentes a submeter a declaração de rendimentos, de IRS, para 2009, segundo o regime simplificado –sendo que, conforme informação junta aos autos, o sistema informático permite a submissão da declaração de rendimentos ao abrigo de um regime diferente daquele do enquadramento, ainda que dê erro”.
a.7.1.4 “Ou seja”, diz a Requerida, “não tendo os Requerentes contestado o enquadramento em devido tempo, pelo meio contencioso que lhe assistia (a acção administrativa especial), fica precludido o direito de suscitar essas questões em sede de impugnação da liquidação”.
a.7.1.5 Mais alegam que “no caso concreto dos autos constata-se que o pedido formulado – anulação de um acto de liquidação – tem como causa de pedir (supostos) vícios que são próprios do acto destacável que antecedeu o acto de liquidação que é apontado como objecto da acção”
a.7.1.6 E reafirma a Requerida que “de facto, como supra se referiu, os Requerentes não colocam em causa nenhum aspecto atinente à liquidação propriamente dita, antes esgrimem argumentos contra a decisão que, em sede de procedimento próprio, enquadrou o Requerente no âmbito do regime simplificado”.
a.7.1.7 Concluindo este ponto no sentido de que: “se impõe, assim, o realce da inadequação do meio processual utilizado como forma de sindicância do acto de enquadramento no regime simplificado e que projectou, na liquidação em causa nos autos, a correcção contestada”.
a.7.2. Da intempestividade
a.7.2.1 Sobre este ponto, alega a Requerida que “mesmo que assim não se entendesse, algo que só hipoteticamente aqui se equaciona, a sindicabilidade do acto que procedeu ao reenquadramento no regime simplificado ficaria sempre prejudicada pela circunstância de ser manifesta a intempestividade da presente acção, aferida face ao momento em que ocorreu a notificação/conhecimento da decisão de enquadramento tributário”.
a.7.2.2 E tentando clarificar, refere a Requerida que “efectivamente, o Requerente teve – pelo menos – conhecimento do seu enquadramento tributário no regime simplificado a 28-05-2010 (data em que entregou a sua declaração de rendimentos, submetida no âmbito do regime simplificado), alcançando-se, sem grande esforço, que a reacção a tal facto foi interposta em momento (21 de Dezembro de 2011 – data em que solicitou a revisão do enquadramento de que entretanto havia aproveitado) em que já havia ocorrido a caducidade do direito de acção – prazo esse que, em bom rigor, até seria mais curto, na medida em que o enquadramento tributário ocorre “ope legis” face à não opção do sujeito passivo até ao fim do mês de Março”.”.
a.7.3. Da incompetência rationae materiae
a.7.3.1 Sobre a questão da incompetência em razão da matéria, a Requerida vem alegar que “sem conceder, caso assim não se entendesse, caberia ainda apreciar, nomeadamente, se o acto susceptível de ser submetido à arbitragem em face do que está regulado na Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e na Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, que estabelece os exactos termos da vinculação da Direcção-Geral dos Impostos à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)”.
a.7.3.2 E sobre esta matéria diz a Requerida que “é pacífico que a competência em razão da matéria se afere pela natureza da relação jurídica configurada pelos Requerentes na petição inicial, isto, independentemente do mérito da pretensão formulada”.
a.7.3.3 E tentando concretizar, refere que “no caso presente, é formulado um pedido de anulação de acto de liquidação, com a particularidade de o único fundamento aventado ser a (suposta) ilegalidade da decisão que procedeu ao enquadramento do Requerente no âmbito do regime simplificado, matéria que, salvo melhor opinião, está afastada do âmbito dos poderes de pronúncia dos tribunais fiscais arbitrais, definidos pelo disposto no art.º 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro e pela Portaria 112-A/2011, de 22 de Março”.
a.7.3.4 E adianta a Requerida que “ou seja, o que se pretende efectivamente é a declaração de ilegalidade da decisão que procedeu ao enquadramento do Requerente no regime simplificado, circunstância que, tendo em atenção a matéria a sindicar, não é susceptível de resolução pela via arbitral fiscal”.
a.7.4. Do caso decidido
a.7.4.1 E sobre este ponto vem a Requerida alegar também que “por outro lado, mesmo que se entendesse levar a cabo tal análise, o que só hipoteticamente aqui se equaciona, faleceria sempre a pretensão dos autores, isto, na medida em que não sendo o acto a sindicar meramente interlocutório do acto de liquidação objecto dos autos, nunca este poderia ser anulado por eventuais vícios daquele”.
a.7.4.2 E, assim, alega a Requerida “sem conceder” o seguinte:
a.7.4.2.1 “O requerente encontrava-se enquadrado no regime da contabilidade, por obrigação, desde 2001.01.01”.
a.7.4.2.2 E continua a Requerida referindo que: “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 2009.01.01”.
a.7.4.2.3 E que “a 28 de maio de 2010, o Requerente entregou a sua declaração de rendimentos, referente ao IRS de 2009, de acordo com o regime simplificado”.
a.7.4.2.4 E prossegue referindo que “a 23 de Junho de 2010, em resultado dessa declaração, foi emitida uma liquidação com o n.º ... no valor de € 74,61”.
a.7.4.2.5 E ainda que “a 21 de Dezembro de 2011 (isto é, mais de um ano passado sobre a liquidação de IRS de 2009, efectuada sempre de acordo com o regime simplificado, com o qual pelos vistos os Requerentes não se conformavam, e já depois até de passados os prazos para impugnar a liquidação de IRS de 2010), os ora Requerentes solicitaram à Direcção de Serviços de Registo dos Contribuintes, a revisão do enquadramento no âmbito do regime simplificado, nos termos do artigo 78.º da LGT – pedido esse que foi indeferido a 14 de Março de 2012, não tendo os Requerentes reagido – ao que se saiba – de tal indeferimento”.
a.7.4.2.6 E a Requerida prossegue o historial dos Requerentes referindo que “a 7 de Maio de 2012, no âmbito do procedimento que correu termos junto do Serviço de Finanças de Sintra-…, verificou-se que o total de € 70.121,25, declarado pelo sujeito passivo na sua declaração de IRS de 2009, como respeitando a vendas sujeitas a tributação, pelo regime simplificado de tributação, respeitam, de facto, a vendas e prestações de serviços, sendo € 49.347,67 de vendas e € 20.773,58 de prestações de serviços”.
a.7.4.2.6 E mais alega a Requerida que “elaborado o projecto de decisão e não tendo o Requerente exercido o seu direito de audição prévia – apesar de para tal ser notificado – foi o mesmo convertido em definitivo”.
a.7.4.2.7 Posto o referido “a liquidação adicional que o ora Requerente deseja ver sindicada, limita-se assim apenas e tão-só a corrigir o valor das vendas declarado e o valor das prestações de serviços, em conformidade com as declarações do sujeito passivo e vertidas no balancete por si apresentado”.
a.7.4.2.8 E realça a Requerida que “ o Requerente alega – supostamente em abono do seu entendimento vd. art.º 17.º do pedido de pronúncia arbitral – o disposto no ofício circulado 30.033, de 09.02.2001, da Direcção de Serviços do Cadastro”.
a.7..4.2.9 Alega ainda a Requerida que “esta interpretação do Requerente deve-se, todavia, a uma leitura precipitada e errónea do disposto na referida instrução administrativa, com efeito, aquela apenas vem esclarecer que deve ser entregue pelos sujeitos passivos de IRS uma declaração de alterações quando reunindo os pressupostos de inclusão não pretendam ficar abrangidos pelo regime simplificado, devendo optar pelo regime de contabilidade organizada (ainda que facultativamente tenham optado, em ano anterior, por possuir contabilidade organizada). Sendo que se não fizeram esta opção, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites: a) Volume de vendas: € 30 000 000 $ b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20 000 000 $”.
a.7.4.2.9 E a Requerida, continua nas suas alegações a referir que “no ponto 2E” do citado ofício circulado, consta a “definição de conceitos”, sendo que o volume de vendas é o correspondente ao valor das vendas de mercadorias e produtos, e valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria, o valor das prestações de serviços e outros proveitos – definições que, sublinhe-se, dão conteúdo ao disposto” no Ponto A 1.1 da referida Instrução administrativa, referente às situações do art.º 31.º do Código do IRS”.
a.7.4.2.10 E acrescenta a Requerida que “diferentemente, para efeitos de enquadramento dos sujeitos passivos de IRC (que não é, obviamente o caso dos autos), determina o mesmo ofício circulado, que se deve atender ao valor total dos proveitos calculados de harmonia com as regras previstas para o preenchimento do campo A 112 do quadro 3 do anexo A da declaração anual”.
a.7..4.2.11 E conclui a Requerida que “não colhe pois a alegação do sujeito passivo de IRS de regras específicas referentes aos sujeitos passivos de IRC (sic). Aliás, nem podia ser de outra forma, nos termos do art.º 31.º do CIRS, a variação da produção é excluída do conceito de rendimento” – pelo que, conclui a Requerida “pelo expoxto não pode colher a pretensão dos Requerentes”.
a.7.5. E no ponto III – CONCLUSÕES,
E concluindo, vem a Requerida alegar finalmente o seguinte:
“I – O enquadramento jurídico do sujeito passivo no âmbito de um regime de tributação, seja este o regime simplificado ou de contabilidade organizada, constitui um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa”.
“II – O acto de enquadramento do Requerente no âmbito do regime simplificado deverá ser sindicado através de acção administrativa especial, a interpor nas circunstâncias de tempo previstas no artigo 58.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), isto por força do disposto no n.º 2 do art.º 97.º do CPPT e do artigo 191.º do CPTA – sem prejuízo,”.
“ III A sindicabilidade do acto que procedeu ao enquadramento no regime simplificado ficaria sempre prejudicada pela circunstância de ser manifesta a intempestividade da presente acção, aferida face ao momento em que ocorreu a notificação/conhecimento da decisão de enquadramento tributário”.
“ IV Efectivamente, o Requerente teve – pelo menos – conhecimento do seu enquadramento tributário no regime simplificado a 20-05-2010 (data em que entregou a sua declaração de rendimentos, submetida no âmbito do regime simplificado), alcançando-se, sem grande esforço, que a reacção a tal facto foi interposta em momento (21 de Dezembro de 2011 – data em que solicitou a revisão do enquadramento de que entretanto havia aproveitado) em que já havia ocorrido a caducidade do direito de acção”.
E mais alega a Requerida, “sem conceder”:
“ V O que se pretende efectivamente é a declaração de ilegalidade da decisão que procedeu ao enquadramento do autor no regime simplificado, circunstância que, tendo em atenção a matéria a sindicar, não é susceptível de resolução por via arbitral fiscal”.
“ VI Por outro lado – continua a Requerida – “mesmo que se entendesse levar a cabo tal análise, o que só hipoteticamente aqui se equaciona, faleceria sempre a pretensão dos Requerentes, isto, na medida em que não sendo o acto a sindicar meramente interlocutório do acto de liquidação objecto dos autos, nunca este poderia ser anulado por eventuais vícios daquele”.
E alega ainda a Requerida que “caso assim não se entenda”,
“ VII A 28 de Maio de 2010, o Requerente entregou a sua declaração de rendimentos, referente ao IRS de 2009, de acordo com o regime simplificado”.
“ VIII A 21 de Dezembro de 2011 (isto é, mais de um ano passado sobre a liquidação de IRS de 2009, efectuada de acordo com o regime simplificado, com o qual pelos vistos os Requerentes não se conformavam, e já depois de passados os prazos para impugnar a liquidação de IRS de 2010), os ora Requerentes solicitaram à Direcção de Serviços de Registo dos contribuintes a revisão do enquadramento no âmbito do regime simplificado, nos termos do art.º 78.º, da LGT”.
“ IX Pedido esse que foi indeferido a 14 de Março de 2012”.
“ X Não tendo os Requerentes reagido – que se saiba – de tal indeferimento”.
“ XI A 7 de Maio de 2012, no âmbito do procedimento tributário que correu termos junto do Serviços de Finanças de Sintra-…, verificou-se que o total de € 70.121,25, declarado pelo sujeito passivo na sua declaração de IRS de 2009, como respeitando a vendas sujeitas a tributação, pelo regime simplificado de tributação, respeitam, de facto, a vendas e prestações de serviços, sendo € 49.347,67 de vendas e € 20.773,58 de prestação de serviços”.
“ XII Elaborado o projecto de decisão e não tendo o Requerente exercido o seu direito de audição prévia – apesar de para tal ter sido notificado – foi o mesmo convertido em definitivo”.
“ XIII A liquidação adicional que o ora Requerente deseja ver sindicada, limita-se assim apenas e tão-só a corrigir o valor das vendas declarado e o valor das prestações de serviços, em conformidade com as declarações do sujeito passivo e vertidas no balancete por si apresentado”.
“XIV Não colhem as alegações do sujeito passivo de IRS de regras específicas referentes aos sujeitos passivos de IRC”.
“ XV Aliás, nem podia ser de outra forma, nos termos do art.º 31.º do CIRS, a variação da produção é excluída do conceito de rendimento”.
“ XVI Face ao supra referido, não pode colher a pretensão dos Requerentes”.
Pelo que, conclui a Requerida:
a.7.5.1“Nestes termos, nos demais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Ex.ª:
a.7.5.1.1 “Devem ser julgadas procedentes as supra invocadas excepções, absolvendo-se, em conformidade, a R. da instância; ou, caso assim não se entenda”,
a.7.5.1.2 “Deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se o R. do pedido, como é de Direito e Justiça”.
8. DA MATÉRIA DE FACTO
8.1 FATOS DADOS COMO PROVADOS
Face aos juízos probatórios nos documentos referidos pelas partes e nas afirmações antes indicadas relativamente a cada um dos pontos, fixa-se a seguinte matéria de facto:
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A, contribuinte fiscal..., exerce uma atividade empresarial sujeita a IRS pela categoria B, com o Código CAE 43210, pelo menos desde 2001, com sede na área fiscal de Sintra-…, sujeito a IVA com enquadramento no regime normal mensal, por obrigação – Cfr. Quesito 23.º da Resposta da Requerida.
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Do registo cadastral junto ao processo, consta que possui contabilidade organizada informatizada por obrigação, com enquadramento no regime simplificado de 01-01-2009 a 31-12-2011, não se constando desse registo o regime respeitante aos períodos anteriores.
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No entanto, pelas declarações anuais e respetivos Anexos I, respeitantes aos anos de 2006, 2007 e 2008, que constituem, respetivamente, os Doc. 5, 6 e 7 juntos ao processo pelo Requerente e submetidos juntamente com a declaração anual de informação contabilística e fiscal de anos de 2006 a 2008, consta tratar-se de sujeito passivo com contabilidade organizada.
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Constata-se também pelos referidos Anexos I às aludidas declarações anuais, que o total dos proveitos nos referidos anos de 2006, 2007 e 2008, constante da linha 112 do Quadro 05, são, respetivamente, de € 285.826,24, € 209.263,76€ e € 150.804,08.
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Os valores dos proveitos referidos respeitam a vendas de mercadorias, prestações de serviços, variação da produção e proveitos e ganhos financeiros, como se discrimina:
e.1 Ano de 2006: Vendas € 37.354,69; Prestações de Serviços € 243.543,15; Variação da produção € 4.850,00 e Proveitos e ganhos financeiros de € 87,33;
e.2 Ano de 2007: Vendas € 50.386,17; Prestações de Serviços € 113.877,59; Variação da produção € 45.000,00;
e.3 Ano de 2008: Vendas € 59.328,93; Prestações de Serviços € 31.475,13; Variação da produção € 60.000,00 e Proveitos e ganhos extraordinários de € 0,02;
f) Também pelo Balancete do Razão respeitante a 2009, que constitui o Doc. 8 anexo ao processo, se constata que o valor das vendas foi de € 49.347,67 e das prestações de serviços de € 20.773,58 e da variação de produção, o valor de € 90.000,00.
g) Os requerentes apresentaram a declaração mod. 3 com Anexo B, para efeitos de tributação pelo regime simplificado de tributação, conforme Doc. 4-B anexo ao processo.
h) De fato, assim se constata do referido Doc. 4-B, sendo de salientar que no Anexo B mencionou o valor de € 70.121,25 de venda de mercadorias e produtos, em vez de indicar € 49.347,67 de venda de mercadorias e produtos e € 20.773,58€ de restantes rendimentos ilíquidos da mesma categoria.
i) Face ao confronto dos elementos constantes da declaração mod. 3 de IRS do ano em causa de 2009 e da declaração anual, os Serviços Tributários e Aduaneiros procederam, como acima foi referido, à sua retificação, ao desdobramento do valor indicado de € 70.121,25 de vendas de mercadorias e produtos em € 49.347,67 de venda de mercadorias e produtos e € 20.773,58€ de restantes rendimentos ilíquidos da mesma categoria.
j) E, por consequência, a liquidação inicialmente efetuada com base nos elementos declarados, n.º 2010 …, no valor de € 74,61, (1ª liquidação efetuada para o ano de 2009), ter sido corrigida, originando a liquidação adicional n.º 2012..., com a data de 23-06-2012 e um valor de € 2.673,37 de IRS, que abatido do anterior valor de € 74,71 e acrescido dos j.c. de € 195,66, originou uma liquidação adicional de imposto na importância de € 2.598,76, que os requerentes vêm contestar por via arbitral, com o fundamento em errado enquadramento no regime simplificado.
l) Que, face às liquidações adicionais de IRS e JC respeitantes a 2009, os Requerentes apresentaram a 21 de Dezembro de 2011 um pedido de revisão oficiosa do seu enquadramento no regime simplificado, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, contestando o enquadramento de que foi objeto, que foi indeferido e notificados aos Requerentes por carta registada com aviso de receção em 2012.03.14, sem que o Requerente tenha reagido a este indeferimento.
m) Que a decisão de indeferimento do pedido de revisão dos Requerentes, da Diretora de Serviços do IRS, com data de 2012-02-17, comunicada através do Ofício n.º …, de 2012-03-12, continha a seguinte menção quanto aos meios de defesa: “deste despacho poderá recorrer hierarquicamente no prazo de 30 (trinta) dias, ou impugnar judicialmente no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da notificação, nos termos, respectivamente do n.º 2 dos art.ºs 66.º e da alínea e) do n.º 1 do art.º 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.
n) Que os Requerentes optaram por não sindicar contenciosamente este pedido de revisão.
8.2 FATOS DADOS COMO NÃO PROVADOS
a) Os Requerentes referem no quesito 13.º da sua petição que ao pretenderem “dar cumprimento, em sede de IRS, ao dever anual de apresentação do acto declarativo (previsto no art.º 57.º do CIRS), de acordo e em conformidade com o que entendia ser o regime de tributação correto (regime da contabilidade organizada. Em conformidade com o disposto no art.º 117.º do CIRS)”, não o terão conseguido, “ já que esbarravam sempre em erro que impedia a submissão das respetivas declarações (V.G. 2009 e de 2010)”.
b) Os Requerentes, notificados para efeitos de comprovar o alegado, não apresentaram comprovativo do erro, ou mensagem de erro emitido pelo sistema informático da AT, que impediu a apresentação da referida declaração pelo regime da contabilidade organizada.
c) Que no exercício de 2008, mesmo incluindo o valor da variação de produção de € 60.000,00 nas restantes prestações de serviços de € 31.475,13, o valor daí resultante é de € 91.475,13 é inferior ao limite então estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, de € 99.759,58, ao contrário do que é erradamente afirmado pelos Requerentes e não provado.
9. DA FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Que os Requerentes, conforme informação constante da Resposta da Requerida, vinham sendo tributados em IRS pelo regime da contabilidade organizada desde 01-01-2001, por obrigação.
Em 2007, por força da alteração introduzida ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29/12 (OE/2007), abriram-se ciclos ou períodos de 3 anos, ou seja, iniciaram-se períodos mínimos de permanência, em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 deste normativo.
E é fato que em 2007, ano de início do ciclo de 3 anos, aberto por força da referida alteração legislativa introduzida pelo OE/2007, o requerente foi tributado pelo regime da contabilidade, como é referido e como o exigiam os elementos do rédito do ano de 2006, constantes da anterior alínea e) 1 do ponto 8.1.
Que este mesmo normativo prevê a cessação do regime simplificado para se iniciar o da contabilidade, apenas quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime da contabilidade organizada se faz a partir a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses fatos.
Mas nada prevê quanto à cessação do regime de contabilidade enquanto durar o ciclo mínimo de 3 anos.
O normativo que prevê o reenquadramento oficioso no regime simplificado, quando o contribuinte está a ser tributado pelo regime de contabilidade, por obrigação, como é o caso, é o n.º 2 do mesmo artigo, cuja interpretação tem de ser conjugada com o disposto no n.º 5.
E no referido n.º 2 o que é expresso é que “ficam abrangidos pelo regime simplificado de tributação os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites…”.
Donde se conclui que o ano determinante para o reenquadramento do sujeito passivo no regime simplificado é o período imediatamente anterior e esse não poderá deixar de ser o último ano do ciclo mínimo de 3 anos iniciado em 2007 – ou seja, o exercício de 2009 e não o exercício de 2008 – como foi erradamente considerado pela Requerida, sob pena de não se cumprir o período mínimo de três anos exigível pelo n.º 5.
Quanto a 2008 ficou de fato provado pelos documentos juntos ao processo que os Requerentes obtiveram os seguintes elementos do rédito, conforme Demonstração de Resultados constante do Q. 05 do Anexo I da IES - declaração anual de informação contabilística e fiscal:
- De venda de mercadorias e produtos - € 59.328,93
- De Prestação de serviços - € 31.475,13
- De variação de produção - € 60 000,00
- De proveitos e ganhos extraordinários - € 0,02
É evidente que neste exercício de 2008, mesmo incluindo o valor da variação de produção de € 60.000,00 nas restantes prestações de serviços de € 31.475,13, o valor daí resultante é de € 91.475,13 e inferior ao limite então estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, de € 99.759,58.
Somente que quanto a 2009, último ano do período mínimo de permanência de 3 anos e exercício em que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 28.º, por ser o último ano do período mínimo de permanência no regime da contabilidade, será aquele que aferirá o regime de tributação aplicável a partir de 2010, na falta de opção dos Requerentes pelo regime da contabilidade até de Março de 2010, se tiverem necessidade de fazê-lo.
Assim, esses valores de rendimentos de 2009 e só esses, na aludida ausência de opção pela contabilidade a efetuar até 31 de Março de 2010, se necessário, isto é se no ano de 2009 o valor dos rendimentos não ultrapassasse qualquer dos limites (o que, aliás, nem foi o caso), nos termos do referido no n.º 2 e por força do disposto na alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo 28.º, poderiam determinar o enquadramento do Requerente no regime simplificado de tributação em 2010.
Que a Requerida procedeu ao reenquadramento do Requerente no âmbito do regime simplificado de tributação em 2009, com base nos elementos de 2008, exercício que não era o último ano do período mínimo de tributação, com o fundamento invocado, conforme quesito 24.º da Resposta dada pela Requerida, nos seguintes termos: “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado, com efeitos desde 2009.01.01.”.
Sucede, no entanto, que, no ano de 2009, esse sim, último ano do período mínimo de tributação, os elementos da sua contabilidade, cfr. Balancete do Razão, constante do ponto 8.1-f), os Requerentes apresentaram um volume de negócios que determinava o enquadramento obrigatório no regime da contabilidade organizada no novo período de três anos, a iniciar em 2010, como ficou demonstrado.
E não importa argumentar agora, porque não é isso que está em causa, que a variação de produção não é um elemento determinante para o enquadramento do contribuinte, pois que, se assim não fosse, não faria sentido que no artigo 31,º n.º 2, constasse a menção expressa de que na aplicação do coeficiente 0,70, em vigor a partir de 2010 (anteriormente era 0,65), se exclui a variação da produção
A causa de pedir, não pode olvidar-se, é a da invocada ilegalidade pelos Requerentes das liquidações adicionais de IRS e JC do ano de 2009, por errado enquadramento no regime simplificado de tributação, com base nos rendimentos de 2008.
Não estão em causa as correções efetuadas, em si mesmo, face aos elementos declarados pelos Requerentes na sua declaração modelo 3 e Anexo B respeitantes ao exercício de 2009, ao juntarem, erradamente, as vendas às prestações de serviços, como já foi anteriormente referido, nem as liquidações de IRS e de JC, em si mesmo, resultantes dessas correções, de que resultou, conforme referido na alínea j) do Ponto 8.1 resultou uma exigência adicional de IRS e JC de € 2.598,76 ( € 2,673,37 - € 74,61).
O que no fundo está em causa é a liquidação efetuada pela AT com base nas regras aplicáveis ao regime simplificado de tributação que a AT adotou para tributação do Requerente em 2009, por reenquadramento oficioso a meio do período mínimo de três anos iniciado em 2007.
Veja-se que é expressamente referido pelos Requerentes que, face ao comportamento da AT, “se infere que as liquidações que ora se controvertem foram efectuadas em manifesto erro de enquadramento cadastral.”
Que é essa errada liquidação com erro de enquadramento do regime de tributação, que os Requerentes vêm contestar, requerendo a constituição de TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR.
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QUESTÃO PRÉVIA DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Conforme consta da Resposta da AT, referida na alínea a) do Ponto 6. da presente decisão, esta levantou um incidente de exceção dilatória, alegando a inidoneidade do meio processual utilizado pelos Requerentes.
E a apreciação e decisão da referida exceção constitui uma questão prévia a decidir, visto que pode pôr em causa a competência do tribunal arbitral e, em consequência, se assim for, como exceção dilatória, pode pôr em causa a competência material de apreciação dos atos objeto da pretensão inicial dos Requerentes e do mérito da causa, nos termos do artigo 494.º do CPC e do artigo 2.º do RJAT.
Isto porque o Tribunal arbitral, face ao disposto nos artigos º 97.º, n.º 1, alínea p), e n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 160º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, tem a sua competência limitada, para o caso em apreço, conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta”.
A petição dos Requerentes menciona como objeto a declaração de ilegalidade do ato da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e juros compensatórios, relativo ao ano/exercício económico de 2009, com fundamento no errado enquadramento no regime simplificado de tributação.
O que a petição dos Requerentes contesta, portanto, é a ilegalidade das liquidações de IRS e JC antes referidos, como consequência do alegado incorreto enquadramento do contribuinte no âmbito do regime simplificado de tributação em 2009, ao referirem que face ao procedimento dos serviços da AT “se infere que as liquidações que ora se controvertem foram efectuadas em manifesto erro de enquadramento cadastral.”
E fundamentam ainda os Requerentes que este enquadramento é incorreto, de que tomou conhecimento apenas pela consulta do site da então DGCI, por reunir condições legais para continuar no ano/exercício de 2009, enquadrados no regime da contabilidade, por, em 2008, terem obtido, no âmbito da sua atividade, valores superiores ao limite estabelecido no artigo 28.º, n.º 2 do CIRS, no ano imediatamente anterior, de:
- Volume de vendas € 149.739,37 e
- Valor ilíquidos dos restantes rendimentos desta categoria de € 99.759,58.
De fato, do Q. 05 do Anexo I da declaração anual de Informação Contabilística e Fiscal - IES para o ano de 2008, os valores totais dos proveitos declarados foram de € 150.804,08, assim discriminados:
- Vendas de mercadorias - € 59.328,93
- Prestações de Serviços - € 31.475,13
- Variação de produção - € 60.000,00
- Proveitos e ganhos extraordinários - € 0,02
E mais alegam os Requerentes que para efeitos de enquadramento se deve considerar o total dos proveitos, ou seja, “o total do (então) campo A112 do Anexo A à declaração anual de informação contabilística e fiscal, nele se incluindo a variação da produção, nos exactos termos em que o Ofício-Circulado n.º 030.033, de 9 de Fevereiro, o determina”
Importa realçar que os fundamentos do alegado incorreto enquadramento no regime simplificado de tributação no ano/exercício de 2009 invocados pelos Requerentes não são os que estão em causa, mas antes aqueles que resultam de uma errada interpretação e aplicação das normas do art.º 28.º do CIRS, em especial os seus n.ºs 2 e 5.
E é esse errado enquadramento que determinou erradas liquidações de IRS do ano de 2009, cuja apreciação da sua legalidade é da competência do presente Tribunal Arbitral, como se fundamentará de seguida.
DA DECISÃO
11.1 Da exceção dilatória
A questão a decidir, antes de mais, é, portanto, a procedência ou não da exceção dilatória invocada pela Requerida, por prejudicial ao conhecimento do mérito ou demérito da ação impugnatória das liquidações adicionais de IRS de 2009 e respetivos juros compensatórios.
Essa exceção dilatória funda-se no fato de a ação dos Requerentes contestaram a referida liquidação adicional com fundamento no seu errado enquadramento no regime simplificado de tributação em IRS em 2009.
E também no fato de que, constituindo tal ato de enquadramento no regime simplificado de tributação em IRS, na ótica da Requerida, um ato destacável, imediatamente lesivo do contribuinte, é o presente meio processualmente inidóneo.
Será que se trata de um ato destacável imediatamente lesivo?
Se o não for, então a impugnação unitária apresentada pelos Requerentes terá que ser objeto de apreciação do seu mérito ou demérito, ao abrigo do disposto no artigo 54.º do CPPT.
Se o ato interlocutário de reenquadramento do Requerente for considerado imediatamente lesivo na esfera do contribuinte, ou seja, se essa lesividade for objetiva, imediata, atual e não meramente potencial, então a impugnação unitária apresentada pelos Requerentes não será legalmente possível, nos termos do art.º 54.º do CPPT e, em consequência, nos termos do art.º 495.º do CPC, a exceção dilatória provocada por tal ato, por ser de conhecimento oficioso, obviará à apreciação do mérito da causa, qual seja o da ilegalidade das liquidações efetuadas com base no regime simplificado, por alegado erro no enquadramento do Requerente no nesse regime de tributação em IRS.
Mas será que o referido ato interlocutório, que foi objeto de pedido de revisão ao abrigo do artigo 78º da LGT, constitui um ato destacável imediatamente lesivo, com uma lesividade objetiva, imediata, atual e não meramente potencial?
Não há dúvida que, em regra, um ato interlocutório pode ser potencialmente lesivo na esfera do Requerente, mas, por vezes, essa lesividade apenas ocorre no momento da ulterior liquidação. Assim sendo, será que é legalmente necessário e indispensável que este ato de reenquadramento do Requerente, no presente processo, tenha de ser sindicado autonomamente, mesmo sendo potencialmente lesivo na esfera do contribuinte?
É que embora o ato de reenquadramento do Requerente possa ser potencialmente lesivo, é-o apenas de forma mediata e não imediata, objetiva e de forma concreta, por si só.
É este sentido de lesividade imediata, objetiva e concreta que o Acórdão do STA n.º 1032/09, de 23-06-2010, em que foi Relatora a Mer.ma Juiz Conselheira Dulce Neto, ao decidir em caso semelhante ao dos autos, tão bem explicita.
Diz-se no referido Acórdão, a propósito do art.º 54.º do CPPT, o seguinte: “Tal preceito consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só aquele acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definindo os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata, ou seja, é a lesividade objectiva, imediata, actual e não meramente potencial”.
E mais adiante é referido que: “Deste modo, e concluindo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida”.
Ora, a situação tributária do contribuinte somente fica definida após a liquidação efetuada pela AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) e não com os atos interlocutórios, como acima se afirma.
E o referido Acórdão refere ainda que: “Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate de actos interlocutórios cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (são os chamados “actos destacáveis”, que, na falta de imediata impugnação, se fixam ou consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade, a liquidação que desse acto partiu) ou dos actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder, ainda, ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do art.º 54.º do CPPT, de aplicação supletiva ao contencioso tributário” (sublinhados nossos).
Também o Mer. mo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado, acerca do art.º 54.º, que rege a Impugnação unitária, refere que: “Os actos destacáveis são actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deve produzir a decisão final”.
Ora, o ato interlocutório em causa não condiciona, no caso dos autos, irremediavelmente, o acto final de liquidação, visto que este pode ser sindicado contenciosamente, como o foi no presente processo e neste Tribunal. Assim, o ato interlocutório – enquadramento no regime de tributação simplificada – não é um ato destacável imediata, concreta e objectivamente lesivo.
Os Requerentes alegam, em síntese, na sua petição inicial, conforme anteriormente já foi explicitado, que as liquidações adicionais de IRS e de JC, do ano de 2009, foram efetuadas em manifesto erro de enquadramento cadastral.
A lesão imediata, objetiva, direta dos interesses dos Requerentes verifica-se através de um ato administrativo final por parte da AT sob a forma de uma operação de liquidação tributária precedida de um ato interlocutório – enquadramento no regime de tributação. O que lesa a esfera patrimonial do contribuinte é o que resulta de um ato final – liquidação – e não de um ato interlocutório.
A AT responde que os Requerentes contestaram o alegado erro cadastral através de pedido de revisão, que foi indeferido, não tendo reagido a esta decisão, apesar de devidamente notificados e de serem informados de que poderiam reclamar graciosamente ou impugnar a decisão de indeferimento – o que não foi feito.
Em alegações escritas, já acima evidenciadas, os Requerentes vêm alegar que nada há de mais errado ao ser afirmado quanto à exceção da inidoneidade do meio processual suscitada pela Requerida, dado não se tratar de um ato destacável, contenciosamente impugnável, autónoma e imediatamente, mas mesmo que o fosse, isso não prejudicava minimamente que os atos de liquidação de IRS em causa pudessem estar influenciados por tal manifesto erro cadastral e pudessem ser atacados com fundamento em ilegalidade.
A AT vem nas suas alegações, também já anteriormente explicitadas, manter a sua posição da existência de uma exceção dilatória e, por consequência, da ilegitimidade do Tribunal Arbitral para apreciar a ação, por ilegitimidade face ao disposto no art.º 2.º,n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro (RJAT-Regime da Arbitragem em Matéria Tributária) e das alíneas a) a d) do art.º 2.º da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, por a questão submetida a julgamento não se enquadrar em nenhumas das exceções ali previstas.
Fato é que do eventual erro no enquadramento no regime de tributação do Requerente resultou numa forma de tributação potencialmente mais lesiva para o contribuinte e, portanto, esse reenquadramento não lesou imediata, objetiva, direta e concretamente os interesses dos Requerentes.
Assim sendo, poderá concluir-se que o pedido dos Requerentes de constituição do Tribunal Arbitral singular para discutir a legalidade das liquidações adicionais de IRS e de JC de 2009, com fundamento em errado enquadramento no regime simplificado de tributação, sem que este ato interlocutório do procedimento haja sido previamente sindicado autonomamente, não constitui nenhuma exceção dilatória e, por conseguinte, não torna o Tribunal incompetente em razão da matéria.
Termos em que, se indefere, nesta parte, o pedido da Requerida, por infundado e se passa a discutir a legalidade da liquidação, com base no princípio da impugnação unitária previsto no art.º 54.º do CPPT, aqui aplicável, pelos fundamentos antes expressos.
7.2 Da legalidade da liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios
Os Requerentes contestam a legalidade das liquidações adicionais de IRS e JC n.ºs ... e ..., no total de € 2.673,37, sendo € 2.447,71 de IRS e € 195,66 de juros compensatórios com alegado fundamento em incorreto enquadramento do contribuinte no âmbito do regime simplificado de tributação em 2009, ao referirem os Requerentes que face ao procedimento dos serviços da AT “se infere que as liquidações que ora se controvertem foram efectuadas em manifesto erro de enquadramento cadastral.”
Será que foi incorreto o enquadramento do Requerente no regime simplificado em 2009? É isso que importa analisar e que se fará de seguida.
O Requerente vinha sendo tributados em IRS pelo regime da contabilidade organizada desde 01-01-2001, por obrigação e, assim continuou nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 e em 2007, por força do disposto no n.º 5 do artigo 28.º, com a redação dada pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29/12 (OE/2007), iniciou um período mínimo de permanência de três anos no mesmo regime da contabilidade.
Quanto a 2008 ficou provado pelos documentos juntos ao processo que o Requerente obteve, no exercício da sua atividade, os seguintes elementos do rédito, conforme Demonstração de Resultados constante do Q. 05 do Anexo I da IES - declaração anual de informação contabilística e fiscal:
- De venda de mercadorias e produtos - € 59.328,93
- De Prestação de serviços - € 31.475,13
- De variação de produção - € 60 000,00
- De proveitos e ganhos extraordinários - € 0,02
Estes valores do exercício de 2008 – 2.º ano do ciclo mínimo de permanência no regime da contabilidade iniciado em 2007 – não poderiam determinar, assim, uma alteração de enquadramento ao regime da contabilidade organizada, por não se mostrar completado o regime mínimo de permanência iniciado no referido ano de 2007.
E por se tratar do 2.º ano do período mínimo de três referido no n.º 5 do artigo 28.º, compreendido entre 2007 e 2009 - é irrelevante que o valor dos rendimentos obtidos em 2008 ultrapasse ou não qualquer dos limites do n.º 2 do mesmo artigo.
Somente com base nos valores de 2009 e só nesses, poderia a AT determinar o reenquadramento do Requerente no regime de tributação adequado – ou de permanência no regime da contabilidade organizada ou no regime simplificado, se neste último caso (o do regime simplificado), se vericasse ausência de opção pela contabilidade até 31 de Março de 2010.
E qual seria então o regime adequado de tributação relativamente ao exercício de 2009? Veja-se.
Nos termos do n.º 5 do art.º 28.º do CIRS, na redação dada pela Lei 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2007, “O período mínimo de permanência em qualquer dos regime a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração ao regime pelo qual se encontra abrangido”.
Sabe-se que o Requerente vinha sendo tributado desde 2001 e até 2006, anualmente, por obrigação, no regime da contabilidade organizada e que se prolongou com o início do ciclo de três anos, em 2007, por reunir condições para o efeito com base nos proveitos declarados no exercício imediatamente anterior, em 2006, que ultrapassaram os limites do n.º 2 do artigo 28.º, iniciando então esse novo ciclo, pela primeira vez de três anos, no regime da contabilidade.
A AT procedeu, no entanto, ao seu reenquadramento no âmbito do regime simplificado de tributação em 2009, face aos proveitos de 2008, segundo ano do ciclo mínimo de três anos que iniciou em 2007, não se conhecendo outra fundamentação da alteração do regime de tributação, a não ser a que consta do quesito 24.º da Resposta da AT, que refere:“tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado, com efeitos desde 2009.01.01.”.
Terá procedido bem a AT?
O art.º 28.º do CIRS, no que se refere à mudança de regime de tributação, contém normas relativas à cessação do regime simplificado no n.º 6 e não contém norma idêntica para sair do regime da contabilidade dentro do período mínimo de três anos.
Para enquadramento no regime simplificado, que é um regime supletivo, rege apenas o disposto no n.º 2.
E cita-se, mais uma vez, o referido artigo 28.º, no seu n.º 2, que determina o seguinte: “Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites: a) Volume de vendas: € 149 739,37; Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,458.
Por outro lado, à data de 2009, já o referido n.º 5 do art.º 28.º do CIRS estabelecia que “o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”.
E o sujeito passivo Requerente nada comunicou em sentido contrário à tributação pelo regime da contabilidade por que vinha sendo tributado desde o ano de 2001, ano de início da sua atividade, ainda que por obrigação.
Os Requerentes apesentaram a sua declaração de rendimentos de IRS respeitante ao ano de 2009 que integrou o Anexo B, específico do regime simplificado de tributação em IRS, alegando que terão tentado, embora sem êxito, apresentar aquela declaração de rendimentos com o Anexo C, específico do regime da contabilidade organizada.
E foi por essa impossibilidade que decidiram apresentar a sua declaração modelo 3 de 2009, com o Anexo B, específico do regime simplificado.
Será, então, que o enquadramento correto do Requerente no ano de 2009 seria o da continuação da sua tributação pelo regime da contabilidade organizada?
Reveja-se:
A forma de determinação do rendimento tributável dos rendimentos empresariais e profissionais encontra-se prevista no art.º 28.º do CIRS e o regime de tributação no âmbito do regime simplificado mostra-se previsto no art.º 31.º do mesmo Código.
Segundo os princípios definidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 28.º, a determinação dos rendimentos empresariais, salvo no caso de imputação no art.º 20.º, faz-se: a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado; b) Com base na contabilidade.
E segundo o disposto no n.º 2, na redação então em vigor, “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tendo ultrapassado no período imediatamente anterior, não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites: a) Volume de vendas: € 149 739,37; b) Valor líquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58”.
Ora o Requerente tinha sido enquadrado, por obrigação, em 2001 no regime de contabilidade organizada e igualmente tributado, nestes termos, nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 e no ciclo aberto em 2007, que é de um período mínimo de três anos.
E relativamente a 2008, o Requerente continuou a adotar a contabilidade para apuramento dos seus resultados.
E muito embora se conclua que os valores constantes do Q. 05 do Anexo I da IES, relativamente ao ano de 2008, não tenham ultrapassado qualquer dos limites previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, o certo é que o Requerente, desde o ano de 2001, ano de início da sua atividade, vinha sendo tributado pelo regime da contabilidade, anualmente, por reunir os pressupostos para tal e que no início do período de 2007, face aos rendimentos de 2006, continuou a reunir os pressupostos para enquadramento no mesmo regime da contabilidade, pelo qual, aliás, foi tributado em 2007 e 2008.
A Administração Tributária procedeu em 2009 ao reenquadramento no regime simplificado, “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 01.01.2009.”
Certamente que não teve em conta a alteração introduzida ao artigo 28.º, n.º 5 do CIRS, pela Lei 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do OE/2007), sobre o período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação.
E daí que a AT fale na ausência de opção, sendo certo que o Requerente não tinha que fazer qualquer opção em 2009, por estar a decorrer o período mínimo de 3 anos e, com base nesse fundamento legal, o Requerente não tenha apresentado qualquer declaração de opção pelo regime da contabilidade no referido ano de 2009.
E, portanto, nem o fato de no ano de 2008, segundo ano do período mínimo de três anos, o sujeito passivo Requerente auferir rendimentos inferiores a qualquer dos limites previstos no n.º 2 do art.º 28.º, como foi o caso, o obrigava a ser tributado pelo regime simplificado em 2009.
O legislador do OE/2007, ao criar um período mínimo de três anos de permanência em qualquer dos regimes – simplificado ou da contabilidade – teve por intenção, em nosso entender, criar um período mínimo de estabilidade na sua forma de tributação durante, pelo menos durante 3 anos, no regime da contabilidade, avaliando, certamente, que uma vez adotada a contabilidade, isso implica determinados custos que não são irrelevantes e, portanto, não terá criado um regime de cessação da tributação pelo regime da contabilidade idêntico ao da cessação quando tributado pelo regime simplificado.
E tal como o contribuinte só pode alterar o seu regime no início do período seguinte e até 31 de março, se os seus proveitos do último ano do período ficarem aquém do desejado, também a Administração Tributária só o poderá reenquadrar, no início do novo período de três anos, face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar.
E também não se poderá esquecer que o regime geral de tributação é o da contabilidade e que o regime de tributação simplificado é supletivo, sempre que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade.
A única exceção que faz cessar o período mínimo de 3 anos é a que se encontra prevista no n.º 6 do mesmo artigo 28.º, quanto à cessação do regime simplificado e à passagem obrigatória do contribuinte para o regime da contabilidade, que poderá ocorrer em qualquer momento do ciclo de três anos, como se deduz da norma, quando verificados os respetivos pressupostos, mas o mesmo não sucede ao contrário, ou seja, não há norma idêntica para a cessação da vigência da tributação pelo regime da contabilidade durante o ciclo mínimo de três anos que se encontre a decorrer.
De fato, quando o sujeito passivo se encontra tributado pelo regime simplificado, por ausência de opção pelo regime da contabilidade ou por imposição legal, é obrigatoriamente reenquadrado no regime da contabilidade, por ter ultrapassado os limites do n.º 2, conjugado com o n.º 6 do mesmo artigo 28.º, num só ano em mais de 25% (que até pode ser o 1.º ano do período de três anos) ou em qualquer valor em dois anos consecutivos. Neste caso e só neste, é que o período mínimo de permanência de três anos pode não ser completado.
Ora, não foi isso o que aconteceu, dado que o Requerente desde início da sua atividade vinha sendo tributado, ainda que por obrigação, pelo regime da contabilidade desde 2001 e até 2006, em que os períodos no regime geral da contabilidade eram de um ano, tendo iniciado em 2007 um período de tributação mínimo de três anos no regime da contabilidade.
E, assim sendo, o regime por que deve ser tributado em 2009, último ano do período mínimo de três anos, iniciado em 2007, é o da contabilidade organizada, que foi esse o regime com que iniciou em 2007, o período mínimo de três anos, por força dos seus rendimentos declarados em 2006.
A AT ao adotar o entendimento de que a situação do contribuinte será reavaliada no último ano de cada triénio de aplicação do regime simplificado, no sentido de verificar se os limites fixados no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS foram ou não ultrapassados para o reenquadramento automático do contribuinte no regime da contabilidade, conforme consta do já citado Acórdão do STA 0210, de 25-01-2012, não pode proceder de diferente forma quando o contribuinte se encontra no regime da contabilidade.
Como se constata pelos fundamentos aduzidos, conclui-se que o reenquadramento do Requerente no regime simplificado de tributação no ano de 2009 efetuado pela AT, mesmo com o fundamento de que os seus proveitos em 2008 não ultrapassaram qualquer dos limites estabelecidos nas alínea a) e b) do n.º 2 do art.º 28.º, carece de fundamento legal, visto que assiste o direito ao contribuinte de permanecer até final do período mínimo de três anos no regime da contabilidade, neste caso até 2009, e só neste último ano é que a sua situação deve ser avaliada com vista à definição do seu regime no triénio seguinte, salvo opção do contribuinte no sentido de se manter no regime da contabilidade.
Termos em que este Tribunal Arbitral Singular:
Julga procedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRS e Juros Compensatórios do ano de 2009 nele sindicadas, n.º... e ...), no valor respetivamente de € 2.477,71 e € 195,66, por manifesta ilegalidade das mesmas, por violação de lei.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no art.º 315.º, n.º 2, do CPC e art.º 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.598,76;
Custas do Processo Arbitral: Nos termos do art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da tabela I a que se refere o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2012
O Árbitro,
(José Rodrigo de Castro)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 138.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto, com exceção das transcrições efetuadas, que apresentam a grafia usada pelos respetivos autores citados.