Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 603/2015-T
Data da decisão: 2020-10-18  IVA  
Valor do pedido: € 220.511,43
Tema: IVA – Educação/Ensino; Prestações de serviços conexas – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 26 de abril de 2016
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 17 de Setembro de 2015, A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-..., Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA referentes a todos os trimestres dos anos de 2009 a 2012, bem como ao 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2013, no valor de 220.511,43€.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

a.            O programa de atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, previsto no Despacho n.º 14460/2008 (revogado pelo Despacho n.º 9265- B/2013, de 15 de Julho), surgiu no seguimento da política do Governo de transferir atribuições e competências para as autarquias locais.

b.            Neste sentido, o referido despacho apenas se ocupa das actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, pois foi exactamente e apenas essa área cuja competência do Sistema Nacional de Educação foi transferida para os Municípios.

c.            As actividades de enriquecimento curricular, referenciadas no Despacho n.º 14460/2008, integram os objetivos do Sistema Nacional de Educação, independentemente de serem prestadas a alunos do ensino pré-escolar, dos três ciclos do ensino básico e ou do secundário.

d.            As actividades desenvolvidas no âmbito dos B... correspondem àquelas que se encontram listadas no Despacho acima referido em que a autoridade tributária se baseia para efeitos de aplicação da isenção de IVA – tal aspecto é confirmado pela própria autoridade tributária, corroborando que tais atividades beneficiam de isenção de IVA.

e.            As actividades em causa – independentemente do ciclo de ensino em que são prestadas – têm como finalidade, por um lado, enriquecer/complementar o currículo académico dos alunos e, por outro, melhorar a qualidade de ensino e aprendizagem dos mesmos, atingindo assim os objectivos previstos para o Sistema Nacional de Educação.

f.             Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 152/2013, as instituições de ensino particular e cooperativo – como é o caso do A...– dispõem de autonomia pedagógica e do direito de oferecer disciplinas de enriquecimento ou complemento do currículo.

g.            Adicionalmente, aplicar a isenção de IVA às atividades desenvolvidas no âmbito do 1.º ciclo do ensino básico, pretendendo tributar as mesmas actividades quando prestadas a alunos dos restantes ciclos de escolaridade seria contrário à Lei, geraria um tratamento cruamente diferenciado, criaria uma grave distorção das regras do imposto e violaria o princípio da igualdade.

h.            Concludentemente, não devem restar dúvidas de que as actividades realizadas no âmbito dos B..., no ensino pré-escolar, 2.º e 3 ciclos do ensino básico e ensino secundário – tal como no 1.º ensino básico – configuram operações que beneficiam da isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do Código do IVA.

i.             Assim, deve a autoridade tributária proceder à restituição do IVA autoliquidado em excesso no montante de 220.511,43€.

j.             Subsidiariamente, e ainda que se considerasse que as atividades dos B... não beneficiariam de isenção de IVA, haveria, ainda assim, imposto (auto)liquidado pela Requerente em excesso.

k.            Em concreto, o valor do IVA deveria ter sido calculado como parte integrante da contraprestação recebida dos alunos, pelo que, nesse caso, o IVA entregue em excesso teria ascendido a €24.304,93.

 

3.            No dia 21-09-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5.            Em 13-11-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-11-2015.

7.           No dia 12-01-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação, suscitando ainda a questão da necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE.

8.            Foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório, relativamente à questão do reenvio prejudicial suscitada, tendo aquela aproveitado para apresentar alegações de direito.

9.            Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e tendo em conta que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, bem com que a Requerente, não obstante não ter sido notificada para tal, tinha apresentado já as suas alegações de direito, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, e facultou-se à AT a possibilidade de, querendo, apresentar, alegações escritas, o que fez.

10.          Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 e, subsequentemente, por mais sete.

11.          Foi proferida decisão final que foi objecto de impugnação para o TCA-Sul, interposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

12.          Por acórdão de 09-07-2020, aquele Tribunal decidiu:

“Julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar a nulidade de decisão arbitral proferida no âmbito do processo 603/2015-T, por pronúncia indevida, e determinar a baixa dos autos ao CAAD, para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão, suprida das concretas irregularidades identificadas”

13.          No seguimento foi o processo devolvido a este Centro de Arbitragem para dar cumprimento ao decidido pelo TAC-Sul.

14.          Foi facultado às partes a faculdade de se pronunciarem, previamente à reformulação da decisão.

15.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            As autoliquidações em questão na presente acção arbitral foram apresentadas no contexto da regularização voluntária que a Requerente optou por fazer, ao abrigo do disposto no artigo 58.º do RCPIT, na sequência das conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspecção Tributária no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária realizados aos períodos compreendidos entre 2009 e 2012, realizados ao abrigos das Ordens de Serviço n.º OI2013... (2009), OI2013... (2010), OI2013... (2011) e OI2013... (2012).

2-            No âmbito das referidas acções inspectivas foi analisado o enquadramento em sede de IVA das transmissões de bens e prestações de serviços realizadas pela Requerente.

3-            A Requerente foi constituída por escritura pública em 17/09/1993, tendo por objecto a «exploração e gestão de estabelecimentos particulares dos ensinos básicos e secundários».

4-            A Requerente presta, e prestava à data dos actos tributários ora em causa, serviços no âmbito da educação pré-escolar, ensino básico e ensino secundário.

5-            Conforme declaração emitida em 25/03/2007, pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), a Requerente constituía um estabelecimento de ensino particular, que funciona ao abrigo da Autorização Definitiva n.º 543, conforme Despacho proferido em 03/02/1994, e enquadrava-se nos objectivos do Sistema Educativo nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 9/79 e n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 553/80 (Lei de Bases e Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo respectivamente de 19 de Março e 21 de Novembro).

6-            Em sede de IVA, a Requerente enquadrava-se no regime normal de periodicidade trimestral com o tipo de operações «misto com afectação real de parte dos bens» na medida em que exerce não só actividades isentas que não conferem direito à dedução, nos termos da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, consubstanciadas em actividades com o objecto do ensino e serviços conexos (nomeadamente fornecimento de alimentação), mas também actividades sujeitas que conferem direito à dedução, consubstanciadas em prestações de serviços enquadráveis no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA.

7-            No âmbito dos procedimentos inspectivos realizados, a AT constatou que, nos períodos em apreço, a Requerente prestava serviços aos alunos nas áreas da «Componente Educativa», «Actividades Extracurriculares» e, ainda, «Outros Serviços».

8-            As referidas «Actividades Extracurriculares” (B...), compreendiam, nomeadamente, as seguintes prestações de serviços:

i.             Em 2009: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, catequese e drama;

ii.            Em 2010: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C...-fitness, e drama;

iii.           Em 2011: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C...-fitness, e drama.

iv.           - Em 2012: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C...-fitness e drama;

9-            Estas actividades foram pela Requerente consideradas isentas de IVA pela Requerente ao abrigo da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, que nas faturas emitidas no âmbito das atividades descritas no ponto anterior, até meados do ano de 2013, não mencionava IVA.

10-         Todavia, os SIT consideraram que as mesmas estariam antes sujeitas a IVA à taxa normal, não podendo beneficiar da referida isenção por não se considerarem conexas com o ensino, nos termos e para os efeitos da referida isenção, porquanto, em suma, ao abrigo da citada norma encontram-se apenas isentas as transmissões de bens ou prestações de serviços que revistam um carácter de complementaridade em relações às actividade de ensino propriamente dito, como é o caso do alojamento, alimentação, transporte e material didáctico aos alunos.

11-         Não conformada com o entendimento da AT, a Requerente veio apresentar pedido de reclamação graciosa, visando as autoliquidações referentes aos períodos compreendidos entre os anos de 2009 e 2012, e, ainda, quanto ao 1.º e 2.º trimestre de 2013.

12-         No âmbito do referido procedimento, uma vez notificada para exercer o respectivo direito de audição, face ao projecto de decisão, a Requerente não se manifestou.

13-         A decisão final proferida foi de deferimento parcial, restituindo-se à Requerente o montante de 90.798,62€, com os fundamentos constantes da Informação elaborada em 30-12-2014, pela Direcção de Finanças Porto.

14-         O deferimento parcial teve por objecto a correcção realizada, na parte relativa ao 1.º ciclo, na medida em que, atendendo ao disposto no Despacho n.º 14460/2008, de 26 de Maio de 2008, se concluiu que as actividades de enriquecimento curricular, nos moldes aí definidos, estão integradas legalmente nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, podendo, por conseguinte, beneficiar da isenção em causa.

15-         Pelo que a correcção realizada pelos SIT se manteve quanto às actividades de enriquecimento curricular realizadas no ensino pré-escolar, 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário.

16-         Das correcções voluntárias efectuadas, resultou a entrega adicional de IVA ao Estado, nos montantes de 37.376,63€, 39.550,38€, 51.230,10€ e 53.097,72€, para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente.

17-         Para além disso, fora do âmbito das acções inspectivas realizadas, em consonância com as indicações dadas pela autoridade tributária, a Requerente corrigiu igualmente (de forma voluntária) as declarações de IVA dos 1.º e 2.º trimestres de 2013, tendo resultado um valor de IVA a pagar adicionalmente de € 38.848,06.

18-         Com referência ao 3.º trimestre do ano de 2013, a Requerente reportou imposto liquidado na respectiva declaração periódica de IVA (entregando-o ao Estado), no montante de 408,54€.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

 

                Na sua Resposta, pede a AT “o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, de modo a que o mesmo se pronuncie sobre a questão de saber se as actividades de enriquecimento curricular como as que se discutem nos presentes autos (actividades de música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C...-fitness, catequese e drama) têm ou não enquadramento no âmbito da isenção consagrada no artigo 132.º, alínea i) da Directiva IVA, considerando-se como actividades de ensino escolar ou actividades com ela estreitamente conexas”.

                Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE :

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

                Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.             já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.            quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Por fim, ter-se-á em conta que, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

O primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ou seja, apenas se a resposta à questão formulada for necessária para proferir decisão nas questões que se apresentam ao Tribunal para dirimir, é que que aquela deverá ser apresentada ao TJUE.

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.

Com efeito, e como se verá de seguida, no que diz respeito à apreciação da legalidade do acto objecto imediato da presente acção arbitral, a resposta à pergunta formulada nada acrescentará, na medida em que tal acto assenta não na interpretação da Directiva comunitária, mas na da norma de direito nacional – o artigo 9.º/9) do CIVA – e no entendimento, decorrente de tal interpretação, de que tal norma apenas aceita como prestação de serviços que tenham por objecto o ensino, aquelas que se reportem directamente a matérias compreendidas nos currículos do Sistema Nacional de Ensino, para o ciclo de estudos dos destinatários da prestação.

Ora, para aferir se tal entendimento é, ou não, correcto, não é, como se verá, necessária a resposta à questão formulada, desde logo porque se vislumbra como perfeitamente claro o sentido dessa resposta.

Por outro lado, e no que diz já respeito à apreciação da legalidade dos actos que integram o objecto mediato da presente acção arbitral, verifica-se, como se verá, também, a insuficiência de elementos de facto que permitam decretar a sua anulação, pelo que, também sob essa perspectiva, a resposta à pergunta formulada nada adiantaria.

Assim, e pelos fundamentos expostos, não se procederá ao sugerido reenvio prejudicial.

 

                Posto isto, a questão jurídica a resolver nos autos, relaciona-se directamente com a interpretação e aplicação da al. 9) do artigo 9.º do CIVA que dispõe que:

“Estão isentas do imposto:

9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”.

                A norma em questão consagra, explicitamente, um requisito subjectivo, que exige que se tratem de “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, e um requisito objectivo, que pressupõe que estejam em causa “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas”.

                Como bem sintetiza a Requerida nos autos, “a questão controvertida não se coloca quanto ao requisito subjectivo da isenção em apreço, maxime, as características que o operador económico deve reunir para beneficiar da isenção consagrada no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA (...), mas, antes, com o requisito objectivo da mesma, mais concretamente, com as actividades de enriquecimento curricular que são praticadas, em concreto”.

                Correctamente equacionada, deste forma, a questão que se apresenta a resolver por este Tribunal, não se poderá, todavia, corroborar o momento seguinte em que assenta a posição jurídica da Requerida, que postula que “a questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se tais actividades extracurriculares (...), prestadas no âmbito do ensino pré-escolar, bem como no âmbito do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, são ou não conexas com o ensino nos termos e para os efeitos previstos no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA.”.

                Com efeito, o detectado requisito objectivo da al. 9) do artigo 9.º do CIVA não se esgota nas prestações de serviços conexas com o ensino, abrangendo, ainda e em primeiro lugar, as próprias “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”.

                Assim, correctamente equacionada a questão decidenda no autos,  concluir-se-á que a mesma consiste em saber se as actividades extracurriculares em questão, prestadas a alunos do ensino pré-escolar, e do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, são, ou não, prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, nos termos e para os efeitos previstos na al. 9) do artigo 9.º do CIVA.

                Formulada, devidamente, questão decidenda, apreciemos então os fundamentos do acto tributário que constitui o objecto primário da presente lide (a decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente).

 

                Como muito bem se sintetiza na resposta apresentada no presente processo, “os SIT entenderam, em suma, que as actividades de enriquecimento curricular não fazem parte do currículo escolar e não estão consagradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, tendo, antes, carácter optativo.”, porquanto “As actividades de enriquecimento curricular do 1.º ciclo do ensino básico elencadas nos n.ºs 9 e 10 do Despacho n.º 14460/2008, de 26 de Maio, consideram-se integradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, e, como tal, encontram-se abrangidas pela isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA;”.

                Ressalvado o respeito devido, considera-se que a AT, na matéria em causa, incorreu num erro de raciocínio que decorre da circunstância de, confrontada com prestações de serviços que são oferecidas pelo Sistema Nacional de Educação e isentas de IVA, considerou-as conexas com o ensino não com base num critério objectivo, como se impunha, mas com base num critério assente na qualidade dos sujeitos destinatários da prestação (subjectivo, portanto).

                Com efeito – e aqui a AT diverge logo daquilo que ela própria, ab initio, localizou como sendo o epicentro do dissídio -  não nos podemos esquecer que estamos perante um requisito objectivo, pelo que as prestações de serviços em causa deverão reunir os requisitos legalmente pressupostos pela isenção em si mesmas, independentemente, não só, de quem as presta como, também, de quem as recebe.

                Ou seja: as prestações de serviços serão ou não isentas (dado que está, como se viu, reunido o requisito subjectivo para tal) conforme a sua própria natureza, e não conforme os destinatários da mesma, de onde decorre desde logo que será para o caso irrelevante a situação das prestações de serviços em causa, no âmbito do 1.º Ciclo de ensino, ou em qualquer outro.

                O foco terá de ser, então, não se a prestação de serviços se dá num ou noutro ciclo de ensino, mas, antes, se a mesma se reveste da natureza de prestação de serviços que tenha por objecto o ensino, ou conexas com este, questão de natureza objectiva e para a qual o ciclo de ensino em causa será irrelevante.

                A interpretação da norma da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, não poderá, por outro lado e por força do comando do artigo 8.º da CRP, desligar-se da sua fonte comunitária, pelo que a densificação do seu conteúdo, deverá fazer-se à luz da indicada norma da Directiva IVA, uma vez que que a norma em causa é reflexo directo da norma do artigo 132.º/1/i) daquela Directiva, norma esta que declara que os Estados Membros isentam, para além do mais, as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e ao “ao ensino escolar ou universitário”.

                Contrastada, então, a norma da Directiva, com o artigo 9.º do CIVA, verifica-se que a primeira impõe a isenção de prestações de serviços que tenham por objecto “A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional”, para além das “prestações de serviços e (...) entregas de bens com elas estreitamente relacionadas”, enquanto que o segundo se refere apenas a “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino” (al. 9)), e a “As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional” (al. 10)) e respectivas prestações de serviços e transmissões de bens conexas.

                Este quadro normativo evidencia, então, que, não se encontrando, por qualquer forma, expressamente reflectida a imposição comunitária de isenção das prestações de serviços que tenham por objecto a “educação da infância e da juventude” ter-se-á, por força da interpretação conforme ao direito comunitário, de considerar que tais prestações de serviços estão abrangidas pelo conceito de “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”, utilizado pela lei nacional, sob pena, desde logo, de desconformidade desta com o direito comunitário e, consequentemente, constitucional.

                Por outro lado, tendo em conta a al. 11) do artigo 9.º do CIVA, que corresponde directamente à al. j) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva, e que isenta “As prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”, verifica-se que o legislador (nacional e comunitário) restringiu expressamente as prestações de serviços aí previstas, àquelas que incidam “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, de onde se retira que – ao contrário do que subjaz a toda a argumentação da AT na matéria que nos ocupa – se o legislador quisesse, de alguma forma, restringir a previsão normativa da al. 9) (ou, já agora, na al. j) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva) nos mesmos termos em que o fez na al. 11), tê-lo-ia, obviamente, dito, pelo que se haverá de concluir que aquela previsão (da al. 9) do artigo 9.º do CIVA) não está, por qualquer forma, limitada às prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, o que de resto, é coerente com a finalidade genérica da isenção em questão, que visa fomentar a educação da infância e da juventude.

                Verifica-se, assim, que o legislador nas normas em causa (artigo 9.º/11) do CIVA e 132.º/1/j) da Directiva), dispensa o requisito subjectivo exigido pela al. 9) do artigo 9.º do CIVA e pela al. i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva (estabelecimento de ensino oficial ou equiparado), mas acresce uma restrição ao âmbito das matérias ministradas (matérias do ensino, subentende-se que oficial, escolar ou superior).

Daí que aquelas normas da al. 9) do artigo 9.º do CIVA e pela al. i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva, ao não conterem tal restrição, porão a tónica na “oficialidade” do sujeito prestador. Ou seja, sendo os sujeitos prestadores “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, sob o ponto de vista fiscal, estará na disponibilidade deles o conteúdo educativo a disponibilizar aos seus utentes, conste ou não dos currículos do SNE. Dito de outro modo, dentro do que seja objectivamente prestação de serviços de ensino/educação, os  “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes” poderão eleger livremente, de um ponto de vista fiscal, quais os que pretendem ministrar aos seus utentes, não ficando restringidos pelas “matérias do ensino escolar ou superior” oficial.

Por outro lado, verifica-se ainda que aquela referida al. 11) do art.º 9.º do CIVA, restringindo a isenção ao ensino de “matérias do ensino escolar ou superior”, não a restringe em função de ciclos ou anos de estudo. Daí que, salvo melhor opinião, as “lições ministradas a título pessoal sobre matérias” que não integrem o ciclo de ensino, ou o ano, do destinatário das mesmas, continuarão a ser isentas (por exemplo: lições de francês ou espanhol a uma criança do primeiro ciclo, ou mesmo da pré-primária). Sendo assim, como parece que é, não se compreenderá como é que a al. 9) do artigo 9.º do CIVA, interpretado à luz da al. g) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva, poderá restringir a isenção aí consagrada a matérias que integrem os currículos do SNE do ciclo de ensino oficial em causa.

                Daí que, fundamentando-se a decisão do pedido de reclamação graciosa em que “No que respeita às atividades extracurriculares (acima referidas e oferecidas pela A...), como o próprio nome indica, não fazem parte do currículo escolar (antes se consubstanciam num enriquecimento cuja frequência não é curricular nem obrigatória para todos os alunos mas sim de opção por cada um dos mesmos alunos) logo, não estão consagradas nos objetivos do Sistema Nacional de Educação pelo que não beneficiam da isenção da al. 9) do Artigo 9° do Código do IVA nem em nenhuma outra isenção das referidas no Artigo 9° do Código do IVA, pelo que estas operações são sujeitas a IVA e dele não isentas havendo lugar à liquidação de imposto naquelas operações”, haverá que concluir que tal acto tributário enferma de erro de direito, na medida em que restringe, injustificadamente, o conceito de prestações de serviço de ensino, para efeitos da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, às prestações de matérias que “fazem parte do currículo escolar”.

                Com efeito, e como se vem de ver, nada no quadro normativo aplicável, permite restringir fundadamente o conceito de prestações de serviço de ensino por “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, ao ensino de  matérias que “fazem parte do currículo escolar” oficial, pelo que, ao assentar em tal entendimento, enferma a decisão da reclamação graciosa de erro nos pressupostos de Direito, devendo, como tal, ser anulada.

 

                Passando, agora, para o plano do objecto mediato do presente processo arbitral, cumprirá, então, verificar se as prestações de serviços em causa no presente processo arbitral são, ou não, qualificáveis como prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, em termos de ser possível tomar, desde já, uma posição quanto à legalidade das liquidações do respectivo imposto.

                Conforme decorre dos factos dados como provados, estão em causa nos autos as seguintes prestações de serviços: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C...-fitness, catequese e drama.

Devidamente analisadas as prestações de serviços em questão, haverá de se concluir, desde logo, que as mesmas não se apresentam como prestações de serviços conexas com o ensino, à luz de quaisquer dos critérios hermeneuticamente aceitáveis para determinar o conteúdo de tal conceito.

                Com efeito, o Tribunal de Justiça, em diversos acórdãos (C-45/01, C-394/04, C-434/05), tem vindo a entender que um serviço é acessório quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar o serviço principal, sendo que o artigo 134º da Diretiva refere que ficam excluídos da isenção os serviços que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, enquanto que o Tribunal de Justiça tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de que são indispensáveis as operações acessórias que tenham uma natureza e características tais que, sem recorrer a elas, não seria possível assegurar que o serviço principal (no caso, o ensino) tivesse uma valia equivalente.

                Assim, apesar de, em matéria de ensino, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter já afirmado, nomeadamente no acórdão de 20 de junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha), que não é necessária uma interpretação restrita da isenção, por considerar que ela tem em vista assegurar um acesso menos dispendioso aos serviços ligados ao ensino, a verdade é que no mesmo acórdão é referido, a propósito das actividades de investigação, que embora a realização desses projetos possa ser considerada muito útil para o ensino universitário, não é indispensável para atingir o objetivo visado por este, a saber, nomeadamente, a formação dos estudantes para lhes permitir exercerem uma actividade profissional. A jurisprudência comunitária tem vindo, por isso, a exigir uma relação de complementaridade entre os serviços prestados e a actividade do ensino, de tal forma que apenas podem ser consideradas acessórias as prestações de serviços e transmissões que são indispensáveis para a prestação de serviços de ensino ou educação da infância e juventude.

                Também no Centro de Arbitragem Administrativa já existe jurisprudência que sustenta que as operações conexas com a atividade principal só podem beneficiar da isenção se forem indispensáveis à realização dessas operações isentas, bem como que constituem um meio de beneficiar, nas melhores condições, o serviço principal do prestador (cfr. decisão arbitral nº 132/2015T, de 26 de Novembro de 2015), sendo que a doutrina nacional também já se pronunciou no sentido de que para serem qualificadas como indispensáveis, as operações acessórias devem ser de uma natureza e características tais que, sem recorrer a essas operações, não seria possível assegurar que o serviço principal de que o cliente beneficia tivesse uma valia equivalente, ou seja, por exemplo, que oferecesse a mesma qualidade .

                Deste modo, não havendo dúvidas, como não há, de que não se tratam de prestações de serviços conexas com o ensino (das matérias que integram os currículos do Sistema Nacional de Educação), não dispensa tal conclusão de apurar se não se integram as prestações de serviços em questão na primeira parte do requisito objectivo que nos ocupa, ou seja, de apurar se aquelas prestações de serviços são, ou não, prestações de serviços (não acessórias ou conexas mas directamente) relativas à “educação da infância e da juventude” ou ao “ensino escolar ou universitário”.

                Ora, a resposta a esta questão – julga-se – não pode deixar de ser afirmativa, pelo menos para algumas das prestações de serviços em causa.

                É que, desligando-se a isenção da al. 9) do artigo 9.º do CIVA das prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, conforme atrás se expôs já, e devolvendo-lhe o sentido que se lhe considera devido, como abrangendo as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e/ou ao “ensino escolar ou universitário”, independentemente do ciclo de estudos em que se a conclusão que se imporá com mais firmeza é a de que, pelo menos, algumas das prestações de serviços ora em causa se tratam de prestações de serviços que têm como objecto o ensino, nesse sentido abrangente, conforme à Directiva comunitária.

                Com efeito, as prestações de serviços relativas ao ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, integram directamente o conteúdo de matérias leccionadas em variados ciclos de estudo, constituindo, dessa forma, inequívocamente prestações de serviços de ensino e educação da infância e juventude, não relevando, como se viu, não só por falta de fundamento legal para tal, como também por decorrer da interpretação sistemática das normas aplicandas, a circunstância de não integrarem os currículos do ensino oficial para os ciclos de estudos dos destinatários, ou mesmo as “matérias do ensino escolar ou superior”.

                Também o ensino de toy making, na medida que se reconduza ao ensino de manualidades, correspondendo ao objecto de disciplinas de educação visual e tecnológica (ou aos antigos trabalhos manuais e oficinais), poderá integrar também o conceito de prestação de serviços de ensino ou educação da infância ou juventude.

                As actividades de catequese, do mesmo modo, poderão, reconduzir-se a prestações de serviço de ensino, nos termos pressupostos pela al. 9) do artigo 9.º do CIVA, na medida em que se reconduzam a um ensino teológico/ educação religiosa e moral, ou não o ser, na medida em que se traduzam essencialmente em actividades de culto ou de prática religiosa.

                Também as actividades de C...-fitness, na medida em que se traduzam em prestações de serviços de ensino de educação física, poderão, também, ser tidas por prestações de serviços de ensino, nos termos e para os efeitos do artigo 9.º/9 do CIVA.

                Por fim, as actividades de sala de estudo, deverão ser igualmente analisadas à luz quer do concreto tipo de prestação de serviço em questão (disponibilização de espaço e vigilância; disponibilização de apoio passivo ao estudo; ministério efectivo de conhecimento) quer do conteúdo das matérias sobre que incidam.

                Sucede, todavia, que este Tribunal não dispõe de elementos que permitam, por um lado, fixar em termos quantitativamente exactos os valores de imposto que se reportam às actividades que se apresentam, para lá de qualquer dúvida razoável, como prestações de serviços de ensino (música, artes e pintura, línguas e drama), nos termos pressupostos pelo artigo 9.º/9) do CIVA, e, por outro, definir com o mesmo grau de certeza que as restantes actividades se configuram, ou não, como prestações de serviços de tal índole (toy making, catequese e C... fitness, sala de estudo).

                Neste quadro, não pode este Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos actos de autoliquidação de IVA que integram o objecto mediato da presente lide, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral.

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular a decisão do pedido de reclamação graciosa apresentado pela requerente, e que constitui o objecto imediato da presente acção arbitral;

b)           Julgar improcedente o pedido arbitral na parte restante;

c)            Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da Requerente, e no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da Requerente.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 220.511,43€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

16.          No dia 17 de Setembro de 2015, A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, …, …-…, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA referentes a todos os trimestres dos anos de 2009 a 2012, bem como ao 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2013, no valor de 220.511,43€.

17.          Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

a.            O programa de atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, previsto no Despacho n.º 14460/2008 (revogado pelo Despacho n.º 9265- B/2013, de 15 de Julho), surgiu no seguimento da política do Governo de transferir atribuições e competências para as autarquias locais.

b.            Neste sentido, o referido despacho apenas se ocupa das actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, pois foi exactamente e apenas essa área cuja competência do Sistema Nacional de Educação foi transferida para os Municípios.

c.            As actividades de enriquecimento curricular, referenciadas no Despacho n.º 14460/2008, integram os objetivos do Sistema Nacional de Educação, independentemente de serem prestadas a alunos do ensino pré-escolar, dos três ciclos do ensino básico e ou do secundário.

d.            As actividades desenvolvidas no âmbito dos B… correspondem àquelas que se encontram listadas no Despacho acima referido em que a autoridade tributária se baseia para efeitos de aplicação da isenção de IVA – tal aspecto é confirmado pela própria autoridade tributária, corroborando que tais atividades beneficiam de isenção de IVA.

e.            As actividades em causa – independentemente do ciclo de ensino em que são prestadas – têm como finalidade, por um lado, enriquecer/complementar o currículo académico dos alunos e, por outro, melhorar a qualidade de ensino e aprendizagem dos mesmos, atingindo assim os objectivos previstos para o Sistema Nacional de Educação.

f.             Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 152/2013, as instituições de ensino particular e cooperativo – como é o caso do A…– dispõem de autonomia pedagógica e do direito de oferecer disciplinas de enriquecimento ou complemento do currículo.

g.            Adicionalmente, aplicar a isenção de IVA às atividades desenvolvidas no âmbito do 1.º ciclo do ensino básico, pretendendo tributar as mesmas actividades quando prestadas a alunos dos restantes ciclos de escolaridade seria contrário à Lei, geraria um tratamento cruamente diferenciado, criaria uma grave distorção das regras do imposto e violaria o princípio da igualdade.

h.            Concludentemente, não devem restar dúvidas de que as actividades realizadas no âmbito dos B…, no ensino pré-escolar, 2.º e 3 ciclos do ensino básico e ensino secundário – tal como no 1.º ensino básico – configuram operações que beneficiam da isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do Código do IVA.

i.             Assim, deve a autoridade tributária proceder à restituição do IVA autoliquidado em excesso no montante de 220.511,43€.

j.             Subsidiariamente, e ainda que se considerasse que as atividades dos B… não beneficiariam de isenção de IVA, haveria, ainda assim, imposto (auto)liquidado pela Requerente em excesso.

k.            Em concreto, o valor do IVA deveria ter sido calculado como parte integrante da contraprestação recebida dos alunos, pelo que, nesse caso, o IVA entregue em excesso teria ascendido a €24.304,93.

18.          No dia 21-09-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

19.          A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

20.          Em 13-11-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

21.          Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-11-2015.

22.          No dia 12-01-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação, suscitando ainda a questão da necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE.

23.          Foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório, relativamente à questão do reenvio prejudicial suscitada, tendo aquela aproveitado para apresentar alegações de direito.

24.          Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e tendo em conta que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, bem com que a Requerente, não obstante não ter sido notificada para tal, tinha apresentado já as suas alegações de direito, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, e facultou-se à AT a possibilidade de, querendo, apresentar, alegações escritas, o que fez.

25.          Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 e, subsequentemente, por mais sete.

26.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

19-         As autoliquidações em questão na presente acção arbitral foram apresentadas no contexto da regularização voluntária que a Requerente optou por fazer, ao abrigo do disposto no artigo 58.º do RCPIT, na sequência das conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspecção Tributária no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária realizados aos períodos compreendidos entre 2009 e 2012, realizados ao abrigos das Ordens de Serviço n.º OI2013… (2009), OI2013… (2010), OI2013… (2011) e OI2013… (2012).

20-         No âmbito das referidas acções inspectivas foi analisado o enquadramento em sede de IVA das transmissões de bens e prestações de serviços realizadas pela Requerente.

21-         A Requerente foi constituída por escritura pública em 17/09/1993, tendo por objecto a «exploração e gestão de estabelecimentos particulares dos ensinos básicos e secundários».

22-         A Requerente presta, e prestava à data dos actos tributários ora em causa, serviços no âmbito da educação pré-escolar, ensino básico e ensino secundário.

23-         Conforme declaração emitida em 25/03/2007, pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), a Requerente constituía um estabelecimento de ensino particular, que funciona ao abrigo da Autorização Definitiva n.º…, conforme Despacho proferido em 03/02/1994, e enquadrava-se nos objectivos do Sistema Educativo nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 9/79 e n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 553/80 (Lei de Bases e Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo respectivamente de 19 de Março e 21 de Novembro).

24-         Em sede de IVA, a Requerente enquadrava-se no regime normal de periodicidade trimestral com o tipo de operações «misto com afectação real de parte dos bens» na medida em que exerce não só actividades isentas que não conferem direito à dedução, nos termos da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, consubstanciadas em actividades com o objecto do ensino e serviços conexos (nomeadamente fornecimento de alimentação), mas também actividades sujeitas que conferem direito à dedução, consubstanciadas em prestações de serviços enquadráveis no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA.

25-         No âmbito dos procedimentos inspectivos realizados, a AT constatou que, nos períodos em apreço, a Requerente prestava serviços aos alunos nas áreas da «Componente Educativa», «Actividades Extracurriculares» e, ainda, «Outros Serviços».

26-         As referidas «Actividades Extracurriculares” (B…), compreendiam, nomeadamente, as seguintes prestações de serviços:

i.             Em 2009: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, catequese e drama;

ii.            Em 2010: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C…, e drama;

iii.           Em 2011: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C…, e drama.

iv.           - Em 2012: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C… e drama;

27-         Estas actividades foram pela Requerente consideradas isentas de IVA pela Requerente ao abrigo da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, que nas faturas emitidas no âmbito das atividades descritas no ponto anterior, até meados do ano de 2013, não mencionava IVA.

28-         Todavia, os SIT consideraram que as mesmas estariam antes sujeitas a IVA à taxa normal, não podendo beneficiar da referida isenção por não se considerarem conexas com o ensino, nos termos e para os efeitos da referida isenção, porquanto, em suma, ao abrigo da citada norma encontram-se apenas isentas as transmissões de bens ou prestações de serviços que revistam um carácter de complementaridade em relações às actividade de ensino propriamente dito, como é o caso do alojamento, alimentação, transporte e material didáctico aos alunos.

29-         Não conformada com o entendimento da AT, a Requerente veio apresentar pedido de reclamação graciosa, visando as autoliquidações referentes aos períodos compreendidos entre os anos de 2009 e 2012, e, ainda, quanto ao 1.º e 2.º trimestre de 2013.

30-         No âmbito do referido procedimento, uma vez notificada para exercer o respectivo direito de audição, face ao projecto de decisão, a Requerente não se manifestou.

31-         A decisão final proferida foi de deferimento parcial, restituindo-se à Requerente o montante de 90.798,62€, com os fundamentos constantes da Informação elaborada em 30-12-2014, pela Direcção de Finanças ….

32-         O deferimento parcial teve por objecto a correcção realizada, na parte relativa ao 1.º ciclo, na medida em que, atendendo ao disposto no Despacho n.º 14460/2008, de 26 de Maio de 2008, se concluiu que as actividades de enriquecimento curricular, nos moldes aí definidos, estão integradas legalmente nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, podendo, por conseguinte, beneficiar da isenção em causa.

33-         Pelo que a correcção realizada pelos SIT se manteve quanto às actividades de enriquecimento curricular realizadas no ensino pré-escolar, 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário.

34-         Das correcções voluntárias efectuadas, resultou a entrega adicional de IVA ao Estado, nos montantes de 37.376,63€, 39.550,38€, 51.230,10€ e 53.097,72€, para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente.

35-         Para além disso, fora do âmbito das acções inspectivas realizadas, em consonância com as indicações dadas pela autoridade tributária, a Requerente corrigiu igualmente (de forma voluntária) as declarações de IVA dos 1.º e 2.º trimestres de 2013, tendo resultado um valor de IVA a pagar adicionalmente de € 38.848,06.

36-         Com referência ao 3.º trimestre do ano de 2013, a Requerente reportou imposto liquidado na respectiva declaração periódica de IVA (entregando-o ao Estado), no montante de 408,54€.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

 

                Na sua Resposta, pede a AT “o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, de modo a que o mesmo se pronuncie sobre a questão de saber se as actividades de enriquecimento curricular como as que se discutem nos presentes autos (actividades de música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C…, catequese e drama) têm ou não enquadramento no âmbito da isenção consagrada no artigo 132.º, alínea i) da Directiva IVA, considerando-se como actividades de ensino escolar ou actividades com ela estreitamente conexas”.

                Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE :

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

                Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

iii.           já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

iv.           quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Por fim, ter-se-á em conta que, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

O primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ou seja, apenas se a resposta à questão formulada for necessária para proferir decisão nas questões que se apresentam ao Tribunal para dirimir, é que que aquela deverá ser apresentada ao TJUE.

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.

Com efeito, e como se verá de seguida, no que diz respeito à apreciação da legalidade do acto objecto imediato da presente acção arbitral, a resposta à pergunta formulada nada acrescentará, na medida em que tal acto assenta não na interpretação da Directiva comunitária, mas na da norma de direito nacional – o artigo 9.º/9) do CIVA – e no entendimento, decorrente de tal interpretação, de que tal norma apenas aceita como prestação de serviços que tenham por objecto o ensino, aquelas que se reportem directamente a matérias compreendidas nos currículos do Sistema Nacional de Ensino, para o ciclo de estudos dos destinatários da prestação.

Ora, para aferir se tal entendimento é, ou não, correcto, não é, como se verá, necessária a resposta à questão formulada, desde logo porque se vislumbra como perfeitamente claro o sentido dessa resposta.

Por outro lado, e no que diz já respeito à apreciação da legalidade dos actos que integram o objecto mediato da presente acção arbitral, verifica-se, como se verá, também, a insuficiência de elementos de facto que permitam decretar a sua anulação, pelo que, também sob essa perspectiva, a resposta à pergunta formulada nada adiantaria.

Assim, e pelos fundamentos expostos, não se procederá ao sugerido reenvio prejudicial.

 

                Posto isto, a questão jurídica a resolver nos autos, relaciona-se directamente com a interpretação e aplicação da al. 9) do artigo 9.º do CIVA que dispõe que:

“Estão isentas do imposto:

9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”.

                A norma em questão consagra, explicitamente, um requisito subjectivo, que exige que se tratem de “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, e um requisito objectivo, que pressupõe que estejam em causa “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas”.

                Como bem sintetiza a Requerida nos autos, “a questão controvertida não se coloca quanto ao requisito subjectivo da isenção em apreço, maxime, as características que o operador económico deve reunir para beneficiar da isenção consagrada no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA (...), mas, antes, com o requisito objectivo da mesma, mais concretamente, com as actividades de enriquecimento curricular que são praticadas, em concreto”.

                Correctamente equacionada, deste forma, a questão que se apresenta a resolver por este Tribunal, não se poderá, todavia, corroborar o momento seguinte em que assenta a posição jurídica da Requerida, que postula que “a questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se tais actividades extracurriculares (...), prestadas no âmbito do ensino pré-escolar, bem como no âmbito do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, são ou não conexas com o ensino nos termos e para os efeitos previstos no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA.”.

                Com efeito, o detectado requisito objectivo da al. 9) do artigo 9.º do CIVA não se esgota nas prestações de serviços conexas com o ensino, abrangendo, ainda e em primeiro lugar, as próprias “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”.

                Assim, correctamente equacionada a questão decidenda no autos,  concluir-se-á que a mesma consiste em saber se as actividades extracurriculares em questão, prestadas a alunos do ensino pré-escolar, e do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, são, ou não, prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, nos termos e para os efeitos previstos na al. 9) do artigo 9.º do CIVA.

                Formulada, devidamente, questão decidenda, apreciemos então os fundamentos do acto tributário que constitui o objecto primário da presente lide (a decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente).

                Como muito bem se sintetiza na resposta apresentada no presente processo, “os SIT entenderam, em suma, que as actividades de enriquecimento curricular não fazem parte do currículo escolar e não estão consagradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, tendo, antes, carácter optativo.”, porquanto “As actividades de enriquecimento curricular do 1.º ciclo do ensino básico elencadas nos n.ºs 9 e 10 do Despacho n.º 14460/2008, de 26 de Maio, consideram-se integradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, e, como tal, encontram-se abrangidas pela isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA;”.

                Ressalvado o respeito devido, considera-se que a AT, na matéria em causa, incorreu num erro de raciocínio que decorre da circunstância de, confrontada com prestações de serviços que são oferecidas pelo Sistema Nacional de Educação e isentas de IVA, considerou-as conexas com o ensino não com base num critério objectivo, como se impunha, mas com base num critério assente na qualidade dos sujeitos destinatários da prestação (subjectivo, portanto).

                Com efeito – e aqui a AT diverge logo daquilo que ela própria, ab initio, localizou como sendo o epicentro do dissídio -  não nos podemos esquecer que estamos perante um requisito objectivo, pelo que as prestações de serviços em causa deverão reunir os requisitos legalmente pressupostos pela isenção em si mesmas, independentemente, não só, de quem as presta como, também, de quem as recebe.

                Ou seja: as prestações de serviços serão ou não isentas (dado que está, como se viu, reunido o requisito subjectivo para tal) conforme a sua própria natureza, e não conforme os destinatários da mesma, de onde decorre desde logo que será para o caso irrelevante a situação das prestações de serviços em causa, no âmbito do 1.º Ciclo de ensino, ou em qualquer outro.

                O foco terá de ser, então, não se a prestação de serviços se dá num ou noutro ciclo de ensino, mas, antes, se a mesma se reveste da natureza de prestação de serviços que tenha por objecto o ensino, ou conexas com este, questão de natureza objectiva e para a qual o ciclo de ensino em causa será irrelevante.

                A interpretação da norma da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, não poderá, por outro lado e por força do comando do artigo 8.º da CRP, desligar-se da sua fonte comunitária, pelo que a densificação do seu conteúdo, deverá fazer-se à luz da indicada norma da Directiva IVA, uma vez que que a norma em causa é reflexo directo da norma do artigo 132.º/1/i) daquela Directiva, norma esta que declara que os Estados Membros isentam, para além do mais, as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e ao “ao ensino escolar ou universitário”.

                Contrastada, então, a norma da Directiva, com o artigo 9.º do CIVA, verifica-se que a primeira impõe a isenção de prestações de serviços que tenham por objecto “A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional”, para além das “prestações de serviços e (...) entregas de bens com elas estreitamente relacionadas”, enquanto que o segundo se refere apenas a “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino” (al. 9)), e a “As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional” (al. 10)) e respectivas prestações de serviços e transmissões de bens conexas.

                Este quadro normativo evidencia, então, que, não se encontrando, por qualquer forma, expressamente reflectida a imposição comunitária de isenção das prestações de serviços que tenham por objecto a “educação da infância e da juventude” ter-se-á, por força da interpretação conforme ao direito comunitário, de considerar que tais prestações de serviços estão abrangidas pelo conceito de “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”, utilizado pela lei nacional, sob pena, desde logo, de desconformidade desta com o direito comunitário e, consequentemente, constitucional.

                Por outro lado, tendo em conta a al. 11) do artigo 9.º do CIVA, que corresponde directamente à al. j) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva, e que isenta “As prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”, verifica-se que o legislador (nacional e comunitário) restringiu expressamente as prestações de serviços aí previstas, àquelas que incidam “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, de onde se retira que – ao contrário do que subjaz a toda a argumentação da AT na matéria que nos ocupa – se o legislador quisesse, de alguma forma, restringir a previsão normativa da al. 9) (ou, já agora, na al. j) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva) nos mesmos termos em que o fez na al. 11), tê-lo-ia, obviamente, dito, pelo que se haverá de concluir que aquela previsão (da al. 9) do artigo 9.º do CIVA) não está, por qualquer forma, limitada às prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, o que de resto, é coerente com a finalidade genérica da isenção em questão, que visa fomentar a educação da infância e da juventude.

                Verifica-se, assim, que o legislador nas normas em causa (artigo 9.º/11) do CIVA e 132.º/1/j) da Directiva), dispensa o requisito subjectivo exigido pela al. 9) do artigo 9.º do CIVA e pela al. i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva (estabelecimento de ensino oficial ou equiparado), mas acresce uma restrição ao âmbito das matérias ministradas (matérias do ensino, subentende-se que oficial, escolar ou superior).

Daí que aquelas normas da al. 9) do artigo 9.º do CIVA e pela al. i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva, ao não conterem tal restrição, porão a tónica na “oficialidade” do sujeito prestador. Ou seja, sendo os sujeitos prestadores “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, sob o ponto de vista fiscal, estará na disponibilidade deles o conteúdo educativo a disponibilizar aos seus utentes, conste ou não dos currículos do SNE. Dito de outro modo, dentro do que seja objectivamente prestação de serviços de ensino/educação, os  “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes” poderão eleger livremente, de um ponto de vista fiscal, quais os que pretendem ministrar aos seus utentes, não ficando restringidos pelas “matérias do ensino escolar ou superior” oficial.

Por outro lado, verifica-se ainda que aquela referida al. 11) do art.º 9.º do CIVA, restringindo a isenção ao ensino de “matérias do ensino escolar ou superior”, não a restringe em função de ciclos ou anos de estudo. Daí que, salvo melhor opinião, as “lições ministradas a título pessoal sobre matérias” que não integrem o ciclo de ensino, ou o ano, do destinatário das mesmas, continuarão a ser isentas (por exemplo: lições de francês ou espanhol a uma criança do primeiro ciclo, ou mesmo da pré-primária). Sendo assim, como parece que é, não se compreenderá como é que a al. 9) do artigo 9.º do CIVA, interpretado à luz da al. g) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva, poderá restringir a isenção aí consagrada a matérias que integrem os currículos do SNE do ciclo de ensino oficial em causa.

                Daí que, fundamentando-se a decisão do pedido de reclamação graciosa em que “No que respeita às atividades extracurriculares (acima referidas e oferecidas pela A…), como o próprio nome indica, não fazem parte do currículo escolar (antes se consubstanciam num enriquecimento cuja frequência não é curricular nem obrigatória para todos os alunos mas sim de opção por cada um dos mesmos alunos) logo, não estão consagradas nos objetivos do Sistema Nacional de Educação pelo que não beneficiam da isenção da al. 9) do Artigo 9° do Código do IVA nem em nenhuma outra isenção das referidas no Artigo 9° do Código do IVA, pelo que estas operações são sujeitas a IVA e dele não isentas havendo lugar à liquidação de imposto naquelas operações”, haverá que concluir que tal acto tributário enferma de erro de direito, na medida em que restringe, injustificadamente, o conceito de prestações de serviço de ensino, para efeitos da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, às prestações de matérias que “fazem parte do currículo escolar”.

                Com efeito, e como se vem de ver, nada no quadro normativo aplicável, permite restringir fundadamente o conceito de prestações de serviço de ensino por “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, ao ensino de  matérias que “fazem parte do currículo escolar” oficial, pelo que, ao assentar em tal entendimento, enferma a decisão da reclamação graciosa de erro nos pressupostos de Direito, devendo, como tal, ser anulada.

                Passando, agora, para o plano do objecto mediato do presente processo arbitral, cumprirá, então, verificar se as prestações de serviços em causa no presente processo arbitral são, ou não, qualificáveis como prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, em termos de ser possível tomar, desde já, uma posição quanto à legalidade das liquidações do respectivo imposto.

                Conforme decorre dos factos dados como provados, estão em causa nos autos as seguintes prestações de serviços: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, C…, catequese e drama.

Devidamente analisadas as prestações de serviços em questão, haverá de se concluir, desde logo, que as mesmas não se apresentam como prestações de serviços conexas com o ensino, à luz de quaisquer dos critérios hermeneuticamente aceitáveis para determinar o conteúdo de tal conceito.

                Com efeito, o Tribunal de Justiça, em diversos acórdãos (C-45/01, C-394/04, C-434/05), tem vindo a entender que um serviço é acessório quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar o serviço principal, sendo que o artigo 134º da Diretiva refere que ficam excluídos da isenção os serviços que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, enquanto que o Tribunal de Justiça tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de que são indispensáveis as operações acessórias que tenham uma natureza e características tais que, sem recorrer a elas, não seria possível assegurar que o serviço principal (no caso, o ensino) tivesse uma valia equivalente.

                Assim, apesar de, em matéria de ensino, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter já afirmado, nomeadamente no acórdão de 20 de junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha), que não é necessária uma interpretação restrita da isenção, por considerar que ela tem em vista assegurar um acesso menos dispendioso aos serviços ligados ao ensino, a verdade é que no mesmo acórdão é referido, a propósito das actividades de investigação, que embora a realização desses projetos possa ser considerada muito útil para o ensino universitário, não é indispensável para atingir o objetivo visado por este, a saber, nomeadamente, a formação dos estudantes para lhes permitir exercerem uma actividade profissional. A jurisprudência comunitária tem vindo, por isso, a exigir uma relação de complementaridade entre os serviços prestados e a actividade do ensino, de tal forma que apenas podem ser consideradas acessórias as prestações de serviços e transmissões que são indispensáveis para a prestação de serviços de ensino ou educação da infância e juventude.

                Também no Centro de Arbitragem Administrativa já existe jurisprudência que sustenta que as operações conexas com a atividade principal só podem beneficiar da isenção se forem indispensáveis à realização dessas operações isentas, bem como que constituem um meio de beneficiar, nas melhores condições, o serviço principal do prestador (cfr. decisão arbitral nº 132/2015T, de 26 de Novembro de 2015), sendo que a doutrina nacional também já se pronunciou no sentido de que para serem qualificadas como indispensáveis, as operações acessórias devem ser de uma natureza e características tais que, sem recorrer a essas operações, não seria possível assegurar que o serviço principal de que o cliente beneficia tivesse uma valia equivalente, ou seja, por exemplo, que oferecesse a mesma qualidade .

                Deste modo, não havendo dúvidas, como não há, de que não se tratam de prestações de serviços conexas com o ensino (das matérias que integram os currículos do Sistema Nacional de Educação), não dispensa tal conclusão de apurar se não se integram as prestações de serviços em questão na primeira parte do requisito objectivo que nos ocupa, ou seja, de apurar se aquelas prestações de serviços são, ou não, prestações de serviços (não acessórias ou conexas mas directamente) relativas à “educação da infância e da juventude” ou ao “ensino escolar ou universitário”.

                Ora, a resposta a esta questão – julga-se – não pode deixar de ser afirmativa, pelo menos para algumas das prestações de serviços em causa.

                É que, desligando-se a isenção da al. 9) do artigo 9.º do CIVA das prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, conforme atrás se expôs já, e devolvendo-lhe o sentido que se lhe considera devido, como abrangendo as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e/ou ao “ensino escolar ou universitário”, independentemente do ciclo de estudos em que se a conclusão que se imporá com mais firmeza é a de que, pelo menos, algumas das prestações de serviços ora em causa se tratam de prestações de serviços que têm como objecto o ensino, nesse sentido abrangente, conforme à Directiva comunitária.

                Com efeito, as prestações de serviços relativas ao ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, integram directamente o conteúdo de matérias leccionadas em variados ciclos de estudo, constituindo, dessa forma, inequívocamente prestações de serviços de ensino e educação da infância e juventude, não relevando, como se viu, não só por falta de fundamento legal para tal, como também por decorrer da interpretação sistemática das normas aplicandas, a circunstância de não integrarem os currículos do ensino oficial para os ciclos de estudos dos destinatários, ou mesmo as “matérias do ensino escolar ou superior”.

                Também o ensino de toy making, na medida que se reconduza ao ensino de manualidades, correspondendo ao objecto de disciplinas de educação visual e tecnológica (ou aos antigos trabalhos manuais e oficinais), poderá integrar também o conceito de prestação de serviços de ensino ou educação da infância ou juventude.

                As actividades de catequese, do mesmo modo, poderão, reconduzir-se a prestações de serviço de ensino, nos termos pressupostos pela al. 9) do artigo 9.º do CIVA, na medida em que se reconduzam a um ensino teológico/ educação religiosa e moral, ou não o ser, na medida em que se traduzam essencialmente em actividades de culto ou de prática religiosa.

                Também as actividades de C…, na medida em que se traduzam em prestações de serviços de ensino de educação física, poderão, também, ser tidas por prestações de serviços de ensino, nos termos e para os efeitos do artigo 9.º/9 do CIVA.

                Por fim, as actividades de sala de estudo, deverão ser igualmente analisadas à luz quer do concreto tipo de prestação de serviço em questão (disponibilização de espaço e vigilância; disponibilização de apoio passivo ao estudo; ministério efectivo de conhecimento) quer do conteúdo das matérias sobre que incidam.

                Sucede, todavia, que este Tribunal não dispõe de elementos que permitam, por um lado, fixar em termos quantitativamente exactos os valores de imposto que se reportam às actividades que se apresentam, para lá de qualquer dúvida razoável, como prestações de serviços de ensino (música, artes e pintura, línguas e drama), nos termos pressupostos pelo artigo 9.º/9) do CIVA, e, por outro, definir com o mesmo grau de certeza que as restantes actividades se configuram, ou não, como prestações de serviços de tal índole (toy making, catequese e C…, sala de estudo).

                Neste quadro, não pode este Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos actos de autoliquidação de IVA que integram o objecto mediato da presente lide, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral.

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

d)           Anular a decisão do pedido de reclamação graciosa apresentado pela requerente, e que constitui o objecto imediato da presente acção arbitral;

e)           Determinar, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do RJAT, que seja, em substituição daquele acto, praticado um novo, em conformidade com o ora decidido, ou seja, com a interpretação de que as prestações de serviços de ensino/educação prestadas pelos “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, para efeitos da al. 9) do artigo 9.º do CIVA, não estão restringidas ao ensino de  matérias que “fazem parte do currículo escolar” oficial dos destinatários, pelo que o ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, constituem, para efeitos da norma referida, prestações de serviços que têm por objecto o ensino, o mesmo se passando relativamente às actividades de toy making, catequese, C…, e sala de estudo, na medida em que consistam essencial e respectivamente, no ensino de manualidades, teologia/educação moral e religiosa e educação física;

f)            Julgar improcedente o pedido arbitral na parte restante;

g)            Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da Requerente, e no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da Requerente.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 220.511,43€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Abril de 2016

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

Voto de vencido

 

1.            Votei vencido por entender que os denominados B… não são suscetíveis de enquadramento no âmbito das prestações de serviços de ensino, já que, conforme resulta do disposto no artigo 131º da Diretiva do IVA as isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam-se nas condições fixadas por cada um dos Estados membros. No caso concreto de Portugal existe legislação específica que define o que deve considerar-se incluído obrigatoriamente no âmbito do ensino, sendo certo que se encontram excluídas as prestações de serviços correspondentes às atividades complementares. Nesta conformidade, tais prestações de serviços apenas poderiam beneficiar da isenção prevista no nº 9 do artigo 9º do Código do IVA se pudessem ser qualificadas como prestações de serviços conexas, o que manifestamente não se verifica no caso concreto em apreço. A própria Requerente, no artigo 69º do requerimento inicial, refere de forma expressa que entende ter direito á isenção pelo facto dos B… configurarem prestações de serviços conexas com o ensino, pelo que, salvo melhor opinião, o que está em causa, como anteriormente se referiu, é saber se tais prestações de serviços preenchem ou não os pressupostos para poderem ser reconhecidas como conexas, de forma a usufruírem, por esta via, da isenção. O Tribunal de Justiça da União Europeia, em diversos acórdãos (C-45/01, C-394/04, C-434/05), tem vindo a entender que um serviço é acessório quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar o serviço principal.

2.            Acresce que o artigo 134º da Diretiva refere que ficam excluídos da isenção os serviços que não sejam indispensáveis á realização das operações isentas, enquanto que o referido Tribunal de Justiça tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de que são indispensáveis as operações acessórias que tenham uma natureza e características tais que, sem recorrer a elas, não seria possível assegurar que o serviço principal (o ensino) tivesse uma valia equivalente. Posto isto, independentemente de ser no 1º ciclo ou em qualquer outro ciclo de estudos, parece-me que não é possível sustentar que os B… configuram prestações de serviços acessórias, já que, enriquecendo, sem dúvida alguma, o ensino, não são indispensáveis nem necessárias á conclusão dos ciclos de estudos. Há, na verdade, outras escolas, públicas e privadas, que conferem os mesmos graus de ensino sem fornecer tais atividades complementares.

 

Lisboa, 26 de abril de 2016.

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)