Decisão Arbitral
Relatório
A…, residente na Rua…, n.º … em …, com o NIF…, formulou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto nos art.s 2º, n.º1 e 10º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), com as alterações da Lei 66-B/2012, com vista anulação das liquidações de Imposto do Selo (respeitantes à verba 28.1 da correspondente Tabela Geral e ao ano de 2014), com o valor total de 10 862,30 € (dez mil, oitocentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos).
Esse pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 15 de setembro de 2015.
É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT).
A Requerente não procedeu à designação de Árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou, então, o signatário, que expressamente aceitou essa nomeação. As partes foram devidamente notificadas desta, não tendo manifestado vontade de a recusar.
O tribunal arbitral foi assim constituído em 30 de novembro de 2015.
A AT apresentou tempestivamente a sua resposta, sustentando a legalidade do ato tributário em crise, por ausência do alegado vício de violação de lei, com correspondente improcedência total do pedido e consequente absolvição da Requerida.
A Requerida entendeu, sem oposição da Requerente, ser desnecessária a realização da primeira reunião do tribunal arbitral a que alude o referido artigo 18º do RJAT, bem como proceder a alegações. Por isso peticionou a correspondente dispensa. Antes dessa decisão foi a Requerente convidada a clarificar quais os atos de liquidação de tributos que concretamente contesta e a juntar cópia legível das liquidações tributárias contestadas e, sendo o caso, também dos comprovativos de pagamento dessas liquidações. Verificada aquela clarificação e juntos esses documentos foi então decidido, nos termos previamente enunciados e sem oposição das partes, dispensar quer a realização da primeira reunião do tribunal arbitral a que alude o referido artigo 18º do RJAT, quer a produção de alegações.
A posição das partes é absolutamente clara e inexistem questões de facto controvertidas.
Atentos os princípios da autonomia do tribunal arbitral (art. 16º, alínea c), do RJAT) e da livre condução do processo (art. 19º do RJAT), este tribunal arbitral singular considera desnecessário realizar a audiência a que alude o art. 18º, bem como proceder à produção de alegações, cuja realização, por essa razão dispensou, por Despacho, tendo fixado neste data para a prolação da decisão arbitral.
O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.
O processo não enferma de nulidades.
Matéria de facto
O pedido da Requerente estriba-se em suposto vício de violação de lei dos atos tributários em crise, por erro nos pressupostos de facto e de direito. Tais atos tributários correspondem às liquidações da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo para o ano de 2014, relativas às várias divisões destinadas à habitação e suscetíveis de utilização independente, e por isso objeto de registo matricial autónomo, integrantes do prédio urbano em propriedade total, ou vertical (não constituído em propriedade horizontal, portanto), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia do…, sito à Rua…, nº…, com um VPT total de € 1.160.520,00, correspondendo o somatório dos VPT individuais das divisões suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação a € 1.086.230,00.
Tal prédio é composto por 6 pisos, integrando 20 divisões suscetíveis de utilização independente, 3 delas correspondentes a lojas (com VPT individuais de € 18.000,00, € 32.280,00 e € 24.010,00) e as restantes 17 destinadas a habitação, as quais constituem divisões com utilização independente.
Cada uma das 20 divisões independentes afetas a habitação tem um VPT atribuído e separadamente determinado nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 7º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). E nenhuma daquelas 17 partes ou divisões independentes com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00.
A Requerente procedeu em 21 de abril de 2015, a 7 de julho de 2015 e a 11 de novembro de 2015, repetivamente, ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do correspondente imposto, num valor total de € 10.862,30.
Na sua petição inicial a Requerente aparenta pretender impugnar apenas a segunda prestação das liquidações de Imposto do Selo (IS) relativas ao ano 2014, com um valor total de € 3.744,10 (que considera como valor o pedido). Mas não obstante, peticiona a anulação da liquidação de IS relativa a 2014, que como é sabido corresponde à liquidação anual e não a uma das suas prestações.
Convidada por isso a clarificar o pedido, a Requerente veio confirmar que o pedido se reporta à liquidação de 2014 da verba 28.1 do Imposto do Selo relativa às divisões destinadas a habitação do identificado prédio, salientando tendo apresentado a petição inicial no decurso do prazo para pagamento da segunda prestação do imposto, o que como acima se viu é factual.
Como referido, a 31 de dezembro de 2014 nenhuma das divisões do identificado prédio a que correspondem as liquidações (anuais) em causa e as correspondentes notas de cobrança possuía um Valor Patrimonial Tributário (VPT) igual ou superior ao montante de um milhão de euros.
Consequentemente e em síntese, dá-se por provada a factualidade que segue:
a) Em 2014, a Requerente era proprietária do identificado prédio urbano em propriedade vertical, i.e. em propriedade total, não constituído em propriedade horizontal;
b) A esse prédio correspondia um VPT total superior ao valor de um milhão de euros;
c) O mesmo era composto por vinte divisões suscetíveis de utilização independente;
d) Tais divisões eram objeto de inscrição matricial autónoma;
e) Três delas correspondem a lojas e as demais dezassete a habitação;
f) A nenhuma dessas divisões suscetíveis de utilização independente correspondia um VPT igual ou superior ao valor de um milhão de euros;
g) O VPT total do prédio é de € 1.160.520,00;
h) O VPT de cada uma das três lojas é de € 32.280,00, € 24.010,00 e € 18.000,00;
i) O valor total das remanescentes 17 divisões é pois de € 1.086.230,00;
j) Em 20 de março de 2015 a AT procedeu à liquidação do IS da verba 28.1 da TGIS por referência a essas divisões independentes destinadas a habitação e ao ano de 2014;
k) O valor total dessas liquidações ascende a € 10.862,30;
l) Este valor corresponde a 1% do somatório do VPT das ditas divisões com inscrição matricial autónoma;
m) Os atos de liquidação em causa deram lugar aos documentos de cobrança da correspondente às primeira, segunda e terceiras prestações de imposto nos termos da lei;
n) Essas prestações tinham vencimento em Abril, Julho e Novembro de 2015;
o) As mesmas foram integralmente pagas, respetivamente, em 21 de abril, a 7 de julho e a 11 de novembro, sempre de 2015.
Não há outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se encontrem provados.
Os factos provados baseiam-se nos documentos fornecidos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é controvertida.
Matéria de direito
Indivisibilidade do ato de liquidação
Como referido, a Requerente vem pedir a constituição de Tribunal Arbitral para que este se pronuncie sobre as liquidações de IS ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código de Imposto de Selo, aditada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/12, com referência ao ano de 2014, sobre as divisões suscetíveis de utilização independente do aludido prédio.
Para o efeito invoca a ilegalidade das liquidações, por violação de lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. E, em conclusão, pede a anulação do ato tributário, bem como o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Sem oposição da Requerida, foi satisfatoriamente clarificado pela Requerente o alcance da causa de pedir e do pedido. Tal alcance pode ser retirado do teor literal da P.I. e, mesmo que assim não fosse, teria a Requerente procedido, a convite do Tribunal Arbitral, a um mero aperfeiçoamento do pedido, ao abrigo dos referidos princípios da autonomia do tribunal arbitral e da livre condução do processo, em benefício do princípio da economia processual e sem prejuízo do princípio do contraditório.
Em conclusão, apesar de não ser claro se o pedido da Requerente visava a anulação de uma prestação de um ato tributário ou, inversamente, a anulação deste, aquela veio clarificar visar a anulação dos atos de liquidação do imposto, ainda que no seu introito e no valor da causa, remeta para os documentos de cobrança da segunda prestação deste e o valor corresponda a um terço do valor da liquidação. Isto não obstante a Requerente peticionar a declaração de invalidade e anulação das liquidações do Imposto do Selo relativo a 2014, como posteriormente reconfirmou.
Clarificada deste modo a causa de pedir e o pedido, deve apreciar-se do mérito deste (dado que, como é sabido, uma prestação de imposto não seria passível de apreciação autónoma da sua legalidade), pelo que urge agora analisar a questão substantiva da liquidação em crise.
Posição das partes
Como é bom de ver a questão dos autos corresponde à aplicação, nas situações da denominada propriedade vertical, da tributação em IS incidente sobre prédios urbanos com afetação habitacional e VPT igual ou superior a um milhão de euros. Esta controversa tributação foi introduzida em 2012 para reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de necessidade financeira (ou económico-financeira, cfr. Sustentabilidade e Solidariedade em Tempos de Crise, Suzana Tavares da Silva, in Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coord. José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, pág.s 61 e ss).
É bem sabido que aquela nova tributação em IS tem suscitado fortes dúvidas, elevada contestação e numerosa jurisprudência. Isto não apenas para casos pontuais da sua aplicação (e.g., propriedade vertical, compropriedade, terrenos para construção ou sua aplicação ao ano de 2012), como também em termos gerais, pela sua eventual inconstitucionalidade, seja do seu regime geral, seja do seu regime transitório (ver Luís Menezes Leitão, Sobre a Tributação em Imposto de Selo dos Imóveis de Luxo (verba 28.1 TGIS), in Arbitragem Tributária nº1, pág.s 44 e ss).
Requerente
Ora, a Requerente vem, precisamente, contestar a aplicação da nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, mas que incluam divisões suscetíveis de utilização independente, em que o valor mínimo de incidência fixado na lei seja atingido pelo somatório do VPT dos registos matriciais separados (ou autónomos) correspondentes àquelas várias divisões, mas não por qualquer uma delas individualmente considerada.
Sustenta a Requerente não ser proprietária de um prédio com VPT igual ou superior ao referido montante mínimo, mas sim proprietária de um prédio em propriedade vertical em que o VPT superior a esse valor apenas é alcançado pelo somatório do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, sem que nenhuma delas, considerada individualmente, atinja esse montante mínimo de relevância tributária.
Por essa razão, para a Requerente, as liquidações em crise padecem de vício de violação de lei, o que as tornaria anuláveis (por erro nos seus pressupostos de facto e de direito). A Requerente discorda pois da interpretação que a AT faz do alcance da citada verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS, que considera ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da prevalência da verdade material.
Requerida
Por seu lado, a Requerida contesta aquele entendimento, sustentando antes a manutenção das liquidações.
Para o efeito salienta, em síntese, que:
a) no CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. artigo 67.° n.° 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.° 55- A/2012);
b) O artigo 2.° n.° 1 do CIMI define o conceito de prédio;
c) O artigo 2° n.° 4 do CIMI ressalva as frações autónomas de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, as quais considera, excecionalmente, como prédios;
d) Ao contrário, sendo um prédio constituído em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o prédio no seu todo, e já não cada uma daquelas partes, que integra o conceito de “prédio”, para efeitos de IMI e de IS, por remissão do artigo 1°, n° 6 do CIS;
e) A tal não obsta o facto de cada andar/divisão constar separadamente na inscrição matricial, e com os respetivos valores patrimoniais tributários, pois tal discriminação apenas releva, para efeitos fiscais, face ao conceito de matrizes prediais constante do artigo 12° do CIMI e na matéria regulada neste Código para a organização das matrizes;
f) A imposição de organizar desta forma as matrizes deve-se à necessidade de relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, cabe a cada uma das suas partes, as quais podem ser funcional e economicamente independentes;
g) Esta autonomização apenas se justifica porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante nas regras da avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afetação previstos no artigo 41.° desse código.
Acrescenta ainda a Requerida ter sido já sancionada sobre esta temática a Informação Vinculativa proferida no Processo: 2013… - IVE n.º … com despacho concordante do Sr. Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 11.02.2013.
Desse entendimento decorre que:´
“ 3. Para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, pela verba 28 da respectiva tabela geral, é determinante a distinção entre prédios constituídos em propriedade total e prédios constituídos em regime de propriedade horizontal. No caso de prédio constituído em propriedade horizontal, nos termos previstos nos artigos 1417.º e seguintes do Código Civil, cada fracção autónoma assim constituída é havida como constituindo um prédio, conforme decorre do disposto no artigo 2.º n.º 4 do CIMI, aplicável por força do disposto no artigo 1.º n.º 1 e n.º 6 do Código de Imposto de Selo, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro e Verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, na sua actual redacção.
4. Para os devidos e legais efeitos, designadamente para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, verba 28 da TGIS, os prédios constituídos em propriedade total, são considerados pela sua totalidade como um único prédio.(…)
6. Para efeitos de IMI e consequentemente para efeitos de sujeição a imposto de selo, verba 28 da Tabela Geral, anexa ao CIS, por remissão daquele Código, o prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (dita propriedade total) e o prédio em regime de propriedade horizontal, são no que respeita ao conceito de “prédio fiscal” distintos uma vez que no último caso a fracção autónoma, para efeitos de IMI, integra o conceito de prédio. Trata-se de uma excepção à regra geral, dado que cada fracção autónoma de um edifício sujeito ao regime de propriedade horizontal pertence a um titular independente, o qual é proprietário da sua fração autónoma e comproprietário das partes comuns do prédio.
7. Já relativamente ao primeiro caso (propriedade total) ainda que o prédio tenha partes ou divisões suscetíveis de utilização independente o conceito jurídico tributário é de que este prédio constitui uma única unidade, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário”.
Síntese das questões controvertidas
Em síntese, no caso vertente, a questão relevante é apenas a de saber qual o VPT a considerar nos casos de propriedade vertical.
A matéria de direito versará pois sobre esta questão, a qual será agora desenvolvida, começando por um breve enquadramento da circunstância da nova tributação e da sua inserção no CIS.
Matéria de Direito
Propriedade vertical
Como referido, a Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o Código do Imposto do Selo, aditando uma nova verba à correspondente Tabela Geral.
Sobre a problemática da determinação do VPT (mínimo) relevante para a aplicação da verba 28.1 da TGS nos casos de propriedade vertical já se pronunciaram, de entre outras e para lá das acima referidas, as decisões do CAAD nos processos números 50/2013-T, 132/2013, 181/2013-T, 183/2013-T, 272/2013 2013-T, 280/2013-T, 26/2014-T, 30/2014-T, 88/2014-T, 177/2014-T e 206/2014-T, as quais foram posteriormente confirmadas por várias outras decisões arbitrais.
Em todos a questão residia, tal como nestes autos, em saber se o VPT relevante para a norma de incidência (28.1 da TGIS) é o VPT correspondente a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente separadamente consideradas na matriz ou se, pelo contrário, o VPT relevante deverá corresponder ao somatório de todas essas divisões suscetíveis de utilização independentes mas integrantes de um mesmo prédio e que se encontrem afetas a habitação.
E a resposta, naquelas decisões, foi sempre pela primeira opção e entende-se que bem. Vejamos agora as razões subjacentes a tal Jurisprudência e à interpretação aqui seguida.
O CIS
A nova verba foi inserida no Código do Imposto do Selo, opção que não oferece contributo de relevo para enquadrar sistematicamente o novo tributo, pois aquele imposto “incide sobre uma multiplicidade heterogénea de factos ou actos … sem um traço comum que lhes confira identidade”, o que foi, aliás, agravado com a Reforma da Tributação do Património de 2003/2004, tornando ainda mais complexo “o problema da classificação deste imposto” (cfr. José Maria Fernandes Pires, Op. Cit., pág. 422).
Mas é sabido que esta nova verba foi introduzida como forma de reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de necessidade financeira (ou económico-financeira, cf. Sustentabilidade e Solidariedade em Tempos de Crise, Suzana Tavares da Silva, in Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coord. José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, pág.s 61 e ss), com o propósito de identificar novas formas de exteriorização de capacidade contributiva que pudessem ser chamadas a apoiar o propósito de redução do saldo orçamental negativo.
E fê-lo optando por fazer incidir a nova tributação exclusivamente sobre determinados bens, implicando pois uma forte discriminação negativa destes, o que postula uma explicitação reforçada dessa opção, de modo a não colocar em crise o princípio da igualdade, ou equidade na terminologia de Glória Teixeira, quer no seu sentido de equidade horizontal, quer no de equidade vertical (Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal, pág. 56, 2º ed., Almedina).
Ora, parece vislumbrar-se no pensamento do legislador a intenção de identificar nos imóveis com VPT igual ou superior a um milhão de euros destinados a habitação (“de luxo”), um referencial, não arbitrário, de uma capacidade contributiva adicional, capaz de alargar o espectro de contributos para o desejado e necessário equilíbrio orçamental.
Neste quadro, a questão decidenda é a de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afetação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (até porque, tal como no caso dos autos, pode ter áreas afetas a fins não habitacionais) ou se por “prédio” devem considerar-se antes as divisões separadamente consideradas na matriz predial e, ainda, qual o VPT relevante (se o VPT relativo ao prédio, se o VPT inerente ao somatório das suas partes com afetação habitacional, ou se antes o VPT relativo, autonomamente, a cada uma destas).
Para o efeito, importa ter presente que cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial do prédio total, a qual discrimina também o seu valor patrimonial tributário (n.º 2 do art.º 12.º do CIMI), sendo o IMI liquidado individualmente em relação a cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).
E, se assim é em IMI, também assim deverá ser em Imposto do Selo. Vejamos porquê.
Interpretação literal
Como se refere na decisão tomada no processo 206/2014-T: “Dado que o CIS remete para o CIMI, há que concluir que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição do horizontal”.
Sendo o IMI e o Imposto do Selo “liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”, também “o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo”. Em consequência, haverá incidência da verba 28.1 da TGIS (apenas) caso alguma dessas partes, andares ou divisões com utilização independente apresente um VPT, pelo menos, igual ao montante previsto na norma de incidência.
Assim, para este efeito prédio será a área independente, considerada separada e autonomamente na matriz, sendo sujeito a IS se cumpridos dois requisitos: ser destinado a fins habitacionais e ter um VPT igual ou superior a um milhão de euros, critério de aferição dos imóveis habitacionais “de luxo”. De outro modo, criar-se-ia uma realidade não prevista pelo legislador: a de um, por assim dizer, “prédio habitacional”, eventualmente inserido dentro de um prédio mais vasto com várias finalidades, em que o VPT daquele, espúrio aos registos matriciais, consistiria na ficção de um VPT dado pela adição do VPT autónomo de cada divisão (independente e com finalidade habitacional) considerado na inscrição matricial. Ou seja, onde o legislador considerou duas realidades, teria agora o intérprete, sem apoio no texto legislativo, tal como ocorre nas liquidações ora em crise, de ficcionar uma terceira realidade, híbrida, a meio caminho entre a totalidade do prédio urbano e cada uma das suas divisões independentes habitacionais. Divisões a que o legislador do IMI, e do IS por remissão para o CIMI, entendeu dar relevo tributário.
Também na decisão proferida no processo 272/2013-T (CAAD) se refere que “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo Imposto de Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”. Aliás, é ainda referido nessa mesma decisão que a posição da AT “não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de Imposto de Selo”, razão pela qual “a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.
E no mesmo sentido se refere na decisão arbitral do processo 30/2014-T (CAAD) encontrar-se na doutrina da AT uma “desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e por isso, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não tendo suporte legal a operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, de afectação habitacional, cindido do VPT dos demais com fins diferentes, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais”.
Como também se refere na decisão arbitral tomada no processo 30/2014-T (CAAD), o que acontece no que respeita aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é que a AT procede, nas operações de liquidação do IS, tal como procedeu no caso vertente, à adaptação das regras do CIMI (adicionando os valores patrimoniais tributários de um mesmo prédio, sem considerar os que correspondam a partes do prédio com fim não habitacional, dando assim lugar a um novo e híbrido VPT). Com efeito, essa “adaptação” corresponde a “somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais (cindido do VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afectação habitacional”, o que atenta “contra o elemento literal da norma de incidência” (incidência sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”). Assim, “nos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, deverá considerar-se o valor patrimonial tributário “que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS”.
Com efeito, no caso em apreço, teria de obter-se um inovador VPT, dado pelo somatório de algumas das divisões independentes, em concreto as 13 que se destinem a habitação, para atingir o valor mínimo exteriorizador de especial capacidade contributiva (ou, o que vai dar ao mesmo, subtrair ao VPT do prédio em propriedade vertical o VPT das divisões independentes não destinadas a habitação para confirmar que ainda assim se mantinha um VPT total igual ou superior a um milhão de euros). E, isto claro, sem qualquer apoio, como se verá, na letra ou na rácio da lei.
Concretizando, como se concluiu na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD, “para efeitos de aplicação da verba 28 do TGIS aos prédios em propriedade vertical, aplicam-se as mesmas regras do CIMI que ao prédios em propriedade horizontal, e no mesmo sentido o VPT para efeitos da aplicação da verba é o VPT individual de cada fracção independente habitacional, sendo que no presente caso nenhuma das fracções ultrapassa o critério de incidência de 1.000.000,00€”, tal como precisamente ocorren também no caso dos presentes autos.
Conclui-se assim, em síntese, como claramente decorre das decisões citadas, que a interpretação literal da nova verba da TGIS não poderá deixar de ser diversa da sustentada pela AT, aliás, a oposta, dada a clara e indiscutível remissão operada a propósito da nova verba da TGIS para as regras do CIMI, não podendo o interprete da norma “criar” um novo conceito de prédio para assim obter um VPT híbrido, nos casos de prédios com utilização habitacional e não habitacional, não reconhecido na matriz e sem qualquer apoio no texto da lei. O que deve valer também para prédios em propriedade vertical cujas divisões se destinem, todas, a fim habitacional e, por maioria ou identidade de razão para os prédios em que assim não suceda.
Substância económica
Mais, conforme bem se refere no Acórdão 117/2013 T do CAAD, "a interpretação exclusivamente baseada no teor literal .... não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». Sendo que para se verificar uma correspondência entre a interpretação e a letra da lei bastará «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa”.
E se olharmos agora para a substância económica dos factos tributários, em cumprimento do art. 11º, nº 3 da LGT, sem que para o efeito se adira a uma interpretação económica das normas de direito tributário, hoje condenada pela Doutrina (cfr. Impostos, Teoria Geral, Américo Fernando Brás Carlos, pág. 196, 2014, 4º ed. Almedina), teremos igualmente de reconhecer que a expressão “cada prédio urbano” usada no nº 7 do artigo 23º, por identidade de razões, abrange não apenas os prédios urbanos em propriedade horizontal, como também os andares, divisões ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre, em qualquer dos casos, de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (parte final da verba 28 da TGIS), como se concluiu na decisão arbitral do processo 177/2014-T (CAAD).
Ou, como se salienta na decisão proferida no processo 272/2014-T do CAAD, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio”, pelo que “para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização”.
Ou seja, releva a realidade económica da detenção de partes independentes, e.g. suscetíveis de utilização ou de arrendamento autónomos, tal como as frações autónomas no caso da propriedade horizontal, e portanto suscetíveis de permitir o uso ou a obtenção de rendimentos de modo similar e exteriorizando, por isso, igual capacidade contributiva (como o exteriorizaria o somatório do VPT de várias frações autónomas de um mesmo prédio em propriedade horizontal ou de vários prédios cujos VPT, no seu conjunto, superassem o valor de um milhão de euros, sem que tal tenha sido considerado pelo legislador como exteriorização de capacidade contributiva relevante para efeitos de IS).
Coesão do sistema
E se olharmos para a globalidade do sistema tributário não encontraremos indícios que venham infirmar a conclusão traçada até agora.
Como se refere no Acórdão proferido no processo 26/2014-T do CAAD, não se vislumbra qualquer censura do legislador à propriedade vertical. Com efeito, “dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património”. Aliás, como decorre de uma interpretação económica do facto, com prevalência da sua substância sobre a sua forma, como acima se viu. E se assim é em IMI, não se perceberia que assim não fosse, também, em Imposto do Selo, nomeadamente no caso da nova tributação sobre prédios (casas, melhor dizendo) “de luxo” (no sentido usado na Assembleia da República pelo então Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a seguir referido).
Com efeito, se o legislador é indiferente a uma ou outra forma de estruturação da propriedade de prédios urbanos no CIMI, não se perceberia que pretendesse agora favorecer uma em detrimento da outra, nomeadamente por considerar uma forma de estruturação mais avançada do que a outra. De facto, como se decidiu nos processos 26/2014-T e 272/2014-T do CAAD, “o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal”, razão pela qual “a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal“, pois “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”
Ou seja, continua a valer a interpretação literal inicialmente alcançada.
Intenção do legislador
E o certo é que também nada induz o intérprete à conclusão que o concreto legislador da nova verba da TGIS, contrariamente ao legislador do IMI, que aliás permanece inalterado, tenha pretendido discriminar a propriedade vertical face à horizontal. Como bem se relembra no Acórdão proferido no já referido processo 26/2014-T do CAAD, “aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (cfr. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32). Ora, como se salienta nesse Acórdão, “o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo sem tibiezas a expressão “casas”… de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, pelo que “resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba”. Isto porquanto, nesse caso, “nenhuma das “casas” … apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros””.
Sendo portanto claro, tal como se refere na referida decisão 272/2014-T, que para o legislador só aquele valor de um milhão de euros, desde que afeto “a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal”.
E se assim é, teremos então de atender ao conceito de “casa” enquanto realidade física que possibilita um fim habitacional, uma unidade suscetível de utilização independente, incluindo o seu arrendamento, pois é nessa realidade económica que encontraremos a exteriorização da capacidade contributiva associada a “habitações de luxo” que o legislador considerou relevante. Mais, se assim não fosse, procederia o legislador a uma discriminação que não se encontraria justificada, pois como já se viu também não se encontra no sistema uma censura da propriedade vertical quando comparada com a horizontal. Mais, essa distinção chocaria com uma necessária equidade entre idênticas exteriorizações de uma mesma capacidade contributiva.
Capacidade contributiva e interpretação conforme à Constituição
É seguro que o legislador fiscal está subordinado ao princípio da igualdade, o qual, como bem refere Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, págs. 249 e ss, 2011, Almedina), é mais do que um mero limite negativo e impõe algo mais do que a mera proibição do arbítrio, postulando antes uma repartição dos impostos de acordo com o critério da capacidade contributiva. Assim, o legislador terá de ancorar a tributação em elementos económicos razoáveis e não arbitrários, suscetíveis de justificar a pretensão tributária numa capacidade contributiva concretamente exteriorizada pelo sujeito passivo.
Deste modo é imperativo procurar no texto da nova verba uma leitura que dê cumprimento àqueles princípios. Ou, o que vale o mesmo, não retirar daquele texto um sentido que os viole.
Ora, as capacidades contributivas exteriorizadas pela propriedade de um prédio composto por um conjunto de frações autónomas em propriedade horizontal ou por um conjunto de divisões de utilização independente em regime de propriedade vertical, não podem deixar de ser consideradas idênticas, se não mesmo, eventualmente, menores no caso da segunda hipótese. Ou seja, um prédio não tem, seguramente, um valor de mercado maior por estar organizado como propriedade vertical. Vale o mesmo (permitindo igual benefício pelo seu uso ou igual rendimento por via do seu arrendamento, como acima se referiu), ou terá mesmo um valor menor, já que as alternativas de transmissibilidade serão eventualmente menores. E sabemos que o VPT pretende ser uma aproximação, precisamente, ao valor de mercado dos prédios e será, portanto, a medida e o limite da capacidade contributiva relevante para a nova verba da TGIS.
Assim, a interpretação pugnada pela AT, não encontrando justificação hermenêutica, conforme se viu até agora, conduziria ainda a uma manifesta desigualdade entre proprietários de imóveis em propriedade horizontal e em propriedade vertical (e também já se viu que não se vislumbra uma qualquer intenção penalizadora destes, mesmo que se admitisse que tal fosse constitucionalmente admissível). Nesse mesmo sentido, como bem se salienta na decisão do processo 272/2014-T do CAAD, a “existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material”.
Concluindo, “a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, visto que constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação” (como se refere na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD). E esse facto “não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efectivamente atribuído a cada parte”. Assim, “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal … e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”, como se disse pela criação ex novo de um conceito inovador e de um VPT híbrido, frequentemente correspondente a parte de um prédio.
Conclusão
Nestes termos, os atos tributários em crise enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, pois nenhuma das partes do referido prédio suscetíveis de utilização independente e destinadas a habitação possui um VPT de valor igual ou superior ao limiar decorrente da norma aplicada, o que torna os ditos atos tributários anuláveis (o que deve pois ser declarado).
Juros indemnizatórios
A Requerente solicita, igualmente, o pagamento de juros indemnizatórios, em virtude de terem sido pagas liquidações de imposto ilegais, por erro imputável aos serviços, nos termos do nº 1 do artigo 43.º da LGT. E de facto assim é, como decorre da anulação das liquidações de imposto objeto de (indevido) pagamento.
Com efeito, tem sido jurisprudência pacífica que verificada a ilegalidade da liquidação, se imputa sempre o erro aos serviços, do que decorre o dever de indemnizar o sujeito passivo com juros indemnizatórios contados deste a data de desembolso. Mais, no caso dos autos, como tem sido igualmente jurisprudência pacífica, não se vê como não imputar à AT o erro pela interpretação legislativa que ela própria criou.
É pois evidente serem devidos juros indemnizatórios nos termos referidos, contando-se os juros nos termos do art. 61º do CPPT, tendo presente as datas de pagamento das várias prestações de imposto.
Dispositivo
Em resultado do exposto, decide-se julgar integralmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular os atos de liquidação em crise, com fundamento em violação de lei, decorrente de erro nos pressupostos.
Assim, anulados os identificados atos de liquidação de IS, deve a Requerente ser reembolsada dos montantes de imposto indevidamente liquidados e pagos, acrescidos ainda de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde os correspondentes desembolsos.
Valor
Como referido acima as liquidações objeto do pedido e de anulação ascendem ao valor total de € 10 862,30 (dez mil, oitocentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), por ser este o valor do pedido e da utilidade económica deste e não o valor inicialmente indicado pela Requerente, o qual corresponde tão somente ao valor de uma das prestações do imposto.
É pois aquele e não este o valor da ação e do pedido.
Assim e de harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o dito valor de € 10 862,30.
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida.
Lisboa, 17 de maio de 2016
Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco, revisto e assinado pelo árbitro signatário.
O Árbitro
(Jaime Carvalho Esteves)