DECISÃO ARBITRAL
Partes
Requerente –A…, NF…, com domicílio na Rua…, nº … … …, … - … ….
Requerida – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
I. RELATÓRIO
a) Em 01-09-2015, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) A Requerente impugna a decisão proferida no âmbito do procedimento gracioso de recurso hierárquico nº … 2013 … deduzido contra a decisão adoptada no procedimento gracioso de reclamação graciosa nº … 2012…, que versam sobre a liquidação de IRS de 2010 nº 2012…, no valor de 136,64 euros;
c) Impugna ainda “a consequente liquidação de IRS efectuada ao seu marido B…, NF … com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros;
d) Entende que as liquidações oficiosas estão em desconformidade com a lei porquanto não teve em conta o estado civil de casado e não aplicou o quociente conjugal, sendo que a situação familiar consta do cadastro de contribuinte.
e) Insurge-se contra as “divergências” com base nas quais a AT rejeitou a declaração apresentada ao não aceitar que ao marido não tenha sido reconhecido o regime de contabilidade organizada pelo qual optou na data do início de actividade em 01.10.2009.
f) Termina pedindo a anulação das duas liquidações, e que sejam substituídas por outra que reflicta a declaração de rendimentos oportunamente apresentada, em conjunto, e pede ainda que os juros compensatórios que foram liquidados sejam, consequentemente, considerados “nulos”.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
g) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 21-09-2015.
h) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 19-11-2015. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
i) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 04-12-2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
j) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 04-12-2015 que aqui se dá por reproduzida.
k) Logo em 04-12-2015 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 19.01.2016 juntando o PA, composto por 1 ficheiro informatizado com 25 folhas e 25 laudas escritas.
l) Na notificação referida no inciso anterior, uma vez que a Requerente arrolou testemunhas, foram convidadas as partes: “A Requerida a pronunciar-se, na resposta ao pedido de pronúncia, sobre esta matéria específica, indicando, se o entender, prova testemunhal. A Requerente a indicar, no prazo de 10 dias contados sobre a data em que lhe vier a ser notificada a Resposta da AT, se mantém o pedido de audição de testemunhas e, em caso afirmativo, expressar, por referência aos artigos de peças processuais, a matéria a que prestam os depoimentos”.
m) A AT veio na parte final da resposta propugnar que no caso não era admissível prova testemunhal e a serem ouvidas tal redundaria em acto inútil. A Requerente nada referiu no prazo que lhe foi conferido, pelo que foi considerado o desinteresse na produção de prova testemunhal e indeferida a sua produção por despacho de 09.02.2015.
n) No despacho referido no inciso anterior foi dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT “a menos que qualquer uma das partes venha indicar que dela não prescinde, no prazo de 5 dias”. O processo prosseguiu com alegações escritas, facultativas e sucessivas, por um período de 10 dias para cada parte.
o) Mais uma vez a Requerente não veio apresentar alegações. Nem a AT apresentou contra-alegações, no prazo fixado.
p) Uma vez que na resposta a AT levantou factos impeditivos da procedência do pedido deduzido pela Requerente e colocou em causa o valor da utilidade económica conferido ao processo, por despacho de 14.03.2016 foi a Requerente convidada a pronunciar-se em 10 dias, “sobre a matéria da excepção aduzida pela AT e sobre a fixação do valor da utilidade económica”.
q) Entretanto em 21.03.2016 a Requerida manifestou “…que mantém interesse em exercer a inalienável prerrogativa processual de, e após a Requerente, se pronunciar”.
r) Por despacho de 28.03.2016 o TAS convidou ainda as partes a tomar posição sobre a relevância do documento de folhas 5 do PA (acto interlocutório imediatamente lesivo).
s) Em 06.04.2016 a Requerente veio tomar posição face à alegada ilegitimidade activa para impugnar a liquidação de IRS do seu marido B…, NF … com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros. Pronunciou-se ainda sobre a tempestividade e impugnabilidade desta liquidação e sobre a relevância do documento de folhas 5 do PA.
t) Também em 06.04.2016 a Requerente juntou ao processo o teor do pedido de recurso hierárquico que apresentou contra a liquidação oficiosa de IRS que lhe foi notificada em separado e contra a liquidação de IRS que foi notificada ao seu marido B…, também em separado.
u) A Requerida, em 22.04.2016, contra-respondeu pugnando pela manutenção do que já havia referido na resposta ao pedido de pronúncia.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
a) Legitimidade, capacidade e representação – Quanto a A… verifica-se que goza de personalidade jurídica, capacidade judiciária, é parte legítima e está representada (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Quanto à ao pedido visando anular a liquidação de IRS 2012 … notificada a B…, NF … considera-se que a Requerente é parte legítima nos termos da decisão que abaixo se adopta.
b) Contraditório - A Requerida foi notificada nos termos do inciso k) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Foi cumprido especificamente o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC ex vi artigo 29º-1-e) do RJAT quanto à matéria da excepção aduzida pela AT.
c) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral quanto a Anão padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
Com efeito, a própria AT não colocou em causa, quanto à liquidação oficiosa de IRS notificada à Requerente, a contagem implícita do prazo para impugnação que foi levado à prática, tendo-o feito quanto a B…, aceitando, todavia, que o conteúdo da reclamação graciosa deduzida e o sequente recurso hierárquico comportava “a … liquidação de IRS efectuada ao marido da recorrente, B… liquidação essa com o número 2012…”. Quanto ao pedido de pronúncia que tem em vista anular a liquidação de IRS 2012 … notificada a B…, NF…, considera-se o mesmo tempestivo, nos termos da decisão que abaixo se adopta.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
d) A Requerente propugna no sentido de que as liquidações efectuadas foram feitas oficiosamente “por alegadamente não ter sido entregue a respectiva declaração de rendimentos referente ao ano de 2010”, o que reputa ser inverdade posto que decisão sobre o recurso hierárquico a AT refere que a recorrente: “… e o seu marido B…, NF…, submeteram em 2011/06/01 por transmissão electrónica, a declaração de rendimentos Modelo 3 acompanhada dos Anexos A, C e E”.
e) Propugna no sentido de que a obrigação declarativa do artigo 57º do Código do IRS se esgota com a sua submissão, porque a validação é só dependente da AT e que caso existam divergências a AT deve promover o convite à sua correcção mas não promover a alteração oficiosa da declaração.
f) Entende que as liquidações oficiosas são desconformes com a lei porquanto não tiveram em conta o estado civil de casado e não se aplicou o quociente conjugal, sendo que a situação familiar consta do cadastro de contribuinte.
g) Optou por não substituir a declaração de IRS apresentada em conjunto com o marido, face à notificação que lhe foi feita para o fazer, por subscrever integralmente o seu teor.
h) Expressa que o marido B… iniciou a sua actividade 01.10.2009 tendo aí optado pelo regime de contabilidade organizada, pelo que em face do período mínimo de permanência de 3 anos (nº 5 do artigo 28º do Código do IRS) não lhe poderia ter sido recusada a declaração com o fundamento de que o seu regime era o simplificado no ano de 2010.
i) Que tentou inclusive até 31.03.2012 voltar a optar pelo regime de contabilidade organizada, o que o sistema informático da AT lhe não permitiu.
j) Assaca às liquidações oficiosas em causa o vício de falta de fundamentação.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
k) Contrapõe a Requerida invocando a excepção de ilegitimidade activa da Requerente quanto à impugnação da liquidação de IRS do seu marido B…, pedindo a absolvição da instância.
l) Quanto à liquidação de IRS efectuada ao marido da Requerente, com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros, invoca ainda a intempestividade quanto à apresentação do pedido de pronúncia, uma vez que se trata de acto de liquidação de 29.10.2012, com limite de pagamento até 12.12.2012.
m) Coloca ainda em causa o valor da causa em consequência da impetrada procedência das excepções aduzidas.
n) Reafirma que a Requerente e o marido entregaram a declaração de IRS de 2010 em 01-06-2011 com os anexos A, C e E, mas o sistema informático considerou existir erros centrais, porque não aceitou a opção de contabilidade organizada.
o) Invoca o regime da alínea d) do artigo 7º da Portaria 159/2003, de 18.02 segundo a qual a declaração é considerada sem efeito se não forem corrigidos os erros no prazo de 30 dias, para justificar a notificação que veio a ser feita em 07.10.2011, com a cominação caso não seja apresentada nova declaração, das alíneas b) e c) do nº 1 e nº 2 e 3 do artigo 76º do Código do IRS.
p) Quanto ao enquadramento no regime simplificado a AT refere que a opção tomada na data da inscrição – de contabilidade organizada – valeu apenas para 2009 uma vez que indicou um volume de negócios de 102 000,00 euros. Já quanto a 2010, porque em 2009 apenas obteve 9 632,01 euros de rendimentos, passou a estar enquadrado no regime simplificado uma vez que não optou até ao mês de Março de 2010 pelo regime de contabilidade organizada.
q) Entende que os actos tributários sob escrutínio estão devidamente fundamentados nos termos do nº 2 do artigo 77º da LGT, invocando que os contribuintes tinham total conhecimento de que não apresentando a declaração Modelo 3, depois de notificados nos termos do nº 3 do artigo 76º do Código do IRS, a liquidação seria feita com base nos elementos de que dispunha.
r) Termina pugnando pela procedência das excepções e pela absolvição dos pedidos.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
A primeira questão a dirimir será a relativa à excepção de ilegitimidade activa da Requerente quanto à impugnação da liquidação de IRS do seu marido B… e quanto à excepção de intempestividade desta liquidação, com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros.
A segunda questão a dirimir tem a ver com o apuramento sobre se a decisão proferida no âmbito do procedimento gracioso de recurso hierárquico nº … 2013 … deduzido pela Requerente contra a decisão adoptada no procedimento gracioso de reclamação graciosa nº … 2012…, que versam sobre a liquidação de IRS de 2010 nº 2012…, no valor de 136,64 euros, “e a consequente liquidação do IRS efectuada ao marido da Requerente, B…, NF…, com o número 2012…” no valor de 39 002,96 euros, enferma de alguma ilegalidade.
Por último cumpre apreciar a questão colocada pela AT da fixação do valor da utilidade económica, caso proceda uma das excepções acima referidas.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1) A Requerente e o contribuinte B…, seu marido, submeteram a 01-06-2011 por transmissão electrónica, declaração de rendimentos Modelo 3 acompanhada pelos anexos A, C e E – artigo 10º do pedido de pronúncia, artigo 25º da resposta e folhas 15 do PA.
2) A declaração ficou com ''erros centrais", uma vez que se verificou haver incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro (código C70) – artigo 26 da resposta e folhas 15 do PA.
3) Quanto ao Código C70 referido na alínea anterior, consta em http://www.portaldasfinancas.gov.pt/de/ajuda/DGCI/FAQED3.htm, o seguinte: “Incompatibilidade entre o anexo entregue e o volume de vendas ou opção em cadastro - corrija o valor do volume de vendas ou actualize a situação cadastral”.
4) Situação que não foi corrigida no prazo de 30 dias, previsto na alínea d) do artigo 7.º da Portaria n° 159/2003, de 18 de Fevereiro – artigo 27º da resposta e folhas 15 do PA.
5) O sujeito passivo B…, NF…, entregou uma declaração de reinício de actividade em 01-10-2009, na qual indicou um volume de negócios estimado de € 102.000,00 para o ano de 2009, tendo aí optado pelo regime de contabilidade organizada – artigos 31º e 32º da resposta, artigo 48º do pedido de pronúncia e folhas 15 do PA.
6) Através de notificação datada de 07.10.2011 e quanto ao IRS de 2010, a AT notificou a Requerente que não constava na base de dados a declaração Modelo 3, convidando-a a regularizar a situação por entrega da declaração nos termos do nº 3 do artigo 76º do Código do IRS ou para “se pretender prestar qualquer esclarecimento poderá fazê-lo através do site seleccionando opções-consultar-declarações-IRS-consultar-divergências ou responder ao questionário junto e remetê-lo por correio ou entregá-lo directamente no SF de Loures-…” – folhas 5 do PA, artigo 52º do pedido de pronúncia, parte final do artigo 29º da Resposta e folhas 15 do PA.
7) Na notificação referida no número anterior consta ainda: “Caso não proceda à entrega da declaração no prazo acima referido, ou não faça prova da sua entrega ou de que não se encontra obrigado à sua apresentação, proceder-se-á à liquidação nos termos da alínea b) e c) do nº 1 e nºs 2 e 3 do artigo 76º do Código do IRS, como não casado, salvo se comunicar, no referido prazo, o NF do seu cônjuge” - folhas 5 do PA.
8) A Requerente e seu marido optaram por não substituir a declaração referida em 1) por subscreverem integralmente o seu teor – artigo 16º do pedido de pronúncia.
9) A Requerente foi notificada, em data não apurada, da nota de cobrança 2012…, sob registo dos CTT RY… PT no valor de 136,64 euros, relativa a uma liquidação oficiosa de IRS o ano de 2010 – Documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia.
10) A Requerente apresentou em 28.01.2013 uma reclamação graciosa, não junta a este processo, contra a liquidação referida na alínea anterior, cujo conteúdo corresponde ao do recurso hierárquico referido na alínea seguinte, tendo sido indeferida por despacho de 28.06.2013 do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da DFL, que lhe foi notificado pelo ofício … de 02.07.2013 – Documento nº 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia e folhas 14 do PA no que diz respeito ao conteúdo da reclamação graciosa, que se diz foi “reiterado” no recurso hierárquico.
11) A Requerente apresentou em 02.08.2013 um recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento referido na alínea anterior, expressando no seu ponto 1: “constitui objecto do presente recurso hierárquico a decisão proferida no âmbito do processo reclamação graciosa nº …2012…, que tem por objecto a liquidação de IRS número 2012…, referente ao ano de 2010, efectuada à recorrente e a consequente liquidação de IRS efectuada ao marido da recorrente, B…, NF…, liquidação essa com o nº 2012…” tendo sido indeferido por despacho de 20.03.2015 do Chefe de Divisão de Divisão de Administração da DSIRS, que lhe foi notificado pelo ofício … de 20.04.2015 – Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia e ponto 1 do documento em anexo ao requerimento da Requerente de 06.04.2016.
12) Foi efectuada a liquidação oficiosa de IRS de 2010 a B…, NF … com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros, com data de 29.10.2012 e com data limite de pagamento de 12.12.2012 – Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia.
13) Na declaração de IRS de 2009, anexo C, B…, declarou o valor de 9 632,01 euros – artigo 43º da resposta e não contestação da Requerente no requerimento de 06.04.2016 (admissão de facto por acordo).
14) B… tentou em data não determinada voltar a optar, antes de 31.03.2012 pelo regime de contabilidade organizada, mas o sistema informático da AT não o permitiu – artigo 65º do pedido de pronúncia e posição global da AT que considera que a lei não permite ao contribuinte optar, no registo de início de actividade pelo regime de contabilidade organizada, mantendo-o por 3 anos, independentemente do volume de negócios.
15) Em 01-09-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
As questões a abordar serão as referidas no ponto II supra.
Centrando a Requerente o seu dissídio na circunstância da AT ter desconsiderado o regime de contabilidade organizada, pelo qual optou B…, NF…, marido da Requerente, quando entregou a declaração de reinício de actividade em 01-10-2009, o certo é que a apreciação desta situação pelo TAS está dependente da eventual improcedência da excepção de ilegitimidade e ainda da excepção de intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia na parte relativa ao seu marido.
Procedendo alguma das excepções, não poderá o Tribunal decidir sobre esta questão, sendo certo que se configura claro que “o regime simplificado de tributação (artigo 28º do Código do IRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada” – Acórdão do STA de 04-11-2015, processo 0877, em www.dgsi.pt.
E, diga-se desde já que tanto se nos afigura ser “opção” do contribuinte a feita na altura da entrega da sua declaração de inscrição no cadastro, como o será a feita posteriormente. É, aliás, o que se configura ser claro face à literalidade do modelo em papel em vigor desde 2013 (e certamente antes) conforme o teor do quadro 10 respectivo, partindo do princípio que os modelos de impressos e declarações corporizam a leitura da lei levada à prática pela AT e que esta considera ser a mais assertiva (que se pode consultar no seu sítio da internet).
Quanto à excepção de ilegitimidade activa da Requerente para impugnar a liquidação oficiosa de IRS do seu marido B… com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros.
Nos artigos 6º a 8º da resposta a Requerida alega que a Requerente é parte ilegítima quanto à impugnação da liquidação n.º 2012…, que foi emitida em nome de B…, pela razão de não ter efectuado nos autos a prova do agregado familiar.
No entanto, o acto que está em escrutínio é a decisão de indeferimento do recurso hierárquico a que se refere a alínea 11) dos factos provados.
E o objecto material do pedido feito pela Requerente em sede de recurso hierárquico foi textualmente o seguinte: “constitui objecto do presente recurso hierárquico a decisão proferida no âmbito do processo reclamação graciosa nº …2012…, que tem por objecto a liquidação de IRS número 2012…, referente ao ano de 2010, efectuada à recorrente e a consequente liquidação de IRS efectuada ao marido da recorrente, B…, NF…, liquidação essa com o nº 2012…” (sublinhado nosso).
A Requerida apreciou nos pontos 10 a 14 da decisão sob escrutínio, a questão de fundo suscitada pela Requerente em sede de recurso hierárquico, ou seja, a questão que obstou à não-aceitação da declaração Modelo 3 apresentada pela Requerente e pelo seu marido, em conjunto (o enquadramento no regime simplificado dos rendimentos da categoria C no triénio de 2010 a 2012). Ou seja, não colocou em causa, em sede de procedimentos graciosos (reclamação e recurso) a legitimidade da Requerente em questionar a própria liquidação oficiosa de IRS feita em separado ao seu marido.
A Requerente veio em sede de pedido de pronúncia arbitral discutir nos mesmos termos que discutiu nos procedimentos graciosos o tema objecto de dissídio. Com a mesma amplitude e a mesma literalidade.
Muito embora o marido da Requerente, B…, NF…, tenha ainda encetado na AT, conforme consta a folhas 10 do PA, procedimentos graciosos em separado: “… o seu cônjuge contribuinte…, apresentou em separado, reclamação graciosa nº … 2013 … … relativa ao mesmo imposto e mesmo ano”, na verdade a aqui Requerente fez englobar nos seus procedimentos (reclamação graciosa e recurso hierárquico) a discussão sobre a legalidade da liquidação feita, em separado, ao próprio marido.
Poderia tê-lo feito?
Afigura-se-nos que sim. Em primeiro lugar é a Requerida que não colocou esse desiderato em causa nos procedimentos graciosos, como se vislumbra dos factos provados (vidé ainda o segundo item do ponto V – folhas 10 do PA e nº 4 do ponto B - folhas 14 do PA). Em segundo lugar essa possibilidade resulta de lei expressa: os nºs 5 e 6º do artigo 16º da LGT.
O conhecimento (e a falta de oposição à defesa dos seus interesses) de B…, marido da Requerente, quanto à liquidação de IRS que esta impugna e impugnou na fase graciosa, configura-se como sendo um facto notório, uma vez que a nota de liquidação oficiosa do IRS respectiva foi junta a este processo. Recebeu o marido da aqui Requerente, necessariamente, a notificação de liquidação do IRS e facultou-a ao cônjuge para que este agisse em conformidade, sendo certo que o conhecimento e ausência de oposição expressa se presumem até prova em contrário (nº 6 do artigo 16º da LGT).
E quanto à prova do agregado familiar?
No discurso lógico usado em sede de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e em sede de decisão de indeferimento de recurso hierárquico, só se questiona que a Requerente e B…, não constituem um agregado familiar, tendo em conta que a questão de fundo em dissídio é a não aceitou da declaração conjunta de Modelo 3 do IRS, porque a AT entende que ambos não podiam entregá-la, quanto aos rendimentos da categoria C auferidos por B…, no regime da contabilidade organizada, posto que o teriam que fazer no regime simplificado. Daí a inconsideração da declaração conjunta apresentada e a exigência de apresentação de declaração com a correcção do que denomina ser “erro central C70”, que os contribuintes não aceitam (alínea 8) dos factos provados).
No fundo a AT aceita que ambos, a Requerente e B…, são factualmente marido e mulher, como resulta da matéria dada como provada (alínea 1) dos factos provados). Só não aceita esse desiderato por via da aplicação do regime de liquidação oficiosa de IRS na dinâmica atrás referida de produção de uma liquidação oficiosa. O fulcro do dissídio está centrado em momento anterior ao da liquidação oficiosa.
Por outro lado, a Requerida não questionou, quer em sede de procedimentos graciosos, quer em sede deste processo, que ambos os contribuintes não sejam, de facto, marido e mulher e que tal facto não conste no cadastro dos contribuintes.
Temos, pois, por adquirido que resulta suficientemente demonstrado que a Requerente e B…, são esposa e marido e que tal consta do cadastro fiscal dos contribuintes, à data dos factos aqui em discussão.
“Constitui jurisprudência corrente a doutrina de que a legitimidade é um problema da posição das partes perante a relação jurídica material controvertida, e não da procedência do pedido” (acórdão do STJ de 03.04.76, de 06.06.75, de 25.11.72 e de 11.06.69 em BMJ 256).
“A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo” – Castro Mendes, Manual de Processo Civil, página 251.
Nos termos expostos, face ao conteúdo do pedido feito pela Requerente em sede de recurso hierárquico, aqui em escrutínio (e da correlativa decisão de indeferimento da AT que apreciou substancialmente a questão de fundo relativa a B…) e tendo em conta o disposto no artigo 26º do CPC (ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT) entende o TAS que a Requerente é parte legítima para impugnar a liquidação oficiosa de IRS, notificada ao seu marido B… com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros.
Quanto à excepção de intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia relativo à liquidação de IRS efectuada ao marido da Requerente, com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros.
A resposta a esta questão está intimamente ligada à questão anterior.
Como se referiu, muito embora B…, marido da Requerente, tenha apresentado procedimentos graciosos separados visando a anulação da liquidação oficiosa de IRS com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros, (procedimentos cujos conteúdos as partes não trouxeram a este processo) a verdade é que a Requerente incluiu no thema decidendum da reclamação graciosa e do recurso hierárquico relativos à liquidação do IRS que lhe foi imputado em separado, a apreciação da legalidade da liquidação de IRS debitado, também em separado, ao seu cônjuge.
E a Requerida não só não colocou em causa, naquela oportunidade, a regularidade procedimental desta cumulação de pedidos, como apreciou a concreta questão de fundo que obstou à não-aceitação da declaração de IRS apresentada em conjunto pelos contribuintes: a questão da inconsideração – em 2010 - da opção feita pelo regime de contabilidade organizada na data da sua inscrição no cadastro de contribuinte em 2009, quanto aos rendimentos da categoria C de B… .
O acto que aqui está em escrutínio é a decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, expressa em 11) da matéria assente, uma vez que, segundo as partes, o conteúdo da reclamação graciosa (que não foi junta aos autos) condiz com o do daquele recurso.
Esse recurso hierárquico não tinha, pelo descrito, como “único e exclusivo” objectivo (conforme se refere no artigo 12º da Resposta da AT) atacar o acto de liquidação de IRS 2012 … de 136,64 euros.
Assim sendo, o prazo para a Requerente reagir, no CAAD, terá que contar-se desde a notificação da decisão a que se alude em 11) da matéria assente. Cuja contagem, nem a própria Requerida colocou em crise, na parte relativa à tempestividade do pedido pronúncia arbitral da Requerente e no que concerne à liquidação oficiosa de IRS que lhe foi notificada, em separado.
Nesta conformidade, só pode improceder a alegada excepção de intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia quanto à liquidação oficiosa de IRS efectuada ao marido da Requerente, com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros, uma vez que na decisão aqui em escrutínio, aquela liquidação integrou o thema decidendum, com base num pedido expresso da Requerente (alínea 11) da matéria assente) que a AT, na altura própria, não questionou, em termos de regularidade procedimental.
Fica consequentemente prejudicada a apreciação da fixação do valor da utilidade económica, mantendo-se o valor indicado pela Requerente, que corresponde à soma das colectas das duas liquidações oficiosas de IRS feitas em separado aos contribuintes.
A decisão proferida no âmbito do procedimento gracioso de recurso hierárquico nº … 2013 …deduzido pela Requerente contra a decisão adoptada no procedimento gracioso de reclamação graciosa nº … 2012 …, que versam sobre a liquidação de IRS de 2010 nº 2012…, no valor de 136,64 euros e sobre a consequente liquidação de IRS efectuada ao marido da recorrente, B…, NF…, liquidação essa com o nº 2012…, no valor de 39 002,96 euros, enferma de alguma ilegalidade?
A Requerida fundamenta o seu raciocínio, para justificar a inconsideração da declaração de IRS (erro com o código C70), conforme artigos 41º e 42º da oposição, no facto de B… quando apresentou a declaração de reinício de actividade 01-10-2009, ter indicado um volume de negócios – categoria C de rendimentos - estimado de € 102.000,00 para o ano de 2009, tendo aí optado pelo regime de contabilidade organizada, o que estava de acordo com a redacção do artigo 28º-2 do Código do IRS (alínea 5) dos factos provados). E só veio a declarar, em 2009, 9 632,01 euros, muito abaixo do valor estimado.
Alega que aquele limite de 102 000,00 euros foi alterado pela Lei 3-B/2010, de 28.04 (Lei do OE para 2010), passando a ser de 150 000,00 euros (actualmente 200 000,00 euros desde Janeiro de 2014).
O TAS não pode decidir que não seja segundo o “direito constituído”.
Em primeiro lugar a alteração de limite (a vigorar a partir da data da aplicação da alteração, ou seja, para o futuro) não vemos como possa afectar a opção pelo regime de contabilidade organizada feita, em momento anterior, em 2009, (já consolidada na ordem jurídica), pelo contribuinte, mesmo tendo em conta a regra transitória do artigo 91º da Lei do OE para 2010.
Em segundo lugar há que constatar que existe uma linha jurisprudencial orientadora que parece ser muito clara (usando a expressão do STA) aplicável ao caso “o regime simplificado de tributação (artigo 28º do Código do IRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada” – Acórdão do STA de 04-11-2015, processo 0877, em www.dgsi.pt.
Várias decisões do STA foram adoptadas na mesma lógica, v.g.: (em www.dgsi.pt):
1. Acórdão STA de 14-01-2015, processo 0671/14 – 2º Secção, Relator Sr. Conselheiro Aragão Seia;
2. Acórdão STA de 12-03-2014, processo 0736/13 – 2ª Secção, Relatora Srª Conselheira Ascensão Lopes;
3. Acórdão STA de17-03-2010, processo 056/10 – 2ª Secção, Relator Sr. Conselheiro Valente Torrão;
4. Acórdão STA de 13-06-2010, processo 1032/09 – 2ª Secção, Relatora Srª Conselheira Dulce Neto.
Ou seja, parece que, para além do volume de negócios estimado ou realizado (expresso na declaração aquando da opção pelo regime de contabilidade organizada), as entidades a quem se aplica o regime do artigo 28º do Código do IRS (formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais), mantêm sempre o regime regra pelo qual optaram de determinação dos rendimentos segundo a contabilidade organizada.
Uma vez feita esta opção, seja ela adoptada no registo do início ou reinício da actividade – vidé o teor do modelo de impresso usado pela AT – seja após esse início ou reinício de actividade (alíneas a) e b) do nº 4 do Código do IRS), neste caso desde que o contribuinte tenha permanecido no regime anterior pelo menos 3 anos, mantém-se para o futuro, renovando-se automaticamente por períodos de 3 anos, até que o contribuinte venha expressamente e, desde que cumpra os demais requisitos legais, alterar essa opção.
Por despacho do TAS de 28.03.2016, foram as partes notificadas para tomarem posição nos requerimentos que viessem a apresentar, sobre a relevância do documento que constitui folha 5 do PA (alíneas 6) e 7) dos factos assentes).
Tendo em conta o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 419/2015, de 19.11 (DR 2ª Série nº 227 de 19.11.2015) a possibilidade imediata dos contribuintes atacarem esse acto da Requerida que lhes nega a opção que tomaram em sede de apresentação da declaração de IRS de 2010, sendo, por conseguinte, imediatamente lesivo, constitui uma faculdade que não impede que em sede de impugnação do acto final, a liquidação, possam questionar a sua ilegalidade.
Nos termos expostos, não pode deixar de proceder o pedido de pronúncia, uma vez que a decisão adoptada em sede de recurso hierárquico, aqui em discussão, não está em conformidade com as normas contidas no artigo 28º - 1 – 3 – 4 – 5 – 10 do Código do IRS, na leitura que resulta da decisão do STA acima indicada, ficando prejudicada a apreciação da alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação oficiosa do IRS.
Juros compensatórios
A Requerente pede a anulação dos juros compensatórios. No entanto não juntou ao processo qualquer nota de liquidação destes juros.
Nos termos do Artigo 100º da LGT “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.”
Assim, caso exista execução fiscal, a mesma deve ser extinta (artigo 205º da CRP e artigos 176º-1-b) e 270º-1, ambos do CPPT) quanto à dívida exequenda e quanto aos juros compensatórios, uma vez que não se verificam os pressupostos do artigo 44º da LGT e do artigo 86º-1 do CPPT, tendo em conta a anulação da liquidação que lhes serviria de fundamento.
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:
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Anula-se a decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico nº … 2013 … deduzido contra a decisão adoptada na reclamação graciosa nº … 2012…;
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Consequentemente anulam-se: a liquidação oficiosa de IRS de 2010 nº 2012 …, efectuada à Requerente, no valor de 136,64 euros e a liquidação oficiosa de IRS efectuada a B…, NF … com o nº 2012…”, no valor de 39 002,96 euros, por estarem em desconformidade com normas contidas no artigo 28º nºs 1, 3, 4, 5 e 10 do Código do IRS (na leitura da lei que acima se propugna);
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Devendo a liquidação do IRS de 2010 efectivar-se nos termos que resultarem da declaração de Modelo 3 apresentada, em conjunto, pelos sujeitos passivos.
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Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 39 139,60 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 02 de Maio de 2016
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.