Decisão Arbitral[1]
O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.
1. Relatório
1.1. Identificação das partes e constituição do tribunal arbitral
A…, com o número de identificação fiscal…, residente na Rua…, …, …, Cascais, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º-1-a e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 29-07-2015 e foi notificado à AT em 31-08-2015.
Nos termos em que dispõem as normas do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 13-10-2015. Em conformidade com a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 28-10-2015.
Em 28-04-2016 este tribunal arbitral prorrogou o prazo para emissão e notificação às partes da decisão arbitral em 10 dias, nos termos do artigo 21º-2 do RJAT.
1.2. Identificação dos atos impugnados, síntese da pretensão do Requerente, seus fundamentos e vícios imputados aos atos
Nestes autos o Requerente peticiona a declaração da ilegalidade e a consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2014, efetuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS. O Requerente pede ainda o reembolso pela AT do valor pago a título de imposto e o pagamento de juros indemnizatórios.
Para basear o seu pedido principal o Requerente afirma que foi notificado dos atos de liquidação relativos ao seu prédio urbano que tem como afetação a habitação e o valor patrimonial de 1.369.670,00 € e está inscrito na matriz sob o artigo … da União das Freguesias de … e … no concelho de Cascais. Os atos de liquidação referidos têm o nº 2015…, o nº 2015… e o nº 2015…, e tinham, respetivamente, data limite de pagamento em abril, julho e novembro de 2015, totalizando os três o valor de 13.696,70 €.
Em termos jurídicos o Requerente sustenta que a aplicação das normas de incidência utilizadas, designadamente o artigo 1º-1 do CIS em conjugação com a verba 28.1 da TGIS é ilegal, por violar os princípios e regras constitucionais da igualdade (13º CRP), da capacidade contributiva (104º-3 CRP), da igualdade fiscal e da proibição da dupla tributação. Na tese do Requerente as liquidações padecem assim do vício de violação de lei (constitucional).
O Requerente ancora o seu pedido de juros indemnizatórios nas normas da LGT, nomeadamente dos seus artigos 43º e 100º e do artigo 24º-5 do RJAT.
1.3. Síntese da posição da AT
A AT apresentou a sua Resposta e defendeu que a aplicação feita das normas do CIS e da TGIS respeita os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e não infringe de modo relevante o princípio da proibição de dupla tributação.
A AT sustentou também que não cabendo nas suas funções, legalmente definidas, indagar a constitucionalidade das leis, atuou de acordo com os comandos normativos em vigor, não lhe sendo por isso imputável qualquer erro pelo que a norma do artigo 43º-1 da LGT não é aplicável.
Conclui defendendo a sua absolvição.
2. Saneamento
2.1. Instrução do processo e alegações
A AT solicitou a dispensa da realização da 1ª reunião do tribunal arbitral com as partes bem como da produção de alegações (67.º R-AT) e o Requerente, convidado a pronunciar-se, manifestou a sua anuência. Não tendo sido requerida a produção de prova adicional à documental que foi junta aos autos e encontrando-se a causa debatida nos requerimentos das Partes, o tribunal considera inútil a realização da citada reunião e desnecessária a produção de alegações.
2.2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.
Não há nulidades que inquinem o processo.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.
3. Decisão
3.1. Matéria de facto
3.1.1. Factos que se consideram provados
Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:
A. Encontra-se inscrito na matriz a favor do Requerente pelo artigo …da União das Freguesias de … e…, concelho de Cascais, o prédio urbano em propriedade total, sem suscetibilidade de utilização independente de andares ou divisões, com o valor patrimonial atual de 1.369.670,00 €, determinado em 2013 [9º e 10º RI; doc. 4].
B. O Requerente recebeu do serviço de Finanças de Cascais –…as seguintes 3 liquidações referentes ao ano de imposto 2014, relativas ao prédio identificado em A) e respeitantes à “verba 28.1 da TGIS”, com a coleta de 13.696,70€ [11º e 12º RI: docs. 1, 2 e 3]
Prestação
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Valor a pagar
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Data limite de pagamento
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1ª prestação
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4.565,58 €
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Abril/2015
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2ª prestação
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4.565,56 €
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Julho/2015
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3ª prestação
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4.565,56 €
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Novembro/2015
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C. As liquidações correspondentes à 1ª prestação e à 2ª prestação foram pagas até às datas limite respetivas [15ºRI: docs. 5 e 6].
3.1.2. Factos que se consideram não provados
Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da matéria de facto provada
A convicção do Tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada.
3.2. Matéria de direito
3.2.1. Questão de fundo: A recusa da aplicação da verba 28.1 da TGIS
A questão de fundo a apreciar nestes autos consiste em determinar se, com base na norma do artigo 204º da CRP, deve ser recusada a aplicação da verba 28.1 da TGIS que estabelece a aplicação da taxa de 1% de IS sobre a propriedade de prédios urbanos para habitação, cujo valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a € 1 000 000, por esta regra estar desconforme com o princípio da igualdade previsto na CRP. Concluindo-se pela não aplicação da norma tributária haverá consequentemente que declarar a invalidade da liquidação impugnada.
O Requerente sustenta que a aplicação da verba 28.1 da TGIS que conduziu à liquidação impugnada “contraria de forma manifesta e intolerável os princípios basilares de Direito, atentando contra o princípio da igualdade”. Entende que o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP, que contém a proibição de discriminação, encontra expressão particular no princípio da igualdade fiscal que impõe que todos os cidadãos sejam chamados ao seu dever de pagar impostos de acordo com o mesmo critério de aferição, que por disposição constitucional é a capacidade contributiva. Esta, por sua vez, impõe que seja aplicada tributação análoga a contribuintes com semelhante capacidade contributiva. Não obstante, o Requerente crê que a capacidade contributiva não deve ser aferida relativamente a determinado imposto em concreto mas relativamente à carga tributária que o contribuinte suporta, devendo a expressão global desta atingir igualmente contribuintes com capacidade semelhante (35º RI). Na tese que defende, o Requerente afirma que a avaliação da capacidade contributiva para aplicação concreta da verba 28.1 da TGIS, não obedece afinal ao princípio da igualdade, pois apenas considerou como elemento de determinação daquela capacidade a titularidade de imóveis destinados à habitação, excluindo arbitrariamente do “âmbito de tributação todo o restante património de elevado (ou muito elevado) valor que se encontre afeto ou destinado a outros fins”. Conclui assim que ficam discriminados os titulares de determinado tipo de património, que passam a suportar imposto que não incide sobre os imóveis de diferente natureza, ainda que tenha valor acima do limiar definido ou que, mesmo sendo titulares de imóveis do mesmo tipo, não sejam alvo de tributação porque este está dividido de modo a que o VPT de cada elemento se situe abaixo do respetivo limite inferior, embora o valor do conjunto seja até mais valioso do que esse limite.
O Requerente considera também que preceito em causa viola o princípio da igualdade, na sua modalidade de proibição da dupla tributação do mesmo facto tributário, entendendo que através da verba 28.1 é tributada a titularidade de um direito real sobre um imóvel, o que já acontece com o IMI, que incide afinal sobre o mesmo facto.
Sintetizando a posição do Requerente, as desconformidades que este afirma existirem, entre a norma tributária e o texto constitucional, que justificam a respetiva desaplicação, são (i) o modo pelo qual é aferida a capacidade contributiva que é arbitrário e violador do princípio da igualdade; (ii) o desrespeito pela proibição da dupla tributação do mesmo facto tributário, que viola o princípio da igualdade.
Para bem entender a tese do requerente importa primeiramente determinar o que é afinal a capacidade contributiva, que papel lhe é atribuído no quadro constitucional e se para ela são fixados parâmetros, que valor ou expressão é que estes assumem.
Seguindo Brás Carlos e tomando como ponto de partida o princípio da igualdade, crê-se que “a igualdade tributária atende ao sacrifício patrimonial resultante do imposto e à respetiva capacidade contributiva dos particulares”[2]. Pode pois retirar-se desta afirmação que a capacidade contributiva é o parâmetro pela qual se afere se a tributação se compreende dentro dos limites impostos pelo princípio da igualdade. Indo mais longe Casalta Nabais[3] considera que a capacidade contributiva é até o critério exclusivo de tributação, que rejeita que cada imposto em concreto e o próprio sistema fiscal possam assentar noutro elemento diferenciador. Em consonância Leite de Campos et al[4]. esclarece que a capacidade contributiva é a medida que permite afirmar se a contribuição exigida se situa nos limites da justiça tributária.
Sendo pacífico que a capacidade contributiva é uma medida, importa determinar sobre que realidade incide. A este propósito Leite de Campos et al.[5] refere que a capacidade contributiva pode ser medida pela riqueza, pelo rendimento ou pela despesa do sujeito e da sua determinação resulta que não devem ser tributados aqueles que não tenham capacidade económica (sentido negativo) e que devem pagar impostos todos os que realizam despesas, aufiram rendimentos e disponham de riqueza (sentido positivo).
Num outro prisma importa ainda entender sobre que dimensão deve ser avaliada a capacidade contributiva; ela poderá ser vista numa perspetiva muito elementar, medindo-se a capacidade para suportar determinado imposto em particular ou sobre o sistema fiscal enquanto conjunto. A doutrina parece ser unânime na resposta a esta questão; Leite de Campos et al.[6] entende que a avaliação da capacidade contributiva não é aferida relativamente a determinado imposto mas deve ser considerada por referência a todo o sistema fiscal. Aliás é o sistema fiscal e não cada imposto por si só que tem por função assegurar a satisfação das necessidades financeiras do Estado e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza (103º-1 CRP).
Qualquer posição crítica que se pretenda estribar no princípio da igualdade terá sempre que ter presente que é o impacto do sistema fiscal no seu conjunto e não a carga de cada imposto em particular que tem que ser medido ou justificado. Terá ainda que ter presente que é função do sistema fiscal a repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o que implica que nem todos paguem o mesmo valor de imposto e que “a repartição justa há de ser aquela em que o imposto pago por cada um reflita afinal a sua capacidade contributiva” (Brás Carlos)[7], seja esta revelada pelo rendimento, pela despesa ou pela riqueza.
Aliás, a tributação de determinados contribuintes de forma diferente, não constitui por si só violação do princípio da igualdade, enquanto essa tributação diferenciada servir para realizar os objetivos de repartição da riqueza perseguidos pelo sistema fiscal. Bem pelo contrário, essa diferenciação poderá ser afinal manifestação do princípio da igualdade, na modalidade da igualdade vertical, que exige que pessoas de diferente rendimento e riqueza suportem “diferentes impostos na medida da diferença” (Brás Carlos)[8]. No mesmíssimo sentido também Casalta Nabais[9] afirma que a igualdade vertical pode ser conseguida através de imposto diferente, quer em termos quantitativos (maior ou menor valor), quer em termos qualitativos (incidência sobre determinadas situações).
Parece possível ir ainda mais longe quando o tema é a tributação do património, à qual o texto constitucional confere a função de instrumento de diminuição da desigualdade entre os cidadãos (104º-3). A este propósito Casalta Nabais[10] admite a discriminação de patrimónios, através da tributação dos mais valiosos e da isenção dos de menor valor.
Como primeira conclusão afirma-se que a capacidade contributiva é a medida que permite afirmar se a contribuição exigida se situa nos limites da justiça tributária, incidindo essa medida sobre o esforço exigido pelo sistema fiscal e sendo esta aferida por referência às manifestações de rendimento, de riqueza e de nível de despesa. A tributação de acordo com a capacidade contributiva é também uma manifestação do princípio da igualdade, que na ótica da “igualdade vertical” impõe que cidadãos com capacidade contributiva diferente suportem de forma também diferente a carga imposta pelo sistema fiscal, sendo admissível que aos titulares de maior capacidade seja exigido maior esforço não só quantitativo como também qualitativo. Ao nível da tributação do património este tratamento diferenciado pode assumir a discriminação de patrimónios, onerando-se os mais valiosos e isentando-se aqueles que têm menor valor.
Para completo enquadramento deste tópico importa verificar de que forma tem sido visto pelo TC. No seu acórdão n.º 590/2015[11] o TC analisou a pertinência da invocação da violação pela norma em causa dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva. Quanto a este último, equiparou-o à capacidade económica ou “capacidade de gastar” e afirmou a necessidade de o compatibilizar, enquanto princípio, com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado social, a liberdade de conformação do legislador e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal. Analisou ainda a imputação de caráter arbitrário ao dispositivo em causa, concluindo pela racionalidade do seu fundamento. Decidiu o recurso não julgando inconstitucional a norma constante da verba 28. e 28.1 da TGIS.
Embora com objeto diferente, mas com incidência sobre a mesma norma, no acórdão n.º 620/2015[12] o TC voltou a afirmar os mesmos parâmetros de aferição da conformidade constitucional de normas tributárias face ao princípio da igualdade fiscal.
Passe-se agora ao tópico da dupla tributação. A dupla tributação jurídica ou económica coloca-se sobretudo ao nível da coerência do próprio sistema fiscal e a sua proibição não parece ter expressão como princípio constitucional individualizado. Embora não se deva menosprezar a sua importância, crê-se, seguindo Casalta Nabais[13], que a existência de dupla tributação não constitui vício que afete a validade da lei fiscal. Com efeito, nem a doutrina dominante nem a jurisprudência do TC têm afirmado a existência ao nível constitucional, de princípio ou norma proibitivas da dupla tributação, não obstante ser reconhecido que não é situação desejável, do ponto de vista da organização do sistema fiscal. Em concreto, o TC afirmou já aquela linha de orientação na fundamentação do acórdão n.º 363/01[14] e na do acórdão n.º 489/02[15].
Analisado o regime jurídico que em abstrato é aplicável às duas situações elencadas pelo Requerente, é tempo de as analisar em concreto.
Importa afirmar aqui que se segue a doutrina afirmada quanto à conformidade geral da norma do artigo 1º-1 do CIS conjugada com a verba 28 e 28-1 da TGIS pelo acórdão do TC n.º 590/2015, pelo que seria inútil repetir aqui os fundamentos expendidos pelo Tribunal Constitucional, em especial quanto à adequação da norma com o princípio da legalidade fiscal, nas vertentes da generalidade, da uniformidade e da proibição de arbítrio bem como a sua contenção dentro dos parâmetros aceitáveis da capacidade contributiva. Tal não dispensa o dever de avaliar os concretos argumentos do Requerente, que se julga não ficarem inteiramente cobertos pela análise do TC, por não terem sido levantados no caso concreto que lhe foi submetido.
Na tese que defende o Requerente afirma que a avaliação da capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação do IS através da verba 28.1 TGIS não respeita o princípio da igualdade, pois apenas considerou como elemento de determinação daquela capacidade a titularidade de imóveis destinados à habitação, excluindo arbitrariamente do “âmbito de tributação todo o restante património de elevado (ou muito elevado) valor que se encontre afeto ou destinado a outros fins”. Como se viu a capacidade contributiva não pode ser aferida relativamente a um imposto em particular sem que seja feita ponderação do esforço contributivo exigido por todo o sistema fiscal em determinado momento.
No caso concreto o legislador reviu simultaneamente vários elementos do sistema fiscal, designadamente o IRS (introduziu alterações às taxas liberatórias e especiais incidentes sobre os rendimentos de capitais e sobre as mais-valias mobiliárias) o IRC (agravamento das taxas de tributação quanto aos rendimentos de capitais e um ajustamento das taxas de retenção na fonte) e a LGT (avaliação indireta da matéria coletável em virtude das manifestações de fortuna). Sem que se faça uma análise alargada – que o Requerente não faz – não é possível concluir pelo desrespeito pela capacidade contributiva de determinado grupo de contribuintes. Diga-se que o legislador esboçou de que forma fazia o balanço das alterações que introduziu no sistema, afirmando na sua apresentação na Assembleia da República[16]:
Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa. Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.
Note-se que é de há muito admitido pela doutrina que a avaliação da capacidade contributiva seja feita com base na riqueza, bem como sempre foi aceite a viabilidade de soluções que contribuam para os objetivos do sistema fiscal e que passem pela maior tributação do património imobiliário mais valioso.
É claro que é sempre possível afirmar que a recomposição encontrada pelo legislador fiscal não contribuiu para o melhor equilíbrio do sistema fiscal mas essa afirmação carece de ser demonstrada pois crê-se que é aos órgãos de soberania com poderes legislativos que em primeira análise cabe a “concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação”[17], o que não impede os cidadãos de suscitarem a desconformidade dessas medidas com os limites constitucionais, como aqui fez o Requerente. Incumbe contudo a quem o pretenda fazer o ónus de invocar e demonstrar essas desconformidades (sem descuidar a obrigação de todos os tribunais, incluindo obviamente este de as detetarem ex officio). Entende-se que neste caso concreto nem o Requerente o fez nem o tribunal arbitral vê fundamento para tal.
Há ainda que concluir a análise quanto ao invocado vício da violação do princípio da proibição de dupla tributação. Como se referiu não é reconhecida dignidade constitucional a esse princípio, pelo que não poderia ser com base neste argumento que a pretensão do Requerente poderia proceder.
Improcede assim na totalidade a pretensão do requerente, não se vendo razão para que não sejam aplicadas como foram pela AT as normas do artigo 1º-1 do CIS e a verba 28 e 28.1 da TGIS.
3.2.2. Outros pedidos
A obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência (100º LGT) e sendo improcedente o pedido do Requerente ficam prejudicados os seus pedidos de devolução de quantias pagas e de juros.
4. Decisão
Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral. Em consequência absolve-se a AT do pedido.
Pela decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição do imposto pago e de juros.
Condena-se o Requerente no pagamento das custas, que se apuram no local próprio.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) do RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 13.696,70 €.
6. Custas
As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC). Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é da Requerente, enquanto parte vencida.
Nos termos do artigo 22º-4 do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas que ficam a cargo do Requerente em 918.00 €.
Lisboa, 9 de Maio de 2016
O árbitro,
(Nuno Maldonado Sousa)
[1] Nesta peça são utilizados os seguintes acrónimos, siglas e abreviaturas, com o significado indicado:
- AT: Autoridade Tributária e Aduaneira
- CIS: Código do Imposto do Selo
- CRP: Constituição da República Portuguesa
- DL: Decreto-Lei
- IS: Imposto do Selo
- IMI: Imposto Municipal sobre Imóveis
- IRC: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
- IRS: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
- LGT: Lei Geral Tributária
- R-AT: Resposta da AT
- RI: Requerimento inicial do Requerente
- RJAT: Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária instituído pelo DL n.º 10/2011 de 20 de janeiro
- TC: Tribunal Constitucional
- TGIS: Tabela Geral do Imposto do Selo
- VPT: Valor patrimonial tributário
[2] Cfr. Américo Fernando Brás Carlos - Impostos: Teoria geral. 4ª ed., Coimbra: Almedina, 2014, p. 118.
[3] Cfr. José Casalta nabais - Direito Fiscal. 6ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, pp. 150-151.
[4] Cfr. Diogo leite de campos e mónica horta neves leite de campos - Direito Tributário. 2ª ed. (reimpressão), Coimbra: Almedina, 2000, pp. 124-125.
[6] Op. cit., pp. 126-127.
[16] Veja-se o Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11-10-2012, pp. 31-32.
[17] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015 de 11-11-2015, citado.