DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 3 de Julho de 2015 A…, NIF … e mulher B…, NIF…, residentes no Porto, que passaremos a designar por Requerentes, vieram, invocando o disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), pedir a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária para pronúncia sobre a legalidade dos seguintes actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, dos quais resultou o valor global a pagar de € 675.643,31:
a) Liquidação nº 2011 …, no valor de € 1.712,31;
b) Liquidação nº 2015…, no valor de € 586.237,69;
c) Liquidação nº 2015…, no valor de € 87.437,74; e
d) Liquidação nº 2015…, no valor de € 255,57,
O pedido foi aceite em 7 do mesmo mês, e o Tribunal Arbitral ficou constituído em 30 de Setembro de 2015 pelos Árbitros que subscrevem a presente decisão.
A Autoridade Tributária respondeu, defendendo-se por impugnação, e juntou cópia do processo administrativo.
Procedeu-se à reunião a que se reporta o artigo 18º do RJAT e, posteriormente, teve lugar uma sessão em que o Requerente varão prestou declarações de parte, sendo ainda ouvidas quatro testemunhas, três indicadas pelos Requerentes e uma pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Face às vicissitudes ocorridas no processo, que anormalmente alongaram o seu decurso, o Tribunal prorrogou o prazo para a decisão, nos termos do disposto no artigo 22º nº 2 do RJAT, o que comunicou às partes na dita sessão, anunciando que decidiria até 30 de Maio de 2016.
Ambas as partes produziram alegações por escrito, nas quais sustentaram as iniciais posições.
2. Na sua extensa petição, que ocupa 181 páginas contendo 522 artigos, os Requerentes criticam amplamente a actuação da AT, todavia sem fazerem uma súmula dos vícios que lhe assacam, o mesmo acontecendo nas alegações finais (estas de razoável dimensão, justiça seja feita…).
De todo o modo, vê-se que imputam aos actos impugnados os seguintes vícios:
- Caducidade do procedimento antiabuso previsto no artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) como condição necessária à operacionalização da cláusula específica antiabuso contida no artigo 73º nº 10 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aplicável por força do artigo10º nº 8 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e consequente direito à liquidação do imposto;
- Caducidade do direito à liquidação, já que não houve suspensão do respectivo prazo com a notificação da ordem de serviço de início da acção inspectiva externa, tendo a liquidação sido notificada depois de decorridos quatro anos, com violação do artigo 45º nºs. 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT);
- Erro quanto aos pressupostos de facto, por inexistência dos requisitos para a aplicação da cláusula antiabuso do artigo 73º nº 10 do CIRC, sendo inconstitucional a interpretação da norma feita pela AT;
- Falta de fundamentação do relatório da inspecção tributária;
- Erro de facto quanto à liquidação de juros compensatórios, por não haver mora da sua parte.
II - SANEAMENTO
O Tribunal é competente e está regularmente constituído, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, os Requerentes estão em tempo, porquanto o prazo limite para pagamento terminou em 15 de Abril de 2015 e requereram a constituição do Tribunal Arbitral em 3 de Julho de 2015, dentro do prazo do artigo 102º nº 1 alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 10º nº 1 alínea a) do RJAT.
Não há nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito.
III – FACTUALIDADE
1. Os factos provados, relevantes tendo em vista as soluções de direito plausíveis, são os seguintes:
A)
Os Requerentes foram objecto de procedimento tributário de inspecção levado a efeito pela Direcção de Finanças do …, através da Ordem de Serviço nº OI2014…, notificada em 2 de Setembro de 2014, com a finalidade de verificar o cumprimento das correspondentes obrigações tributárias no exercício de 2010;
B)
Em 02 de Setembro de 2014, os Requerentes foram notificados, na pessoa do seu mandatário, para remeterem aos Serviços determinados esclarecimentos/documentos, nomeadamente a demonstração comprovada das razões económicas subjacentes à entrada em espécie para a realização do capital social da C…, SGPS, mediante a entrega de partes sociais da C…, SA, e a demonstração documentalmente justificada de que, sendo caso disso, continuaram a valorizar para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, ao que se deu cumprimento em 12 de Setembro de 2014;
C)
No âmbito da acção de inspecção tributária foram efectuadas diligências de recolha de elementos na Conservatória do Registo Comercial e nas instalações da C… SGPS;
D)
Em 30 de Setembro de 2014, uma vez que os Requerentes verificaram um lapso na indicação do valor das participações sociais detidas por estes, enviaram aos serviços inspectivos uma adenda ao requerimento anteriormente enviado, no sentido de rectificarem o lapso cometido;
E)
Após terem sido notificados em 16 de Janeiro de 2015, para, querendo, exercerem o direito de audição, sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, os Requerentes exerceram o seu direito em 3 de Fevereiro de 2015, tendo posteriormente junto depoimentos escritos de testemunhas que naquele haviam indicado;
F)
A acção de inspecção tributária ficou concluída em 14 de Janeiro de 2015;
G)
No âmbito da acção inspectiva supra referenciada, a Inspecção Tributária considerou, no respectivo relatório, que aqui se tem por integralmente reproduzido, a falta de liquidação e pagamento de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, entendendo que os Requerentes optaram por uma operação de permuta de partes sociais, conforme o mecanismo da neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º do CIRC, e 10.º, n.º 8 e 11 do CIRS, quando o regime da neutralidade fiscal não é aplicável à operação em referência, uma vez que não teve como principal objectivo a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal que se materializaram e demonstram na clara vantagem fiscal obtida com a alienação da quota em 2011, apurando-se uma mais-valia substancialmente inferior à realizada com a operação de permuta (2010), não estando, por isso, aqui em causa, um mero diferimento na tributação das mais-valias (2010 e 2011), mas sim a redução efectiva e significativa dessa tributação;
H)
Em conformidade com o entendimento expresso na alínea anterior, a Inspecção Tributária procedeu ao cálculo de IRS, e, dessa forma, apurando o imposto em falta e concluindo que os Requerentes deixaram de liquidar e não entregaram nos cofres do Estado o montante de € 586.237,69 de IRS, acrescido de € 87.693,31, a título de juros compensatórios;
I)
O prazo para o pagamento voluntário terminou em 15 de Abril de 2015;
J)
Em 26 de Junho de 2012, os Requerentes apresentaram a declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, com referência ao ano de 2011, com o respectivo Anexo G, que incluía os seguintes valores com respeito à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários: aquisição em Agosto de 2010 por € 3.000.000,00 e realização em Setembro de 2011 por € 1.000.000,00;
K)
No decurso do procedimento de inspecção tributária os Requerentes procederam à substituição da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, com referência ao ano de 2011, tendo numa primeira declaração indicado como valor de aquisição corrigido o montante de € 140.000,00 e, numa segunda declaração, indicado como valor de aquisição corrigido o montante de € 120.000,00;
L)
Em 29 de Setembro de 2000 foi constituída por E… e A… a sociedade comercial “C…, Lda.”, com o capital social de 150.000 euros, detendo cada um deles 50%, tendo como objecto social a “fabricação, comercialização, importação e exportação, representação, colocação de equipamentos ambientais, elaboração e gestão de projectos ambientais e gestão de resíduos”;
M)
Em Novembro de 2007 foi a C… transformada em sociedade anónima, com o capital social de 240.000 euros, integralmente detido, em partes iguais, por E… e por A…;
N)
O Requerente A… era, em 2010, titular de 17% das participações representativas do capital da sociedade de direito espanhol D…, SL;
O)
A D… foi constituída pelo referido Requerente, pelo já referido E…, e por dois outros sócios espanhóis, F… e G…, os quais detinham, respectivamente, 17%, 17%, 49% e 17% do capital social;
P)
A D… era titular de uma participação representativa de 100% do capital social de uma outra sociedade, também de direito espanhol, denominada H…, SL;
Q)
Em 6 de Maio de 2008, E… e A…venderam as participações sociais que detinham no capital social da D… à C…, S.A., por € 250.000,00 cada um;
R)
Em 18 de Agosto de 2010 foi constituída entre o Requerente A… e E…uma sociedade por quotas, sob a firma “C…, SGPS, LDA.”, NIPC…, com o capital social, integralmente subscrito e realizado, de € 6.000.000,00, representado por duas quotas iguais de € 3.000.000,00 cada, tituladas por cada um dos sócios A… e E…;
S)
O capital social foi realizado mediante a entrega da totalidade das 240.000 acções tituladas pelo Requerente e por E…, representativas do capital social da sociedade “C…, S.A.”, NIPC…;
T)
As referidas acções, com o valor nominal de 240.000 euros, foram valorizadas em €12.000.000,00 (doze milhões de euros), a que correspondeu um prémio de emissão de €6.000.000,00 (seis milhões de euros), em resultado de uma avaliação efectuada por I…– SROC, realizada em 16 de Junho de 2010;
U)
O critério de avaliação utilizado assentou nos “rendimentos previsíveis futuros da sociedade” estimados a partir dos “resultados dos últimos dois exercícios”, sendo que foi assumido “que os proveitos da mesma serão continuados (em 2010 e 2011, estimam-se as vendas, respectivamente, em 12,6M€ e 13,6M€ e, as prestações de serviços em 1,4M€ e 2,8M€, mantendo-se constantes nos anos seguintes e os custos variáveis indexados aos proveitos”. O valor de tais acções foi estimado em € 12.123.809,00, valor intermédio entre os resultantes de uma avaliação pelo cash–flows sobre o valor terminal na óptica do investidor e na óptica da empresa;
V)
A actividade da C…, SA no Abu Dhabi tinha um peso significativo, por se tratar de mercado em franca expansão;
W)
A C… SGPS foi constituída com vista à concentração de todas as participações detidas pelo Requerente e pelo já indicado E…, a que se alude em A) a E) anteriores, numa única sociedade, tendo em vista a reestruturação e racionalização das respectivas actividades;
X)
Em 11 de Fevereiro de 2011, a C… SGPS adquiriu quotas representativas de 50% do capital da sociedade J…;
Y)
A maioria da facturação da C…, SA, em 2010, era resultado da sua actividade no Abu Dhabi;
Z)
No início de 2011, a valorização da C…, SA sofreu uma grande redução com as restrições impostas aos seus clientes nacionais pelo programa de assistência económica e financeira e com o incumprimento do cliente do Abu Dhabi;
AA)
E… e A…, em razão das divergências entre eles existentes, decidiram pôr fim às suas relações societárias;
BB)
Pelo que, em 30 de Setembro de 2011, na sequência de um contrato promessa de cessão de quotas outorgado em 14 de Setembro, foi celebrado um contrato de divisão e cessão de quotas, pelo qual a quota de A…, representativa de 50% do capital social da C… SGPS, foi dividida em duas quotas – uma com o valor nominal de € 2.400.000,00 e uma outra com o valor nominal de € 600.000,00 – que, ato contínuo, foram cedidas a E…, pelo valor global de 1.000.000 Euros, com reserva de propriedade até integral cumprimento do previsto em tal contrato, nomeadamente quanto ao pagamento integral do preço;
CC)
Desde a operação de permuta, sempre as acções da C…, SA se mantiveram na titularidade da C… SGPS;
2. A convicção do Tribunal, ao dar por provados os factos supra, assentou nas alegações não contestadas, na documentação junta, designadamente, no Relatório da Inspecção Tributária, na declaração da parte, e no depoimento das testemunhas, que todos mostraram conhecer os factos e depuseram com aparente isenção.
3. Não se provaram outros factos com relevo para a decisão.
IV – O DIREITO
Começamos por apreciar as invocadas caducidades (do direito à liquidação e do procedimento especial de aplicação da cláusula antiabuso), uma vez, que se elas se verificarem, a sorte da demanda fica necessariamente ditada.
1.1. Entendem os Requerentes que existe caducidade do direito à liquidação, uma vez que não existiu suspensão do prazo de caducidade, com a notificação da ordem de serviço de início da acção de inspecção externa, prevista no n.º 1 do artigo 46º da LGT. Há no acto tributário vício de ilegalidade por a liquidação contestada lhes ter sido notificada depois de expirado o prazo de caducidade de quatro anos, em violação do disposto no artigo 45.º n.º 1 e 2 da LGT.
Isto porque os Requerentes não concordam que o prazo de caducidade da liquidação dos tributos se suspendeu em 02.09.2014 – data em que o Requerente marido foi notificado pessoalmente do início do procedimento externo de inspecção tributária – uma vez que a opção pelo procedimento interno ou externo de inspecção não poderá fundamentar-se na necessidade, ou não, de a AT beneficiar da suspensão do prazo de caducidade da liquidação dos tributos.
No caso dos autos, entendem os Requerentes que nenhum procedimento externo de inspecção foi efectuado pela AT, já que o único acto externo praticado pela AT foi a deslocação ao escritório do mandatário dos Requerentes para notificação da ordem de serviço e junção de elementos/esclarecimentos, não tendo sido em momento algum consultados pela AT quaisquer documentos; apenas existiram análises aos documentos e esclarecimentos prestados pelos Requerentes na sequência da notificação para o efeito efectuada e da análise dos documentos de que dispunham no sistema.
Assim sendo, os Requerentes entendem que não se verifica qualquer causa suspensiva do prazo de caducidade a que alude o artigo 46.º da LGT. Por isso, uma vez que estamos perante um imposto periódico (IRS), em 31 de Dezembro de 2014 caducou o direito de a AT liquidar IRS relativo ao exercício de 2010. E a liquidação em causa foi efectuada depois dessa data.
Adversamente, sustenta a Requerida que o prazo de caducidade ainda não tinha expirado aquando do acto de liquidação, porquanto o mesmo esteve suspenso durante o período em que decorreu o procedimento de inspecção externa, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT. A opção pela natureza externa dos actos inspectivos a praticar, foi efectuada antes da abertura da correspondente ordem de serviço. Opção que se revelou adequada e proporcional à situação a inspeccionar, a qual consistia numa omissão de rendimentos obtidos por não cumprimento da obrigação acessória prevista no artigo 57.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, que determina a junção à respectiva declaração de rendimentos dos elementos mencionados a esse respeito no CIRC, sempre que se aplicar o disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CIRC.
Esse mesmo regime obrigou a Requerida a um exercício inspectivo que era incompatível com uma mera análise formal e de coerência de documentos. A situação concreta impunha a obtenção de elementos e de esclarecimentos sobre realidades que não foram comunicadas à AT pelos Requerentes.
Aliás, os Requerentes demonstraram sempre falta de disponibilidade para receber a inspectora da AT, privilegiando os emails, telefonemas e exposições escritas, impedindo a AT de estabelecer contacto pessoal no respectivo domicílio fiscal.
Foram os próprios Requerentes, através dos respectivos mandatários, que solicitaram que os actos de inspecção se realizassem em local diverso do respectivo domicílio fiscal, mais concretamente no domicílio profissional dos seus mandatários, o que só faz sentido tratando-se de procedimentos de inspecção tributária que envolva actos de comprovação e verificação a realizar fora dos serviços da administração tributária – obviamente no âmbito e contexto de uma inspecção externa.
Assim, no entender da Requerida, não pode proceder a alegada caducidade do direito à liquidação de IRS de 2010, em virtude de o respectivo prazo se ter suspendido ao abrigo do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
1.2. De acordo com o artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o procedimento de inspecção pode classificar-se em procedimento interno e externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da AT ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas.
Parece-nos que estando em causa a (in) aplicabilidade do chamado regime de neutralidade fiscal à atribuição de títulos representativos do capital social da “C…, SGPS, Lda.” em contrapartida da entrada em espécie para a realização do respectivo capital social mediante a entrega de partes sociais da “C…, S.A.”, os actos inspectivos não podiam ser objecto de um simples ofício a notificar os Requerentes para prestarem informações, face à natureza e montante das operações em causa.
No decorrer da acção de inspecção foram praticados actos externos, conforme foram devidamente relatados pela Inspectora arrolada pela Requerida na respectiva audiência de inquirição, e se tem como provado, dada a necessidade de acesso a documentos que não se encontram comunicados, nem arquivados nos Serviços da AT e a necessidade de esclarecimentos detalhados a prestar pelos Requerentes.
Ora, atendendo ao disposto no artigo 13.º do RCPITA, não assiste razão aos Requerentes, uma vez que o procedimento inspectivo não foi realizado exclusivamente nos serviços da AT mediante a mera análise formal e de coerência de documentos, tal como comprovado pela prova testemunhal e documental apresentada.
2.1. Sobre a caducidade do procedimento especial de aplicação da cláusula antiabuso alegam os requerentes, em súmula:
Os factos que deram origem à liquidação impugnada passaram-se em 18/08/2010, quando o Requerente marido e o seu sócio E… constituíram uma sociedade gestora de participações sociais sob a forma de sociedade por quotas – a “C…, SGPS, Lda.” com o capital social, integralmente subscrito e realizado, de € 6.000.000,00, representado por duas quotas iguais de € 3.000.000,00 cada, tituladas por cada um dos sócios, realizado mediante a entrega da totalidade das 240.000 acções tituladas por ambos, representativas do capital social da sociedade “C…, S.A.
Consagrava então o artigo 63º do CPPT um procedimento próprio para liquidação de tributos com base em quaisquer disposições antiabuso, que apenas podia ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso.
Esta norma previa um verdadeiro prazo de caducidade especial de tributos, mais curto do que o prazo geral do artigo 45º da LGT, o que se justificava pelo facto de, por via da aplicação destas normas, poder a AT, em oposição ao princípio da confiança e da estabilidade jurídicas, desaplicar as normas fiscais aplicáveis a determinados negócios jurídicos e aplicar outras que entendesse deverem ser aplicáveis a estes mesmos negócios.
A redacção do referido artigo 63º foi alterada a partir de 1 de Janeiro de 2012, passando este procedimento a ser apenas aplicável quando em causa esteja a aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38º da LGT, deixando-se ainda de prever qualquer prazo de caducidade para a abertura deste procedimento.
Não se tratando, in casu, da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38º da LGT, a AT entendeu não haver lugar ao procedimento estatuído no artigo 63º do CPPT.
Mas o regime actualmente previsto no artigo 63º do CPPT não era o que se encontrava em vigor à data dos factos, o qual previa um prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos por via da aplicação de normas antiabuso de três anos; e o regime actualmente em vigor, pese embora se trate de uma norma de natureza procedimental, não é de aplicação imediata, atento o facto de se tratar de uma norma de garantia dos direitos e interesses legítimos dos contribuintes – cfr. artigo 12º da LGT, razão pela qual, aos factos em causa nos presentes autos, será aplicável o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, na redacção vigente à data dos factos.
Deste modo, reportando-se os factos aos quais a AT pretende aplicar a norma antiabuso ao ano de 2010, o direito de instaurar o procedimento próprio previsto no artigo 63º do CPPT caducou no dia 31 de Dezembro de 2013.
A esta argumentação contrapõe a AT, em resumo:
A norma do nº 10 do art. 73º do CIRC não tem qualquer enquadramento no art. 63º do CPPT e, por conseguinte, não está depende da abertura de um procedimento próprio com vista à sua aplicação.
Aceita-se que a aplicação no tempo da alteração ao art. 63º do CPPT, de harmonia com a qual o referido procedimento apenas é exigível relativamente à disposição antiabuso do nº 2 do art. 38º da LGT, embora sendo por regra imediata, deverá respeitar as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos.
Mas o nº 10 do art. 73º do CIRC não se enquadra na definição de disposições antiabuso do nº 2 do art. 63º do CPPT, na redacção anterior à Lei nº 64-A/2011, de 30/12.
Dispunha aquele normativo, na redacção anterior à referida alteração, que “consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”
Por sua vez, o disposto no nº 10 do art. 73º do CIRC determina o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal quando se conclua nos termos aí expressamente previstos, ou seja, “que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal”.
Por conseguinte, enquanto o nº 2 do art. 63º do CPPT consiste na desconsideração dos negócios jurídicos praticados, o nº 10 do art. 73º do CIRC determina apenas o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal aplicável a determinadas operações quando estejam reunidos determinados pressupostos.
Ou seja, porque o nº 10 do art. 73º do CIRC não determina a desconsideração dos efeitos da operação em si mesma, mas somente a exclusão da aplicação das vantagens prosseguidas pelo referido regime fiscal especial, não há lugar ao procedimento do art. 63º do CPPT, em face da definição de disposições antiabuso dada pelo seu nº 2 na redacção anterior à Lei nº 64º-B/2011, de 30/12.
Por outro lado, atendendo à natureza especial do regime de neutralidade fiscal em que o disposto no nº 10 do art. 73º do CIRC se insere, é neste contexto que opera a sua interpretação e aplicação, ou seja, inteiramente à margem do disposto no art. 63º do CPPT, inexistindo a alegada necessidade de abertura de um procedimento próprio a que se refere este normativo para implementar as correcções controvertidas, mesmo com a redacção em vigor à data dos factos em causa.
Assim, a aplicação do nº 10 do art. 73º do CIRC não está ferida de qualquer irregularidade procedimental, nomeadamente decorrente do disposto no art. 63º do CPPT, uma vez que este procedimento próprio não lhe era aplicável, e, por força desta última norma, também não operou a caducidade do direito à liquidação controvertida.
2.2. O artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, dispunha que:
«1 – A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio».
O número 2 do mesmo artigo considerava «disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos».
Esta redacção vigorou até 1 de Janeiro de 2012, data em que foi alterada pela lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
A alteração consistiu na eliminação do nº 2 e em redigir assim o nº 1:
“A liquidação dos tributos com base na disposição antiabuso constante do artigo 38º da Lei Geral Tributária segue os termos previstos neste artigo”.
Aquando da entrada em vigor do CPPT, as “disposições antiabuso” a que se referia o transcrito artigo 63º estavam contidas nos Códigos dos vários impostos entre eles o CIRC (artigo 73º) e na LGT, vigente desde 1 de Janeiro de 1999, cujo artigo 38º dispunha, inicialmente, como segue:
“A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.
Em 1999 foi acrescentado um número 2, deste teor:
“ São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de eliminação ou redução dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos”.
A partir de 2001 a redacção deste nº 2 ficou deste modo:
“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo a vantagens fiscais referidas.”
A norma específica antiabuso ínsita no já falado CIRC – artigo 73º nº 10 – estabelece que “O regime especial estabelecido na presente subsecção não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto”.
O regime a que se refere a subsecção em que se integra o artigo 73º do CIRC é o chamado regime da neutralidade fiscal.
A Lei nº 64-B/2012, de 30 de Dezembro, eliminou, pelo seu artigo 152º, o nº 2 do artigo 38º da LGT, dando ao nº 1 a redacção seguinte: ”a liquidação de tributos com base na disposição antiabuso constante do nº 2 do artigo 38º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo.”
E o artigo 215º da lei nº 64-B/2012 fixou como data da sua entrada em vigor o dia 1 de Janeiro de 2012.
Ora, no caso vertente, conforme resulta da matéria de facto provada, toda a actuação da AT decorreu entre 2014, com o início da inspecção externa, e 2015, quando foi apurado o imposto considerado em falta.
Falta essa que, para a AT, resulta de que a operação de permuta efectuada em Agosto de 2010, aquando da constituição de uma sociedade gestora de participações sociais sob a forma de sociedade por quotas, a “C…, SGPS, L.da, cujo capital social foi constituído mediante a entrega da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade “C…, S.A.”, de que eram titulares os sócios fundadores da SGPS, seguida, em Setembro de 2011, da cessão das quotas que o aqui Requerente detinha na SGPS ao seu outro sócio na mesma sociedade, “não teve como principal objectivo a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal, que se materializaram e demonstram na clara vantagem fiscal obtida com a alienação da quota em 2011, apurando-se uma mais valia substancialmente inferior à realizada com a operação de permuta (2010), não estando, por isso, aqui em causa, um mero diferimento da tributação das mais valias (2010 e 2011), mas sim a redução efectiva e significativa dessa tributação”.
Ou seja, para a AT, o mecanismo da neutralidade fiscal não é aplicável.
Deste modo, a actuação da AT decorreu após a eliminação do nº 2 do artigo 38º da LGT; mas os factos sobre que ela incidiu tiveram lugar quando ele ainda vigorava.
No entendimento dos Requerentes, a AT estava, na circunstância, obrigada a utilizar o procedimento antiabuso do artigo 63º do CPPT, já que, ao tempo dos factos relevantes, “a liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio».
Porém, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo 63º, tal procedimento só poderia “ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”.
Ora, tal prazo esgotara-se em 2013.
A prática de determinados actos procedimentais é imposta à AT para garantir os direitos dos contribuintes em causa, para que a AT fique mais claramente esclarecida da factualidade e circunstancialismo pertinentes, e para melhor assegurar a legal formação da sua vontade.
Assim, quando a lei exige, para liquidar um tributo com base numa disposição antiabuso, um determinado procedimento administrativo, impondo regras formais exigentes e rigorosas até alcançar a decisão final, estabelece uma garantia dos contribuintes.
Ora, “as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”, como se lê no nº 3 do artigo 12º da LGT.
O facto tributário aqui em causa ocorreu no domínio da lei antiga (anterior à Lei nº 64-B/2012), mas os seus efeitos fiscais prolongam-se no tempo enquanto a AT possa dele retirar efeitos, donde resulta que a norma legal aplicável é a vigente aquando da ocorrência do facto tributário, e não aquela que vigorar aquando da sua aplicação. Em súmula, a AT, ao actuar em 2015, estava obrigada a aplicar o regime procedimental que vigorava em 2010, data da eclosão do facto tributário.
Contesta a AT defendendo que, mesmo em 2010, já o artigo 63º do CPPT não abrangia outras disposições antiabuso senão a do artigo 38º nº 2 da LGT, de onde resulta a não imposição do procedimento previsto naquele artigo do CPPT.
Este entendimento não pode acompanhar-se face à letra do nº 2 do artigo 63º do CPPT, segundo o qual são «disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos». E não é só o artigo 38º nº 2 da LGT que consagra “a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos». Este artigo 38º contém aquilo a que se vem chamando uma disposição antiabuso geral, enquanto que todas as outras serão especificas.
Mas tal não importa a diferença de regime que a AT daí quer retirar:
Se se aplicasse ao nosso caso, como é regra, a neutralidade fiscal (Subsecção IV da Secção VI do Capítulo III do CIRC), não deixaria de haver tributação, embora diferida no tempo.
Mas a AT entendeu que devia haver tributação imediata, e para isso não considerou o negócio em que o Requerente varão interviera tal qual ele fora feito, desaplicando o regime fiscal que lhe era próprio (o da neutralidade fiscal). Ou seja, a AT, ao não admitir a neutralidade fiscal, procedeu como se entendesse ineficaz perante si o negócio tal qual tivera lugar, negócio esse que, se eficaz, gozaria do regime da neutralidade fiscal. O negócio efectuado consubstanciava uma permuta – a AT não atendeu a ela (o que vale por dizer que a não considerou eficaz) e tratou-o como se outra natureza tivesse, afastando, assim, o regime da neutralidade fiscal, e a tributação diferida no tempo.
Tudo por entender que tal negócio, tal qual fora concretizado, tivera motivações de ordem fiscal, propósitos evasivos, com vista à redução da tributação.
O nº 10 do artigo 73º do CIRC é uma norma antiabuso precisamente porque obsta ao uso abusivo do regime da neutralidade fiscal, uso abusivo esse que considera ocorrer quando “as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivo a evasão fiscal”.
A actuação da AT assentou em que a operação de permuta efectuada em Agosto de 2010, aquando da constituição de uma sociedade gestora de participações sociais sob a forma de sociedade por quotas, a “C…, SGPS, L.da, cujo capital social foi constituído mediante a entrega da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade “C…, S.A.”, de que eram titulares os sócios fundadores da SGPS, seguida, em Setembro de 2011, da cessão das quotas que o aqui Requerente detinha na SGPS ao seu outro sócio na mesma sociedade, “não teve como principal objectivo a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal, que se materializaram e demonstram na clara vantagem fiscal obtida com a alienação da quota em 2011, apurando-se uma mais valia substancialmente inferior à realizada com a operação de permuta (2010), não estando, por isso, aqui em causa, um mero diferimento da tributação das mais valias (2010 e 2011), mas sim a redução efectiva e significativa dessa tributação” (sublinhado nosso).
Ora, de acordo com a redacção original do nº 1 do artigo 63º do CPPT, “a liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio».
A própria Autoridade Tributária já entendeu, na informação vinculativa do processo 771/2002, em 17 de Janeiro de 2004, que “está sujeita ao procedimento a que se refere o artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário a [medida antiabuso] prevista no nº 10 do artigo 67º” – actualmente, 73º do CIRC.
Ou seja, considerou não só que se tratava de uma norma antiabuso, como que a sua aplicação passava pelo procedimento previsto no CPPT.
Na verdade, a ratio da lei, ao exigir um procedimento especial para aplicação das normas antiabuso, foi assegurar a certeza e a segurança jurídicas e as garantias dos contribuintes. O procedimento, com necessária audição do contribuinte, com intervenção do dirigente máximo do serviço da AT, com a possibilidade de discussão contenciosa, e com especiais exigências de fundamentação, garante uma decisão mais informada, consciente e ponderada, mais capaz de evitar o atropelo dos direitos do contribuinte.
Ora, mesmo que se entenda que, o caso do artigo 73º do CIRC não é de ineficácia do negócio jurídico realizado, a razão de ser da norma do CPPT impõe a sua aplicação, já que o contribuinte, tendo firmado um negócio de um determinado tipo, sujeito a uma tributação diferida no tempo, e contando com ela, vê desaplicada essa modalidade de tributação, e adoptada outra, que lhe é menos favorável e que não esperava.
E, para que isto aconteça, impõem-se especiais cuidados – aqueles que o procedimento do falado artigo 63º assegura.
Em conclusão, entendemos que, no caso em apreço, se impunha à AT, para agir como agiu, instaurar o procedimento a que nos vimos referindo.
2.3. Mas nem por isso têm razão os Requerentes, ao invocar a caducidade do procedimento especial de aplicação da cláusula antiabuso (cfr. artigo 35º e seguintes do pedido), por o facto tributário ter ocorrido em 2010, caducando o direito a instaurar tal procedimento em 31 de Dezembro de 2013.
Porque a verdade é que o procedimento não foi instaurado depois de 31 de Dezembro de 2013 – muito simplesmente, não foi instaurado.
Como assim, o vício alegado pelos Requerentes é, antes, um vício procedimental, por supressão de um procedimento imposto pela lei para que o acto de liquidação pudesse ter o conteúdo que assumiu ou, dito de outro modo, para que a tributação tivesse sido a que foi.
Este vício inquina, naturalmente, o acto de liquidação, já que é seu pressuposto legal a instauração do procedimento omitido.
E, constatado este vício, o acto de liquidação fica ferido de morte, prejudicados ficando os demais vícios que os Requerentes lhe imputam.
V – DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral, por maioria, em julgar procedente o pedido, anulando as liquidações identificadas em I 1.
VI - VALOR DO PROCESSO E CUSTAS
Fixa-se ao processo o valor de € 675.643,31,de acordo com os artigos 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com custas no montante de € 36.000,00, nos termos dos artigos 6º nº 2 alínea b), 12º nº 3 e 22º nº 4 do RJATA, e 5º nºs 1 e 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela II anexa.
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José Baeta de Queiroz (árbitro presidente)
José Alberto Pinheiro Pinto
Jorge Carita
(vencido, conforme voto que segue e integra o presente acórdão)
VOTO DE VENCIDO
Efectivamente, somos de opinião que neste âmbito a operacionalização da regra antiabuso constante no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC não está dependente da abertura do procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT.
Baseadas no princípio da segurança jurídica, o legislador português determinou que a aplicação das cláusulas antiabuso se faça através do procedimento especial previsto no artigo 63.º do CPPT, dada a insegurança que estas cláusulas implicam.
Como refere José Maria Pires (coordenação), “Este procedimento explica-se por razões de segurança e certeza jurídicas designadamente pela necessidade de formular um juízo objectivo sobre a verificação dos pressupostos legais de que depende a aplicação da referida disposição.” (cfr. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, pág. 326).
No entanto, o procedimento tributário previsto no artigo 63.º do CPPT apenas abrange os casos constantes do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.
Perante a alteração que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, determinou ao n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, está claro que este se aplica somente aos casos enquadrados no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.
Quando analisamos a redacção anterior, também não podemos hesitar em concluir no mesmo sentido, uma vez que o n.º 2 do artigo 63.º do CPPT define “disposições antiabuso” como sendo a disposição geral antiabuso do artigo 38.º n.º 2 da LGT.
A diferença que existia nas duas redacções residia somente no “abuso manifesto”. Com a alteração provocada pela Lei n.º 64-B/2011, passou a ser indubitável que, para efeitos de abertura do procedimento tributário ali previsto, se devem considerar abrangidos todos os casos constantes do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e não apenas os casos em que o abuso das formas jurídicas fosse manifesto, como vinha consagrado no n.º 2 do artigo 63.º do CPPT.
Ora, é seguro afirmar que o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT é somente aplicável às situações previstas no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, dada a semelhança entre a definição de “disposições antiabuso” utilizada no n.º 2 do artigo 63.º do CPPT e da constante no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, confirmada pela alteração legislativa ocorrida pela Lei n.º 64-B/2011, esta, como vimos, que teve como escopo clarificar que se devem considerar abrangidos todos os casos constantes do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e não apenas os casos em que o abuso das formas jurídicas fosse manifesto.
Neste sentido, podemos já adiantar que o procedimento do artigo 63.º do CPPT não se aplica a normas antiabuso especiais, ou seja, a norma antiabuso constante do n.º 10 do artigo 73.º do CIRC não necessita de passar por tal procedimento, aplicando-se a mesma nos termos nela prevista.
Note-se, que o disposto no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC determina o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal, não estando em causa a desconsideração dos negócios jurídicos praticados (cfr. redacção anterior a 2012 do n.º 2 do artigo 63.º do CPPT), mas apenas o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal aplicável a determinadas operações.
Além disso, previa-se que este procedimento só “podia ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso” (n.º 3 do artigo 63.º do CPPT).
Muito embora se pense que a razão de ser deste prazo mais curto do direito à liquidação, quando comparado com o contido no artigo 45.º da LGT, que é de 4 anos, tem a ver com o facto de qualquer cláusula antiabuso afectar a segurança jurídica dos cidadãos (“princípio da confiança e da estabilidade jurídicas”, Vd. artigo 41º da p.i. dos Requerentes), não acompanhamos tal entendimento.
A este propósito, Jorge Lopes de Sousa entende que a fixação de um prazo mais curto do que o prazo normal de liquidação de tributos “consubstancia uma opção legislativa cujo fundamento não é claro, pois, tendo a aplicação de disposições antiabuso apenas efeitos tributários, não afectando a validade dos actos ou negócios realizados, não existirão especiais razões de segurança que justifiquem que não seja aplicado apenas o prazo normal de caducidade do direito de liquidação dos tributos.”.
A verdade é que a aplicação de tais cláusulas tem apenas impacto a nível fiscal, a validade dos actos ou dos negócios realizados mantêm-se. No caso concreto, apenas o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal aplicável a determinadas operações, não estando em causa a desconsideração dos negócios jurídicos praticados.
Em virtude disso, consideramos que a norma prevista no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC não se enquadra na definição de disposições antiabuso prevista no nº 2 do artigo 63º do CPPT, na redacção anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.
Importa ainda trazer à colação o que Lima Guerreiro já anotava em 2001 na Lei Geral Tributária, “o ordenamento jurídico-tributário português conhecia até aqui apenas cláusulas antiabuso específicas que obviamente por força do artigo 1º, número 1, da presente lei [LGT], não foram derrogadas pela norma do presente número 2 [do artigo 38.º]: a cláusula antiabuso originariamente prevista no artigo 62º-A, número 2, do CIRC, que afasta do regime da neutralidade fiscal as fusões, cisões ou entradas de activos em que intervenham sociedade ou sociedades de outros Estados membros da União Europeia que tenham tido como principal objectivo a fraude ou evasão fiscal ou não obedeçam a razões económicas válidas, que o artigo 61º, número 9, introduzido pelo artigo 2º do Decreto-lei número 366/98, de 23 de Novembro, alargaria às fusões, cisões e entradas de activos de sociedades com sede ou direcção efectiva em território português (…).”.
Isto é, tendo surgido posteriormente a cláusula geral antiabuso do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, e esta não ter derrogado a já existente cláusula específica antiabuso do n.º 10, do artigo 73.º do CIRC (62.º-A, n.º 2 à data), reforça a ideia de que a sua natureza é especial, e que por isso, nunca ficou prejudicada pela norma geral antiabuso.
Pelo que, existindo um procedimento próprio para a aplicação da cláusula geral antiabuso, uma vez que afecta a segurança jurídica pelo facto da desconsideração dos negócios jurídicos praticados, o mesmo não pode ser aplicado a uma cláusula antiabuso específica, que existia antes do surgimento no ordenamento jurídico-tributário português da cláusula geral antiabuso, pelo facto de ter natureza especial, dado que o disposto no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC apenas determina o afastamento do regime especial de neutralidade fiscal a determinadas operações – consistindo, grosso modo, num diferimento de tributação.
Ora, a cláusula antiabuso específica do n.º 10 do artigo 73.º do CIRC não sendo prejudicada pela norma do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, dada a sua aludida natureza especial, leva a que tais cláusulas sejam absolutamente autónomas. Sendo autónomas, temos que concluir mais uma vez que o procedimento do artigo 63.º do CPPT, apenas é aplicado às situações enquadradas no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.
A propósito da alteração da letra do artigo 63.º do CPPT dada pela Lei do OE para 2012 convém ainda referir a razão da “flexibilização das regras de utilização da cláusula geral antiabuso por parte da administração fiscal para combater o planeamento fiscal agressivo.” (cfr. Relatório do Orçamento de Estado para 2012, pág. 44).
Tal flexibilização, fez com que o legislador tornasse claro que o procedimento do artigo 63.º do CPPT apenas é aplicado às situações da cláusula geral antiabuso do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, transparecendo a coincidência entre a definição de norma antiabuso, contida no n.º 2 do artigo 63.º do CPPT, da que resulta da disposição geral antiabuso, que consta do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.
Por outro lado, o Plano Estratégico de Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras para 2012 – 2014, exprimiu a necessidade de alterar o artigo 63.º do CPPT no sentido de vir expressamente consagrar que “este procedimento tributário se reporta exclusivamente à aplicação da cláusula geral antiabuso, eliminando o prazo específico para a sua aplicação e clarificando em que momento deve ser autorizado pelo dirigente máximo”, de forma a flexibilizar a “utilização das normas antiabuso, tornando-as mais eficazes no combate aos esquemas de planeamento fiscal abusivo e de elevada complexidade”, tornando mais clara a norma.
Ora, sendo a ideia a de flexibilizar para tornar mais eficaz o combate à evasão fiscal, apenas vemos a obrigatoriedade do procedimento do artigo 63.º quanto aos casos que possivelmente se enquadrem no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, deixando de fora as cláusulas antiabuso específicas espalhadas pelos códigos tributários, e por conseguinte, a constante no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC.
Por último, a questão muito discutida na jurisprudência quanto ao conceito indeterminado de “razões económicas válidas”, que bastava à AT fundada detecção da ausência de tais razões para aplicar a cláusula específica antiabuso contida no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC, não tendo o sujeito passivo oportunidade para exercer contraditório na ausência do procedimento do artigo 63.º do CPPT, está hodiernamente assente. O STA considerou, recentemente, que a livre apreciação ou discricionariedade técnica da AT está sujeita a um controlo judicial, na medida em que “os tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação, pela administração, de normas que contém conceitos indeterminados” (cfr. Acórdão do STA, processo n.º 01159/09, de 27.11.2013).
Por tudo isto, é nosso entendimento que a operacionalização da regra específica antiabuso prevista no n.º 10 do artigo 73.º do CIRC, não está dependente da abertura do procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT, razão pela qual não podemos acompanhar o Tribunal na sua maioritária decisão.
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º número5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, com uso da grafia anterior ao Acordo Ortográfico, com excepção do voto de vencido)