Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 682/2015-T
Data da decisão: 2016-04-22  IMT Selo  
Valor do pedido: € 25.628,60
Tema: IMT e IS – Cumulação de pedidos; caducidade do direito à liquidação; liquidação adicional
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A… e B…, com os números de identificação fiscal … e…, respetivamente, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua do…, n.º…, …, ..., requereram a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra os actos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), a que respeita a notificação efectuada através do Ofício n.º…, de 14-09-2015, do Serviço de Finanças de ... …, nas importâncias de € 22 234,92 e de € 3 393,68, respetivamente, o que perfaz o montante global de € 25 628,60. Peticionando a anulação dos referidos atos e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, os Requerentes solicitam, ainda, o reconhecimento do direito aos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

2. Os Requerentes fundamentam o pedido, apresentado em 18-11-2015, exclusivamente na caducidade do direito à liquidação dos tributos em causa.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-11-2015.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 (01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 07-01-2016.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 22-01-2016.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

 

II. Matéria de facto

 

11. Com relevância para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral, destacam-se os seguintes elementos fatuais, que, com base nos elementos documentais juntos aos autos, se consideram provados:

 

11.1. Em 14-12-2009, nos autos de insolvência que correm termos sob o número …/09…  do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., a Requerente mulher apresentou uma proposta de aquisição do prédio urbano destinado a habitação, situado em Lugar … e…, freguesia de…, concelho de ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo… .

 

11.2. A proposta de aquisição, com base no preço de € 424 210,00 foi aceite pela Meritíssima Juiz, tudo conforme consta do Auto de Abertura de Propostas (Doc. 1).

 

11.3. Em 22-12-2009, a Requerente mulher apresentou no Serviço de Finanças de ...-… a declaração modelo 1 do IMT, para liquidação deste imposto, bem como do imposto do selo relativos à referida aquisição.

11.4. Na mesma data, o Serviço de Finanças competente procedeu conforme o requerido emitindo o correspondente documento de cobrança com o número…, do qual consta serem de € 0,00 os valores a pagar, com fundamento, nele expresso, dos benefícios fiscais de que aproveita a transmissão: "Transmissão integrada no âmbito da liquidação da massa insolvente (Art. 270.º, n.º 2, do D-L 53/04), 100% sobre a matéria colectável" quanto ao IMT; e "Transmissão integrada em Planos de insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da massa insolvente (Art. 269.º/d) do D-L 53/04), 100% sobre a matéria colectável)" quanto ao IS.

 

11.5. Em 30-12-2009, a Requerente mulher entregou no Tribunal Judicial de ..., para ser junto ao aludido processo de insolvência, o comprovativo do pagamento integral do preço e os documentos relativos ao cumprimento das obrigações fiscais relacionadas com o IMT e o IS emitidos pelo Serviço de Finanças de ...-… .

 

11.6. Em 14-01-2010, o referido Tribunal emitiu o Título de Transmissão do prédio supra identificado, a favor da Requerente mulher, conforme certidão junta aos presentes autos.

 

11.7. Em 06-08-2015, o Serviço de Finanças de ...-…, através do ofício n.º…, notificou a Requerente mulher para efeitos do exercício do direito de audição prévia do facto de em acção de controlo das isenções de IMT e de IS a que se referem os artigos 269.º e 270.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), terem aqueles Serviços constatado que a Requerente delas havia beneficiado indevidamente porquanto à transmissão em causa não podia ser reconhecido o direito aos referidos benefícios. (Doc.2)

 

11.8. De acordo com o referido ofício, os citados benefícios apenas podem ser reconhecidos "mediante a verificação de alguns pressuposto, nomeadamente que:

* A isenção de IS (art. 269.º, alínea e) do CIRE) depende de os prédios serem adquiridos a uma empresa ou empresário individual que exerça actividade industrial, comercial ou agrícola e estes estarem integrados o activo da respectiva empresa.

 

* A isenção não é aplicável quando os bens sejam adquiridos por credores da empresa vendida.

 

* A isenção de IMT (art. 270.º, n.º 2, do CIRE), depende de os bens imóveis transmitidos integrarem a universalidade da empresa ou estabelecimento vendido.

 

Verifica-se no entanto que o(s) prédio(s) foram adquiridos a uma pessoa singular e não existe comprovativo da compra da universalidade do estabelecimento ou empresa (todos os activos da massa insolvente), não podendo desta forma ser reconhecido o direito a este(s) beneficio(s) na liquidação de IMT n.º …/2009."

 

11.9. Em 17-08-2015, a Requerente mulher, no exercício do direito de audição prévia, informou aquele Serviço de Finanças que o prédio adquirido constituía o único bem da massa insolvente, juntando Relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do CIRE. (Doc.3)

 

11.9. Em 14-09-2015, através do ofício n.º … - recepcionado pela destinatária em 15 do mesmo mês, conforme Aviso de Recepção junto aos autos - o Serviço de Finanças de ...-…notificou a Requerente mulher para, no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento da importância total de € 25 628,60, sendo € 22 234,92 respeitante a IMT e € 3 393,68, a IS.

 

11.10. Em 12-10-2015, o referido Serviço de Finanças emitiu o documento de cobrança n.º … das referidas importâncias cujo pagamento foi efectuado pela Requerente no dia seguinte, por transferência bancária. (Docs. 5 a 8)

 

12. Não existem factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

13. No presente pedido de pronúncia arbitral cumula-se a declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos de liquidação de IMT e de IS. Acompanhando a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores, entende-se que tal facto não obsta ao prosseguimento do processo pois que se está perante tributos com a natureza de impostos, incidindo ambos sobre o património.[i] Por outro lado, constata-se que ambas as liquidações questionadas decorrem de um mesmo facto tributário - a transmissão onerosa de um direito real sobre um bem imóvel - e têm por base uma mesma fundamentação de direito - a exclusão desse facto, com os contornos concretamente definidos no presente caso, do âmbito dos benefícios fiscais consagrados nos artigos 269.º e 270.º do CIRE. Acresce, ainda que o pedido de pronúncia arbitral se centra num único fundamento: a caducidade do direito à liquidação.

Nestes termos, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT,  à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

14. Do que acima ficou expresso, mormente em matéria fatual dada como documentalmente provada, as questões a decidir no presente processo centram-se, exclusivamente, na verificação da caducidade do direito à liquidação, invocada pelos Requerentes como único fundamento do pedido de declaração de ilegalidade dos actos impugnados e, caso o pedido seja declarado procedente, no reconhecimento do direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.

 

15. Com efeito, os Requerentes fundamentam o seu pedido alegando, no essencial que:

 

a) Em 22-12-2009 entregaram a declaração modelo 1 de IMT, relevante para a liquidação do IMT e Imposto do Selo, devidos pela aquisição do prédio urbano que nela identifica.

 

b) O Serviço de Finanças, nesse mesmo dia, procedeu à liquidação dos referidos tributos, "com o valor a € 0,00 por ter sido concedido, pelo próprio Serviço de Finanças, o benefício da isenção de IMT e de IS ao abrigo do disposto no artigo 270.º, n,º 2 e 269.º do DL 53/04."  

 

c) Posteriormente, em 14-09-2015, o Serviço de Finanças efectuou a notificação das liquidações cuja anulação é pedida, com o fundamento de se não mostrarem preenchidos os requisitos das isenções consideradas na sequência daquela declaração.

 

d) E, " para corrigir tal erro, procedeu (o Serviço de Finanças), à liquidação adicional de IMT e de IS".

 

e) Estando, pois, em causa "um erro de direito do aludido Serviço de Finanças aquando da primeira liquidação, o prazo de caducidade para a liquidação adicional é de 4 anos contados da liquidação a corrigir, conforme dispõe o artigo 31.º, n.º 3, do CIMT."

 

f) Pelo que, segundo os Requerentes, "Tendo a liquidação inicial ocorrido no dia 22 de dezembro de 2009, a liquidação adicional só poderia ter sido efectuada até ao dia 23 de Dezembro de 2013, ou seja, no prazo de 4 anos contados da liquidação inicial, sob pena de caducidade do direito à liquidação"

 

g) No que concerne ao imposto do Selo, entendem os Requerentes ter também ocorrido a caducidade do direito à liquidação, com fundamentos idênticos aos explanados a propósito do IMT, por entenderem que a remissão contida no artigo 23.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, abrange a caducidade do direito à liquidação do deste imposto, na previsão da Verba 1.1, da respectiva Tabela Geral.

 

h) Assim, concluem os Requerentes "Em 12 de Outubro de 2015 já estava caducado o direito à liquidação do IMT e do IS referente à aquisição pela requerente do prédio identificado ...pelo que a liquidação de IMT e de IS realizada no dia 12 de Outubro de 2015 deverá ser declarada intempestiva e ilegal por violação do disposto no artigo 31.º, n.º 3, do CIMT, anulando-se, consequentemente, as respectivas liquidações."

 

16. Nestes termos, os Requerentes peticionam ao Tribunal que:

 

a) Seja declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IMT e de IS, no valor de € 22 234,92 e de 3 393,68, respetivamente, com a sua consequente anulação;

 

b) Seja condenada a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, a restituir aos Requerentes as quantias indevidamente liquidadas e pagas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais;

 

c) Seja condenada a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, nas custas do processo.

 

17. Pronunciando-se sobre o que vem alegado pelos Requerentes, diz a Requerida que o pedido não pode proceder, porquanto os Requerentes laboram em erro quanto aos factos, sustentando que as liquidações ora questionadas se configuram como liquidações adicionais de uma outra liquidação que teria sido efectuada em consequência de avaliação do prédio urbano que constituiu objeto da transmissão.

 

18. Com efeito, verifica-se da demonstração das liquidações constante da notificação efetuada pelo Serviço de Finanças à Requerente através do ofício n.º…, de 14-09-2015, que, em obediência à norma do artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT, aplicável ao IS por remissão do artigo 9.º, n.º 1, do respectivo Código, o valor tributável nelas considerado foi o preço da transação - de montante superior ao valor resultante da avaliação que, segundo a Requerida, teria sido realizada - a que foi aplicada a corresponde taxa legal.

 

19. Por outro lado, da referida demonstração se extrai também que não é considerada, nem sequer referida, qualquer liquidação anterior mas, expressa e exclusivamente, à que decorre da não verificação dos pressupostos das isenções de que a transmissão beneficiou.

 

20. A eventual existência nos serviços tributários de um qualquer projeto de liquidação não notificado aos respectivos destinatários não poderia, em qualquer caso, produzir efeitos em relação a estes, conforme expressamente decorre das disposições do artigo 77.º, n.º 6, da LGT e 36,º, n.º 1, do CPPT.

 

21. Resulta, pois, dos factos que no presente processo se dão como documentalmente provados, que o objecto do pedido são as liquidações de IMT e de IS efetuadas pelos competentes Serviços da Administração Tributária com base no entendimento de que com referência à transmissão a que se reportam não se encontravam reunidos os pressupostos legais de que depende o acesso aos benefícios fiscais em causa.

 

22. É, pois, com base nesses fatos que importa analisar o pedido, nos exatos termos em que é formulado, ou seja, que no momento em que as referidas liquidações foram efetuadas havia já caducado o respectivo direito.

 

23. Importa, assim, uma referência, se bem que relativamente sumária, às normas legais relativas ao instituto da caducidade, centradas em especial nas especificidades que apresentam em sede de IMT e de IS.

 

Dos prazos de caducidade em IMT e IS

 

24. Relativamente ao IMT, o prazo de caducidade do direito à liquidação consagrado no respectivo Código é diverso do prazo geral de caducidade que o artigo 45.º, n.º 1, da LGT fixa em quadro anos. Com efeito, este prazo, de acordo com o artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT, é fixado em 8 anos.

 

25. Estando em causa um imposto de obrigação única, a contagem deste prazo inicia-se a partir da data em que tenha ocorrido o facto tributário, conforme decorre do artigo 45.º, n.º 4, da referida lei.

 

26. Todavia, sempre estejam em causa liquidações adicionais, o prazo de caducidade do IMT é reduzido para 4 anos, contados da data da liquidação a corrigir, conforme prevê o artigo 31.º, no 3, do Código do IMT, sem que, contudo, possa ser excedido o prazo de 8 anos referido naquele artigo 35.º, a contar da data da ocorrência do facto tributário.

 

27. Do exposto pode, em resumo, concluir-se que o Código do IMT prevê um prazo de caducidade de 8 anos a partir da ocorrência do fato tributário relativamente a liquidações originárias, sendo esse prazo reduzido para 4 anos, contados da liquidação a corrigir, sempre que estejam em causa liquidações adicionais, sem que, contudo, possa aquele ser excedido. 

 

28. Quanto ao Imposto do Selo relativo à transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - Verba 1.1 da respectiva Tabela Geral – na data da ocorrência do fato tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral estava sujeito ao prazo geral de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, conforme redacção do artigo 39.º, n.º 1, do respectivo Código, não se estabelecendo qualquer exceção, salvo no tocante à tributação das transmissões gratuitas. A partir de 01-01-2012, com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, foi esse prazo alargado para 8 anos, contados do facto tributário, igualmente no caso de aquisição onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis.

 

29. No presente processo está, pois, em causa determinar se os atos tributários impugnados se devem qualificar como primeiras liquidações ou como liquidação adicionais, pois que dessa qualificação, no que respeita ao IMT, depende a aplicação de um ou de outro dos referidos prazos de caducidade do direito à liquidação. No que concerne ao IS, a questão centra-se apenas em se definir a data da ocorrência do respectivo facto tributário e consequente aplicação da legislação então em vigor.

 

Do conceito de liquidação adicional

 

30. A expressão "liquidação adicional" de IMT, associada ao prazo específico de caducidade do direito à liquidação deste tributo, é utilizada no artigo 31.º, n.º 2, do respectivo Código, que, na redacção conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, prevê que " Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 19º, promove a competente liquidação adicional."

 

31. É, pois, com direta referência a esta "liquidação adicional" que o n.º 3 do mesmo artigo 31.º estabelece que: "A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir (...) ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º"

 

32. Do texto das normas transcritas resulta, assim, com meridiana clareza, que uma liquidação adicional pressupõe uma anterior liquidação que esta visa corrigir. E é precisamente nesse sentido que assim tem vindo a ser entendido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Como se pode ler no acórdão do STA de 17-01-2007 - proc. 909/06 - " A liquidação adicional, como resulta da própria designação, pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo e que a mesma, por erro de facto ou de direito ou por qualquer omissão ou inexactidão, tenha determinado a cobrança de um imposto inferior ao devido.

A liquidação adicional destina-se, assim, a corrigir ou rectificar a uma liquidação deficiente ...".

 

33. Revertendo à situação concreta a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral constata-se, na perspectiva de aquisição do direito de propriedade sobre um bem imóvel que viria a concretizar-se em 14-01-2010 com a emissão do respectivo Título de Transmissão, a Requerente, em 22-12-2009, apresentou no Serviço de Finanças de ...-…, uma declaração para liquidação de IMT (Declaração modelo 1 de IMT).

 

34. Em face da declaração apresentada, os Serviços competentes emitiram documentos de cobrança, de que consta ser de € 0,00 o valor a cobrar de IMT e de IS, invocando-se, para tal, o regime de benefícios fiscais previstos nos artigos 269.º e 270.º do CIRE.

 

35. As referidas disposições legais consagram isenção total dos referidos tributos relativamente a aquisições de direitos reais sobre bens imóveis realizadas ao abrigo de providências previstas naquele Código.

 

36. Revestindo a natureza de isenções automáticas, a eficácia dos aludidos benefícios não carece de ato prévio de reconhecimento administrativo, decorrendo direta e imediatamente da lei, conforme expressamente prevê o artigo 5.º do EBF.

 

37. Todavia, estando em causa uma isenção de IMT, determina o respectivo Código que em momento anterior ao da ocorrência do fato tributário os interessados estão vinculados à obrigação de apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial - Declaração modelo 1 de IMT - para efeitos de liquidação do imposto que se mostrar devido (vd., CIMT, art. 19.º, n.º 1).

 

38. A obrigação de apresentar a declaração de liquidação é extensiva às situações de isenção (CIMT, art. 19.º, n.º 3). Todavia, esta declaração não visa a efetivação de liquidação, nos casos em se verifiquem os pressupostos da isenção, mas tão-somente permitir aos serviços tributários verificar os pressupostos do benefício de que aproveita a transmissão e emitir a correspondente declaração.

 

39. Estando em causa isenções automáticas, a competência para a verificação e declaração do benefício é atribuída ao serviço de finanças onde for apresentada a mencionada declaração (vd.,. CIMT, art. 10.º, n.º 8, al. d).

 

40. No presente caso verifica-se que à situação em causa correspondem isenções automáticas de IMT e de IS cujos pressupostos legais os serviços competentes, de acordo com o procedimento legal acima referido, verificaram, tendo emitido as correspondentes declarações através de documentos de cobrança de valor nulo.

 

41. Abstendo-se de efetuar as liquidações, em face da eficácia paralisante dos benefícios fiscais aplicáveis ao caso, o serviço de finanças fez constar dos mencionados documentos a respectiva fundamentação, com indicação das normas legais aplicáveis bem como da intensidade do benefício (100%, isenção total).

 

42. Posteriormente, entenderam os mesmos serviços que haviam cometido erro na apreciação da situação em causa que repararam através das liquidações que constituem objecto do presente pedido.

 

43. Pretendem os Requerentes que estas liquidações se configuram como liquidações adicionais na medida em que "vêm corrigir uma erro cometido na liquidação inicial" e, consequentemente, estão sujeitas ao prazo de caducidade de quatro anos, contados da liquidação a corrigir.

 

44. Não se pode, porém, acolher tal pretensão, por se entender que os documentos de cobrança emitidos por valor nulo não traduzem a realização de uma liquidação de imposto, mas, tão-somente, a certificação, pelos competentes serviços tributários, da verificação dos pressupostos de isenção de que a transmissão beneficia.

 

45. Com efeito, liquidação, em sentido estrito, significa a aplicação a uma determinada base tributável da taxa de tributação que, correspondentemente, lhe caiba de acordo com a legislação aplicável.[ii]

 

46. Na situação em análise, verifica-se que os serviços competentes, procedendo de acordo com as normas aplicáveis dos Códigos do IMT e do IS, apuraram a base tributável - neste caso, o preço da aquisição - determinando a taxa correspondente, tendo em consideração estar em causa a aquisição de prédio destinado a habitação própria e permanente da aquirente (vd., CIMT, arts. 12.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, al. a) e CIS, art.º 9.º, n.º4).

 

47. Porém, os serviços tributários não aplicaram a correspondente taxa à base tributável apurada, isto é, não procederam à liquidação dos impostos que seriam devidos, precisamente por terem considerado aplicáveis ao caso as isenções que mencionam naqueles documentos de cobrança.

 

48. Tais documentos, emitidos por valor nulo, destinam-se a fazer prova perante as entidades que emitam ou intervenham na celebração dos atos ou contratos que envolvam a transmissão de direitos reais sobre imóveis de que foram cumpridas as correspondentes obrigações fiscais (CIMT, art. 49.º e CIS, art.63.º).

 

49. Não tendo sido efetuada qualquer liquidação de IMT ou de IS com base na declaração oportunamente apresentada pela Requerente mulher, por ter sido considerada aplicável à transmissão uma isenção total dos referidos tributos, as liquidações ora impugnadas não podem ser consideradas "liquidações adicionais", pois que se não destinam a corrigir liquidações anteriores.[iii]

 

50. Assim, considerando estar-se perante liquidações originárias, o prazo de caducidade do direito à liquidação, contado a partir da data da ocorrência do fato tributário, é de 8 anos, para o IMT e de 4 anos para o IS, nos termos dos artigos 35.º do CIMT e 39.º do CIS, na redacção em vigor na referida data.

 

51. Pelo que, tendo o facto tributário ocorrido em 14-01-2010 com a emissão do Título de Transmissão pelo Tribunal Judicial de ..., e a liquidação sido efectuada em 15-01-2015, com a notificação do sujeito passivo, verifica-se que a mesma foi efectuada dentro do prazo legal quanto ao IMT e depois de excedido este no que concerne ao IS.

 

V. Decisão

 

47. Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que respeita ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (€ 22 234,92) e, consequentemente dever manter-se na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado;

 

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anular o acto de liquidação de Imposto do Selo a que se refere o documento de cobrança n.º  …, da importância de € 3 393,68;

 

c) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados nos termos legais, relativamente à liquidação do Imposto do Selo referida na alínea anterior.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 25 628,60, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 530, 00, devidas pelos Requerentes e pela Requerida, na proporção do respectivo vencimento: € 1 331,10, 40 e € 198,90, respetivamente.

 

Lisboa, 22 de abril de 2016,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 

 



[i]  Cfr. STA, Acs. de 24.10.2012 - Proc. 747/12, de 6.3.2013 - Proc. 1327/12 e de 16.3.2016, Proc. 1122/15, e, ainda, TCAS, Ac. de 27.11.2014 - Proc. 8148/14.

[ii]  Cfr. SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª ed., Almedina, p- 308

[iii]  Neste sentido, cfr. STA, Acs. de 18.5.2011 - Proc. 153/11 e de 14.9.2011 - Proc. 294/11 e Decisões Arbitrais de 16.11.2015 - Proc. 11/2015-T e de 26.2.2016 - Proc. 382/2015.