Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
1. A…, S.A., pessoa colectiva número…, com sede em Lisboa, na Rua … n.º…, Bloco…, Piso…, …-… Lisboa, requereu, em 30 de Julho de 2015, a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante RJAT), para apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, refente ao ano de 2014, do qual resultou imposto a pagar no valor de € 55.755,50, incidente sobre o terreno para construção, correspondente ao artigo matricial n.º U-…, da freguesia de…, concelho de Loulé, com o valor patrimonial tributário de € 5.575.550,00.
2. A referida liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2014, resultou da aplicação pela Autoridade Tributária da taxa de 1%, prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) à Requerente por ser proprietária de um prédio urbano, terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 5.575.550,00.
3. Não se conformando com a referida liquidação, a Requerente requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e artigo 2.º do RJAT, pedindo:
a) Declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações em causa com fundamento em:
i. Violação do princípio do estado de direito democrático na vertente do subprincípio da tutela da confiança e proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (artigos 2.º, 13.º e 103.º da CRP) da norma constante da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao CIS);
ii. Erro sobre os pressuposto de facto e de direito das liquidações em causa.
b) Condenação da autoridade tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Com a petição juntou cinco documentos, não tendo sido arroladas testemunhas.
4. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
5. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro a ora signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
6. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 28 de Outubro de 2015.
7. As partes apresentaram alegações.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente representadas.
III. QUESTÕES A DECIDIR
Em face das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e atentos os fundamentos invocados, as questões a decidir no âmbito do presente processo arbitral – referentes à apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo, referente a 2014, com data de 20 de Março de 2015, no montante de € 55.755,50 –, atentos os vícios invocados pela Requerente, são as seguintes:
1. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mais concretamente, saber se a Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é aplicável ao prédio da Requerente.
2. Saber se a norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, viola o princípio do estado de direito democrático na vertente do subprincípio da tutela da confiança e proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (artigos 2.º, 13.º e 103.º da CRP).
IV. MATÉRIA DE FACTO
Atendendo às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados (petição, resposta e alegações), à prova documental carreada para os autos, designadamente a caderneta predial urbana junta como documento n.º 3, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito em…, …, no lugar de…, em…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia de…, concelho de Loulé;
2. O referido prédio corresponde a um terreno para construção, cujo coeficiente de afectação é a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 5.575.550,00.
3. Sobre o aludido prédio, a ATA liquidou Imposto do Selo, relativo à Verba 28.1. da TGIS, referente ao ano de 2014, à taxa de 1% incidente sobre o valor patrimonial, de que resultou uma colecta de € 55.755,50.
4. Em 14 de Abril de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento da 1.ª prestação da mencionada liquidação no montante de € 18.585,18.
5. Em 24 de Julho de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento da 2.ª prestação da mencionada liquidação no montante de € 18.585,16.
6. Em 20 de Novembro de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento da 3.ª prestação da mencionada liquidação no montante de € 18.585,16.
V. FUNDAMENTAÇÃO
Sobre a matéria dos autos convém recordar alguns traços legislativos, tanto em matéria de Imposto do Selo, como em sede das alterações legislativas operadas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na esteira aliás do que vem sendo afirmado nos recentes acórdãos que versaram sobre a questão da constitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (acórdãos n.ºs 590/2015, 83/2016, entre outros, do Tribunal Constitucional, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/).
Como é sabido, o Imposto do Selo, cuja criação remonta ao Século XVII, esteve inicialmente associado a operações de autenticação de documentos por autoridades públicas. O actual diploma, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, foi significativamente alterado aquando da reforma da tributação do património de 2003, operada pelo Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, em que o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento ou riqueza, aplicando-se a uma "multiplicidade heterogénea de factos ou atos", sem "um traço comum que lhes confira identidade" (cf. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património, pag. 453). “Na sua actual modulação, o Imposto do Selo configura-se como um meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo” (cf. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos Sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Engifisco, 2005, p. 534).
A Verba n.º 28 da TGIS, anexa ao CIS, foi aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve, inicialmente, a seguinte redacção:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”
Os tribunais arbitrais tributários constituídos no âmbito do CAAD foram, sucessivamente, chamados a pronunciar-se sobre a questão de saber se os terrenos para construção, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 poderiam subsumir-se ao conceito de prédios (urbanos) “com afectação habitacional”, a que aludia a já identificada Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo. A questão foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da Arbitragem Tributária (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 51/2013-T, 144/2013-T, entre outros[1]), como pelos sucessivos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo (cf. Ac. STA de 22/04/2015, proferido no processo 347/15, e toda a jurisprudência aí citada, e Ac. STA de 29/04/2015, proferido no processo 21/15, entre outros[2]), que, de forma unânime e reiterada, decidiram que os “terrenos para construção” não podiam ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo, previsto na Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55/2012, de 29 de Outubro, como prédios (urbanos) com afectação habitacional.
Ainda a respeito da medida legislativa em causa, como já foi salientado em anteriores decisões sobre esta matéria, aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[3]:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Como então se realçou a decisão n.º 144/2013-T do CAAD, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI e “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabiam os terrenos para construção, referidos que são na alínea c) do citado preceito[4].
Porém, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio alterar a redacção originária da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que passou a ter a seguinte redacção:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:
28.1 – “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”
Temos então que, com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo foi alargado aos terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista seja para habitação.
a) Da aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ao prédio da requerente
A primeira questão, subjacente aos presentes autos, prende-se em saber se a Verba 28.1 da TGIS na parte em que sujeita a Imposto do Selo os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” é aplicável ao prédio da Requerente.
Na óptica da Recorrente, as liquidações impugnadas enfermam de “erros, sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto no caso dos terrenos para construção objecto das liquidações impugnadas, não se pode dizer que tenham, enquanto terrenos uma afectação habitacional, na medida em que esta afectação tem de ser presente e efectiva e não meramente potencial e futura”.
Importa, salientar, que com a alteração legislativa operada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo foi alargado, passando a abranger os terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
O Código do IMI define terrenos para construção como os terrenos situados, dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operações de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente, os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos – cf. artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI.
Decorre, por seu turno, dos artigos 45.º do CIMI, conjugado com o artigo 40.º-A, n.º 3, 4 e 5 que a afectação do terreno para construção embora não integre o conceito de terreno para construção é relevante para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário desse terreno. É pois em função da afectação, autorizada ou prevista, que se define o valor da área de implantação (artigo 45.º, n.º 2 do IMI), que varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
Ora, o facto de na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se levar em conta a afectação (autorizada ou prevista) para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. artigo 45.º, n.º 1 e 2 do Código do IMI) leva à delimitação da norma de incidência prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não apenas em função do tipo de prédio urbano em causa (terreno para construção) mas também em função da sua afectação: habitação (artigo 40.º-A, n.º 1 do Código do IMI), comércio ou serviços (artigo 40.º-A, n.º 2 do Código do IMI), indústria (artigo 40.º-A, n.º 3 do Código do IMI) ou estacionamento (artigo 40.º-A, n.º 4 do Código do IMI), por remição do artigo 40.º-A, n.º 5 e artigo 45.º do Código do IMI.
A expressão por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação deve ser interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção (artigo 6.º, n.º 3 do CIMI), cuja afectação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do Código do IMI o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.” E, acrescenta-se no artigo 45.º, n.º 2 do Código do IMI que o valor da área de implantação “varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”. Ora, tanto no cálculo do valor da área de implantação, como no cálculo do valor da área adjacente, utilizam como parâmetro o coeficiente de afectação, previsto no artigo 41.º do Código do IMI.
No caso concreto, sendo o prédio da Requerente um terreno para construção cuja afectação, autorizada ou prevista, é a habitação – veja-se o teor da Caderneta Predial Urbana junta como documento n.º 3 em revela que o Coeficiente de Afectação (Ca 1,00 | habitação) –, cabe no âmbito de incidência da norma prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo aplicável ao prédio de que a Requerente é proprietária.
Em face do exposto, entendemos que os terrenos para construção, cuja afectação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com valor patrimonial, igual ao superior a euros 1 000 000, como é o caso dos autos, estão abrangidos pelo âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
b) Da inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo
A segunda questão fundamental consiste em saber se a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo – subjacente ao acto de liquidação sub iudice – é inconstitucional por violação do princípio do Estado de direito democrático na vertente do subprincípio da tutela da confiança e proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (artigos 2.º, 13.º e 103.º da CRP), conforme sustenta a Requerente.
As questões de constitucionalidade colocadas à apreciação deste Tribunal inscrevem-se assim no quadro de aplicação aos terrenos para construção cuja afectação, autorizada ou prevista, seja para habitação, em sede de Imposto do Selo, mais concretamente, na aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no caso vertente, com referência ao acto de liquidação, do ano de 2014.
A propósito do princípio da tutela da confiança sustenta a Requerente, socorrendo-se de jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.º 128/2009) – que o mesmo importa a verificação de requisitos cumulativos, a saber: “(i) em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; (ii) depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; (iv) por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativas”.
O princípio da tutela da confiança legítima, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático constante do artigo 2.º da Constituição, postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança jurídica nos direitos das pessoas e na expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade da tutela jurídica (Acórdão n.º 237/98 do Tribunal Constitucional).
Como vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional, tal princípio não obsta a liberdade de conformação do legislador democraticamente legitimado e o princípio da autoreversibilidade das leis (Acórdãos n.ºs 287/90, 128/09 e 564/12 do Tribunal Constitucional).
A este propósito a Recorrente sustenta que os sujeitos passivos empresariais como é o caso do impugnante, que tem as suas receitas decorrentes da exploração dos imóveis (“rendas”) ligadas a contratos em execução, fizeram os seus planos e não podiam contar legitimamente com a introdução de um novo facto tributário no ano civil e exercício de 2014.
Porém, esta posição não merece acolhimento.
Por um lado, não se encontra razão para sustentar que o Estado, através da Administração Fiscal, haja permitido a criação de expectativa de que os terrenos para construção, cuja edificação, prevista ou autorizada, seja para habitação iriam permanecer fora do âmbito de incidência da Verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo. Aliás, a evolução legislativa operada com a introdução da Verba 28.1. em 2012 da taxa de 1% para prédios afectos à habitação e a interpretação que Administração Tributária vinha fazendo daquela norma sustentando que a mesma se aplicava aos terrenos para construção (interpretação esta rejeitada pelos Tribunais) aponta mesmo no sentido oposto. Seria expectável que o legislador viesse estender o âmbito de incidência da norma aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse a habitação, tal como vinha sendo a interpretação da Administração Tributária.
Em segundo lugar, não se encontra no contexto factual subjectivo alegado pela Requerente fundamento para considerar que a mesma modelou a sua actividade e investimento no pressuposto da continuação de que os terrenos para construção ficariam fora do âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Por último, cumpre evidenciar que – como referido nos vários acórdão do Tribunal Constitucional - a norma em causa, insere-se num conjunto de medida todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal (cf. Acórdão n.º 590/2015).Tribunal Constitucional - construço para considerar que a mesma modelou a sua actividade de investimento s cidadúlt últmoo
Quanto à questão de saber se a Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (artigos 2.º, 13.º e 103.º da CRP).
Cumpre antes de mais salientar que uma parte da questão colocada pela Requerente foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da Arbitragem Tributária (cf. decisão proferida no âmbito do processo número 505/105-T, entre outros), bem como ter presente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/15, de 11 de Novembro de 2015 que já se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, posteriormente, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 Dezembro.
Sobre esta matéria sustenta a Requerente que a normação questionada merece censura constitucional por violação do princípio da igualdade sempre que se “tratem os contribuintes (destinatários das normas) que estejam em situações materiais idênticas de forma claramente diferente, não sendo a diferença medida ou aferida pela sua real capacidade contributiva, ou sempre que as normas se baseiem índices de capacidade contributiva ou soluções arbitrárias ou desprovidas de qualquer fundamento racional perceptível (proibição de arbitrariedade)".
Na óptica da Recorrente tal decorreria, entre outras, das seguintes situações:
· “como compaginar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos (SP), com o VPT de um imóvel individualmente considerado, vs. a soma dos VPT dos diferentes imóveis dos mesmos SP, que pode exceder a referida marca de 1M€; ou ainda, (iii) o fundamento racional e/ou perceptível, do motivo pelo qual seriam considerados prédios (construídos ou não) afectos actual ou potencialmente a um determinado destino (habitação), vs. a exclusão da tributação do mesmo tipos de imóveis, afectos a outros fins (v.g. escritórios, armazéns, indústria, equipamentos públicos ou privados).”
· “qual o motivo de discriminação ou de consagração da incidência sobre imóveis "afectos a habitação" (construídos ou não), versus a exclusão da tributação do mesmo tipo de prédios - urbanos - quando estes tenham afectações de terciário, comércio, equipamento, indústria, ou quaisquer outras".
· “não se vê como fundamentar a discriminação positiva por via da não sujeição dos sujeitos passivos titulares do direito relevante sobre os prédios urbanos com “com afectação” não “habitacional” supramencionados que não conduza a uma intolerável iniquidade, ou não revele que, afinal, estamos perante uma norma injusta, irracional e arbitrária".
· “não se vê qual a razão ou fundamento ou por que via passará o juízo de constitucionalidade a tributação em sede desta Verba 28.1. de uma pequena empresa construtora , que por mero acaso apenas tivesse no seu activo um único lote de terreno destinado pelo alvará de loteamento a construção de edifício exclusivamente habitacional, versus a mesma empresa que, por mero acaso, tivesse o activo apenas composto de um lote para construção de um centro comercial";
· “se tributaria nesta sede a mesma pequena empresa construtora, que por mero acaso apenas tivesse no seu activo um único lote de terreno destinado pelo alvará de loteamento a construção de edifício exclusivamente habitacional, versus uma grande promotora imobiliária, ou um fundo de investimento imobiliário, que não seja tributado, apesar de apenas deter no seu activo a parcela de terreno destinada à construção do maior centro comercial de Portugal? Ou a maior "torre" de escritórios de Portugal? Ou a parcela destinada à construção do hotel (equipamento privado) de maior luxo de Portugal? Ou uma parcela destinada à construção de um estádio de futebol? ou de um campo de golfe?"
O princípio da igualdade tributária enquanto corolário do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição pode ser traduzido na ideia de que se deve tratar “de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente”, podendo as suas implicações em matéria fiscal ser encontradas nos artigos 103.º e 104.º da Constituição (cf. Acórdão n.º 620/2015).
Sobre o princípio da capacidade contributiva, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional o seguinte (Acórdãos n.ºs 601/04, 542/03, 84/03, entre outros): “O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.”, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos - dos 'impostos fiscais' mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou 'capacidade de gastar' (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)».
O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».
Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (cf. Acórdão n.º 142/04).
O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.
Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.
A tributação da propriedade de prédios urbanos habitacionais e, mais recentemente, de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 “enquanto medida fiscal dirigida a afectar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada”, revela uma inequívoca capacidade contributiva, por se reportar a prédios de valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, ainda que potencial, “susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade” – (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de Novembro).
Por outro lado, como consta da fundamentação do mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, que aqui se segue, o facto de o Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, incidir sobre a propriedade concentrada num imóvel de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, deixando de tributar patrimónios de valor por vezes muito mais elevado, mas em que nenhum dos imóveis que o integram atinja aquele VPT: “(…) A tributação decorrente da norma de incidência alojada na Verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afecto à habitação, calculando o respectivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa óptica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário. (…) Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104º, nº 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adoptar (…)”.
No caso em análise, o legislador considerou que sobre os terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação deveria incidir a “taxa de luxo”, no âmbito do esforço de consolidação orçamental. Pretendeu-se com a referida tributação repartir os sacrifícios exigidos aos proprietários de prédios habitacionais e terrenos para construção de elevado valor com aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.
A criação deste novo facto tributário ocorreu ainda no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.
Na verdade, através da Verba 28.1. pretende-se tributar a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos, revela maiores indicadores de riqueza, susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” – (Vide proposta de Lei n.º 96/XII).
A opção pela tributação de prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção cuja edificação seja para habitação e não de prédios rústicos ou destinados ao comércio resulta de uma opção de política económica, assente na ideia de que a penalização de prédios com afectação económica contribuiria para o agravamento da situação económica do país.
Como ensina José Maria Fernandes Pires, “a aplicação do imposto aos prédios com afectação a habitação e a terrenos para construção em que esteja prevista ou aprovada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o sector produtivo e as empresas em geral. Na verdade, os prédios afectos a actividades empresariais, nomeadamente comércio, serviços ou actividade industrial, podem alcançar um valor superior a um milhão com relativa facilidade, sem que esse facto possa revelar uma relevância em termos de riqueza idêntica à que revelam os que têm afectação à habitação com o referido valor.
Deste modo, consta-se que os factos tributários contemplados pela Verba 28.1 da TGIS não foram escolhidos de forma arbitrária, sendo a sua opção justificada pelo contexto político-económico subjacente.
Não colhe, assim, o argumento da Requerente de que a norma de incidência aqui em discussão viola o princípio da igualdade. Pelas razões expostas acima, este Tribunal também não considera que se encontre beliscado o princípio da capacidade contributiva pela exclusão de outros prédios, para além dos contemplados na norma, que revelam igual capacidade contributiva. Igualmente, não se vislumbra que haja violação do princípio da capacidade contributiva pelo facto da incidência do IS ser efectuada imóvel a imóvel ou “à unidade”, atentas as motivações do Legislador e uma vez que não existe nenhum imposto global sobre o património, que imponha outro tipo de ponderação.
Em face do exposto, entendemos que a norma em causa não enferma de inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais invocados.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Requerida dos pedidos.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo:
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, conjugado com a al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 55.755,50.
Custas:
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RGAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.
Lisboa, 11 de Abril de 2016
(Alexandra Gonçalves Marques)
[1] Todos disponíveis na base de dados do CAAD.
[3] Cf. DAR I Série n.º 9/XII-2, de 11 de Outubro, pág. 32.
[4]Cf. Decisão arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD, disponíveis em www.caad.org e, também, Ac. do STA de 29/04/2015 e 23/04/2014, disponíveis em www.dgsi.pt.