DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
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No dia 29.07.2015, a sociedade A…, SA, NIPC …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31.08.2015.
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Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 13.10.2015.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal ficou constituído em 28.10.2015.
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Nos presentes autos estão em causa liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2014 e a terrenos para a construção sitos na freguesia da…, Concelho de Loulé, melhor identificadas no ponto III.1 do presente acórdão, cuja ilegalidade é suscitada pela Requerente, que vem pedir, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a respetiva declaração de ilegalidade, bem como a restituição do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios.
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A Requerente alega que a norma na qual se baseiam as liquidações impugnadas – estabelecida na verba 28.1 da TGIS -, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e, especificamente em matéria de tributação do património, no artigo 104.º, n.º 3, da Constituição, enquanto a Requerida sustenta a constitucionalidade da referida norma, e, consequentemente, a validade das liquidações impugnadas.
II. Saneamento
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
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Não ocorrem quaisquer nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.
III. Fundamentação
III.1 Matéria de facto
Consideram-se os seguintes
a) Factos provados
1. A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua atividade, se dedica à promoção e construção imobiliária;
2. Em março de 2015, a Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2014 e aos terrenos para a construção sitos na freguesia da…, Concelho de Loulé, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos U-… U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-… e U-… respetivamente, no valor total de € 284.238,60, materializadas nos documentos de cobrança n.ºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…, todos datados de 20 de março de 2015;
3. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário das primeiras prestações das liquidações referidas no ponto 2.
b) Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
c) Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia quanto à matéria de facto.
III.2 Direito
A questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, mormente igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva.
Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:
- Por um lado, nem todos os proprietários, usufrutuários ou superficiários de imóveis de valor tributário igual ou superior a € 1.000.000 estão sujeitos a este encargo tributário, mas apenas aqueles que o sejam de prédios urbanos afetos à habitação ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com exclusão de todos os que o sejam em relação aos demais prédios urbanos ou rústicos.
- Por outro lado, apenas os proprietários, usufrutuários ou superficiários destes prédios urbanos de valor tributário igual ou superior a € 1.000.000 sofrem o encargo do imposto e, nestes casos, a tributação incide sobre o valor patrimonial tributário global do mesmo.
- Além disso, a tributação da riqueza patrimonial por referência ao valor da “unidade” prédio exclui de tributação os indivíduos titulares dos mesmos direitos sobre patrimónios imobiliários compostos por vários imóveis de valor unitário inferior ao definido na norma de incidência mas cujo valor total seja substancialmente superior ao valor de referência da “unidade” para efeitos de tributação.
- Da mesma forma, não vislumbra a Requerente motivos pelos quais os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos afetos à habitação ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de valor tributário superior a € 1.000.000 sofram o encargo do imposto pela totalidade do valor patrimonial tributário daqueles imóveis e não apenas pelo montante que exceda aquele valor, quando os proprietários, usufrutuários ou superficiários do mesmo tipo de prédios urbanos de valor tributário inferior a € 1.000.000 não sofrem qualquer tributação. Em seu entender, se um dos critérios de determinação da incidência reside no facto de os imóveis em questão terem um valor superior a € 1.000.000, então, sob pena de se discriminarem negativamente estes sujeitos passivos daqueles cujos imóveis não ultrapassam o valor de referência, a tributação apenas deveria incidir sobre a diferença entre o valor patrimonial dos prédios em questão e aquele valor de referência.
- O critério da capacidade contributiva pressupõe tributação igual para quem tem a mesma capacidade contributiva e tributação diferente para aqueles cuja capacidade contributiva é diferente, em função dessa mesma diferença. Como corolário do princípio da igualdade (tributária), impõe-se que o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva de cada um seja observado pelo legislador ordinário no sentido de definir a incidência objetiva do imposto por referência às três manifestações de riqueza suscetíveis de indiciar a capacidade económica do contribuinte: (i) a riqueza angariada (rendimento); (ii) a riqueza possuída (património); e (iii) a riqueza despendida (consumo). Sobre o assunto cita jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 106/2013, de 20 de fevereiro, no Processo n.º 702/12):
“O princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão do princípio geral estruturante da igualdade (art.º 13.º da CRP) não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento com base no mesmo
“Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente e o que é desigual deve ser tributado desigualmente na medida dessa desigualdade. Mas a diferenciação entre o que é igual ou desigual implica a adoção de critérios valorativos das realidades tributáveis.”.
- A Requerente invoca ainda a progressividade fiscal como corolário do princípio da igualdade. A este respeito recorre às palavras de SOUSA FRANCO (Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume II, Coimbra, 4.º edição – reimpressão, página 198): “(…) o princípio da capacidade contributiva exige que os contribuintes sejam tratados com igualdade e que os seus pagamentos impliquem um sacrifício igual para cada um deles, resultando daí que a tributação progressiva será mais justa que a proporcional, pois que o sacrifício objetivo que é imposto pela tributação é tanto menor quanto maior for o rendimento.
- Entende, assim, que a progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de riqueza seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores manifestações de riqueza uma taxa de imposto superior. No caso em apreço, o IS sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional ou potencialmente habitacional, de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, à taxa de 1%, não assume carácter progressivo.
- Da mesma forma, entende ser desproporcional e em nada diminuir a desigualdade na distribuição social da riqueza a circunstância de se tributar pela totalidade do valor patrimonial tributário um prédio urbano em que esse valor ascende a € 1.000.000,00 e não tributar sequer a propriedade sobre um prédio urbano em que esse valor ascende a € 999.999,00.
- Conclui que, não tendo o legislador estabelecido mecanismos diferenciadores na aplicação do imposto em apreço, tendentes de facto à almejada diminuição da desigualdade na distribuição social da riqueza, no caso em apreço, estamos perante uma clara violação do princípio da progressividade. Volta a citar a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 806/93, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de janeiro de 1994, citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 711/2006, de 29 de dezembro, no Processo n.º 1067/06, na esteira dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 44/84, nº142/85, nº 80/86, nº 336/86, publicados no Diário da República, respetivamente, II Série, de 11 de julho de 1984, II Série, de 7 de setembro de 1985, I Série, de 9 de junho de 1986 e I Série, de 24 de dezembro de 1986), na esteira da jurisprudência da Comissão Constitucional (em especial, o Parecer nº 26/82, publicado nos Pareceres da Comissão Constitucional, 20º vol., pág. 211 e ss.): “(…) se o princípio da igualdade não proíbe que haja diferenças de tratamento na lei, antes por vezes as imponha directa ou indirectamente, o que com segurança se pode dizer é que tal princípio proíbe, isso sim, as discriminações arbitrárias, irrazoáveis ou infundadas, sendo tidas como tais todas as que não encontrem um apoio suficiente na distinta materialidade das diferentes situações que se contemplam ou na compatibilização do aludido princípio da igualdade com outros princípios constitucionalmente acolhidos.”
- A Requerente contesta ainda a justificação avançada para a tributação nos termos da verba 28.1 da TGIS nos termos da qual esta visaria a tributação de prédios de luxo, porquanto:
- O conceito de luxo convoca a noção de fruição (o que é desde logo reconhecido pelo legislador constitucional ao fazer apelo a tal conceito na previsão da tributação do consumo e já não quanto à tributação do património), não sendo, desde logo, razoável admitir que a fruição dos imóveis objeto de tributação ocorra necessariamente na esfera dos respetivos proprietários podendo verificar-se, desde logo, na esfera de locatários ou nem sequer ocorrer (como é o caso dos terrenos para a construção com potencial afetação habitacional);
- Associar o conceito de luxo a prédios urbanos de elevado valor cuja afetação é habitacional ou potencialmente habitacional, deixa de fora outros imóveis, de igual valor, cuja afetação é suscetível de merecer a mesma designação (hotéis de luxo; campos de golf; espaços de serviços de luxo, como sejam os espaços “private” das instituições bancárias, entre muitos outros que se poderiam referir).
- Por fim, a Requerente cita jurisprudência de tribunais arbitrais junto do CAAD, nomeadamente a constante da Decisão Arbitral n.º 218/2013-T (24-02-2014), seguida pela decisão arbitral n.º 206/2014-T.
Em contrapartida, entende a AT que:
- Para além do Acórdão 590/2015, também os Acórdãos n.ºs 692/2015 e 620/2015 do Tribunal Constitucional se pronunciam pela não inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.
- Considerou pois o Tribunal Constitucional em 3 acórdãos recentes que a referida norma não viola o princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva (para cuja fundamentação remete).
- Também diversos tribunais arbitrais junto do CAAD decidiram não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da TGIS - processos n.º 517/2015-T, n.º 495/2015-T e n.º 515/2015-T.
- Em face do que alegou a AT, tendo em conta o artigo 4º do Código Civil que proíbe o recurso à equidade pelos tribunais, considera que a vingar a tese da Requerente, a decisão arbitral seria inconstitucional porquanto ao fazer uma censura do acto praticado tendo em conta outros critérios que não o da legalidade, violaria o princípio constitucional da separação de poderes.
Vejamos.
O artigo 13.º da Constituição da República estabelece o princípio da igualdade nos seguintes termos:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O artigo 103.º da Constituição, sobre o sistema fiscal, dispõe o seguinte:
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
Por fim, e ainda com relevância para a presente análise, o n.º 2 do artigo 104.º da Constituição estabelece que:
2. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
A Requerente sustenta a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados na violação do princípio da igualdade, mormente fiscal. O princípio da igualdade fiscal desdobra-se em duas vertentes: a da generalidade e a da uniformidade dos impostos. Na vertente da generalidade dos impostos, o princípio da igualdade fiscal determina que o dever de pagar impostos é universal, enquanto na vertente da uniformidade implica a adoção de um mesmo critério de tributação para todos os contribuintes.
Nas palavras de Casalta Nabais, “o princípio da igualdade fiscal exige que o que é (essencialmente) igual, seja tributado igualmente, e o que é (essencialmente) desigual, seja tributado, desigualmente na medida dessa desigualdade.”[1] Um dos critérios para aferir o que é igual e o que é desigual é o critério da capacidade contributiva, que impõe que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo imposto (igualdade horizontal) e que os contribuintes com diferente capacidade contributiva paguem impostos diferentes - qualitativa e/ou quantitativamente – (igualdade vertical). O princípio da igualdade proíbe, assim, o arbítrio, isto é, só deverá considerar-se violado se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável.
Tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que devem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010).
A verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, esta verba tem a seguinte redação:
28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.
A argumentação da Requerente foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11-11-2015, proferido no processo n.º 542/14, em termos que, no que para aqui importa, se acompanham.
No sentido da constitucionalidade da norma constante da verba 28.1, na redação atual, já se pronunciaram também tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD – vejam-se os processos 495/2015-T e 515/2015-T.
- Contra a corrente acima exposta, surgiu, agora, muito recentemente, a decisão no processo nº 507/2015-T — proferida em Tribunal Arbitral, —, em que os árbitros sustentam a inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela[2].
O presente Tribunal Arbitral, não desvalorizando o citado Acórdão do CAAD, entende que não se vislumbram razões sérias, neste caso, para não aplicar a mesma doutrina defendida pelo Tribunal Constitucional em diversos Acórdãos citados nesta e noutras decisões do CAAD sobre o mesmo tema, mesmo considerando que estas decisões têm como objecto prédios urbanos para habitação, na linha, aliás, do que já sucedeu com decisões arbitrais anteriores já citadas acima.
No que concerne ao facto de se tratar de dois impostos com base no mesmo facto tributário, entende o Tribunal Constitucional, no que aqui se concorda, que «da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...) «Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional».
Quanto à proibição de arbítrio, entendeu o Tribunal Constitucional que «Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”».
Quanto à questão da dupla tributação, o entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui se reitera, é o seguinte: «(…) as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro).»
No que concerne ao argumento de que sujeitos passivos com idêntica capacidade contributiva não se encontram abrangidos pela incidência da verba n.º 28 apenas porque os imóveis dos quais são proprietários têm um valor patrimonial tributário abaixo de € 1.000.000,00, por exemplo € 999.999,00, refere-se no citado acórdão do Tribunal Constitucional o seguinte: «Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão. Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.»
É certo que, na situação de facto subjacente à análise do Tribunal Constitucional não se encontrava, como na presente, um terreno para construção. No entanto, não se vislumbram razões sérias, neste caso, para não aplicar a mesma doutrina, na linha, aliás, do que já sucedeu com decisões arbitrais anteriores já citadas acima.
Nestes termos, o tribunal considera, no caso concreto, não verificada a inconstitucionalidade da norma constante da verba 28.1 da TGIS por violação do princípio da igualdade.
IV. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar improcedentes:
(i) O pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas;
(ii) O pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
V. Voto de vencido
Nos termos do nº 5 do artigo 22º do RJAT a árbitro Raquel Franco fez lavrar voto de vencida que faz parte integrante desta decisão arbitral.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 284.238,60.
VII. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 28 de abril de 2016
Os Árbitros
José Baeta de Queiroz
(Presidente)
Ana Teixeira de Sousa
(Vogal)
Raquel Franco
(Vogal – Vencida conforme Declaração de Voto)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.)
Voto de vencida no processo 516/2015-T
Discordo da tese que fez vencimento pelos seguintes fundamentos:
A redação da norma constante da verba 28.1 da TGIS resultou de um alargamento do âmbito de incidência da norma original (que previa apenas a tributação sobre prédios com afetação habitacional e sobre prédios detidos por entidades, que não pessoas singulares, residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável), aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Quando foi criada a norma original, a justificação para a mesma avançada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª foi a seguinte:
“A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.
(…)
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.”
A constitucionalidade da primeira redação da verba 28.1, à face do princípio da igualdade, foi afirmada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 590/2015, de 11-11-2015, proferido no processo n.º 542/14, em que se refere, nomeadamente, que «não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”» e que «o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa». (sublinhado nosso)
A primitiva redação da verba 28.1 da TGIS, tendo em conta, aliás, a justificação avançada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, visava, portanto, tributar a titularidade de direitos sobre habitações de luxo, por ela revelar superior capacidade contributiva de quem os detém.
O alargamento da norma de incidência aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, não veio acompanhado de uma distinção atinente ao valor da construção edificada, razão pela qual, aplicando-se as normas gerais, mesmo quando a construção autorizada ou prevista para o terreno seja habitação em várias frações, é o valor patrimonial do terreno, o único que existe antes de ser concretizada a edificação e que é «utilizado para efeito de IMI», que é relevante para aferir da incidência do imposto.
Esta circunstância coloca, a meu ver, questões de constitucionalidade da norma em questão, as quais analiso de forma muito próxima à constante do acórdão proferido no âmbito do processo 507/2015-T. Assim, em termos sintéticos:
- o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação», sendo que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas» (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, do CIMI).
- em relação a terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1.000.000,00, a justificação da elevada capacidade contributiva revelada pela detenção de tal património não vale, pois o facto de o terreno ter valor igual ou superior àquele não permite identificar um sujeito passivo com uma capacidade contributiva a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».
- a titularidade de direitos sobre um terreno para construção de frações suscetíveis de utilização independente até revela menos capacidade contributiva do que a revelada pela titularidade de direitos sobre o prédio já construído, pelo que não se pode encontrar uma justificação racional para ser tributada a titularidade de direitos sobre o terreno, quando este tiver valor igual ou superior a € 1.000.000,00, e não a titularidade dos direitos do mesmo sujeito passivo sobre o prédio já construído, quando todas as frações tenham valores inferiores àquele.
- carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em que há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a € 1.000.000,00 e não aplicar a mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas».
- quanto aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».
A verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não faz qualquer distinção em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno. Sendo assim, é de concluir que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
Por estas razões julgaria procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações em causa no presente processo.
Lisboa, 28 de abril de 2016
Raquel Franco
[1] José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Teses Almedina, 2009, p. 435.
[2] Nos termos deste acórdão do CAAD encontra-se subjacente a ideia de que, diferenciar os casos em que as construções previstas ou autorizadas tenham ou não valor superior a € 1 milhão, está a questão que respeita aos terrenos para construção, que é da estes evidenciarem uma potencialidade e não uma efetividade de valor. Ou seja, reconhece-se que a situação dos terrenos para construção é diferente da dos edifícios construídos e de que, portanto, a norma deveria criar condições para o tratamento diferente do que é desigual.
Assim se conclui que a norma em questão é inconstitucional por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
Adicionalmente o Tribunal Arbitral entendeu que é inconstitucional a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na parte relativa a terrenos para construção, a empresas que exerçam a actividade de compra de terrenos para construção e para revenda uma vez que é inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos