Acórdão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Diogo Feio e Nuno Miguel Morujão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24/8/2015, acordam o seguinte:
I. Relatório
1. A contribuinte A…– SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC ,…(doravante “Requerente”), apresentou, no dia 19/6/2015, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
2. A Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre o pedido de anulação do indeferimento pela AT das reclamações graciosas apresentadas pela Requerente: reclamação graciosa n.º …2014…, relativa à liquidação oficiosa de IRC e juros compensatórios do ano de 2009, relativamente à qual foi notificada do respetivo indeferimento em 1/4/2015, e reclamações graciosas n.º …2014… e n.º …2015…, atinentes respetivamente a liquidações oficiosas de IRC e juros compensatórios dos anos de 2010 e 2011, relativamente às quais foi notificada no respetivo indeferimento em 2/6/2015.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 24/8/ 2015.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 7/8/2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 24/8/2015.
7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
8. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese:
a. A Requerente tem como atividade principal a disponibilização do sistema computorizado B… para a reserva de viagens em diferentes meios de transportes, mediante a comunicação entre os fornecedores de operadores turísticos – companhias de aviação, hotéis e outros – e os utilizadores finais.
b. Neste sistema existem, por um lado, os (i) fornecedores de serviços (companhias aéreas, hotéis, operadores turísticos) e, por outro lado, os (ii) utilizadores finais (agências de viagens), sendo aquelas que acedem localmente ao sistema B… no qual efetuam as reservas.
a. Na qualidade de representante do Grupo C… em Portugal, a Requerente celebra com as diferentes agências de viagens um contrato de utilização, através do qual é disponibilizada a utilização do sistema de reservas B… .
b. Em conjunto com a disponibilização do sistema de reservas B… e tratando-se de uma plataforma informática, é colocada à disposição das agências de viagens a possibilidade de serem prestados diversos serviços conexos com o normal funcionamento dessa plataforma e/ou aumento/adaptação das suas funcionalidades às necessidades das agências de viagens (doravante “serviços adicionais”).
c. Tais serviços são objeto de contrato escrito, e encontram-se identificados na cláusula 2.1., que se refere ao “acesso de forma contínua e ininterrupta à «Funcionalidade B…», segundo o descrito no ANEXO III do Presente Contrato”.
d. Tal anexo refere-se às especificações técnicas relacionadas com o acesso ao sistema B…, a saber: a performance e capacidade do sistema; o suporte de help desk técnico; o suporte de manutenção; o serviço de operação, manutenção e gestão da VPN (infra-estrutura de rede), etc..
e. Por sua vez, no Anexo II dos contratos encontram-se identificados “serviços adicionais” específicos, que podem ser prestados às agências de viagens pela Requerente, a saber: ampliação de instalações operativas, substituições de equipamentos, mudanças externas ou de titularidade, retirada de equipamentos e reinstalação de software.
f. A cláusula 9.1. dos contratos (incluída na secção ‘Faturação e forma de pagamento’) estabelece os termos e condições aplicáveis aos serviços descritos na cláusula 2.1 em função das tarifas descritas no Anexo II, estando prevista “a possibilidade de faturação dos serviços que venham a ser por si prestados às agências de viagens, até porque caso tal não estivesse expressamente previsto, não poderia jamais vir a exigir qualquer pagamento, caso as circunstâncias do negócio acima mencionadas, se alterassem”. A esse propósito refere que “por uma questão de segurança jurídica da Requerente, encontra-se, portanto, prevista a possibilidade de faturação dos serviços que venham a ser por si prestados às agências de viagens, até porque caso tal não estivesse expressamente previsto, não poderia jamais vir a exigir qualquer pagamento, caso as circunstâncias do negócio acima mencionadas, se alterassem”.
g. Sustenta a Requerente que “a prática de mercado relativamente a este tipo de serviços demonstra que não são suscetíveis de obtenção de qualquer contrapartida, porquanto nas expectativas dos intervenientes – Requerente e agências de viagens – não são faturados pelos fornecedores de plataformas informáticas”.
h. A esse respeito refere que “apesar da formalidade contratual existente (…), foi estabelecido (através de mútuo e tácito acordo) entre as partes – Requerente e agências de viagens – não dar qualquer consequência prática à referida cláusula”, sublinhando que “esta situação não é mais do que uma prática normal do mercado em que opera, na medida em que os referidos serviços constituem uma parte acessória da disponibilização do sistema B…” [destaque da Requerente], acrescentando que “os referidos serviços devem ser encarados como parte integrante das obrigações assumidas pela Requerente no âmbito da disponibilização do sistema Amadeus às agências de viagens para estas o poderem utilizar na sua plenitude”.
i. De tal modo que “nenhuma das entidades reconhece existir esse direito imputável à Requerente de cobrar pela prestação dos serviços – quer a entidade que teria maior incentivo a ‘forçar’ tal existência (a própria Requerente), quer as contrapartes (as agências de viagens) por não esperarem assumir gastos com a manutenção/gestão da plataforma informática”. E por consequência, sustenta que relativamente a esses serviços, uma vez prestados, não há lugar a qualquer faturação ou reconhecimento de rédito, visto não existir qualquer facto tributário.
j. Assim, conclui que as liquidações adicionais que recebeu da AT, e que impugnou em sede de reclamações graciosas que vieram a ser indeferidas, são violadoras do princípio constitucional de tributação pelo rendimento real, acrescentando que os serviços prestados não só não foram objeto de faturação, como não foram cobrados.
k. Por outro lado, refere que, uma vez que a AT considerou a sua contabilidade idónea para efeitos de aplicação do método de avaliação direta, não é legítima a aplicação de correções à sua contabilidade.
l. A respeito da correção da sua contabilidade convoca ainda o normativo contabilístico aplicável (Plano Oficial de Contabilidade e Diretriz Contabilística n.º 26 até 2009, e Sistema de Normalização Contabilística e Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 20 a partir de 2010), segundo o qual “o rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados”. Adicionalmente, de acordo com o citado normativo estabelece que o “rédito deve ser mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber” [destaque da Requerente], “no caso em apreço os serviços prestados pela Requerente, individualmente considerados, apresentam um justo valor de zero (0) já que as partes intervenientes (e sem relacionamento entre si) entendem ambas que os serviços não devem ser objeto de quantificação e consequente faturação, sendo notória a inexistência de benefícios económicos que justifiquem tal contabilização”.
m. Assim, sustenta que se para efeitos contabilísticos não deveria ser registado qualquer rédito, e sendo o lucro tributável determinado com base na contabilidade, tal como disposto no artigo 17.º do Código do IRC, no contexto da avaliação direta da matéria coletável, conforme se verifica no caso concreto, não se pode concluir que, para efeitos fiscais, existe uma omissão de rendimentos na contabilidade e, consequentemente, não existe qualquer correção que seja devida ao lucro tributável declarado na declaração de rendimentos.
9. A AT ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:
a. Nos contratos de utilização sub judice não consta qualquer possibilidade de não faturação dos serviços prestados e elencados no respetivo anexo II; pelo contrário, “o que efetivamente está clausulado e que tem consequentemente efeitos legais, por resultar da vontade expressa e clara das partes, é que pelas prestações de serviços descritas no anexo II do contrato de utilização (ampliação de instalações operativas, substituições do utilizador e equipamentos, mudanças externas ou de titularidade, retirada de equipamentos a pedido de agencias de viagens e reinstalação de equipamentos) os utilizadores têm que pagar o preço estipulado na respetiva tabela, constante daquele anexo”, pelo que “resulta indubitável que se está perante um contrato oneroso no que a estes serviços concerne”.
b. Por outro lado, no que respeita ao alegado acordo tácito, o mesmo não observou as “mesmas formalidades ad substantiam e ou formatione que caracterizam o contrato principal, para que, assim se pudesse inferir da existência de um eventual aditamento ao mesmo, o qual assim sendo não existiu”, como seria exigível nos termos da cláusula 12.ª do contrato, concluindo que a tese do alegado acordo tácito “está aqui a ser defendida por eventual conveniência ou estratégia processual para um eventual desfecho favorável na presente lide”.
c. Refere a Requerida que “no âmbito do procedimento inspetivo ficou cabal e inequivocamente provado que os serviços, aqui em apreço, foram efetivamente prestados e não faturados pela Requerente”, sendo que “a própria Requerente admite a prestação efetiva desses serviços”.
d. Ao não emitir as faturas, como se exige pela alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA (com a redação vigente à data dos factos), a Requerente omitiu na sua contabilidade e, consequentemente nas declarações periódicas de IRC, as importâncias correspondentes aos serviços que efetuou.
e. As prestações de serviços realizadas foram quantificadas pela Requerente relativamente a cada um dos exercícios em análise, constituindo proveitos/rendimentos enquadráveis na alínea a) do artigo 20.º do Código do IRC, daí resultando que “nenhuma censura merecem as correções técnicas propostas pelos Serviços de Inspeção e concludentemente os atos de liquidação aqui postos em crise”.
f. Quanto à alegada violação do princípio da tributação pelo rendimento real, no caso em apreço ao imputar-se à Requerente os proveitos/rendimentos omitidos decorrentes dos contratos celebrados entre si e os utilizadores, entende a Requerida que está a aplicar-se essa regra, acrescentando que tendo a Requerente espelhado na sua contabilidade os gastos incorridos com as prestações de serviços em apreço, “não pode é (…) pretender não registar os devidos proveitos/rendimentos e simultaneamente registar os seus custos”.
g. A Requerida sustenta que é devida a contabilização e tributação em sede de IRC dos serviços prestados, atendendo à verificação das seguintes premissas: “i) a prestação de serviços encontra-se contratualizada, estabelecendo o seu conteúdo, o seu pagamento e o modo de faturação; ii) os serviços foram efetivamente prestados; iii) foram reconhecidos na contabilidade gastos com estas prestações de serviços (pessoal, deslocações, equipamentos, etc.) em execução de tais contratos e, por fim; iv) os serviços não foram faturados, como determinaria a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA”.
h. Concluindo então que “as prestações de serviços realizadas constituem pois proveitos/rendimentos da Requerente e como tal tinham de ser inscritas na sua contabilidade, nos respetivos exercícios, não podendo deixar de entrar na determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no art. 17.º e no art.20.º n.º1, alínea a) do CIRC (na redação tinham então vigente), tendo-o assim omitido nas declarações de rendimentos dos referidos exercícios de 2009 a 2011”, assinalando que “é certo que as declarações periódicas de rendimentos oportunamente entregues pela Requerente, traduzem o resultado liquido por si apurado, com base na contabilidade, o que acontece é que, o resultado apurado enferma de omissões de proveitos/rendimentos, em resultado da não emissão das faturas correspondentes aos serviços realizados com a consequente omissão no registo contabilístico” [destaque da Requerida].
i. No que respeita ao normativo contabilístico, a Requerida entende que “omitindo uma entidade proveitos/rendimentos ou custos/gastos em um ou vários períodos contabilísticos, jamais a informação contabilística pode atingir os seus objetivos informativos ou performativos” [destaque da Requerida], respetivamente para efeitos de utilidade para as decisões de gestão ou para efeitos de tributação.
j. Refere a Requerida que “o modelo de dependência parcial entre a contabilidade e o Direito Fiscal foi acolhido desde há muito no regime fiscal português”, e no que respeita ao tratamento contabilístico, há que atender aos princípios contabilísticos do POC (até 2009) e do SNC (a partir de 2010), que estabelecem o “objetivo de obter uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa, necessário se torna respeitar os princípios contabilísticos, e um deles é o princípio da especialização (regime do acréscimo ou periodização económica), onde claramente se estatui que «os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam”.
k. Por outro lado, também o n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável”, estabelece que “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”, constando no n.º 2 do mesmo artigo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.
l. Pelo que, “quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal, se conclui que para o apuramento do resultado líquido de cada um dos períodos devem concorrer todos os custos e rendimentos gerados em cada um dos períodos”, acrescentando e concluindo, em síntese, que “não se pode confundir o momento da geração do proveito/rendimento com o momento do seu recebimento, pois a geração do proveito vai gerar um direito a receber essa importância no mesmo momento ou em momento diferente do tempo”, que “de um ponto de vista contabilístico impunha-se a faturação e consequente registo dos proveitos/rendimentos decorrentes das prestações de serviços efetivamente realizadas pela Requerente”, e que “no caso em concreto, a Requerente para além de não apurar o seu resultado contabilístico de acordo com os princípios contabilísticos em vigor, viola a disposição fiscal prevista no art. 18.º”.
10. Por despacho arbitral, de 17/10/2015, designou-se, nos termos do art. 18.º do RJAT, o dia 18/11/2015 para realização da audiência de julgamento, mais se convidando as partes para indicarem a preferência por alegações finais orais ou escritas, bem como para identificarem o objeto da prova requerida e a junção de prova documental.
11. Na referida audiência houve lugar à produção da prova testemunhal oferecida pela Requerente e pela Requerida e foi designado prazo para apresentação das alegações escritas, conforme acordo das partes, bem como fixado o dia 23/2/2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
12. As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal, pugnando, no essencial, pelas posições inicialmente defendidas.
II. Saneamento
13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, bem como são beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
14. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
15. Em conformidade com o preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro), o Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído.
16. O processo não enferma de nulidades.
17. Na petição inicial da Requerente foi evidenciada uma questão prévia, que cumpre apreciar, relativa à cumulação de pedidos, e na contestação apresentada pela Requerida foi suscitada uma questão de exceção, atinente à alegada intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
III. Apreciação das questões prévias:
18. De acordo com o disposto no artigo 608.º do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 22.º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
19. Nestes termos, tendo em consideração as questões prévias suscitadas, torna-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, as questões relativas à cumulação de pedidos e da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
III.1 (In)tempestividade do pedido de pronúncia arbitral
Na sua contestação a Requerida diz que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo porque é ultrapassado o prazo de 90 dias face ao termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações adicionais de IRC emitidas (cfr. alínea a) do n.º 1 do art. 102.º CPPT, ex vi art. al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT). Sustenta que tendo estas liquidações sido emitidas em 23/7/2014 (IRC 2009), 1/8/2014 (IRC 2010) e 24/9/2014 (IRC 2011) e o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 19/6/2015, o prazo de 90 dias teria sido ultrapassado.
Contudo, tendo a Requerente apresentado reclamações graciosas face às liquidações adicionais, e delas tido recebido resposta de indeferimento[1], respetivamente em 1/4/2015 (IRC 2009), 2/6/2015 (IRC 2010) e 2/6/1015 (IRC 2011), são essas as datas relevantes para efeitos de contagem do prazo de 90 dias, contados das notificações (cfr. alínea e) do n.º 1 do art. 102.º CPPT ex vi art. al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT).
Recordando que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 19/6/2015, conclui-se que o prazo de impugnação foi tempestivo, não procedendo a exceção invocada pela Requerida.
III.2 Cumulação de pedidos
Na sua petição inicial a Requerente antecipa a cumulação de pedidos, visto que no caso em apreço se exige a análise de três respostas a reclamações graciosas, reativas a atos de liquidação oficiosa, em sede de IRC, relativamente aos anos de 2009, 2010 e 2011.
Nos termos do n.º 1 do art. 3.º do RJAT é admissível a cumulação de pedidos, quando a procedência dos mesmos “dependa essencialmente das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de Direito”.
Da análise dos autos resulta que efetivamente estão em causa as mesmas circunstâncias de facto e requer-se a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de Direito.
Pelo que, por razões de economia processual, será neste processo analisada a impugnação unitária das três reclamações graciosas.
20. Não tendo sido suscitadas questões subsequentes que obstem à apreciação do mérito da causa, mostram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
21. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a) Na sequência das ordens de serviço n.º OI2013…, n.º OI2013… e n.º OI2013…, durante 2013 e 2014 a Requerente foi sujeita a ações inspetivas, de âmbito parcial (IRC), respetivamente incidentes sobre os exercícios de 2009, 2010 e 2011, cujo procedimento teve início, respetivamente em 2/12/2013, 5/2/2014, e 5/2/2014;
b) Desses procedimentos resultaram em 17/4/2014 (relativamente aos exercícios de 2009 e 2010), e em 24/6/2014 (relativamente ao exercício de 2011), projetos de relatório de inspeção e, em 12/5/2014 (relativamente aos exercícios de 2009 e 2010) e 11/7/2014 (relativamente ao exercício de 2011), os correspondentes relatórios definitivos de inspeção, nos quais se apontava para correções em sede de IRC de 2009, 2010 e 2011;
c) Quanto aos procedimentos de inspeção atinentes aos exercícios de 2009 e 2010, a Requerente exerceu o direito de audição prévia face aos referidos projetos de relatório de inspeção, o mesmo não se tendo verificado quanto ao projeto de relatório decorrente do procedimento atinente ao exercício de 2011;
d) Em 28/5/2014, 6/6/2014 e 29/7/2014, a Requerente foi notificada, respetivamente, das liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios n.º 2014 … (relativa a 2009), n.º 2014 … (relativa a 2010), e n.º 2014… (relativamente a 2011), pelos valores de 76.828,84 € (relativamente a 2009), 60.636,01 € (relativamente a 2010), e 36.236,15 € (relativamente a 2011), a serem pagas, respetivamente, até aos dias 18/9/2014, 2/10/2014 e 9/12/2014;
e) As liquidações notificadas à Requerente assentam, segundo os relatórios definitivos de inspeção tributária, em omissões cometidas na execução da contabilidade relativamente aos proveitos / réditos por serviços prestados (“serviços adicionais”) e não refletidos na contabilidade, em cada um dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, pelas quantias respetivas de 248.980,27 €, 203.774,87 € e 125.744,27 €;
f) Na sequência das notas de liquidação, e não tendo havido pagamento por parte da Requerente, foram interpostas as seguintes execuções fiscais: Proc. n.º …2014…, relativa ao exercício de 2009, Proc. n.º …2014…, relativa ao exercício de 2010, e Proc. n.º …2014…, relativa ao exercício de 2011, no valor de 36.236,15 €.
g) No intuito de suspender essas execuções fiscais, a Requerente prestou as seguintes garantias bancárias, no Banco D…, SA.: garantia bancária n.º…, no valor de 97.068,01 €, garantia bancária n.º…, no valor de 76.771,05 €, e garantia bancária n.º…, no valor de 45.804,53 €.
h) Em 11/11/2014, a Requerente apresentou duas reclamações graciosas, relativamente às liquidações supra indicadas atinentes a 2009 e 2010, e em 16/1/2015 apresentou uma reclamação graciosa relativamente à liquidação supra indicada atinente a 2011, pedindo nas três reclamações a anulação das liquidações adicionais supra indicadas (de IRC acrescido de juros compensatórios) respetivas a cada ano, bem como indemnização pelas garantias prestadas indevidas) supra indicadas, as quais mereceram resposta pela AT em 1/4/2015 (relativamente a 2009) e 2/6/2015 (relativamente a 2010 e 2011), indeferindo os pedidos de reclamação;
i) Em 16/6/2015, a Requerente submeteu pedido de constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a anulação das decisões da AT de indeferimento das reclamações graciosas supra indicadas, e em consequência determinar a anulação das demonstrações de liquidação de IRC e correspondentes juros compensatórios n.º 2014 … (relativamente a 2009), n.º 2014 … (relativamente a 2010), e n.º 2014 … (relativamente a 2011), bem como a condenação da AT a pagar indemnização pelos prejuízos suportados em resultado da prestação indevida das referidas garantias bancárias (cfr. o requerimento eletrónico no sistema do CAAD);
j) Nos termos dos contratos escritos carreados para os autos, convencionados entre a Requerente e as suas contrapartes, os “serviços adicionais” objeto de controvérsia no presente litígio são onerosos, de acordo com tabela de preços em Anexo II aos referidos contratos escritos;
k) Tais contratos contêm uma disposição (cláusula 12.ª), mediante a qual as partes contratantes convencionam que qualquer alteração a esses negócios jurídicos tem de observar a mesma forma escrita;
l) Não existiram alterações escritas quanto à onerosidade dos “serviços adicionais” previstas contratualmente;
m) Os “serviços adicionais” objeto de controvérsia foram prestados, não foram faturados, não foram contabilizados, e não foram cobrados.
22. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dá-se como não provado:
a) A existência de “acordo tácito” entre a Requerente e as suas contrapartes, no sentido de tornar gratuitos os “serviços adicionais”, enquanto alteração aos contratos escritos vigentes;
b) A vigência no setor de atividade em que a Requerente se insere, de uma prática generalizada coincidente com a prática da Requerente, a saber, a de os concorrentes da Requerente não cobrarem por “serviços adicionais” previstos como onerosos nos contratos escritos em vigor.
23. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
Assentou, por outro lado, na ponderada apreciação do teor dos depoimentos testemunhais produzidos em julgamento, sendo que dois dos depoentes (E… e F…), ambos funcionários da Requerente com responsabilidades na área comercial, embora prestando esclarecimentos de modo assertivo quanto ao negócio desenvolvido pela Requerente (ambos depondo designadamente quanto ao modelo de negócio do contribuinte e caracterização das práticas comerciais vigentes no sector em que se insere), pouco ou nada sabiam quanto aos seus procedimentos contabilísticos, e o terceiro depoente (G…), técnico responsável pela inspeção tributária levada a efeito pela AT, que culminou com as liquidações impugnadas pela Requerente, depôs assertivamente sobre as suas constatações no âmbito do procedimento inspetivo sede de IRC (revelando ainda conhecimento indireto quanto a um procedimento inspetivo antes realizado pela AT à Requerente, tendo como âmbito parcial o IVA), demonstrando pouco conhecimento quanto ao setor de atividade em que se insere a Requerente.
Quanto ao alegado “acordo tácito” em particular, pretensamente gratuito quanto aos “serviços adicionais”, que alterava os termos do “contrato escrito”, oneroso quanto a esses mesmos serviços, importa salientar que o “contrato escrito” estabelece expressamente (na respetiva cláusula 12.ª), que apenas pode ser alterado desde que seja observada a forma escrita. Desse modo, por convenção, consagrou-se uma presunção de essencialidade quanto à forma (escrita). Para além de a Requerente não ter, com a prova produzida, logrado demonstrar a existência de um “acordo tácito”, diga-se que, não obstante a presunção referida ser ilidível nos termos gerais, a prova testemunhal não poderia ser atendível, por conjugação do n.º 1 do art. 223.º, n.º 1 do art. 393.º e art. 351.º, todos do Código Civil.
Estas circunstâncias foram tidas em consideração pelo Tribunal Arbitral em sede de apreciação da matéria de facto.
24. Inexistem outros factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
IV.2. Matéria de Direito
A questão central a decidir gira em torno de apurar se é procedente o indeferimento das reclamações graciosas supra identificadas, e em consequência se as liquidações de IRC e correspondentes juros compensatórios n.º 2014… (relativa a 2009), n.º 2014… (relativa a 2010) e n.º 2014… (relativa a 2011) são ou não ilegais, com fundamento em ilegalidades do ato administrativo de reclamação, decorrentes, seguindo a formulação da Requerente, da:
i) Violação do Princípio da tributação sobre o Rendimento Real;
ii) Errada interpretação da lei (designadamente o art. 17.º do CIRC);
iii) Violação do ónus da prova da AT (art. 74.º da LGT).
Esses três eixos de argumentação alicerçam-se, predominantemente, na existência de um “acordo tácito”, que convencionaria a gratuitidade dos “serviços adicionais”, alterando os termos do “contrato escrito”, que era oneroso quanto a esses mesmos serviços.
Conforme ficou estabelecido, a Requerente não logrou provar a existência do referido “acordo tácito”, sendo certo que era sobre si que recaía o ónus da prova. Por outro lado, não foi alegada pela Requerente a invalidade do “contrato escrito”, em vigor com as contrapartes.
São estes, portanto, os parâmetros fundamentais que presidem à apreciação da matéria de direito, dos quais decorre provado, apenas, a vigência, apenas, do “contrato escrito” oneroso.
Dada a dependência lógica dos argumentos aduzidos pela Requerente com o argumento fundamentador da existência de um “acordo tácito” gratuito, a matéria de direito resulta necessariamente diminuída.
Tendo ficado igualmente provado que a Requerente: i) prestou “serviços adicionais” cuja quantificação económica foi confessada perante a AT e ii) não faturou, não fez registos contabilísticos, nem cobrou qualquer quantia pelos “serviços adicionais” nos termos previstos no “contrato escrito” (oneroso), as questões de direito a resolver são as seguintes:
1- Os “serviços adicionais” prestados onerosamente, omitidos na contabilidade, não faturados e não cobrados, são sujeitos a tributação em sede de IRC?
2- Quanto ao ónus da prova da AT: tendo a AT aplicado “avaliação direta” da matéria coletável, procedendo às “correções propostas, nos termos da parte final dos artigos 16.º n.º 1 e 17.º n.º 1 do Código do IRC, conjugados com os artigos 81.º a 84.º da LGT”[2], isso equivale a aceitar que a contabilidade e as declarações de rendimentos modelo 22 submetidas pelo Requerente são fiáveis[3], obstando portanto a que a AT emita liquidações adicionais em função da omissão de proveitos / rendimentos subjacentes aos “serviços adicionais”?
1) Quanto à tributação dos “serviços adicionais” em sede de IRC
Sustenta a Requerente que segundo o Princípio da tributação pelo rendimento real, a tributação das empresas deverá ser feita “com base nos rendimentos reais, ou seja, nos resultados efetivamente apurados e não com base nos resultados normais/presumíveis”[4]. O comando constitucional visa excluir a tributação do rendimento normal, aquele que o contribuinte podia ter obtido em “condições normais de exploração” [5], sendo proibida “a determinação da matéria coletável, (…) [pelo] rendimento normal, desligado da realidade concreta do sujeito passivo” [6]. Sustenta por outro lado, e como consequência, que não existe obrigação de imposto por inexistência de facto tributário.
Vejamos.
I. Vigora entre nós, atualmente, o Princípio da tributação sobre o rendimento Real, segundo o qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (cfr. n.º 2 do art. 4.º da CRP).
Dispõe esse preceito que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, o que corresponde a pretender que o imposto incida sobre o rendimento efetivamente obtido. Ou pela negativa, recusar que a tributação incida, pelo menos como regra, sobre rendimentos normais, aqueles que poderiam ter sido obtidos em circunstâncias usuais.
II. Num primeiro momento a tributação pelo rendimento real tem por base a contabilidade dos sujeitos passivos, preparada de acordo com o normativo contabilístico vigente em cada momento. Enquanto medida de desempenho económico aferido da contabilidade, o “lucro contabilístico” é o ponto de partida para o apuramento do “lucro tributável”, nisso consistindo o modelo de “dependência parcial” que vigora em Portugal.
III. Assim, o IRC incide (designadamente) sobre os lucros das sociedades comerciais (n.º 1 do art. 3.º do CIRC), que “consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código” (n.º 2 do art. 3.º do CIRC). Em concreto, “o lucro tributável das pessoas coletivas (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (n.º 1 do art. 17.º CIRC).
IV. De modo a permitir o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor (sem prejuízo da observância das disposições previstas no CIRC), e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC (al. a) e b) do n.º 3 do art. 17.º do CIRC).
V. Não obstante esta importante remissão do CIRC para o direito contabilístico – para o lucro tributável possa ser apurado com base na contabilidade (comercial), esta deve estar organizada de acordo com a “normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade”, devendo “refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (…)” – a consideração das regras contabilísticas não se sobrepõe às regras próprias do CIRC, designadamente no que respeita ao reconhecimento e mensuração do rédito. Pelo contrário, são as regras do CIRC que, em caso de diferença, prevalecem sobre as regras contabilísticas.
Com efeito, de acordo com o preâmbulo do CIRC, “as relações entre contabilidade e fiscalidade são, (…) um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade. (….)” [destaque nosso].
V. Ora de acordo com o CIRC, e segundo o “regime do acréscimo”, “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica” (n.º 1 do art. 18.º).
No que respeita, em particular, aos réditos relativos a prestações de serviços, “os réditos (…) são imputáveis ao período de tributação a que respeitam pela quantia nominal da contraprestação” (n.º 5 do art. 18.º do Código do IRC)[7] [destaque nosso].
Daqui resulta, de forma inequívoca, que vigorando um contrato oneroso de prestação de serviços, os respetivos réditos devem ser tributados em sede de IRC, no período de tributação a que respeitam, pela quantia nominal da contraprestação, ou seja, pelos preços convencionados, independentemente do tratamento contabilístico, e da cobrança já se ter, ou não, verificado.
VII. Nada disso traduz a presunção de rendimentos, antes resultando precisamente da realidade contratual vigente.
VIII. Também a omissão de faturação nada obsta a que haja lugar à tributação do rédito em sede de IRC. Com efeito, o direito de crédito sobre os clientes nasce do contrato vigente (“contrato escrito”), logo que prestados os serviços em causa, em função da obrigação de pagamento do preço estabelecida no contrato.
A omissão da emissão de faturas é irrelevante para efeitos de tributação em sede de IRC, visto que estas não têm efeitos obrigacionais constitutivos), e portanto o facto tributário relevante consiste na prestação de um serviço que se convencionou oneroso.
IX. Em suma, no presente caso, os “serviços adicionais” prestados ao abrigo de um contrato de prestação de serviços oneroso são sujeitos a tributação em sede de IRC, independentemente de (ainda) não ter sido emitida fatura e de ainda não ter ocorrido a cobrança, em obediência ao Princípio da tributação pelo rendimento real e ao “regime do acréscimo”.
Não procede, portanto, o argumento da Requerente, de que não existe obrigação de imposto por violação do Princípio da tributação pelo rendimento real e por inexistência de facto tributário.
2) Quanto ao ónus da prova da AT
Sustenta a Requerente que a circunstância de a AT, em sede de procedimento inspetivo, ter considerado ser de aplicar a “avaliação direta” da matéria coletável, procedendo às “correções propostas, nos termos da parte final dos artigos 16.º n.º 1 e 17.º n.º 1 do Código do IRC, conjugados com os artigos 81.º a 84.º da LGT”[8], equivale a aceitar que a contabilidade e as declarações de rendimentos modelo 22 submetidas pelo Requerente são fiáveis[9], impedindo-a como tal de emitir liquidações adicionais, sem demonstrar a efetiva existência de rendimento real. Como tal, sustenta que a AT não observou o ónus da prova legitimador das liquidações adicionais emitidas.
Vejamos.
I. Efetivamente compete à AT o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos vertidos nas liquidações adicionais emitidas (art. 74.º da LGT).
II. Durante o procedimento de inspeção tributária a AT: i) obteve “contratos de utilização” escritos, ii) verificou que nesses contratos se incluía a previsão expressa de “serviços adicionais” e que os mesmos seriam prestados a título oneroso, iii) obteve informação discriminada quanto aos “serviços adicionais” que foram prestados a cada cliente, devidamente quantificada em função dos preços especificamente associados a cada serviço (em ambos os casos a informação foi disponibilizada pela Requerente, a pedido da Requerida), e iv) verificou que relativamente a tais serviços não tinha sido emitida faturação, nem tinham sido reconhecidos os réditos contabilísticos a que considerou haver lugar.
III. Nos termos impostos pela lei a Requerente participou no procedimento, exercendo o seu direito de audição, nos termos previstos pelo art. 60.º da LGT e art. 60.º do RCPIT.
IV. Por outro lado, como já vimos, a tributação das empresas deve incidir nos rendimentos reais, com base nos lucros gerados, e não com base nos lucros normais/presumíveis.
Com efeito, refere-se no preâmbulo do CIRC, na determinação da matéria coletável “(…) procura-se sempre tributar o rendimento real efetivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Com corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria coletável.
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorreções da contabilidade, se não for de todo possível efetuar esse cálculo com base nesta. (…)”.
Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável”.
V. Beneficiando da colaboração da Requerente, a AT quantificou, e bem, segundo parâmetros objetivos, as omissões fiscalmente relevantes (réditos dos “serviços adicionais” onerosos nos termos contratuais), e a partir daí calculou o respetivo impacto que a sua correção implicava, simulando o lucro corrigido e o respetivo impacto de liquidação adicional de IRC (e correspondentes juros compensatórios) a que lhe correspondia.
E o critério dessas correções foi precisamente, pelas razões antes expostas, o imperativo da tributação pelo rendimento real, que não havia sido observado pelo contribuinte no seu apuramento do lucro tributável.
VI. Ora a hipótese de a contabilidade da Requerente enfermar de erros ou inexatidões não obsta a que a fixação da matéria coletável seja efetuada a partir dessa mesma contabilidade, se ela passar a revelar o rendimento real, depois de corrigidos esses erros e inexatidões (cfr. Ac. STA de 21/3/2001, proc. 025677). O recurso a métodos indiciários, em situações excecionais como as referidas a propósito do art. 88.º da LGT justifica-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, que pode resultar de várias anomalias, entre as quais, a não organização da contabilidade de acordo com as regras e princípios do sistema contabilístico adotado e legislação específica aplicável ao setor de atividade. Contudo, “tais anomalias hão de ser tais que inviabilizem o apuramento da matéria tributável”[10], situação que não se verifica no nosso caso.
VII. Face ao exposto, improcedem também os argumentos invocados pela Requerente, a propósito da inobservância do ónus da prova por parte da AT.
V. Decisão
Considerando as diversas razões vindas de expor em sede de fundamentação, decide o Tribunal julgar improcedente o pedido de anulação do indeferimento das reclamações graciosas supra identificadas, e concomitantemente, decide manter os atos de liquidação objeto da presente ação, com a consequente manutenção, na ordem jurídica, das liquidações efetuadas. Consequentemente, decide ainda, julgar improcedente o pedido de condenação da AT a pagar indemnização pelos prejuízos suportados em resultado da prestação das garantias bancárias.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 173.701,00.
VII. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas, a cargo da Requerente, em € 3.672,00.
Lisboa, 21 de abril de 2016.
O Árbitro-Presidente,
Fernanda Maçãs
Os Co-Árbitros,
Diogo Feio
Nuno Miguel Morujão (Relator)
[7] Cfr. versão anterior à lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, vigente desde 1 de janeiro de 2010 de acordo com republicação pelo decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho.
[10] Cfr. Lopes, C. M. e Martins, A., A Tributação por Métodos Indiretos – Uma análise do enquadramento jurisprudencial dos pressupostos contabilístico-fiscais, Almedina, 2014, p. 89.