Decisão Arbitral
Requerente: A…,S.A.
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I.RELATÓRIO
1. A…, S.A. (que abreviadamente também se designará por “A…Portugal”), contribuinte fiscal nº…, com sede no …, Rua… …-… …, Castelo Branco, (doravante designada por Requerente), apresentou em 18/05/2015 pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e artigo 10º nºs 1 e 2,ambos de Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por RJAT, e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) nº 2014…, e da respectiva demonstração de acerto de contas nº 2012 … no montante global de 324.308,85 €, referentes ao ano de 2010.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida nos termos legais, em 20/05/2015.
3. A Requerente não designou árbitro pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º da RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foram designados, como árbitro presidente o Juiz Dr. José Poças Falcão e como árbitros vogais, o Dr. Armindo Fernandes da Costa, e o Dr. José Coutinho Pires, que comunicaram ao Conselho Deontológico a aceitação do encargos, no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 28/07/2015, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT,
5. Por despacho de 2/10/2015, devidamente notificado às partes foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o artigo 18º do RJAT,
6. Em 0/01/2016, nas instalações do CAAD, teve lugar a inquirição da testemunha B…, indicada pela Requerente. (cfr. acta da reunião),
7. Requerente e Requerida, apresentaram, respectivamente em 19/01/2016 e 01/02/2016 as suas alegações escritas,
8. A fundamentar o seu pedido a Requerente, alegou, em síntese e com relevo o seguinte:
i. que, com data de 24/11/2014, foi notificada do projecto de correcções do relatório de inspecção tributária, (e para o que aqui releva) da não aceitação de dedução do montante de 1.000,000 € entregue pela Requerente à sociedade de direito francês C…, a título subvenção de exploração intragrupo, (cfr. artigo 3º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 4 com o mesmo junto),
ii. na sequência de tal notificação veio a exercer o seu direito de audição prévia, com o propósito de demonstrar que a subvenção de exploração intragrupo, constitui um gasto fiscal à luz do disposto no artigo 23º do Código do IRC, (cfr. artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 5 com o mesmo junto),
iii. com o mesmo desígnio a Requerente veio ainda a proceder à junção de documentos adicionais. (cfr. artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 6, com o mesmo junto),
iv. em 19/12/2014 a Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária, que manteve inalterável o respectivo projecto, (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 7, com o mesmo junto).
v. em 6 de Março de 2015, o Serviço de Finanças da … citou a Requerente para o processo de execução fiscal nº …2015…, com vista à cobrança coerciva do montante de € 326.053,85, (…) correspondente à quantia exequenda, respectivos juros de mora e custas do processo. (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 9. com o mesmo junto),
vi. a requerente prestou garantia bancária no montante de € 410.764.44, para efeitos de suspensão do referido processo de execução. (cfr. artigos 14º e 15 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 10,com o mesmo junto),
v. a requerente no seu articulado (artigos 21º a 49º) , procede a uma longa exposição, onde evidencia a actividade da Requerente a sua relação com a C… e a relação comercial de fornecimentos de preparados de fruta à sociedade D…, para, e em brevíssima síntese, concluir que o valor de um milhão de euros, correspondente à “subvenção à exploração intragrupo” subjacente não deveria ter sido desconsiderado pela Autoridade Tributária, de acordo com a previsão do artigo 23º do Código do IRC,
vi. cita a propósito da posição que sustenta vários autores, convocando ainda jurisprudência que emerge das instâncias,
vii. concluindo, conforme se extrai do seu pedido, que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação que aos presentes autos subjaz, com a consequente anulação do mesmo,
viii. peticionando ainda o reconhecimento do direito à indemnização por garantia indevidamente prestada.
9.A AT, na sua resposta, sustenta posição contrária à apresentada pela Requerente, em consonância com a posição por si já assumida em sede de Relatório de Inspecção Tributária, que se reconduz, fundamentalmente, à consideração de que a despesa efectuada pela Requerente no quadro da subvenção de exploração intragrupo, “não pode ser aceite como gasto fiscal, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC”, remetendo em grande parte para o argumentário do relatório inspectivo em causa, concluindo, para o que releva da sua posição que “a Requerente não prova que o gasto em causa foi suportado tendo em vista o interesse empresarial da A…” e que “ ao contrário do que alega, a Requerente não prova que o gasto em causa foi uma condição de acesso ao cliente D…/ contrato – quadro de fornecimento, com repercussão nos proveitos produzidos de 2012 em diante” e (…) “não prova que o gasto em causa foi uma contrapartida da sua participação no contrato quadro -fornecimento”, pugnando, em consequência, pela improcedência dos pedidos de pronuncia arbitral formulados pela Requerente, de acordo com a interpretação que subscreve relativa ao conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23º do CIRC.
10. Vieram ainda as partes, nas datas supra indicadas, apresentar alegações escritas, onde, fundamentalmente, reiteram e defendem as posições que haviam já evidenciado nos seus articulados.
11. O Tribunal Arbitral Colectivo é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1 alínea a), 5º e 6º, nº 1 do RJAT.
12. As partes têm personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
13. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer excepções.
14. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.
II-FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
1. A Requerente é um sociedade anónima que gira sob a designação de “A…, S.A.,
2. Que tem como actividade principal a actividade de fabricação de doce e, compotas, geleias e marmeladas (CAE: 10393) desde 10/12/1987,
3. Para efeitos de IRC está enquadrada regime geral de tributação (art. 1º e alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIRC), apresentando um período de tributação diferente ao ano civil (1 de Julho a 30 de Junho).
4. Enquadrando-se para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal,
5. A sede social é no …, pertencendo à área fiscal do Serviço de Finanças da … (…),
6. A coberto da ordem de serviço OI 2012…,a Requerente foi alvo de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de…, que teve lugar no período compreendido entre 14/10/2014 a 24/11/2014, abrangendo o ano de 2010;
7. Em resultado da qual resultaram correcções ao lucro tributável do ano de 2010 no valor total de 1.000,481,18 €, relativas a: donativos (no montante de 300,00 €; juros compensatórios no montante de 181,18 €, e subvenção de exploração no montante de 1.000.000,00 €;
8. A Requerente unicamente põe em causa a correcção ao seu lucro tributável, com referência ao ano de 2010, que advém da subvenção de exploração no valor indicado;
9. Do relatório da inspecção tributária, consta, para além do mais, e com relevo que:
“(…) no decurso do procedimento inspectivo se constatou que o sujeito passivo apresentava um saldo devedor de € 1.000.000, na conta … – “OGP” – outras indemnizações”;
(…) o referido montante tem por base apenas um registo contabilístico efetuado em 2011-06-30 (último dia do período de tributação de 2010, que vai de 01/07/2010 a 30/06/2011)”;
“(…) quanto ao documento trata-se de uma nota de débito emitida pela C… à A… em 2011-09-30, no montante de € 1.002.033, com o descritivo, de “negociações D…, referente ao período de 2010-07-01 a 2011-06-30” (anexo 3),
“(…) Solicitada, via email, informação adicional sobre o assunto, já que a constante da nota de débito, não permitia concluir quanto à natureza do custo, o sujeito passivo enviou, pela mesma via, cópia de um acordo de subvenção de exploração intragrupo, entre a C… e a A…(anexo 4), celebrado em 2011-06-30”,
“(…) Adicionalmente, informou por escrito (anexo 5) que, a nota de débito emitida pela C…, resulta de uma política interna homogénea, de gastos das empresas do grupo e que sendo a D… um cliente estratégico do grupo, cujas negociações ocorridas para alargar o seu funcionamento implicariam encargos por parte da C…, entenderam que os mesmos deveriam também ser assumidos pela A…, já que se previa, como diz que veio a acontecer, que esta entidade beneficiasse da negociação entre a C…e a D…, pois começaria também a produzir para esta última”,
“(…) Contudo, e quando questionado sobre o facto de a nota de débito ter um valor de € 1.002,033, e o valor contabilizado na conta ser de € 1.000,000, o mesmo informou, também, por escrito, via mail (anexo 6) que este documento havia sido estornado e que o acordo de subvenção de exploração entre a C… e a A… era o único documento de suporte subjacente à operação, ou seja, nesta caso, ao registo como gasto de € 1.000,000, na conta… .
“(…) de acordo com a informação constante do acordo de subvenção de exploração (…) conclui-se que o montante de € 1.000,000, considerado como gasto na A…, não tem por suporte nenhuma prestação de serviços realizada pela C… à A…, nem nenhuma venda de bens, nem resulta directamente da política de imputação de gastos comuns a todas as empresas do grupo, mas sim de uma necessidade específica da empresa C…, e até excecional, conforme é referido no acordo, para que esta possa reequilibrar as suas contas” .
11. A empresa E… SGPS é empresa mãe das empresas A…, SA (a ora Requerente) a 100 %, e da empresa C…- (França), a 91, %, dos respetivos capitais sociais.
12. Em 18/05/2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos dados como não provados
Não ficou demonstrado:
- que a subvenção de exploração de €1.000.000,00 a que se alude supra, tenha sido efetuada no interesse direto da requerente, no exercício de 2010/2011;
- que essa subvenção corresponda a prestações de serviços ou venda de bens ou resulte de imputação de gastos comuns a todas as empresas do Grupo “A…”.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provado da não provada [(cfr. artigo 123º, nº2 do CPPT e artigo 670º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 607º do CPC aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados, com relevo para a decisão os factos supra elencados e aceites pelas partes.
Quanto à matéria não provada:
Não ficou demonstrada a indispensabilidade deste gasto nem sequer a ligação entre o 1.000.000,00€ pagos pela A… Portugal e os rendimentos sujeitos a IRC desta relativamente ao período em que foi reconhecido este gasto.
Estes 1.000.000€, reconhecidos como gasto pela requerente e rejeitados pela AT, não tiveram qualquer influência na obtenção dos rendimentos que foram objeto de tributação em IRC pela requerente no exercicio de 2010/2011.
Da argumentação evolutiva usada pela requerente nas várias fases do processo e ainda considerando o depoimento testemunhal prestado parece emergir uma interpretação que se tratará, em substância, da cobertura de perdas da associada C…, deliberada após o encerramento do exercício desta, e enquadrada num acordo interno de partilha de custos dentro do Grupo.
Da prova testemunhal, infere-se que a transferência efetuada pela Requerente A… (Portugal) a favor da sua “irmã C… - (França) se destinava sobretudo a cobrir os prejuízos desta, no exercício de operação 2010/2011, causados essencialmente pelo encarecimento da matéria prima transformada pela C…, excessivo custo de produção e impossibilidade de repercussão destes aumentos de custos do produto em aumento de preço aos clientes da C… .
Configura, ao que tudo indica, uma tentativa da Requerente tendente a associar o dispêndio dessa importância de 1.000.000€, a eventuais rendimentos (vendas futuras) da A… Portugal para França através da C…, considerando que isto justificaria só por si o reconhecimento fiscal deste gasto no exercicio em questao (2010/2011).
Resultou, no mínimo, duvidoso que o direito de acesso ao cliente D… tenha ocorrido em consequência ou por causa desse pagamento; pelo contrário será já aceitável que tal tenha ocorrido derivado da compra pela C… dos ativos da F…, em 2009, entre os quais se encontrava o direito posição da F… nos contratos entre a F… e a D…, de fornecimento a esta. Este direito encontrava-se aliás na esfera do “Grupo” desde 2009, enquanto ativo da C…, sendo, no mínimo difícil de entender e reconhecer que em 2010/2011 fosse de novo adquirido por outra empresa do mesmo “Grupo, ou que tenha gerado gastos partilháveis entre empresas do grupo. O prejuízo da C… não consubstancia gastos partilhaveis entre o grupo de acordo com algum criterio economicamente defensável.
B.O DIREITO
Questão decidenda
Trata-se aqui de apurar o enquadramento à luz do critério legal previsto no artigo 23º, do CIRC, se, como pretende a Requerente, deve ou não ser reconhecido como gasto a importância de €1.000.000,00, dispendida e contabilizada no exercício de 2010/2011 e que a AT, em sede inspetiva, desconsiderou como tal , com a inerente correção do lucro tributável.
Gastos dedutíveis para efeitos de tributação em IRC
“(...)Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (Acórdão do TCAS – Proc nº 05073/11, de 25-9-2012).
A empresa E… SGPS é empresa mãe das empresas A…(Portugal) a 100 %, e da empresa C…- (França), 91, %
-A configuração fiscal desta transferência de 1.000.000,00€ tem influência tansfronteiriça dado que a destinatária da transferência é tributada em França, enquanto a empresa originária da transferência é tributada em Portugal.
- As três entidades integram, nas transações ou operações financeiras entre elas, o conceito de entidades com relações especiais (artº 63º do CIRC), que exige que nas relações entre elas devem ser contratados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratdos, aceites e praticados entre entidades independentes.
- A cobertura de prejuízos de uma filha, sendo indispensável para a mãe garantir a sobrevivência dessa filha evitando a sua dissolução (desde que o capital fosse substancialmente reduzido pelos prejuízos), não é permitida entre empresas irmãs.
Nem entre empresas independentes, (não integrando o conceito de entidades com relações especiais), mesmo que com interesses comerciais ou outros interligados.
O caminho normal da cobertura financeira de prejuízos da C…, passaria ou deveria passar pelos sócios da E… SGPS.
Esta sociedade poderia financiar-se com a distribuição de dividendos à E…-Portugal SGPS por parte da A… Porugal, (sem relevância fiscal enquanto gasto da A…Portugal), e sequencialmente a E… SGPS cobriria o prejuízo da C… França para viabilizar a sua continuidade.
Este percurso não permitiria porém que a transferencia do 1.000.000€, fosse considerado gasto fiscal em Portugal quer relativamente à A…- Portugal, quer relativamente à E… SGPS.
A cobertura de prejuízos de uma sociedade participada por parte de uma SGPS não se integra no conceito de gastos fiscais desta, quer porque as entregas dos sócios para cobertura de perdas da sociedade não são de considerar como componentes negativas, face ao disposto nos arts. 23.º e 24.º do CIRC, nem componentes positivas do lucro tributável nos termos do art. 21.º do mesmo Código, quer ainda porque a sociedade participada não perde o direito ao reporte dos prejuízos referido no art. 52.º do CIRC (Cfr Ac do STA – Proc nº 1265/2012, de 18-6-2013, de que foi relatora a Conselheira Isabel Marques da Silva).
Ora na situação presente, a transferência de 1.000.000,00€ não foi configurada como uma cobertura de prejuízos, embora em substância, se revele ser esta a realidade mais evidente e lógica.
Na verdade, a A… Portugal fez a transferência deste valor denominando-a “subvenção de exploração intra-grupo”, embora contabilizada numa conta “outras indemnizações” com base numa nota de débito da C… e posteriormente num contrato não replicável entre empresas não sujeitas à disciplina do grupo (preços de transferência-artº 63º).
Resulta igualmente e dalgum modo evidenciado o interesse para o futuro do Grupo e da própria A…- Portugal em manter viva a C…- França e aberta a porta do mercado francês para fornecimentos futuros, o que só por si, não justifica o enquadramento desta transferência como gasto da A…- Portugal e muito menos como gasto do exercício em questão, em que praticamente não foram reconhecidos na A… Portugal, rendimentos atribuíveis a vendas para aquele mercado.
A problematica que a mãe E… SGPS teve de enfrentar no final do exercicio de 2010/2011 – tudo o indicia -, terá sido a necessidade de cobrir o prejuízo da C…- França, para evitar a sua dissolução oficiosa por diminuição dos capitais próprios, não sendo expectável, em mercados fora do domínio de relações especiais que fosse a A… Portugal a desempenhar o papel de cavaleiro branco da irmã perante a irmã, cobrindo os prejuízos daquela. A não ser, como foi tentado, atribuindo à transferência o carater de indispensabuilidade para a obtenção dos proveitos.
Esta cobertura de prejuízos competia à E…- SGPS, pelo que a situação em análise configura, em substância um pagamento da A… Portugal à sua “irmã” C…- França, por conta da “mãe” E… SGPS.
Configurado o pagamento como gasto fiscal (do Grupo mas parqueado no Requerente, A… Portugal) à luz do artigo 23º, do CIRC, foi obtida uma tributação global em IRC do Grupo A… correspondente a menos €326.053,85.
Nem se afirme como faz a Requerente que a transferência em causa consubstancia uma subvenção de exploração, resultante de uma política interna ao grupo homogénea, de imputação de gastos entre as empresas desse mesmo grupo.
Isto é, o imperativo para a A…Portugal pagar 1.000.000, à sua “irmã” C…- França, resultaria de um normativo interno ao grupo A… não replicável em condições normais de mercado, (só possível por estarmos num quadro de relações especiais (artº 63º do CIRC).
A A… Portugal classificou esta saída de fundos, alegadamente uma subvenção de exploração, na conta … – OGP – Outras indemnizações.
No SNC não existe esta conta expressamente a nível de gastos nem, consequentemente, do tipo de encargos que nela podem ser reconhecidos.
Do mesmo modo, a nível dos gastos, não existe prevista qualquer conta para indemnizações que nos permita definir o seu conteúdo.
Daí, também nesta perspectiva, algumas dificuldades de conceptualizar este “gasto” e a fundamentação do seu reconhecimento contabilístico e enquadramento como gasto fiscal por parte da requerente: subvenção, indemnização, partilha de gastos intra-grupo, partilha de prejuízos intra-grupo.
No que se refere ao reconhecimento das subvenções ou subsídios por parte de quem os recebe, contabilisticamente e fiscalmente, existe extensa bibliografia, e norma contabilisticas uma nacional e outra internacional de referência, respetivamente:
-
NCRF (Norma Contabilistica e de Relato Financeiro nº 22) – Contabilização dos Subsídios do Governo
IAS 20 – Accounting for Government Grants and Disclosure of Government Assistance.
Sempre na ótica de quem recebe os subsídios e da escolha do exercício mais adequado para o seu reconhecimento como rendimento e consequente exercício da tributação.
Para efeito da aplicação deste normativo, a norma contabilística 22 define SUBSÍDIOS (subvenções) como o apoio dado pelo Governo (em sentido amplo, autarquias, etc), na forma de transferência de recursos para uma empresa em troca de conformidade passada ou futura com determinadas condições relacionadas com as actividades da empresa.
Esta normas e muita doutrina sobre subvenções ou subsídios, preocupa-se com a ótica de quem recebe os subsídios (empresas) desprezando a sua análise na ótica de quem os outorga no cumprimentos de políticas políticas
É que outorgar ou conceder subvenções, subsídios, donativos, fora das entidades públicas no cumprimento das suas políticas, integra o conceito de “liberalidades” só permitidas em condições muito especiais e de materialidade controlada configurando do mesmo modo opções políticas de responsabilidade social das empresas.
Do mesmo modo, a nível dos rendimentos, a alínea j, do nº 1, do artigo 20º (Rendimentos), prevê a tributação dos subsídios desde que contabilizados de acordo com as normas contabilísticas acima e com o previsto no artigo 22º do CIRC.
Nada existe sobre a concessão de subvenções de exploração entre empresas pois o conceito é reservado exclusivamente para o tratamento das subvenções outorgadas por entidades públicas às empresas.
- A abordagem de eventuais subvenções ou subsídios na ótica de outorgantes privados não existe nem está previsto o seu tratamento em termos da aceitação eventual como gastos fiscais.
- Na verdade, os subsídios e as subvenções, caindo no âmbito da atividade das entidades públicas, são para as empresas enquadráveis no conceito de doação ou liberalidades, não sendo aceites como gasto fiscal com exceção dos donativos às entidades e nos limites previstos no artigo 62º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
- Na situação em concreto, esta subvenção de exploração intragrupo só seria, como se viu, gasto fiscal se enquadrável no artigo 23º do IRC, no exercício em que foi outorgada se tivesse contribuído para os rendimentos gerados pela A… Portugal no mesmo ano. O que efetivamente não foi demonstrado.
- A possibilidade de estar associada ao reconhecimento de rendimentos futuros (vendas), mas não demonstrada nem requerida e conflituante com a hipótese de este ativo incorpóreo ter sido adquirido e pago em 2009 pela C… France, poderia levar ao seu reconhecimento como um ativo incorpóreo e ser reconhecido como gasto fiscal nos termos da norma contabilistica de realto financeiro nº22 e alínea b, do nº 1 do artigo 22º do CIRC.
Acresce ainda que, no caso sub juditio, o comprovante contabilístico apresentado para esta operação é uma nota de débito com o desfritivo “negociações D… referente ao período de 2010.07.01 a 2011.06.30”.
Em conclusão: o pedido terá inapelavelmente de improceder totalmente.
III - DECISÃO
Pelo exposto, delibera este Tribunal Coletivo:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido e manter na ordem jurídica os atos tributários sindicados;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 324.308,85
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 26-4-2016
O Tribunal Arbitral Coletivo
(José Poças Falcão)
(Armindo Fernandes Costa)
(José Coutinho Pires)