Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 674/2015-T
Data da decisão: 2016-03-30  IUC  
Valor do pedido: € 36.784,20
Tema: IUC – Incidência subjetiva; presunções legais; venda para expedição, de veículo novo, matriculado, no prazo legal para registo
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A… SA, anterior B…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …--… Porto, tendo sido notificada das liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC), relativas aos anos de 2011 e 2012, no valor total de € 36 784,20, apresentou, em 11 de novembro de 2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para que seja declarada a ilegalidade e anulados os atos de liquidação de IUC dos anos de 2011 e 2012, que identifica, bem como seja a AT condenada a proceder ao reembolso dos imposto pagos, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

2. Nos termos do disposto nos artigos 6.º n.º 1 e 11.º n.º 1 alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro singular em 10 de dezembro de 2015, tendo o mesmo comunicado a aceitação dessa incumbência.

 

3. Em 11 de dezembro, foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea b) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, não tendo as Partes manifestado a intenção de recusar a designação do árbitro.

Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 25 de janeiro de 2016.

 

4.1 Nos termos do artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT foi a AT notificada, enquanto parte requerida, para no prazo de 30 dias apresentar resposta e, caso entendesse, solicitar a produção de prova adicional, devendo no mesmo prazo ser remetida cópia do processo administrativo, o que fez em 02 de março de 2016.

4.2 Nessa resposta, a Requerida sustentou a legalidade das liquidações efetuadas, concluindo pela improcedência total do pedido.

Alegou também estar em causa somente matéria de direito, e requereu a dispensa da produção da prova testemunhal, indicada pela Requerente na petição inicial.

4.3 No exercício do contraditório, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar sobre a dispensa da audição das testemunhas, bem como, atento o facto de estar em apreciação unicamente matéria de direito, sobre se prescindia da primeira reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, sem prejuízo da apresentação de alegações escritas, se assim o entendesse, matéria sobre a qual foi igualmente inquirida a Requerida, tendo ambas dado o seu assentimento, por comunicações de 10 e 09 de março de 2016, respetivamente.  

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

5. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.  

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

6.1 A Requerente, na petição inicial, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, alegou o seguinte:

a) A presunção legal constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, de que é proprietária do veículo a pessoa que surge identificada como tal no registo automóvel, sendo, por isso, sujeito passivo do imposto e ficando responsável pelo pagamento do imposto, não pode ser qualificada como uma presunção de incidência subjetiva inilidível;

b) Ao abrigo do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, (LGT), a pessoa que surge identificada no registo como proprietária do veículo poderá sempre afastar a presunção prevista no artigo 3.º do CIUC, ou seja, a presunção de que é proprietário e consequentemente sujeito passivo do IUC;

c) Deste modo, poderá demonstrar que tal facto não corresponde à verdade, uma vez que na data em que o IUC se tornou exigível já tinha transmitido o veículo em causa;

d) Nos anos de 2011 e 2012 importou no exercício da sua atividade comercial, 268 veículos, que identificou e que foram matriculados e, posteriormente, faturados até ao termo do prazo legalmente concedido para registo e expedidos/exportados para outros Estados Membros da União Europeia (UE) /Terceiros Estados, não tendo tido como destino final o mercado português; 

e) Contra o exposto, não pode ser acolhido o entendimento segundo o qual o facto gerador e a exigibilidade do IUC ocorrem com a emissão da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), em nome do importador e com o posterior pedido de emissão do certificado de matrícula do veículo, em nome do importador, dado que tal entendimento desconsidera o disposto nos artigos 17.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIUC;

f) O legislador estabeleceu, inequivocamente, que, no ano da matrícula, o facto gerador do IUC e a sua exigibilidade apenas ocorrem após o termo do prazo para registo previsto no artigo 42.º n.º 2 do Regulamento do Registo Automóvel, (RRA) ou seja, após o prazo de 60 dias, contados da matrícula;

g) Não se pode confundir o preenchimento da DAV, facto gerador do Imposto sobre Veículos (ISV), com o facto gerador do IUC;

h) Em sede de IUC apenas é possível determinar o sujeito passivo do imposto após o termo do prazo para esse registo, previsto no artigo 42.º, n.º 2 do RRA, ou seja, o prazo de 60 dias após a obtenção da matrícula por parte do operador registado e a apresentação do certificado de matrícula não origina nem se confunde com o facto gerador do IUC;

i) O entendimento da Requerida de que o imposto se mostra exigível, é também manifestamente ilegal por violação do princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CIUC, dado que o imposto deve procurar onerar os proprietários dos veículos na medida do custo ambiental e viário provocado pela circulação dos veículos em território nacional;

j) Tendo a Requerente logrado fazer prova através da junção das faturas respetivas que os veículos em apreço foram transmitidos e faturados antes do termo do prazo legalmente concedido para registo e sido expedidos/exportados para outros Estados membros da UE ou terceiros Estados deverá concluir-se que logrou ilidir a presunção derivado do registo e prevista no artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, pelo que deverá ser determinada a anulação das liquidações dos IUC em apreço, com fundamento na respetiva ilegalidade;

l) O facto de, embora inconformada, ter procedido ao pagamento do IUC implica que, estando subjacentes a tais liquidações manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a Requerente entende que, a ser-lhe reconhecida razão, lhe são devidos juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços, segundo o disposto no artigo 43.º n.º 2 da LGT; 

m) Em conclusão, é pedido que se declare a ilegalidade e a anulação dos atos de liquidação do IUC dos anos de 2011 e 2012 relativamente aos veículos que discriminou, solicitado que, consequentemente, a AT seja condenada na restituição dos montantes de IUC oportunamente pagos, bem como seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que assentaram na materialização de erro imputável aos serviços.

6.2 Por seu turno, a Requerida em resposta à petição inicial, em sede de contestação, veio dizer o seguinte:

a) No âmbito do artigo 17.º do CIUC a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma DAV sendo a mesma constitutiva do facto gerador do imposto nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 5.º do CISV;

b) Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 117.º do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT) pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo.

c) O artigo 24.º do RRA refere que «O registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respetivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais» 

d) Tendo em atenção o disposto no artigo 3.º n.º 1, segundo o qual são, «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados», o artigo 6.º n.º 1, no que concerne ao facto gerador e à exigibilidade do imposto, segundo o qual «O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional» e o artigo 17.º, todos do CIUC, de acordo com o qual «… o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo regularmente exigido para o respetivo registo.»;

e) Constata-se que da articulação entre o âmbito de incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorrem inequivocamente do artigo 6.º do CIUC as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja a matrícula ou o registo em território nacional;

f) «… por força da conjugação das normas expressas e em especial atenção ao disposto no artigo 24.º do RRA, aprovado pelo DL n.º 55/75 de 12.02, na redação dada pelo DL n.º 178-A/2005 de 28 outubro, subjaz que o registo inicial de propriedade, de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respetivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo»;

g) «Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente ISV, e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do artigo 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja a requerente», pelo que «o primeiro registo de cada veículo é considerado em nome da entidade importadora»;

h) É perentório que nos termos do artigo 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e, nesse sentido, é de acordo com o estatuído nos artigos 3.º e 6.º do CIUC, sujeito passivo do imposto, sendo o facto gerador aferido nos termos do mencionado artigo 6.º pela matrícula ou pelo registo em território nacional;

i) Tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula e encontrando-se o veículo registado em nome desta, estão reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a mesma sujeito passivo do imposto;

j) O legislador tributário no artigo 6.º do CIUC estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando claramente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo;

l) O entendimento da Requerente de que poderá sempre ilidir a presunção legal de que é proprietária dos veículos, no momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, após o termo do prazo legalmente concedido para o registo, não encontra o mínimo de correspondência com a letra da lei para além de violar frontalmente o princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da certeza e segurança jurídicas, não encontrando o mínimo de correspondência com a ratio legis constante do artigo 6.º do CIUC nem com a mens legislatori;

m) O entendimento que a Requerente esgrime de que poderá ser afastada a tributação em caso de, no prazo de 60 dias, o veículo ser exportado para outro país, ou nos casos em que ocorrem entre o 61.º dia e o 90.º dia, não encontra guarida na letra da lei, ou seja, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal;

n) O legislador tributário não ficcionou que poderia ser ilidida a presunção legal de propriedade até aos 60 dias a que alude o n.º 2 do artigo 42º do RRA, o qual, seria pago nos 30 dias posteriores nos termos do artigo 17.º do CIUC, e muito menos ficcionou que os importadores, não obstante figurarem como primeiros proprietários dos veículos importados, poderão ver afastada a tributação em sede de IUC, caso no prazo de 60 dias o veículo seja registado em nome de outro proprietário, o qual liquida e paga o IUC no prazo de 30 dias nos termos do artigo 17.º do CIUC;

o) O legislador consagrou que o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo, consagrando expressamente o artigo 24.º do RRA que tendo sido pago o ISV e pedida a matrícula fica automaticamente registado em nome do importador, ou seja da Requerente;

p) Logo, tendo preenchido a DAV, pago o ISV e efetuado o pedido de matrícula, preencheu inelutavelmente o facto gerador do IUC, ou seja a matrícula e o registo (incidência objetiva/subjetiva), sendo-lhe exigível o pagamento nos termos do artigo 3.º do CIUC;

o) Independentemente de a Requerente ter vendido o veículo para outros países, antes ou depois dos 60 dias para registo, tal facto, à luz do facto gerador consignado no artigo 6.º do CIUC é manifestamente inócuo, na medida em que o legislador consagrou expressamente que o facto gerador é atestado pela atribuição da matrícula, e uma vez efetuado o primeiro registo preenche duplamente o facto gerador do imposto;

q) O legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como sujeitos passivos do imposto os proprietários em nome dos quais os veículos se encontrem registados;

r) A «vexatio quaestio» reside no registo automóvel para efeitos de incidência de imposto, mormente no que contende à exigibilidade do IUC, consagrado nos artigos 3.º e 6.º ambos do CIUC, e, na medida em que os veículos se encontram registados em nome da Requerente, é-lhe exigido o imposto, não sendo possível afastar a incidência subjetiva do imposto, relevando em apoio da sua tese a argumentação constante da Decisão Arbitral n.º 55/2014-T;

s) A seguir-se o ideário argumentativo aduzido pela Requerente, estaria encontrada a fórmula para desvirtuar a ratio legis do CIUC, procedendo à sua desaplicação e contorno em clara e manifesta violação dos mais elementares princípios legais e constitucionais da legalidade tributária, da justiça, da capacidade contributiva, da igualdade e da segurança e certeza jurídica;

t) A efetiva preocupação ambiental subjacente à ratio da reforma da tributação automóvel, não afasta outro dos ratios fundamentais do CIUC, que é a de o legislador fiscal ter pretendido criar um IUC assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel ou através da emissão da matrícula a que se reporta o artigo 6.º do CIUC, entendimento este acolhido na Decisão Arbitral n.º 63/2014-T;

u) O afastamento da incidência subjetiva na tributação em sede de IUC proposto pela Requerente contraria o princípio da legalidade e da tipicidade estatuído no artigo 8.º da LGT e artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que tal entendimento não se escora na lei, colidindo igualmente com o princípio da capacidade contributiva estatuído no artigo 4.º da LGT e 104.º da CRP e, por maioria de razão, viola o princípio da igualdade tributária vertido no artigo 13.º da CRP, na medida em que a capacidade contributiva é o critério unitário da tributação que concretiza o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério, assim como afronta o princípio da certeza e da segurança jurídica;

v) A elisão da presunção que a Requerente invoca padece de errada interpretação e aplicação das normas legais, dado que incorre numa enviesada leitura da letra lei, na medida em que o legislador tributário estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados;

x) O legislador não usou a expressão «presumem-se», e entender que o legislador consagrou aqui uma presunção é inequivocamente efetuar uma interpretação «contra legem», sendo antes uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção adentro da sua liberdade de conformação legislativa foi a de que sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel, sendo este o entendimento já adotado pela jurisprudência dos nossos tribunais, proferida no âmbito de processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel;

z) Defende igualmente que se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então, forçosamente, terá de reagir pelos meios próprios previstos no RRA e nas leis registrais, subsidiariamente aplicáveis, e contra o próprio teor do registo automóvel, pois não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registral;

aa) Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que, da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objeto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constarem os factos sujeitos a registo (cf. artigos 4.º/2 e 6.º/3 do CIUC, artigo 10.º/1 do DL 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 42.º do RRA);

bb) Na falta de tal registo será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida, tendo em conta a atual configuração do sistema jurídico, não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e como tal autênticos;

cc) A não atualização do registo nos termos do disposto no artigo 42.º do RRA é imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste imposto;

dd) A aceitar-se a posição defendida pela Requerente, a Requerida teria de proceder à liquidação do IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC e, alegando e provando este que, entretanto, já celebrou contrato com outrem, a requerida teria de voltar a liquidar o IUC a esse novo sujeito passivo e assim sucessivamente, colocando em causa o prazo de caducidade do imposto;

ee) Ficaria em causa a segurança e a certeza jurídica, dado que o instituto do registo automóvel deixaria de proporcionar a segurança e a certeza que constituem as suas finalidades principais, assim como o poder dever da Requerida liquidar impostos;

ff) À luz de uma interpretação teleológica, o legislador fiscal pretendeu criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel, sendo significativo que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.º do CIUC tanto no seu n.º 1 como no n.º 2 correspondem exatamente aos casos de regime automóvel obrigatório nos termos do Código do Registo Automóvel (CRA);

gg) Paralelamente, a interpretação da Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português;

hh) A requerente ao pretender desconsiderar a realidade registral, realidade que constitui a pedra angular em que assenta o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registral;

ii) A argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do principio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva;

jj) A Requerente deve ser condenada no pagamento das custas arbitrais, assim como não se encontram preenchidos os pressupostos legais conducentes ao direito a juros indemnizatórios.

Em síntese, a Requerida pede que seja julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, e, consequentemente, seja absolvida do pedido.

 

7. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:

7.1 A Requerente é uma empresa que, no âmbito da sua atividade, importa veículos que, por razões comerciais e contratuais estabelecidas com os fabricantes, por vezes, procede à sua matrícula em Portugal mas, posteriormente, os vende e expede para outros Estados Membros da União Europeia (UE), ou, em certos casos, exporta para países terceiros.

7.2 – Nos anos de 2011 e 2012, em diversas datas, procedeu à introdução no consumo dos veículos que, identificados pela matrícula nacional e pela data em que foi atribuída, abaixo se discrimina no n.º 7.8, totalizando 268 veículos.

7.3 – Seguidamente à atribuição da matrícula nacional, num prazo que, em nenhum caso, ultrapassou os 60 dias relativamente a essa atribuição, procedeu à sua venda a diversas empresas sedeadas noutros Estados Membros da EU, nas datas que se mencionam na lista de veículos, constante de 7.8.

7.4 – Os destinatários dessas vendas foram a C…, (1), sedeada em Weibenburg, a D…, (3), em Emmerig, a E…, (4), em Kempten, a F…, (6), em Hamburgo, todas na Alemanha, a G…,(2),  em … Sur Marne, na França, e a H…, (5), em Aarshot e a I…, (7), em Wilrig, ambas na Bélgica, discriminando-se na lista mencionada em 7.8, os veículos adquiridos por cada uma das empresas.

7.5 – Relativamente a todos eles, a Requerente promoveu a sua expedição a coberto de formulários aduaneiros com registo de autorização de saída, tendo efetuado o cancelamento das matrículas nacionais que lhe tinham sido atribuídas, na entidade competente.  

7.6 – No decorrer do ano de 2014, a Requerente foi confrontada pela AT com as dívidas de IUC respeitantes aos veículos infra indicados. Por motivos económicos, procedeu ao respetivo pagamento, por intermédio da via eletrónica, em conformidade com o estipulado legalmente para os sujeitos passivos que sejam pessoas coletivas.

7.7 – Os montantes pagos, em euros, reportados aos veículos abaixo mencionados, encontram-se discriminados pelo montante de IUC e pelo respetivo montante de juros compensatórios.

7.8. Os veículos cujo IUC e respetivos juros compensatórios são objeto da apreciação em sede de impugnação, são os seguintes:

 

LISTA DE VEÍCULOS

Matrícula

Data

Venda

Adquirente

IUC

Juros

Total

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

11.11.11

2

49

7,24

56,24

…-…-…

30.09.11

11.11.11

2

49

7,24

56,24

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

10.11.11

3

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

10.10.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

10.10.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

10.10.11

24.10.11

1

93

13,74

106,74

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

08.11.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

30.09.11

17.10.11

1

155,08

22,91

177,99

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

21.10.11

10.11.11

3

124,15

18,05

142,2

…-…-…

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18,38

179,16

…-…-…

01.08.12

30.08.12

3

160,78

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01.08.12

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01.08.12

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01.08.12

30.08.12

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160,78

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18.06.12

22.06.12

3

160,78

19,14

179,92

…-…-…

18.06.12

22.06.12

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18.06.12

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128,43

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143,71

…-…-…

18.06.12

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18.06.12

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18.06.12

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18.06.12

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18.06.12

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18.06.12

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3

128,43

15,28

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…-…-…

18.06.12

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18.06.12

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…-…-…

21.03.12

28.03.12

7

160,78

20,72

181,5

…-…-…

21.03.12

28.03.12

7

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21.03.12

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21.03.12

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21.03.12

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21.03.12

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21.03.12

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21.03.12

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27.06.12

28.03.12

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14,82

143,25

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27.06.12

28.03.12

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14,82

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27.06.12

22.08.12

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27.06.12

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27.06.12

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128,43

14,82

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…-…-…

27.06.12

27.07.12

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96,57

11,14

107,71

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27.06.12

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96,57

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107,71

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30.09.11

17.10.11

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155,08

22,5

177,58

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30.09.11

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155,08

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30.09.11

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22,5

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30.09.11

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7,11

56,11

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30.09.11

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155,08

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30.09.11

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155,08

22,5

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30.09.11

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30.09.11

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22,5

177,58

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30.09.11

11.11.11

2

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7,11

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23.11.12

27.11.12

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96,57

10,15

106,72

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

27.11.12

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23.11.12

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23.11.12

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23.11.12

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96,57

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30.12.11

16.02.12

1

49

6,92

55,92

…-…-…

30.12.11

16.02.12

1

49

6,92

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30.12.11

16.02.12

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49

6,92

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23.11.12

27.11.12

7

96,57

10,3

106,87

…-…-…

23.11.12

27.11.12

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96,57

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106,87

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23.11.12

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96,57

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23.11.12

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96,57

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23.11.12

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7

96,57

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23.11.12

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96,57

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23.11.12

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23.11.12

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96,57

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23.11.12

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23.11.12

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

27.11.12

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96,57

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…-…-…

23.11.12

27.11.12

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96,57

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…-…-…

23.11.12

27.11.12

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96,57

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23.11.12

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23.11.12

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23.11.12

27.11.12

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96,57

10,3

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23.11.12

27.11.12

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23.11.12

27.11.12

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96,57

10,3

106,87

…-…-…

23.11.12

27.11.12

7

96,57

10,3

106,87

     

 

32580,9

4203,26

36784,2

 

 

8. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa

 

FUNDAMENTOS DE DIREITO

9. Em função do que se deixa exposto, entende-se que este Tribunal Arbitral deve encontrar uma resposta para as seguintes questões de direito controvertidas:

a) – Apurar se o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC encerra ou não uma presunção e, no caso da resposta a esta questão ser positiva, averiguar se esta pode ser ilidida;

b) - Tendo em conta o disposto no artigo 6.º do CIUC, de que o facto gerador é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional, e que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula, conforme artigo 4.º n.º 2, atento o facto da obrigatoriedade de registo se verificar apenas 60 dias depois da atribuição da matrícula, qual a relevância das vendas realizadas dentro do prazo concedido legalmente para registo, para efeitos da imputação da dívida do imposto;

c) – Em que medida a interpretação defendida pela Requerente é violadora dos mais elementares princípios legais e constitucionais da legalidade tributária, da justiça, da capacidade contributiva, da igualdade e da segurança e certeza jurídica;

d) - Encontrando-se a dívida de IUC já paga, assim como os respetivos juros compensatórios, como resultou da atuação da Requerida tendo em vista a cobrança, no caso de procedência de uma decisão arbitral favorável à Requerente, é, ou não, devido o pagamento de juros indemnizatórios;

e) – Outrossim, no que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas processuais.

 

a)NATUREZA DO ARTIGO 3.º N.º 1 do CIUC

10.1 A Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, que aprovou o IUC, em matéria de incidência subjetiva, veio preceituar no artigo 3.º n.º 1 do CIUC, que «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados.».

10.2 No entendimento da Requerente, a presunção legal constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, de que é proprietária do veículo a pessoa que surge identificada como tal no registo automóvel, sendo, por isso, sujeito passivo do imposto e ficando responsável pelo pagamento do imposto, não pode ser qualificada como uma presunção de incidência subjetiva inilidível.

Este ponto de vista é rejeitado pela Requerida, que considera que o mesmo não encontra o mínimo de correspondência com a letra da lei, para além de violar frontalmente o princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da certeza e segurança jurídica. Com efeito, tal entendimento incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o IUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim em todo o IUC. O legislador tributário estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

11.1 Para a análise desta questão, não poderemos deixar de nos socorrer do artigo 9.º do Código Civil (CC) que estabelece que, para efeitos da interpretação da lei, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

No entanto, mais impõe que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo na fixação do sentido e alcance da lei presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

11.2 O recurso a este artigo 9.º do CC é, uma exigência do artigo 11.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

11.3 Nestes termos, está em causa apurar o alcance da substituição promovida pelo legislador, da palavra «presumindo-se», que constou de anteriores diplomas, por «considerando-se», tal como consta no atual texto legislativo, e que significado atribuir à eliminação da expressão «até prova em contrário» que constava igualmente dos anteriores diplomas. 

 

Antecedentes históricos

12.1 A Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, revogou o Decreto-Lei n.º 143/78, de 12 de junho, que tinha aprovado um novo «Regulamento do Imposto sobre Veículos»[1], aplicável aos automóveis ligeiros de passageiros e motociclos, tendo igualmente revogado o Decreto-Lei n.º 116/94, de 3 de maio, que tinha aprovado o «Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem», aplicável aos veículos afetos ao transporte rodoviário de mercadorias particular ou por conta própria ou rodoviário de mercadorias público ou por conta de outrem.

12.2 O supra mencionado Decreto-Lei n.º 143/78, no respetivo artigo 3.º, preceituava que «O imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados». 

Esta redação era precisamente a mesma que antes tinha constado do Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de dezembro, diploma que instituíra um denominado «Imposto sobre Veículos», e veio, a seguir, a constar na posterior legislação que se lhe seguiu, Decreto-Lei n.º 782/74, de 31 de dezembro, e Decreto-Lei n.º 81/76, de 28 de janeiro.  

Por seu lado, o Decreto-Lei n.º 116/94, estabelecia no respetivo artigo 2.º que «São sujeitos passivos do ICi e do ICa os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais os mesmos se encontrem registados».

12.3 Para se compreender este léxico gramatical utilizado durante tanto tempo do «presumindo-se como tais, até prova em contrário» importa ter em atenção a função do registo no contexto da legalização de automóveis.

O Decreto-Lei n.º 47 952, de 22 de setembro de 1967, no artigo 1.º considerava que «O registo de automóveis tem essencialmente por fim individualizar os respetivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis».

O Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro reafirmou nos precisos termos a mesma disposição e estabeleceu no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), que estão sujeitos a registo, entre outros, o direito de propriedade e de usufruto dos automóveis, sendo obrigatório o registo de tal facto.

Para o registo de tal facto, o Decreto n.º 55/75, igualmente de 12 de fevereiro, que aprovou o RRA, fixou um prazo de 60 dias a contar da data da atribuição da matrícula para que o mesmo fosse requerido, conforme decorre do artigo 42.º n.ºs 1 e 2, sendo este o quadro legislativo que permanece em vigor.

12.4 Para normas legais com tão fundos alicerces, que atravessaram vários diplomas e vigoraram praticamente quarenta anos, deve intuir-se algum propósito do legislador ao não ter mantido a mesma terminologia.

Ao utilizar a palavra «presumindo-se», o intérprete tinha perfeita noção de que o artigo 349.º do CC lhe conferia a faculdade de extrair uma conclusão do facto dos veículos se encontrarem matriculados ou registados no nome de uma determinada pessoa, ou seja a de que eles seriam os proprietários, a chamada ilação, todavia, sujeita a poder ser ilidida mediante prova em contrário, conforme o impunha o artigo 350.º n.º 2 do CC, e como as próprias normas tributárias o reafirmavam.

A expressão «até prova em contrário», não deixava, de resto, outra via interpretativa, uma vez que reforçava a natureza presuntiva «juris tantum» da norma.

 

13. Com a utilização da palavra «considerando-se» há margem para que, conforme sustenta a Requerida, outra interpretação seja possível, que não aquela que tradicionalmente vigorou, mais reforçada pelo facto de ter sido eliminada a expressão «até prova em contrário», expressão que, desde sempre, vigorou, restando apurar se a partir desta alteração legislativa é legalmente possível uma interpretação no sentido propugnado pela Requerida.

 

14. Cremos que não, pelas razões que a seguir se explicitam.

14.1 Como já acima foi referido, o artigo 9.º do CC estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo na fixação do sentido e alcance da lei presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora se o legislador pretendesse eliminar a referida presunção e, como defende a Requerida, quis intencional e expressamente que fossem considerados como sujeitos passivos do imposto os proprietários em nome dos quais os veículos se encontrem registados, naturalmente que não adotaria uma redação tão equívoca e limitar-se-ia a preceituar, por exemplo, que «São sujeitos passivos do imposto os titulares dos veículos cujo nome se encontre registado na conservatória do registo automóvel».

Era sem dúvida a solução mais acertada, dado que todos os titulares constantes do registo automóvel (proprietários) seriam sujeitos passivos do imposto e, para o não pagarem, deveriam estar abrangidos pelas normas de isenção subjetiva ou, enquanto titulares (proprietários) de veículos com determinadas características, pela via das normas de isenção objetiva, mencionadas no artigo 5.º do CIUC, ou simplesmente pela via da exclusão, como sucede, por exemplo, relativamente aos veículos anteriores a 1981.

Seria incompreensível que para exprimir o seu pensamento legislativo o legislador tivesse recorrido a uma formulação complexa quando o poderia ter feito de uma forma clara e simples, facilmente apreendida pela generalidade do cidadão comum.

Como salienta Francesco Ferrara, «Deve partir-se do conceito de que todas as palavras têm no discurso uma função e um sentido próprio, de que neste não há nada supérfluo ou contraditório, e, por isso, o sentido literal há de surgir da compreensão harmónica de todo o contexto». [2]

14.2 Aparentemente, nada justifica que, a pretender-se o sentido interpretativo defendido pela Requerida, o legislador mantivesse a expressão «considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado» constantes do n.º 1 do artigo 3.º, uma vez que, trata-se de uma expressão assente numa distinção classificativa, quase um estilo redaccional, que pouco ou nada acrescenta, pois, os proprietários ou são pessoas singulares ou coletivas (eventualmente poderá também considerar-se a categoria dos equiparados) e são de direito público ou privado (eventualmente poderá também considerar-se situações híbridas, como o direito cooperativo e outros).

14.3 No entendimento do Tribunal Arbitral o que se verifica é que, não obstante essa via poder ser a mais desejável para uma eficaz concretização das operações de liquidação e cobrança do imposto, o legislador teve consciência das circunstâncias em que inovava e das suas próprias limitações no plano legislativo e no funcionamento da organização tributária, donde ter enveredado por uma redação que pretendeu simplesmente reforçar a tónica na propriedade do veículo, enquanto facto gerador do imposto, sem cair no exclusivismo do registo oficial.

14.4 Ao exprimir-se em termos de que «…considerando-se como tais …», transformou a presunção legal explícita numa figura que se configura igualmente como uma presunção, se bem que de forma implícita, nos seus limites, tendo ido tão longe quanto lhe foi possível na operacionalização e modernização de um imposto que sempre tinha sido um parente pobre na área dos impostos. Anos a fio, os seus montantes de taxas não tinham sido objeto das normais atualizações anuais produzidas pelos governos nos respetivos Orçamento de Estado, e tinha estado sempre refém do papel e da burocracia e da intervenção dos revendedores de valores selados.  

14.5 Não podendo o intérprete considerar um pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, há, no entanto, que averiguar se, independentemente da supressão da expressão «salvo prova em contrário», é possível encontrar alguma similitude entre a palavra «presume-se» e a palavra «considerando-se», de modo a que nas duas expressões seja possível encontrar alguma afinidade verbal.

Em comentário ao artigo 73.º da LGT, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa, [3] referem que as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante, citando os exemplos dos n.ºs 1 a 5 do artigo 6.º, em que se refere presunções relativas a rendimentos da categoria E do CIRS, que a própria AT, mediante reconhecimento, pode ilidir.

Também nos n.ºs 3 e 4 do artigo 89.º A da LGT, sobre os pressupostos para a avaliação indireta das manifestações de fortuna em sede de IRS, o legislador recorre à palavra «considera-se» com um significado semelhante a «presume-se».

No direito civil há igualmente disposições legais que vão no mesmo sentido, como é o caso do artigo 243.º, n.º 3 do CC quando dispõe que «Considera-se sempre de má-fé, o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação quando a este haja lugar», pelo que, parece-nos não subsistir dúvidas quanto à possibilidade do legislador exprimir de forma diferente a mesma intenção legislativa.

Havendo recetividade na doutrina para reconhecer essa afinidade, constata-se igualmente em termos de decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD um alargado consenso sobre o entendimento a conferir a tal alteração.

14.6 O entendimento a que se chegou está em sintonia com o entendimento adotado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, no Acórdão n.º 8300/14 CT – 2.º Juízo, de 19 de março de 2015, em que foi relator Joaquim Condesso, segundo o qual, «O citado artigo 3.º n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73.º da LGT.» - (n.º 8, in fine, do sumário do citado acórdão).

A menção que, amiúde, no âmbito judicial e no âmbito do CAAD, a Requerida faz da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não nos parece que seja a melhor interpretação da alteração legislativa ocorrida.  

14.7 Aliás, já antes os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 348/97 de 25 de julho, e 211/2003, de 28 de abril, tinham considerado que não estava constitucionalmente vedado ao legislador a utilização de presunções em direito tributário, desde que haja a possibilidade de as ilidir, e sobre a mesma questão, embora numa forma muito conclusiva, doutrinalmente, também A. Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes em anotação ao artigo se tinham pronunciado no sentido de que «não se registam alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICi e ICa. [4]

14.8 A pretensão de se entender ter sido estabelecida uma presunção absoluta, ou «júris et de jure», com impossibilidade de prova em contrário, como defende a Requerida, rompe com a desejável coerência e harmonização do sistema jurídico, dado que a conexão normativa pura traz uma consequência jurídica para o sistema fiscal e para as garantias dos contribuintes no âmbito do procedimento, ao queimar o princípio do inquisitório e impedir a procura da verdade material.   

 

Os trabalhos preparatórios

15. A eliminação de uma presunção de propriedade e a sua substituição pela informação de um registo público tem implicações a diversos níveis. Tudo leva a crer que o legislador, embora pretendendo tornar escorreita a arquitetura do imposto, não teria no seu pensamento a adoção de uma alteração desta natureza, pelo menos, esse não seria o seu propósito inicial quando deu um impulso para a reforma da fiscalidade automóvel e criou um Grupo de Trabalho (GT) para reforma da fiscalidade automóvel. [5]

Nas orientações que então definiu, consta a adoção de princípios de eficiência, eficácia e simplicidade e o recurso, sempre que possível, a soluções eletrónicas, que facilitem o cumprimento das obrigações fiscais e a fiscalização dos regimes, para o que devem ser procuradas soluções integradas que permitam segurança e eficácia nas liquidações e cobranças através do envolvimento em processos de transmissão eletrónica de dados e acesso à informação de entidades externas ao Ministério das Finanças. [6]

No que respeita especificamente ao imposto de circulação, que se viria a designar por IUC, as orientações respeitam à ponderação na forma de cálculo da categoria do veículo, da cilindrada e das emissões específicas do CO2 ou de outras emissões poluentes constantes da homologação técnica, da consideração do grau poluidor dos motociclos e quadriciclos e de que o novo sistema seja aplicável apenas aos veículos que sejam introduzidos no consumo no âmbito da sua vigência, mas nada se diz especificamente quanto ao acolhimento da forma legal de instituição dos sujeitos passivos do imposto.

Como refere Francesco Ferrara[7], os trabalhos preparatórios da lei podem esclarecer-nos relativamente às ideias e ao espírito dos proponentes da lei e valem como subsídio, quando puder demonstrar-se que tais ideias e princípios foram incorporados na lei, devendo em caso diverso ser considerados momentos estranhos à lei e sem influência jurídica. Ora, como acima se viu, o GT de reforma da fiscalidade automóvel, que preparou a referida legislação, agiu de acordo com instruções precisas dos membros do governo diretamente responsáveis por estas matérias, a coberto de princípios e orientações, pelo que o aparecimento desses mesmos princípios e orientações no texto legislativo, tem um valor interpretativo reforçado, que não se confunde com a «caótica mixórdia de teorias opostas em que todo o intérprete pode achar cómoda confirmação para as suas opiniões», que o próprio Ferrara assinala para afirmar a sua posição de reserva quanto aos trabalhos preparatórios, em que o texto legislativo, muitas vezes, resulta de um processo negocial que encerra interesses contraditórios. 

 

O elemento teleológico

16.1 Refere Oliveira Ascensão que o elemento teleológico é um dos elementos «a ponderar na interpretação, o que podemos chamar a justificação social da lei. A finalidade proposta é tida em conta para que a ela seja adequada a norma resultante. Todo o direito é finalista. Toda a fonte existe para atingir fins ou objetivos sociais. Por isso, enquanto não se descobrir o para quê duma lei, não se está em condições de proceder à sua interpretação». [8]

O despacho conjunto que criou o GT expressa o objetivo que se pretendia, ou seja, «no essencial, contrariar a excessiva oneração dos veículos automóveis no momento da sua venda e potenciar, no novo modelo de tributação, a proteção ambiental e a racionalização dos consumos energéticos.»

Estando identificado o «para quê» da lei, subsiste, no entanto, a questão de quais as formas e meios usados para atingir essa finalidade.

A orientação era no sentido de serem adotados princípios de eficiência, eficácia e simplicidade e adotar soluções integradas que permitam segurança e eficácia nas liquidações e cobranças através do envolvimento em processos de transmissão eletrónica de dados e de acesso à informação de entidades externas ao Ministério das Finanças.

Naturalmente que não poderia haver maior eficiência, eficácia e simplicidade do que recorrer a uma base de dados de proprietários de veículos já existente em vez de ser a própria administração tributária a criar a sua própria base de dados.

16.2 Todavia, ao implementar um sistema fundado em tais princípios, o legislador tributário não poderia abstrair-se das circunstâncias em que inovava, dado que ao eleger a base de dados de proprietários de veículos da CRA, estava a socorrer-se de uma base de dados que sempre teve por principal função a regulação das responsabilidades a nível da sociedade civil, cuja informação era a resultante da atividade declarativa dos proprietários em virtude de transmissões a que os veículos fossem sujeitos, e para a qual não havia qualquer sanção coativa específica relativamente aos incumprimentos, salvo o pagamento de uma taxa agravada no caso de se apresentar a registar a transmissão fora do respetivo prazo.     

16.3 As circunstâncias têm a ver com o facto de na altura da publicação do CIUC haver um enorme desfasamento entre o parque automóvel nacional existente e os registos de veículos que constavam na conservatória de registo automóvel. De acordo com a informação ao tempo veiculada pelos órgãos de comunicação social, os próprios serviços oficiais, estimavam haver, pelo menos, um milhão de matrículas a mais do que o efetivo parque automóvel. A isso aludiu a deputada Helena Pinto, do Bloco de Esquerda, numa sessão de debate parlamentar ocorrida em 13 de março de 2008, ao referir que «Existem hoje mais de um milhão e meio de veículos automóveis cujo registo de propriedade não corresponde ao seu proprietário atual.»

Com efeito, durante dezenas de anos, foi sendo prática corrente o abate de veículos, por via de desmantelamentos sem qualquer controlo, isto é sem qualquer comunicação às autoridades competentes, uma vez que o quadro legal de destruição de veículos em fim de vida, com intervenção de um operador autorizado, apenas foi definido no começo deste século. [9]

Igualmente era prática corrente efetuarem-se as transmissões dos veículos, para o que bastava, e basta, um contrato verbal, sem que houvesse suficiente diligência para levar tais factos ao registo na conservatória, não obstante haver um agravamento da taxa de registo por incumprimento do prazo legal para tal comunicação. Aliás, como é público e notório, em muitos casos, não obstante serem assinados pelas Partes, era acordado o preenchimento do campo correspondente à data da celebração ficar em branco, de forma a poder ser preenchido mais tarde, e assim o comprador se eximir da penalização no atraso do registo.   

16.4 Previamente, impunha-se a adoção de medidas que viabilizassem uma transição suave para um regime altamente inovador. Tais medidas tem sido gradualmente adotadas, como foi o caso da publicação do Decreto-Lei n.º 20/2008 de 31 de janeiro, que alterou diversas normas do RRA, do Decreto-Lei n.º 78/2008, de 6 de maio, que criou um regime excecional de regularização da base de dados de veículos do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, e, mais recentemente, do Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de dezembro, que criou um procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquiridos por contrato verbal, viabilizando que o mesmo possa ser efetuado pelo vendedor do veículo, assim se desonerando dos encargos que resultam da qualidade de titular, seja no plano da responsabilidade civil, rodoviária, ou agora no próprio plano tributário.

16.5 Conhecendo o legislador estas circunstâncias, seria atentatório das garantias genéricas dos contribuintes, as quais recolhem proteção constitucional, que, entre a data da publicação do diploma e a sua entrada em vigor, seis meses depois, isto é 1 de janeiro de 2008, se pretendesse regularizar a situação de propriedade de praticamente um quarto dos veículos que constituíam o parque automóvel nacional, sob pena de os proprietários de direito, fossem ou não os verdadeiros donos dos veículos, ficarem inexoravelmente sujeitos ao pagamento do imposto.

16.6 Aliás, tais dificuldades não seriam apenas para os contribuintes mas também para a própria administração tributária que, num tão curto espaço de tempo, teria de ter operacionalizada uma estrutura que desse resposta a tão significativo número de situações pré-contenciosas, com riscos de paralisar a capacidade de resposta na área dos demais impostos.

16.7 Por isso, a solução encontrada de acesso direto à base de dados de proprietários de veículos da CRA, representou uma solução integrada, eficaz para promover as liquidações a que haja lugar, mas não pôde deixar de ter em conta a natureza do registo automóvel, a qual se mantém e não sofre qualquer alteração há dezenas de anos.

É um acesso que se pode caraterizar, mais do que por uma aquisição de um direito de tributar em função dos nomes que constem do registo, como uma forma meramente instrumental de eleger sujeitos passivos que sejam suscetíveis de suportar a liquidação e cobrança do imposto.   

16.8 De resto, não é nenhuma solução inovadora, pois, desde 1998 que existia um canal de comunicação eletrónico entre a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (organismo que veio integrar a Requerida) com a Direção-Geral de Viação (mais tarde IMTT) para efeitos de atribuição de matrículas, assim como com a CRA, que, de toda a informação recebida, no exercício estrito das suas competências, se limitava a aproveitar a informação sobre os ónus que impendiam sobre os veículos, em especial no caso do reconhecimento de isenções.

 

17. A referência que a Requerida faz à Recomendação do Provedor de Justiça n.º 6-B/2012, tem de ser contextualizada e ilustra essas mesmas dificuldades. É significativo que, vigorando o regime desde 1 de janeiro de 2008, e tendo havido, até 2012, um número muito importante de resolução de situações de desfasamento entre a base de registo e o parque de veículos existente, tanto por via legal como por via voluntária, quando a Requerida pretendeu agir sobre o quadro residual de incumpridores que se ia verificando desde 2008, dado que se aproximava o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, ainda assim, a Provedoria de Justiça tenha vindo a justificar tal recomendação com o «elevado número de queixas sobre as dificuldades verificadas no cancelamento de matrículas e na regularização de veículos automóveis».

 

18. Já vimos que o artigo 9.º do CC manda que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

As circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada parecem suficientemente identificadas. Em crítica às teses atualistas, Manuel de Andrade[10] referia que «É gratuita a afirmação de que o poder legislativo atual não revoga as leis anteriores porque as julga boas e tacitamente as aprova e mantém vigentes … apenas sucede que não chega a apreciá-las por não haver reclamações instantes e graves a tal respeito», mencionando, todavia, «Por sua parte, os censores do método histórico-evolutivo elevam contra a tese atualista uma objeção singularmente especiosa e perturbadora, que pode cifrar-se nesta interrogação: Para onde vai então o princípio da não retroatividade das leis».

 

19.1 Foram referidas as circunstâncias, mas convém ter em conta igualmente as limitações no plano legislativo, para que a unidade do sistema jurídico seja preservada.

 A CRP, desde a sua aprovação, tem considerado uma pedra de toque do sistema fiscal a questão da incidência, - atualmente artigo 103.º n.º 2, a qual impõe ao legislador ordinário cuidados acrescidos no tratamento legislativo da matéria fiscal.

E esses cuidados acrescidos refletem-se na lei-quadro que atravessa todo o sistema fiscal, consubstanciado na LGT, em que, logo no artigo 2.º, subordinado à epígrafe «Legislação complementar», é preceituado que, de acordo com a natureza das matérias, às relações jurídico-tributárias se dá prevalência à aplicação da referida lei, em detrimento doutros diplomas igualmente transversais.

O imperativo constitucional reflete-se na LGT ao assinalar no artigo 73.º que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

19.2 Ultrapassadas nestes oito anos de vigência da lei, a maior parte das dificuldades de ordem legal e prática que então se colocavam a uma profunda rotura legislativa, subsistem, ainda questões que carecerão de melhor análise, e que são suscetíveis de colocar os proprietários numa situação indefesa face aos registos oficiais de propriedade, como é o que sucede no caso dos autos.

Embora não tenha ficado provado que os cancelamentos de matrícula efetuados pelo IMTT, todos efetuados após os 60 dias fixados para o ato de registo, tenham resultado de pedidos de cancelamento apresentados pela Requerente antes do decurso desse prazo, compreende-se a existência de um tempo próprio para a referida entidade analisar se o pedido está corretamente instruído e tomar uma decisão.

O único dado seguro é que, tomada a decisão de cancelamento da matrícula pelo IMTT, esse cancelamento produz imediatamente efeitos na esfera jurídica do registo automóvel. 

19.3 No caso em que a transmissão dos veículos se faça com simultânea expedição ou exportação, por o adquirente ser uma entidade estrangeira, como foi o caso, haveria que criar condições, eventualmente um formulário tributário de ambiente eletrónico, que antecipasse essa informação por parte do sujeito passivo à administração tributária, de molde a evitar que por via do nome constante do primeiro registo do veículo, ou do nome constante da DAV, se faça uma liquidação em IUC em resultado do funcionamento automático do sistema de comunicações, protocolado entre as instituições, ou, a fazer-se, a mesma fique suspensa até apresentação do respetivo pedido de reembolso do ISV. [11]

 

20. Em conclusão, o Tribunal Arbitral entende que a atual redação do artigo 3.º em matéria do IUC, não eliminou a natureza presuntiva da norma e torna admissível a prova, por parte do sujeito passivo, de que o proprietário que consta do registo automóvel não corresponde à sua pessoa, mas corresponde a outrem, que o terá adquirido e será o seu proprietário, sendo, portanto, ilidível a prova resultante dos registos de propriedade constantes da Conservatória do Registo Automóvel.

Esta presunção aproveita igualmente à AT, na medida em que, não obstante poderem não ser pessoas singulares ou coletivas determinados proprietários dos veículos constantes nos registos automóveis, são suscetíveis de ser igualmente incluídos na esfera de incidência, caso das entidades equiparadas, dos veículos incluídos em massas insolventes, integrando patrimónios hereditários, etc.

           

b)RELEVÂNCIA DAS VENDAS DE VEÍCULOS REALIZADAS NO PRAZO DE REGISTO

21.1 A Requerente levanta a questão da relevância das vendas realizadas dentro do prazo para registo, em termos de imputação da dívida do IUC, tendo em conta, por um lado o disposto no artigo 6.º do CIUC, de que o facto gerador é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional e que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula, conforme o artigo 4.º n.º 2, e, por outro, o facto da obrigatoriedade de registo se verificar apenas 60 dias depois da atribuição da matrícula. No seu entendimento, se os veículos importados pelo Operador Registado forem objeto de venda e transmissão no prazo de 60 dias concedido para o registo, ou seja antes de o imposto se tornar exigível, deverá considerar-se ilidida a presunção prevista no artigo 3.º n.º1 do CIUC, com o consequente afastamento da responsabilidade pelo pagamento do imposto.

21.2 Por seu turno, a Requerida, na sua desenvolvida contestação, sustenta que o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, pelo que tendo a requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula e encontrando-se o mesmo registado em nome desta, estão reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade.

 

22.1 No caso dos autos, estão em causa veículos matriculados em território nacional pela primeira vez, pelo que o imposto é liquidado e pago pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo, conforme decorre do artigo 17.º n.º 1 do CIUC.

22.2 O prazo legalmente exigido para o registo, a que atrás se alude, está previsto no artigo 42.º n.º 1 do Decreto n.º 55/1975, de 12 de fevereiro, que aprovou o RRA, em termos de que deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto, contando-se tal facto a partir da data da atribuição da matrícula (n.º 2 do artigo 42.º).

Para se obter esse registo inicial de veículo importado ou admitido é necessária a apresentação de requerimento nesse sentido e a prova do cumprimento das obrigações fiscais – n.º 1 do artigo 24.º, especificando-se que se a conservatória tiver acesso por via eletrónica à informação necessária à verificação do cumprimento das obrigações fiscais, é dispensada a apresentação da prova prevista na parte final do número anterior – n.º 2.

22.3 Em condições normais de cumprimento das normas legalmente estabelecidas, e na medida em que o registo é obrigatório, para o primeiro ano de matriculação de um veículo, na data em que a atribuição da matrícula perfaz os 60 dias, há uma pessoa, singular ou coletiva, que é, ou deve ser, instituída como sujeito passivo.

Essa pessoa terá a obrigação, por força da lei fiscal, concretamente do artigo 17.º n.º 1 do CIUC, de proceder à liquidação do imposto, nos 30 dias subsequentes ao prazo de 60 dias, ou seja o IUC deve ser pago entre o 60.º e o 90.º dia após a atribuição da matrícula.

22.4 Trata-se de uma medida adequada às práticas comerciais, dando resposta à generalidade das situações, uma vez que, nesse período de tempo, em certos casos, ocorre a transação do automóvel do importador para o concessionário (por vezes, essa transação chega a ocorrer muito antes da introdução no consumo, dado que o veículo é individualizado pelo número de chassis), e deste para o cliente final, mediante a entrega do bem e a correspondente emissão de fatura.

22.5 É do conhecimento geral que, de acordo com a praxis do comércio automóvel, os veículos apenas são matriculados pelos importadores, geralmente os representantes das marcas, quando existe a perspetiva real de irem ser vendidos a um cliente final, dado que, um veículo, logo que seja matriculado, começa automaticamente a desvalorizar-se.

22.6 O automóvel é um bem sujeito às regras do artigo 408.º do CC e o valor jurídico do registo automóvel não tem natureza constitutiva mas declarativa. O que determina a transmissão é, salvo as exceções previstas na lei, a vontade das partes expressa no contrato verbal, pelo que, nesse período de tempo, pode até ser sujeito a várias transações, ou seja, ter tido vários proprietários, sem que os mesmos fiquem vinculados ao pagamento do imposto, importando, todavia, que no 60.º dia após a atribuição da matrícula, no registo da CRA, haja um proprietário individualizado, a quem possa ser imputada a dívida do IUC.

22.7 No âmbito do IUC, muito embora o facto gerador seja constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo, esse facto gerador não estabelece qualquer relação jurídica tributária, dado que o mesmo no momento em que se produz está amputado da informação necessária à determinação do concreto sujeito passivo, carecendo do fundamental elemento de conhecimento da identidade do obrigado fiscal,

Trata-se de um facto tributário que é gerado a partir do momento em que o veículo obtém uma matrícula e passa a estar em condições legais de poder circular, mas incompleto.

A sua formação é complexa, dado que apenas se verifica quando, em resultado das sucessivas transmissões potenciadas pelo comércio jurídico durante o período de registo, que correm à margem do seu jus imperium, o veículo, no 60.º dia após a atribuição da matrícula, tiver um proprietário, titulado por legítimo contrato de aquisição. É um ponto de partida para, através do decurso do tempo, se constituir uma relação jurídica tributária.

22.8 Ocorrendo transmissões, no referido período de 60 dias legalmente estabelecido para registo, enquanto o mesmo não tiver transcorrido, os adquirentes dos veículos não passam de meros potenciais obrigados do imposto.

 

23.1 No caso concreto dos autos, constata-se que a Requerente, contrariamente às práticas habituais de venda no mercado interno, procedeu à respetiva venda a agentes económicos situados no estrangeiro, designadamente noutros Estados Membros da UE, emitindo as respetivas faturas de venda, diligenciando pelo cancelamento das matrículas nacionais que oportunamente tinham sido emitidas, e promovendo as respetivas expedições sob controlo aduaneiro.

23.2 Tendo-se já concluído pela natureza presuntiva da norma que institui a incidência subjetiva, produziu a Requerente, enquanto entidade inscrita no registo como proprietária dos veículos, prova documental mediante a junção de cópias de faturas de venda, de que, antes do decurso do prazo de formação da relação jurídica tributária, os transmitiu, relativamente à qual a entidade Requerida nada objetou nem pôs em causa a sua veracidade, no sentido de comprovar a efetiva venda e saída dos veículos para fora do território nacional. Neste sentido, a Requerida, ao abstrair-se de valorizar a prova documental apresentada no âmbito do processo, labora em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

c)DA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS

24. Quer a Requerente, quer a Requerida vêm invocar em defesa das respetivas pretensões, a violação de princípios legais e constitucionais.  

Assim, a Requerente sustenta na petição inicial que o entendimento da Requerida, de que o imposto se mostra exigível, é também manifestamente ilegal por violação do principio da equivalência previsto no artigo 1.º do CIUC.

Argumenta que enquanto Operador Registado não beneficia de qualquer utilização efetiva ou potencial dos veículos, pois não tem por objeto social a sua utilização mas antes a sua transmissão a terceiros.

Por seu lado, a Requerida defende que uma interpretação que não esteja linha com a defesa da legalidade do ato tributário praticado é violadora dos mais elementares princípios legais e constitucionais da legalidade tributária, da justiça, da capacidade contributiva, da igualdade, da segurança e certeza jurídica.

Face ao antagonismo argumentativo das posições das Partes, importa averiguar em que medida ocorrem violações dos supra-mencionados princípios.

 

Da violação do princípio da equivalência

25.1 A equivalência significa a qualidade do que é equivalente, da igualdade de valor e provêm do latim «Aequipollentia» e é citado por ambas as Partes.

25.2 Em termos legislativos, o princípio da equivalência sempre surgiu tradicionalmente mais associado à fixação dos valores das taxas, em termos das mesmas, em princípio, deverem ser fixadas de forma proporcional e não deverem ultrapassar o custo da atividade administrativa exigida ou do benefício público obtido.

Recentemente, o princípio da equivalência alargou a sua influência aos impostos especiais sobre o consumo de tabaco, álcool e bebidas alcoólicas e produtos petrolíferos e energéticos, e também aos impostos que recaem sobre os veículos automóveis, normalmente visando as externalidades negativas que decorrem da respetiva utilização.

25.3 Em termos de doutrina, Sérgio Vasques, um dos maiores defensores do princípio da equivalência[12], considera que «A equivalência constitui uma regra de igualdade tributária com aplicação limitada, portanto, mas especialmente adequada a impostos como os que incidem sobre os automóveis, cuja razão de ser se não pode encontrar hoje senão nas exterioridades negativas que estes geram – é no princípio da equivalência que ganha expressão jurídico-fiscal a regra do poluidor-pagador», para, mais adiante, acrescentar «Trata-se, no fundo, de dar concretização ao princípio mais vasto da igualdade tributária, mas de o fazer partindo de uma lógica de responsabilidade. Porque a ninguém se deve reconhecer o direito de imputar livremente custos aos seus concidadãos, cada um deve pagar imposto na medida dos encargos que gera à comunidade.». [13]

É o mesmo autor que refere «O princípio da equivalência constitui o critério de igualdade materialmente adequado à repartição dos tributos comutativos… Precisamente por constituir o critério de repartição conforme a finalidade prototípica dos tributos comutativos, o princípio da equivalência não carece de consagração constitucional expressa para se impor ao legislador e à administração, bastando para o efeito a consagração genérica do princípio da igualdade que encontramos no artigo 13.º da Constituição da República». [14]

25.4 Em termos históricos, refira-se que há quase cem anos já o princípio da equivalência inspirava o legislador na tributação dos veículos automóveis. Com efeito, o imposto de trânsito devido nos termos da tabela B, anexa ao Decreto n.º 10:176, de 10 de outubro de 1924, destinava-se à conservação das estradas, mas como se revelou desproporcional «com o desgaste efetivamente produzido, sendo geralmente pesado para quem utilizava pouco os veículos e excessivamente módico para os outros», acabou por ser suprimido pelo Decreto n.º 17:813, de 30 de dezembro de 1929, sendo as receitas assim perdidas, compensadas pelo agravamento dos direitos aduaneiros incidentes na gasolina (o combustível da época) e nos pneumáticos, o que continuou a revelar a preocupação do legislador em fazer pagar mais àqueles que mais circulavam, ou seja a procurar fazer funcionar um «princípio da equivalência», baseado nos custos gerados pela circulação automóvel.      

25.5 No âmbito do CIUC, o espetro tributário visado pelo legislador é exclusivamente o relacionado com o custo ambiental e viário que os contribuintes ocasionam com a circulação dos veículos.

O legislador utiliza o termo «contribuintes» em detrimento de «automobilistas», dado que, o que está em causa, é verdadeiramente o custo gerado pela circulação automóvel ser suportado por aqueles que utilizam os veículos, ou deles tiram proveito por via da utilização por outros.

A partir do momento em que é atribuída uma matrícula a um veículo, o mesmo fica apto a produzir as externalidades negativas que a aplicação do IUC pretende compensar, pelo que, em princípio, torna-se indiferente que o mesmo seja ou não utilizado, devendo suportar os custos na estrita medida dessa aptidão para circularem, aferidos pelas emissões do dióxido de carbono.

Trata-se de uma consequência da aplicação do princípio da equivalência, que, todavia, no entender deste Tribunal Arbitral não pode ser visto como um princípio absoluto, aliás, o legislador tem o cuidado de temperar a referência ao referido princípio com a expressão «procurando onerar os contribuintes».

Em diversas situações, os veículos, sem que beneficiem de normas específicas de isenção, circulam em território nacional sem que se encontrem sujeitos ao imposto, e consequentemente abrangidos pelo referido principio, caso das pessoas residentes que transfiram a sua residência habitual de Portugal para outro país, que nos termos dos artigo 43.º e 44.º n.º 2 do CISV, podem circular até 90 dias, os veículos novos com matrícula de trânsito das entidades importadoras, que podem circular até 500 km, para além dos próprios veículos de não residentes a quem é permitida a circulação em território nacional até 183 dias, conforme artigo 6.º, n.º 2 do CIUC.  

25.6 No caso dos autos, na medida em que a finalidade última dos veículos seria a expedição para outros países da UE, os mesmos não terão chegado a ter qualquer utilização, uma vez que, tratando-se de transações comerciais, importaria que permanecessem como novos, isto é que tivessem apenas a quilometragem estritamente necessária resultante da realização do «teste de estrada».

Embora não esteja concretamente apurada a razão do procedimento da Requerente, é um facto conhecido no mercado automóvel a necessidade de, por vezes, provar a realização de determinados objetivos anuais de aquisições e introduções de veículos no consumo, tendo em vista o acesso a descontos mais interessantes («rappels»), máxime manutenção de contratos de representação, pelo que a posterior expedição/exportação de veículos, essencialmente em momentos de crise de vendas no mercado interno, é uma forma de cumprir esses contratos.  

 25.7 Em conclusão, ainda que o princípio da equivalência esteja presente desde o momento da atribuição da matrícula nacional, dado que fica viabilizada a partir desse momento, a produção de efeitos negativos para o ambiente e para o sistema viário que o IUC se propõe financeiramente reparar para a comunidade, o referido princípio não pode ser interpretado em termos absolutos. No caso de veículos introduzidos no consumo, que se prove terem sido transacionados antes do decurso do prazo para registo, e seguidamente fique comprovado que foram objeto de expedição ou exportação, considera este Tribunal Arbitral não se estar perante uma situação que configure uma violação do referido princípio.   

 

Da violação do princípio da legalidade tributária

26. Sustenta a requerida que o afastamento da incidência subjetiva na tributação em sede de IUC contraria o princípio da legalidade e da tipicidade estatuído no artigo 103.º da CRP e o artigo 8.º da LGT.

Como decorre da CRP o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

E o princípio da legalidade abarca expressamente a incidência nos seus diversos cambiantes, objetivo, subjetivo e temporal.

Já mais atrás se concluiu que a interpretação mais conforme com a lei e com a Constituição é aquela que mantém a estrutura e os princípios do instituto do registo inalterado e que a incidência fiscal que nele se vai beber, deve respeitar, no essencial, o espírito de que está dotado, designadamente a sua faceta presuntiva.

Não se vislumbra que o princípio da legalidade tributária esteja em causa, assim como não se partilha a ofensa do princípio da tipicidade, pelo menos, nos termos em que a Requerida colocou a questão.      

 

Da violação do princípio da justiça

27. O artigo 8.º da LGT, sob a epígrafe «Princípios da justiça e da razoabilidade» manda que a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.

Não se vislumbra que a aceitação de um regime presuntivo no âmbito do artigo 3.º do IUC possa ser considerada uma solução manifestamente desrazoável ou incompatível com a ideia de direito, bem pelo contrário. Donde se concluir que não se afigura existir qualquer violação do princípio da justiça, pelo menos, nos termos em que a Requerida colocou a questão.  

 

Da violação do princípio da igualdade

28. Refere Casalta Nabais[15] que «o princípio da igualdade fiscal teve sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido pelo mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).»

A questão colocada pela Requerida, e pela Requerente, na correlação com a equivalência, é delicada. 

Com efeito, o IUC é um imposto pago antecipadamente pelos sujeitos passivos e, não obstante existir um ambiente eletrónico propício a cálculos exatos, não está previsto um mecanismo de reembolso ao dia ou ao mês, para as situações em que a incidência objetiva deixe de se verificar.

A aceitar-se o ponto de vista da Requerida, a questão do critério da capacidade contributiva significava que a manifestação de fortuna (propriedade do automóvel) que era revelada no momento da liquidação do imposto e da sua exigibilidade se impunha naquele momento e que todas as vicissitudes posteriores que ocorressem no ano a seguir deveriam ser desconsideradas. Aplicado ao caso dos autos, muito embora os veículos tenham sido vendidos e até expedidos para outros Estados Membros da UE, em períodos que decorreram entre os três e os cinco meses após a atribuição de matrícula, o IUC é sempre devido, independentemente dos veículos terem, posteriormente, no decurso do ano a que respeita o imposto, visto anuladas as suas matrículas, e terem, ou não, permanecido em território nacional. 

Como referimos, é uma questão melindrosa e que vai para além da intervenção da entidade Requerida, enquanto intérprete, para se situar ao nível do próprio comando normativo. Há fundadas dúvidas de que a uniformidade exigida pelo princípio da igualdade seja postergada e de que a dimensão expressa pela equivalência seja posta em causa.

 

Da violação do princípio da proporcionalidade e da capacidade contributiva

29. A Requerida argumenta que a interpretação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva;

Decorre do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, que estabelece os princípios fundamentais da Administração Pública, que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e devem atuar no exercício das suas funções com respeito pelo princípio da proporcionalidade. 

A LGT refere no artigo 55.º que a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo igualmente com o princípio da proporcionalidade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

No estrito âmbito da proporcionalidade, o artigo 46.º do CPPT preceitua que «Os atos a adotar no procedimento serão os adequados aos objetivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade».

O princípio da capacidade contributiva é um princípio que encontra o seu fundamento no artigo 104.º n.º 3 da Constituição e que nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da LGT é revelado, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.

Embora já antes a doutrina, pelo menos considerando os fins económicos que prosseguia, se inclinasse para considerar o IMV como um imposto sobre o património[16], a questão parece agora mais clarificada no sentido de ter sido reforçada a tónica da propriedade na determinação do sujeito passivo, isto sem prejuízo do que se preceitua no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC.

Tratando-se de um imposto, na linha do entendimento de Casalta Nabais[17], obedece ao exigente princípio da legalidade fiscal e a sua medida tem por base o princípio da capacidade contributiva, enquanto o princípio da proporcionalidade reporta a sua bitola avaliadora às taxas.

Nestes termos, e muito embora o princípio da equivalência, possa sugerir uma figura tributária bilateral, ou nas palavras de Sérgio Vasques um imposto comutativo, não parece que se possa concluir que esteja em causa a violação dos citados princípios, tanto mais que à data em que se firmou a dívida, a Requerente já não era proprietária dos veículos e, assim sendo, nenhuma manifestação de capacidade contributiva era revelada. 

 

Da violação dos princípios da segurança e da certeza jurídica

30. No entendimento da Requerida, a não atualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do RRA será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado, enquanto sujeito ativo do imposto, dado que, a não se entender assim, o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e certeza que constituem as suas finalidades principais.

Ao se ter concluído pelo regime presuntivo da norma fiscal e pelo caráter instrumental da base de dados da CRA no contexto da cobrança do IUC, no entendimento do Tribunal Arbitral não se verifica a alegada violação.

O instituto do registo continua a assegurar a segurança e a certeza jurídica nos mesmos termos que ao longo de cinquenta anos sempre assegurou, pois o legislador não sentiu necessidade de proceder a qualquer alteração, ainda que tivesse tido uma boa razão para o fazer, que era evitar uma aparente incoerência normativa entre a legislação que regula os registos e a legislação fiscal que se aproveita dos mesmos. 

Diferente conclusão seria se o legislador tivesse adotado uma redação da norma perentória, o que não foi o caso.

Refira-se o caso do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, imposto que incide sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, em que incumbe ao serviço de finanças a organização e conservação das matrizes urbanas, mas em que relativamente às matrizes rústicas os elementos necessários para a liquidação são recolhidos a partir do cadastro do Instituto Geográfico Português. [18]

 

Da violação da eficiência do sistema tributário

31. O artigo 267.º da CRP é um comando que impõe que a Administração Pública se estruture em termos de evitar a burocratização, princípio reafirmado no artigo 5.º n.º 1 do Novo Código do Procedimento Administrativo, ao preceituar que «deve-se pautar por critérios de eficiência, economicidade e celeridade».

O artigo 55.º da LGT embora não exprima literalmente o termo eficiência, refere a proporcionalidade e a celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados.

O que se impõe é dentro do quadro normativo oferecido pelo legislador, a administração tributária se organizar e encontrar soluções administrativas e técnicas, de modo a que, com os recursos humanos, financeiros e materiais que dispõe, consiga potenciar a sua capacidade de realização das finalidades tributárias.

O legislador apontou caminhos para a melhoria dessa eficiência, como sejam a informatização de procedimentos, a utilização da via eletrónica, nalguns casos obrigatória, para o cumprimento de obrigações tributárias, a celebração de protocolos com diversas entidades para efeitos diversos, incluindo a liquidação de impostos, mas a atuação da administração tributária terá de se conter nos estritos limites da legalidade do imposto.

A administração tributária tem normalmente meios e recursos para dar resposta às exigências legais da cobrança do imposto, pelo que o entorpecimento da sua atividade só acontecerá, no caso dos proprietários que constam do registo automóvel não se reconhecerem como sujeitos passivos, se por inércia ou outra incapacidade, não forem criados os mecanismos necessários de perseguição do devedor fiscal, preferencialmente, para maior celeridade, utilizando a via eletrónica.

Em abstrato, o ajustamento entre os fins prosseguidos e os meios selecionados para os atingir é uma tarefa de racionalização administrativa a desenvolver sem imposição de obrigações excessivas ou espúrias aos contribuintes, num quadro de proporcionalidade.

No caso dos autos, a questão da violação do princípio da eficiência tributária reside mais no facto de saber se, havendo formas expeditas, preferencialmente por formulário eletrónico, da Requerente informar a Requerida de que os veículos tinham sido vendidos em momento anterior ao do estabelecimento da relação jurídica tributária e se destinavam a ser expedidos ou exportados, a mesma não utilizou tais mecanismos, o que não chegou a ficar apurado.

 

d)JUROS INDEMNIZATÓRIOS

32.1 No que respeita à questão da condenação em juros indemnizatórios, importa apreciar, em conformidade com os artigos n.º 43.º da LGT e n.º 61.º do CPPT, o respetivo pedido da Requerente.

Essa apreciação é efetuada a coberto do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, de acordo com o qual «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT preceitua que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O n.º 2 do mesmo artigo refere que «Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.»

Por seu turno, o artigo 61.º, n.º 2 do CPPT estabelece que em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

32.2 - No presente caso, a Requerida, tendo constatado que findo o período legalmente estabelecido para registo dos automóveis, o mesmo não tinha sido efetuado e não constava da base de dados na conservatória, não podendo, consequentemente, liquidar o imposto, deu cumprimento à norma legal que lhe determina que, na ausência desse registo, o imposto deva ser liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo (artigo 18.º n.º 1 alínea a) do CIUC).

Ao agir da forma como o fez, a Requerida limitou-se a, no exercício das respetivas competências, dar cumprimento a um ditame legal de que não poderia exonerar-se, notificando para o pagamento do imposto, quem, de acordo com a informação de que dispunha, deve ser considerado o sujeito passivo.

Por força de se tratar de pessoa coletiva, a liquidação do imposto teria de ser feita obrigatoriamente pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas, conforme o n.º 2 do artigo 16.º do CIUC.

No caso concreto, verifica-se que as liquidações em apreciação foram materialmente efetuadas pela Requerente, de acordo com a informação eletrónica disponibilizada pela entidade requerida, em termos de identificação das caraterísticas fiscais dos veículos e dos montantes de IUC que deveriam ser pagos em função dessas caraterísticas, e que essas dívidas, assim liquidadas, foram pagas. Nem se poderá considerar que esse pagamento tenha resultado do acatamento de orientações genéricas, dado que ao requerente foi oferecida uma única alternativa para o cumprimento da obrigação.

A Requerente não apresentou reclamação graciosa ou recurso hierárquico que tivesse dado oportunidade à entidade Requerida de, à luz da nova informação, e num âmbito puramente administrativo, reponderar os erros nos pressupostos de facto e de direito que afetavam as liquidações, delas extraindo as respetivas consequências, ou seja esta nunca teve consciência de que as liquidações que promoveu estivessem eivadas de erro que lhe pudesse ser imputado.

É certo que não existem duas AT, a AT dos serviços técnico-normativos e dos procedimentos e a AT dos serviços pré-contenciosos e contenciosos e que a Requerida, ao receber os presentes autos, teve possibilidade de, em determinado prazo, ter anulado os atos. Contudo, há tramitações próprias para o ataque aos atos tributários e não tendo as mesmas sido observadas, entende-se que não pode ser assacado nenhum erro aos serviços tributários.       

Entende-se, assim, que não deve ser penalizado com juros indemnizatórios uma conduta da Requerida para a qual, no momento da prática dos factos conducentes à liquidação, os serviços não dispunham da informação necessária a evitar que fosse concretizada, inexistindo erro imputável aos serviços, pelo que é desatendido o respetivo pedido. 

 

e)CUSTAS PROCESSUAIS

33. Finalmente, apreciando o pedido da Requerida de que deve a Requerente ser condenada nas respetivas custas processuais, há que ter em conta o disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, e o n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, (RCPAT) de acordo com o qual, da decisão arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral. Tendo a Requerente obtido vencimento na impugnação que deduziu, cabe à Requerida, enquanto parte vencida, suportar as respetivas custas processuais.

 

DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral Singular decide o seguinte:

 - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos atos de liquidação relativos aos veículos identificados pela respetiva matrícula no n.º 7.8 desta decisão, determinando-se o reembolso das importâncias pagas pela Requerente, em termos de IUC e de juros compensatórios, nos montantes, respetivamente, de 32.580,90 € e de 4.203,26 € totalizando 36.784,20 €.

- Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

- Condenar a Requerida no pagamento das respetivas custas processuais.  

 

 Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º A, do Código do Procedimento PPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em € 36 784,20 (trinta e seis mil setecentos e oitenta e quatro euros e vinte cêntimos).

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º n.º 1, as custas são fixadas no valor de € 1836 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a pagar pela Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de março de 2016.

O Árbitro

 

António Manuel Melo Gonçalves

 



[1] A Lei n.º 65/90, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 1991, no seu artigo 36.º passou a designá-lo por «Imposto Municipal sobre Veículos».

[2] Francesco Ferrara in «Interpretação e aplicação das leis», Arménio Amado – Editor, Sucessor Coimbra 1978 – página 140.

 

[3] «Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada», Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – 4.ª edição, 2012, páginas 651 e 652.

[4] In «Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos anotados», de A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes», Coimbra Editora, 2009, página 187, em anotação ao artigo 3.º do CIUC. 

[5]  Despacho Conjunto n.º 290/2006, de 27 de março de 2006, (2.ª série), dos Ministros de Estado e das Finanças e do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

[6] No despacho fixava-se que um dos princípios a observar era que fosse tido em conta os estudos e projetos realizados em 2001, por iniciativa do XIV Governo Constitucional.

No correspondente projeto do IUC, em matéria de incidência subjetiva, tinha sido proposta no artigo 2.º a redação que sempre tinha vigorado. In «Reformas da Tributação Automóvel e do Património – Anteprojetos», da Almedina, página 113.  

[7] Francesco Ferrara, in «Interpretação e aplicação das leis», Arménio Amado – Editor, Sucessor Coimbra 1978 – página 146.

[8] José de Oliveira Ascensão, in «O Direito, Introdução e Teoria Geral», Fundação Calouste Gulbenkian, 1978, página 362

[9]  Decreto-Lei n.º 292-B/2000, de 15 de novembro.

 

[10] Manuel A. Domingues de Andrade, in «Ensaio sobre a Teoria da Interpretação Das Leis», Arménio Amado – Editor Sucessor – Coimbra 1978, páginas 45 e 46.

[11]  O artigo 29.º, n.ºs 3 e 4 do CISV, prevê o reembolso do imposto que já tenha sido cobrado, no caso de expedições ou exportações, mediante a apresentação na alfândega, de documento comprovativo do cancelamento da matrícula nacional, fatura de venda que fundamente a expedição ou exportação, bem como cópia da declaração de expedição do veículo automóvel (DEVA) ou, no caso de se tratar de uma exportação, de cópia do documento administrativo único.     

[12] A sua tese de doutoramento, em Dezembro de 2007, teve por título precisamente «O Princípio da Equivalência Como Critério de Igualdade Tributária».

[13]  Sérgio Vasques – Teses - O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária – Almedina – Janeiro 2008 – página 388.

[14] Sérgio Vasques – Teses – Sentido e limites do princípio da equivalência – página 403.

 

[15] José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª Edição, 2004, página 149.

[16]  Cf. Carlos Pamplona Corte Real in «Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal», n.º 124, página 207 ou Nuno Sá Gomes in «Curso de Direito Fiscal», ano letivo 79/80, página 244 («imposto de natureza duvidosa, mas que me inclino a qualificar como um imposto estático sobre o capital mobiliário»).

[17] Casalta Nabais, in «Direito Fiscal», Almedina, 2.ª edição, página 20.

[18]  Artigos 78.º e 85.º do CIMI.