Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 644/2015-T
Data da decisão: 2016-03-07  Selo  
Valor do pedido: € 1.002.650,00
Tema: IS - Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo; competência do Tribunal Arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 644/2015 - T

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 04.01.2016, decide nos termos que seguem:

 

I.1. RELATÓRIO:

1. No dia 21-10-2015, a sociedade “A… S. A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-11-2015.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 16-12-2015.

4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular considera-se constituído em 04-01-2016.

5. No dia 14 de fevereiro de 2016 foi dispensada a reunião exigida pelo artigo 18.º do RJAT, face à posição evidenciada pelas partes.

6. No presente processo a Sociedade “A… S. A.” pretende que sejam declaradas ilegais e anuladas as notas de liquidação nºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015 … referentes a Imposto do Selo no valor total de € 10.026,50, do ano de 2014, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira – conforme documentos n. 1 a 9 juntos no pedido inicial.

I.2. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

1) A Requerente é proprietária desde 11 de Abril de 2014 do prédio inscrito sob o artigo … na matriz urbana da freguesia de … (Lisboa), situado na Rua…, nº … em Lisboa, em regime de propriedade vertical.

2) Em 2012, cada divisão com utilização independente foi objeto de avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o que implicou que o valor patrimonial total (VPT) de cada uma ascendesse a:

a)      Divisão com utilização independente: AGFD – VPT: 60.150,00;

b)      Divisão com utilização independente: AGFE – VPT: 73.130,00;

c)      Divisão com utilização independente: CAVE – VPT: 76.000,00;

d)     Divisão com utilização independente: RC – VPT: 193.490,00;

e)      Divisão com utilização independente: 1D – VPT: 121.710,00;

f)       Divisão com utilização independente: 1E – VPT: 102.580,00;

g)      Divisão com utilização independente: 2D – VPT: 122.110,00;

h)      Divisão com utilização independente: 2E - VPT: 103.640,00;

i)        Divisão com utilização independente: 3D – VPT: 105.180,00;

j)        Divisão com utilização independente: 3E – VPT: 120.660,00.

3) Uma vez que o VPT total, relativo ao somatório dos vários VPT das diversas divisões com utilização independente ascendia a 1.002.650, 00 Euros, a AT liquidou Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, emitindo várias notas de liquidação, aplicando ao VPT de cada Divisão com utilização independente a taxa de 1% prevista na citada verba, uma vez que o VPT total do prédio (ou seja, o somatório de todos os VPT’s das unidade com utilização independente) ascendia a 1.002.650, 00 Euros.

5) A Requerente considera que não deverá ser devido Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativamente a um prédio dividido pela própria AT, para efeitos de avaliação patrimonial tributário, em varias divisões com utilização independente, cujo VPT, de cada uma, não ascende a 1.000.000, 00 Euros.

6) Nos termos da verba 28 da Tabela Geral de imposto do Selo, está sujeita a Imposto do Selo:

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

7) De acordo com a referida verba somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a (euro) 1.000.000.

8) Ainda nos termos da verba 28, somente os prédios com valor igual ou superior a 1.000.000 Euros podem ser objeto de tributação.

9) A Requerente entende que o legislador pretendeu que aquele valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou divisão de utilização independente), traduzia uma capacidade contributiva acima da média e por isso suscetível de determinar um esforço superior fiscal (neste sentido ver Decisões do CAAD: Processo nº 95/2013-T e Processo nº 50/2013).

10) Por esse facto, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal, cujo valor total exceda € 1.000.000, não é só por si indiciador da capacidade contributiva que o legislador considerou relevante.

11) Aliás, se essa fosse a intenção do legislador, este teria com certeza redigido a referida verba de forma completamente diferente, de modo que fosse claro que a tributação deveria recair sobre a totalidade do património imobiliário de cada proprietário, sempre que o VPT do conjunto dos prédios por si detidos fosse igual ou superior a 1.000.000 Euros.

16) Nos termos do CIMI, devem ser considerados habitacionais os prédios licenciados para tal ou cujo uso normal é de habitação, não importando a situação jurídica da situação concreta do prédio, mas sim o fim a que se destina, a sua utilização normal.

17) Não sendo o VPT de cada divisão, com utilização independente, igual ou superior a 1.000.000 Euros, a Requerente não concorda que o prédio esteja sujeita a imposto do selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo claramente ilegal porque contrária à lei, a liquidação de imposto de selo efetuada pela AT, tendo em conta o valor global das divisões suscetíveis de utilização independente (neste sentido ver Decisões do CAAD: Processo nº 238/2014-T, Processo nº88/2014-T, Processo nº 95/2013-T, Processo nº 72/2014-T; Processo nº 194/2014-T, Processo nº 203/2014-T; Processo nº 50/2013-T, Processo nº 428/2014-T).

18) A Requerente conclui afirmando que o princípio da igualdade determina que se deve tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Não se justificando o tratamento diferenciado das frações das divisões suscetíveis de utilização independente, conclui-se que é ilegal e inconstitucional, porque viola o princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), considerar como valor de referência para efeitos de CIS o somatório do VPT do prédio, em vez do VPT individual de cada divisão.

19) A Requerente solicita ainda que lhe seja arbitrada uma indemnização, uma vez que, por não ter efetuado o pagamento do Imposto no prazo que lhe foi concedido para o efeito apresentou, junto do Serviço de Finanças competente, garantia bancária para suspender a execução em curso, tendo suportado um custo referente à sua emissão de 197,71 € devendo, por isso, ser indemnizada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária e artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela prestação de garantia indevida.

I.3. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT apresentou a sua defesa nos seguintes termos:

A) - POR EXCEPÇÃO:

Da incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito da requerente ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

1)      A alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina que competência dos tribunais arbitrais compreende:

“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

2)      E refere o artigo 4.º do RJAT que:

”A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. “

3)      Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03 veio determinar o seguinte:

“Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira. “

4)      Ou seja, não está abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação da matéria relativa ao processo executivo, onde se enquadra a garantia prestada.

5)      Assim, entende a Requerida que resulta das disposições legais atrás invocadas, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º112-A/2011, de 22/03, que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente em tudo o que se prende com a apreciação da matéria relativa ao processo de execução fiscal, designadamente para apreciar o direito a indemnização por garantia indevidamente prestada para suspender o processo executivo, por falta de previsão legal.

6)      A propósito, a Requerida invoca o decidido no Processo arbitral n.º 17/2012-T, de 14 de Maio de 2012 bem como a decisão proferida no Processo Arbitral n.º 175/2013-T, de 16 de Janeiro de 2014;

7)      A Requerida entende que não se encontra vinculada à jurisdição arbitral no âmbito da matéria relacionada com o processo executivo.

8)      De acordo com as disposições legais supra invocadas verifica-se ainda, porque não está legalmente prevista a competência do Tribunal Arbitral para o reconhecimento de direitos, a incompetência material absoluta do tribunal arbitral para proceder ao reconhecimento de direitos, nomeadamente do direito ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

9)      Entende a Requerida que a competência do Tribunal Arbitral inscreve-se no âmbito do controlo da legalidade dos actos de liquidação não constando, na lei, a referida competência para o reconhecimento de direitos.

10)  A incompetência do tribunal constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do artigoº 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

B) DEFESA POR IMPUGNAÇÃO:

1)      A Requerida defendeu-se por impugnação considerando que resulta da verba 28 e 28-1 da Tabela Geral, do artigo 2°, nº 4 do Código do Imposto de Selo e dos artigos 3°, nº 3, alínea u) e 8.º do C.I.M.I. que o facto tributário do imposto de selo consiste na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000.

2)      Entende a Requerida que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.

3)      O artigo 80.º, n° 2, do C.I.M.I. declara que, salvo o disposto nos artigos 84° e 92º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz.

4)      O princípio de que a cada prédio corresponde um só artigo matricial apenas é excepcionado, assim, relativamente aos prédios mistos em que, segundo o referido artigo 84º cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que, apesar de, nos termos do artigo 2°, n ° 4, do C.I.M.I., cada fracção autónoma ser havida como constituindo um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma s6 inscrição matricial.

5)      O prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal à data do facto tributário do imposto do selo - 31 de Dezembro de 2014 -, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.

6)      Dispõe, no entanto, como consta da respectiva matriz predial de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do artigo 12.°, nº 3, do C.I.M.I, que diz que cada andar ou prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.

7)      Tal norma legal não é inédita, tendo correspondência no corpo do artigo 232.°, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento colectável sobre o qual deva incidir a liquidação.

8)      Já, assim, no âmbito do C.C.P.I.I.A., o rendimento colectável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica.

9)      Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da Inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.

10)  Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos arts. 37° e seguintes do C.I.M.I..

11)  A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.

12)  Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.

13)  Como afirmam Silvério Mateus e Leonel Curvelo de Freitas, "Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo Comentados e Anotados", Lisboa 2005, págs. 159 e 160, cada uma das partes do prédio pode ser objecto de arrendamento ou qualquer outro tipo de utilização pelo titular, o que deve ficar expresso na respectiva matriz predial.

14)   No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.

15)  O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do artigo 28°, nº 1, da Tabela Geral.

16)  Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. (C.R.P.)

17)  Cabe à lei - lei da Assembleia da República e decreto-lei autorizado - estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos.

18)  Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.

19)  A Requerida considerou ainda que não se vislumbra como a tributação em causa teria violado o princípio da igualdade.

20)  Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

21)  A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (Oficio-circulado nº 40.025. de 11 de Agosto de 2000, da Direcção de Serviços de Contribuição Autárquica, D.S.C.A.).

22)  O legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

 

C) RELATIVAMENTE AO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA A REQUERIDA ALEGOU O SEGUINTE:

1)      O artigo 53.º da LGT regula o direito à indemnização por prestação de garantia indevida, contemplando duas situações distintas.

2)      Dispõe o n.º 1 do referido preceito que:

“O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.”

3)      Por sua vez, estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que:

“O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.”

4)      Ou seja, o sujeito passivo tem direito a indemnização por prestação de garantia indevida nos casos em que a garantia prestada se tenha mantido por período superior a três anos ou, independentemente do período durante o qual esta se manteve, nos casos em que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

5)      No caso em apreço não se verificou a situação que a lei configura como sendo de “erro imputável aos serviços”.

6)      Com efeito, a lei não previu uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços.

7)      Esta culpa (a “imputabilidade dos serviços”) – a título de dolo ou negligência – tem que ser alegada e provada, e não resulta automaticamente de qualquer ilegalidade.

8)      Ou seja, o dever de indemnização não resulta imediata e automaticamente da anulação do acto, sendo apenas devida quando se determine que houve erro imputável aos serviços.

9)      No caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão das liquidações impugnadas, pelo que improcede por infundado o pedido da Requerente a qualquer indemnização por prestação de garantia indevida.

 

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. O processo não enferma de quaisquer nulidades.

 

QUESTÃO PRÉVIA:

DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.

1. A Requerida invocou uma questão prévia, tendo-se defendido por excepção por considerar que o tribunal arbitral não é competente, o que importa analisar.

2. A Requerida invoca que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente em tudo o que se prende com a apreciação da matéria relativa ao processo de execução fiscal, designadamente para apreciar o direito a indemnização por garantia indevidamente prestada para suspender o processo executivo, por falta de previsão legal.

3. Notificada para exercer o contraditório, a Requerente não se conformou com tal entendimento por considerar que foi por não ter efetuado o pagamento do Imposto do Selo no prazo que lhe foi concedido que prestou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa…, a competente garantia bancária, tendo suportado um custo referente à sua emissão no valor de € 197,71 (cento e noventa e sete euros e setenta e um cêntimos).

4. Sendo relativamente a esse custo que a Requerente solicitou que fosse arbitrado o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida, nos termos e para os efeitos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 171.º do CPPT.

5. A Requerente invoca o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março nos termos da qual “os serviços e organismos referidos no número anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (…).”

6. Mais entende a Requerente que o dispositivo referido não pode ser interpretado como um obstáculo à competência dos Tribunais Arbitrais para a apreciação do pedidos de indemnização por garantia prestada indevidamente e que a prestação de garantia está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto, ou seja, a nota de liquidação de Imposto do Selo, verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, respeitante a 2014 no valor de € 10.026,50 (dez mil e vinte e seis euros e cinquenta cêntimos), razão pela qual é o Tribunal Arbitral materialmente competente para a apreciação do pedido.

 

Vejamos:

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Por outro lado, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Como foi afirmado na decisão arbitral n.º 66/2013-T, “na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem vindo a ser pacificamente entendido nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços.”

Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

Termos em que se considera como não procedente a excepção de incompetência invocada.

Estão, consequentemente, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

1) A requerente é proprietária desde 11 de Abril de 2014 do prédio inscrito sob o artigo … na matriz urbana da freguesia de …(Lisboa), situado na Rua…, nº … em Lisboa., em regime de propriedade vertical.

2) Em 2012, cada divisão com utilização independente foi objeto de avaliação nos termos do CIMI, o que implicou que o valor patrimonial total (VPT) de cada uma ascendesse a:

a)      Divisão com utilização independente: AGFD – VPT: 60.150,00;

b)      Divisão com utilização independente: AGFE – VPT: 73.130,00;

c)      Divisão com utilização independente: CAVE – VPT: 76.000,00;

d)     Divisão com utilização independente: RC – VPT: 193.490,00;

e)      Divisão com utilização independente: 1D – VPT: 121.710,00;

f)       Divisão com utilização independente: 1E – VPT: 102.580,00;

g)      Divisão com utilização independente: 2D – VPT: 122.110,00;

h)      Divisão com utilização independente: 2E - VPT: 103.640,00;

i)        Divisão com utilização independente: 3D – VPT: 105.180,00;

j)        Divisão com utilização independente: 3E – VPT: 120.660,00.

3) Dado que o VPT total, relativo ao somatório dos vários VPT das diversas divisões com utilização independente ascendia a 1.002.650,00 Euros, foi liquidado Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

4) Em consequência, a AT emitiu várias notas de liquidação relativas a imposto do selo ao abrigo da citada verba, aplicando ao VPT de cada Divisão com utilização independente, a taxa de 1% prevista na citada verba, uma vez que, o VPT total do prédio (ou seja, do somatório de todos os VPT’s das unidade com utilização independente) ascendia a 1.002.650,00 Euros.

5) Por não ter efetuado o pagamento do Imposto no prazo que lhe foi concedido para o efeito, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças competente, garantia bancária para suspender a execução em curso, tendo suportado um custo referente à sua emissão de 197,71 Euros.

 

III.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

III.

C) MOTIVAÇÃO

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo tributário administrativo, nos documentos juntos à petição inicial (notas de liquidação relativas a cada uma das divisões do prédio inscrito sob o artigo … na matriz urbana da freguesia de …(Lisboa), situado na Rua…, nº … em Lisboa, em regime de propriedade vertical, bem como a garanta prestada), elementos que foram suficientes para fundar a convicção do Tribunal.

 

III.

D) DO DIREITO

1. O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

2. Nos termos do disposto do nº 7 do artigo 23º do Código do Imposto do Selo (CIS) “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

Adicionalmente, também o n.º 2 do artigo 67 do CIS estabelece que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

3. O n.º 4 do artigo 2º do CIMI estipula: “Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Nos termos do nº 3 do artigo 12º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Importa analisar qual a interpretação a que se deve atender relativamente ao n.º 7 do artigo 23.º do CIS, sabendo-se que a Administração Tributária (AT) ora Requerida considerou que, nos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, os referidos andares ou divisões não são por definição jurídica formal considerados prédios urbanos (mas serão “partes de prédio” segundo o nº 3 do artigo 12º do CIMI).

Procedeu, por isso, à soma dos seus VPT para determinar se era atingível, no referido prédio, o VPT mínimo de 1.000.000 Euros, valor sobre o qual, se igual ou superior a este limiar, fez incidir a taxa de 1% do IS da verba 28.1 da TGIS.

Não obstante, formalmente, a nota de liquidação veio subdividida em tantas liquidações quanto aos andares ou partes do prédio em propriedade vertical, assim como ocorre ao nível da liquidação do IMI.

Ora, a referida atuação pela AT vai de encontro à interpretação de que a mesma faz do preceito no qual se defende a aplicação “com as necessárias adaptações” das “regras do CIMI” às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral (nº 7 do artigo 23º do CIS).

Efectivamente,

4. Ao somar os VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1.000.000 €, a AT estipulou uma interpretação jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afetação habitacional. Isto porque, não obstante as verbas 28 e 28.1 fazerem referência ao substantivo “prédios urbanos” e “por prédio”, a verdade é que, para efeitos de apuramento da matéria tributável deve atender-se ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

É este o elemento literal de sobre o qual incide a referida norma. O valor patrimonial tributário a considerar na operação de determinação da matéria coletável e subsequente liquidação do IS da verba 28 e 28.1 da TGIS quanto aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI.

5. Estabelecendo o referido artigo que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Na falta de correspondência terminológica exata do conceito, o ponto de partida da interpretação é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que se há de reconstituir o pensamento legislativo, como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O próprio teor literal da expressão utilizada na verba 28.1 da TGIS é o de “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

6. O que permite concluir que os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, não têm VPT, determinando a lei, nesses casos, que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte do prédio separadamente – conforme o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI.

Assim, e à semelhança do afirmado na decisão arbitral n.º 242/2013-T, entende-se que que não existe suporte legal para o somatório de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de € 1.000.000,00 ou mais.

Ainda que o nº 7 do artigo 23º refira que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano”, a expressão “cada prédio urbano” abrange, atendendo aos princípios enunciados de interpretação e aplicação das normas, os prédios urbanos em propriedade horizontal e os andares ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre da base tributável que vem referida na lei, o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI (parte final da verba 28 da TGIS).

Como se fez menção na pronúncia arbitral proferida no âmbito do processo n.º 203/2014-T, “ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT”: persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

- Se para os andares que compõem as frações autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos), por cada contribuinte, não se adicionam os VPT para determinar o limiar do valor elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria coletável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios urbanos em propriedade vertical isso deve ocorrer?”

E continua:

- “Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis). Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas, reveladora da mesma “ability-to-pay”.

- “Da literalidade das verbas 28 e 28-1 da TGIS, especialmente da parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, retirar-se-á a conclusão, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveriam adicionar-se os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para se encontrar um novo VPT global de prédio urbano, na parte com afetação habitacional, operação de determinação de matéria coletável elegível que a lei não contempla.”

Ao liquidar o imposto ao ora Requerente, por considerar que o VPT seria apurado com base nas somas dos VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros, a AT incorreu em erro na aplicação do direito.

7. O referido procedimento apresenta-se em total oposição com o espírito subjacente à norma constante da aditada verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que manda expressamente ter em conta o “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.

Conforme resulta do princípio da legalidade tal como se encontra previsto no artigo 103.º n.º 2 da C.R.P., e sendo a norma em causa de incidência, não se pode através da via interpretativa afirmar um resultado que não se encontra expresso na lei.

Esse erro consubstancia um vício de violação de lei que determina a anulabilidade da liquidação em questão, nos termos do disposto do artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) aprovado em 2015, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

8. Da mesma forma, a interpretação da AT viola o princípio da igualdade estabelecido nos artigos 13.º e n.º 3 do 104.º da Constituição. Isto porque nunca seria legalmente admissível estabelecer-se um VPT diferente para dois tipos de Impostos, VPT sem suporte legal para aplicação de distintos critérios que irão influenciar a base tributável.

Na verdade, o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, o qual tem como equação fundamental: tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido o princípio da capacidade contributiva como expressão da igualdade tributária, daí extraindo as exigências técnicas precisas para a conformação legal dos impostos com o referido princípio (cfr. acórdão n.º 106/2013, de 20.02.2013).

A distinção entre “propriedade total” e “propriedade horizontal” não é suficiente para justificar um tratamento diferenciado do âmbito de aplicação da verba 28 da Tabela do Imposto do selo, uma vez que em ambos os casos se verifica a mesma capacidade contributiva.

Veja-se a posição defendida pelo CAAD, salientando-se, a título meramente exemplificativo, o que ficou dito na pronúncia arbitral proferida no processo n.º 132/2013-T:

“Com efeito, como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional? E como compatibilizar esta discriminação com o que se dispõe no artigo 104.º, n.º 3, da CRP?

Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade.”

Em face do exposto, o ato de liquidação do imposto do selo que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é um ato consequente da violação de um princípio constitucional- da igualdade - sendo, portanto, nulo.

 

IV. DA INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

No caso em apreço, os actos de liquidação de Imposto de Selo têm subjacentes um erro comum que os afecta, o qual decorre de ter-se entendido que devia ser liquidado Imposto de Selo relativamente ao somatório do VPT do prédio, em vez do VPT individual de cada divisão.

As liquidações foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efectuadas.

A Requerente pagou € 197.71 de despesas derivadas da prestação de garantia, pelo que tem direito a ser indemnizada dessas despesas e ainda das posteriores, que se vierem a comprovar.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência à quantia que se provou ter sido despendida acrescida do que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (cfr. artigo 609.º do Código de Processo Civil e artigo 565.º do Código Civil).

 

V. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar totalmente procedente o pedido de anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas com a consequente anulação dessas liquidações.

B) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal subjacente ao presente processo, no valor de € 197.71, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução da presente decisão.

 

Fixa-se o valor do processo em € 10.026.50 nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

O pagamento da taxa de arbitragem, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, cabe à Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 7 de março de 2016

O árbitro,

 

 

Nuno Cunha Rodrigues