Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. Em 17 de Julho de 2015, A…, contribuinte n.º…, residente na Av…., n.º …Esq., em Lisboa, B…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, n.º …no Estoril, C…, contribuinte n.º…, residente na…, …, em Alenquer e D…, contribuinte n.º…, residente na Av…., n.º … Dt, em Lisboa, doravante designados por Requerentes, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª E… e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª F… e Dr.ª G… .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 6 de Agosto de 2015.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativos ao ano de 2014, incidente sobre as unidades ou divisões com utilização independente que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … sob o artigo…, sito na Rua…, n.º … A a … E, em Lisboa, no valor global de € 12.528,72 (doze mil, quinhentos e vinte e oito euros e setenta e dois cêntimos).
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
6. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 5 de Outubro de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. A Requerida, notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 5 de Novembro de 2015.
8. Atendendo a que não foram invocadas quaisquer excepções na resposta apresentada pela Requerida, não existe necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente consta dos autos e não se vislumbrando a necessidade de as partes corrigirem as suas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para a prolação de decisão, no dia 25 de Novembro de 2015, o Tribunal notificou as partes, através de despacho, para virem aos autos dizer se prescindiam da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, e da apresentação de alegações e/ou, se quanto a estas pretendiam produzi-las por escrito.
9. Em resposta ao despacho referido imediatamente supra, a Requerida, no dia 27 de Novembro de 2015, através de requerimento, manifestou a sua intenção no sentido de prescindir da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como das respectivas alegações, posição também manifestada pela Requerente, no requerimento que apresentou no dia 2 de Dezembro de 2015.
10. Assim, no dia 4 de Março de 2016, o Tribunal, através de despacho, por um lado, designou o dia 5 de Abril de 2016, para o efeito de prolação da decisão arbitral, e por outro, advertiu os Requerentes de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
II. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
Os Requerentes sustentam o pedido de anulação do acto de liquidação de imposto do selo a que foram sujeitos, relativamente aos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, afectos a habitação, do prédio inscrito sob o artigo … na respetiva matriz, sito na Rua…, n.º … A … E, freguesia do…, concelho de Lisboa, que se encontra em propriedade vertical, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:
A. Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS
a) Entendem, os Requerentes, que perante a realidade circunscrita da conjugação do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) o primeiro, aditado e, a segunda, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, já na redacção em vigor em 2014, do disposto no n.º 3 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 119.º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), «é sobre cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente que se aplica o IMI, ou seja, é o valor patrimonial tributário, individualmente fixado, de cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente que releva para a aplicação do IMI».
b) Afirmam, os Requerentes, neste contexto que «é, portanto, com base no valor patrimonial tributário de cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente que se determina a sua sujeição a imposto, ou não-como sucede no presente caso – pela verba 28 da Tabela Geral.»
c) Mais concretizam, no sentido de que «efectivamente, conforme se demonstrou nos factos, no ano a que respeita o imposto ora impugnado – 2014 – os andares em causa constituíam eles todos, unidades autónomas com utilização independente (…) com afectação habitacional, (…) [não se podendo deixar de salientar] que o valor patrimonial de cada um desses andares é inferior ao limiar mínimo de incidência do imposto – tal como consta, sublinhe-se das respectivas inscrições matriciais para efeitos de IMI».
d) Acrescentam, ainda, que «a Administração fiscal emite uma liquidação de Imposto do Selo por cada divisão de utilização independente, o que não deixa de mostrar que a Administração fiscal reconhece que, para efeitos de incidência do Imposto do Selo, como no caso do IMI, é relevante o valor patrimonial tributário de cada divisão com utilização independente.»
e) E, concluem no sentido de que «os actos de liquidação de imposto sub juice, ao fazerem incidir a tributação em sede de imposto do selo sobre as unidades susceptível de utilização independente, todas com valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, recorrendo à soma dos mesmos para ficcionar, desta forma, um valor global do prédio, assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito da tributação em sede de Imposto do Selo, em violação do disposto na verba n.º 28 da TGIS.»
B. Vício de violação de Lei constitucional, designadamente do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), e em particular, da igualdade em sede de tributação do património (artigo 104.º, n.º 3 da CRP),
a) Entendem e motivam, os Requerentes, a arguição deste vício, inculcado no acto de liquidação impugnado, no facto de «se tratarem os prédios em causa (unidades susceptíveis de utilização independente) diferentemente daqueles outros que se encontram em situação substancialmente igual, apesar de constituídos em propriedade horizontal.»
b) Acrescentando que «se o imóvel em causa tivesse sido dividido em propriedade horizontal, nenhuma das fracções autónomas seria tributada nesta sede.»
c) Mais consideram os Requerentes que «a interpretação que subjaz à presente liquidação de Imposto do Selo, feita pela Administração Tributária não parece coadunar-se, pois com os princípios de interpretação das normas tributárias plasmados no artigo 11.º da Lei Geral Tributária, designadamente no n.º 3 desta norma».
d) Concluindo, assim, que «as liquidações objecto do presente pedido assentam sistematicamente num valor superior ao efectivo valor patrimonial tributário – não abrangido pela verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo – atribuindo à norma de incidência invocada um alcance que ela não comporta, pelo que não podem subsistir na ordem jurídica.»
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação, contrariando a posição assumida pela Requerente, o que o faz da seguinte forma:
a) No que toca ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações em causa, entende a Requerida que: «os ora Requerentes são comproprietários, na proporção de ¼ cada, de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI.» Logo, encontrando-se o prédio de que são proprietários, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio. Assim, os ora requerentes, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redacção da referida verba [verba 28.1 da TGIS], não é proprietário de 11 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.»
b) Acrescenta, ainda que «a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil (…). Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal», porquanto, por um lado, “estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referido pelo artigo 2.º do CIMI. E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes dois regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito (…).”»
c) Com efeito, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípio gerais da interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da Lei. Ora, a lei fiscal não comporta qualquer lacuna. Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são parte susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.»
d) Referindo, em consequência que «encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º de consequentemente, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.»
e) Expõe ainda no sentido de que «A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suceptíveis de utilização económica independente.»
f) E, acrescenta, a final, que: “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral.”
g) Concluindo no sentido de que «é o que resulta de o facto determinante na aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas. Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
h) Quanto a esta matéria, defende a Requerida que «cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos. Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.»
i) Mais continuando o seu raciocínio no sentido de que «não se vislumbra como, por outro lado, a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pelos Requerentes», uma vez que «a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados. A constituição da propriedade horizontal implica, é facto uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (…). O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária. Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.
j) Mais refere, quanto a este aspecto e em contraposição ao alegado pelos Requerentes que «a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade – veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio. O que se pretende concluir é que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os.»
k) E, conclui no sentido de que «o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente», pelo que, «os actos tributários em causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos.»
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. Os Requerentes são proprietários do prédio sito na Rua…, n.º … A … E, da freguesia do…, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo… . (cfr. Doc. n.º 93 junto com a petição inicial);
B. O prédio compreende um total de 9 (nove) pisos e 27 (vinte e sete) divisões com utilização independente, sendo que apenas 23 (vinte e três) se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 20.300,00 e € 69.940,00. (cfr. Doc. n.º 93 junto com a petição inicial);
C. O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total. (Doc. n.º 93 junto com a petição inicial);
D. O somatório dos VPT das mencionadas frações autónomas afetas a habitação ascende a € 1.252.840,00 (um milhão, duzentos e cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta euros), tendo cada uma delas individualmente, um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (Doc. n.º 93 junto com a petição inicial);
E. A inscrição matricial n.º … identifica separadamente cada uma das unidades autónomas de utilização independente, encontrando-se também discriminado o respetivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. Doc. N.º 93 junto com a petição inicial);
F. Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014, efetuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 12.528,72 (doze mil, quinhentos e vinte e oito euros e setenta e dois cêntimos) (cfr. Docs. n.º 1 a 92 juntos com a petição inicial);
G. No dia 29 de abril de 2015, os Requerentes procederam ao pagamento do acto de liquidação de Imposto do Selo, referente à primeira prestação quanto aos 1.º, 2.º e 4.º Requerentes, e relativa à prestação única quanto ao 3.º Requerente, para o qual foram notificados (cfr. Docs. N.º 1 a 92 juntos com a petição inicial).
VI. Motivação da matéria de facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos analisados e ponderados em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.
VII. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VIII. Fundamentos de direito
- Das questões controvertidas –
No presente caso, são duas as questões de direito controvertidas:
1) saber se a sujeição a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2014, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afetação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem - Incidência da verba 28.1 da TGIS;
2) saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, bem como do princípio da igualdade contributiva em sede de tributação do património, previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP.
Vejamos,
I – Da incidência da verba 28.1 da TGIS
1. A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.
2. A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redacção:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%[1]
28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”
3. Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:
a) “prédios urbanos,
b) com afectação habitacional,
c) E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)
4. A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.
5. Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.
6. E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.
7. Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
8. Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
9. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
10. Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa ou fracção autónoma) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
11. Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.
12. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.
13. Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou frações for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.
14. Não parece sensato que se possa enquadrar na previsão normativa, prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.
15. Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, a riqueza.
16. Ora, o prédio em questão pertence aos Requerentes, e é composto por 9 (nove) pisos e 27 (vinte e sete) divisões com utilização independente, sendo que apenas 23 (vinte e três) se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 20.300,00 e € 69.940,00.
17. É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a essas 23 divisões com utilização independente que têm afectação habitacional, perfazendo um VPT global de € 1.252.840,00 (um milhão, duzentos e cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta euros), no ano de 2014, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual, entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.
18. Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões mesmo que com utilização independente, destinadas a habitação.
19. Vejamos, se a tese da AT convence,
20. A Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de outubro de 2012.
21. No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afetação habitacional.”, que aqui nos interessa.
22. No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
23. Assim, temos que a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
24. Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
25. Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico- formal da situação concreta do prédio, mas sim, a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.
26. Mais, aferimos que, para o legislador, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
27. Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de três factores, a saber:
a) estarmos perante um prédio urbano;
b) a afectação habitacional e
c) o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.
28. Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.
29. Posição esta assumida em vários arestos do Tribunal Arbitral, sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, que aqui indicamos, a título de exemplo, como sejam os processos n.º 428/2014-T, n.º 206/2014-T, n.º 30/2014-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T do CAAD, n.º 849/2014 T, n.º 179/2015 T (entre outros), cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra, no que à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS diz respeito,...
30. … bem como, no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que acompanhamos, proferido no processo n.º 047/15, de 09.09.2015, segundo o qual:
« I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»
31. Deste modo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias fracções ou divisões com utilização independente afectas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!
32. Assim sendo, não havendo, desta forma, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar os Requerentes ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2014, que ora se impugna, por ser o mesmo ilegal.
33. No que se refere ao alegado vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, em particular da igualdade em sede de tributação do património, previsto nos artigos 13.º e n.º 3 do artigo 104.º ambos da CRP, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo vertentes, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.
34. Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”
35. Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação impugnados.
DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se anular todos os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pelos Requerentes relativos ao ano de 2014.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 12.528,72 (doze mil, quinhentos e vinte e oito euros e setenta e dois cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de Abril de 2016
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O Árbitro
(Jorge Carita)
[1] Redacção esta que foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sem que, contudo, tenha grande relevância para o caso em apreço, da seguinte forma:
“28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI-----------------------------------------------------------------------------------1%”