Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 455/2015-T
Data da decisão: 2016-04-26  Selo  
Valor do pedido: € 11.118,40
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Propriedade Vertical.
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DECISÃO ARBITRAL

Processo n.º 455/2015-T

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

1.      A…, NIF…, residente na Rua … n.º…, …-… Maia, requereu, em 17 de Julho de 2015, ao abrigo do disposto nos artigos  2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a constituição do Tribunal Arbitral, para apreciação da legalidade da liquidação do Imposto do Selo (IS), com data de 20/03/2015, efectuada com base na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), referente ao ano de 2014, no valor total de € 11.118,40, respeitante ao prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal, sito na Rua … n.º…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União de Freguesias de … e…, concelho do Porto, sob o artigo… .

2.      Pede a Requerente, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 68.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

3.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

4.      Nos termos do artigo 6.º/2, al. a) e do artigo 11.º/1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

5.      O Tribunal Arbitral ficou constituído em 27 de Outubro de 2015.

6.      A Requerida apresentou a sua resposta no dia 26 de Novembro de 2015.

7.      A Requerente, notificada para responder, por escrito à matéria da excepção, nada disse.

8.      Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT e foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas.

9.      Por despacho de 10 de Fevereiro de 2016, o Tribunal notificou a Requerente para juntar aos autos comprovativo do pagamento da terceira prestação do Imposto do Selo.

10.  As partes não apresentaram alegações escritas.

 

**  **  **  **

11.  A Requerente alegou, em síntese, que:

11.1É proprietária do prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal, sito na Rua … n.º…, no Porto, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União de Freguesias de … e …, concelho do Porto, sob o artigo… .

11.2A Requerida procedeu, relativamente ao ano de 2014, à liquidação do imposto de selo, no valor de € 11.118,40, fazendo constar das notas de liquidação “Valor Patrimonial do prédio-total sujeito a imposto: € 1.111.840,00”.

11.3Porém, os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto de tributação, têm VPT inferior a € 1.000.000,00.

11.4As liquidações em causa assentam no entendimento segundo o qual haverá sujeição a Imposto de Selo sempre que o somatório dos VPT dos andares, individualmente considerados, for superior a € 1.000.000,00.

11.5Conclui no sentido da manifesta a ilegalidade das liquidações em causa, por ilegal interpretação pela A.T. da verba 28 da TGIS.

11.6Invoca ainda a violação dos Princípios da Justiça, da Igualdade e da Proporcionalidade.

11.7Pede a Requerente, por fim, que a Requerida seja condenada no reembolso do montante do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

12.  Notificada para responder, a Requerida alega, em síntese, o seguinte:

12.1Por excepção, sustenta a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação, face ao disposto no artigo 2.º do RJAT, uma vez que, no seu entendimento, a Requerente requer a apreciação da legalidade de uma prestação do acto tributário, que não é em si nenhum acto tributário, até porque todos os documentos juntos constituem as notas de cobrança da primeira prestação do imposto do ano de 2014.

12.2Por impugnação, invoca que, à data a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00.

12.3Com referência ao ano de 2014, em cumprimento do disposto no artigo 6.º/2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, procedeu nos termos da verba n.º 28.1, com a alteração efectuada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, procedeu à notificação dos documentos de cobrança para pagamento da 1.ª prestação das liquidações em causa, que incide sobre prédios urbano, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00.

12.4Em cumprimento do disposto no artigo 119.º/1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.

12.5Estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não existe erro imputável aos serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

12.6No que respeita à violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, defende que não existe violação ao princípio da igualdade inexistindo qualquer discriminação entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

12.7Sustenta a integral validade e legalidade das notas de cobrança do imposto de selo, 1.ª e 2.ª prestação do ano de 2014, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, concluindo pela legalidade das mesmas.

 

C – Factos provados

13.  Com base nos factos alegados pelas partes, e não contestados pela Requerida, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante para a boa decisão da causa:

A)    A Requerente era em 2014 proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua … n.º…, Porto, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União de Freguesias de … e…, concelho do Porto, sob o artigo … .  

B)    O referido prédio, em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, é composto de “casa de cinco pavimentos e logradouro, destinada a comércio e habitação”, com entrada pela Rua … n.º … e Rua … n.º… .

C)    De acordo com a respectiva inscrição matricial, o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes, afectas à habitação, que integram o prédio é de € 1.111.840,00 é de:

Andar

Valor Patrimonial Tributário

Colecta

295 RD

€ 79.930,00

€ 799,30

295 RE

€ 79.930,00

€ 799,30

295 1.º D

€ 66.010,00

€ 660,10

295 1.º Esq

€ 66.010,00

€ 660,10

295 2.º D

€ 66.010,00

€ 660,10

295 2.º Esq.º

€ 66.010,00

€ 660,10

295 3.º D

€ 66.010,00

€ 660,10

295 3.º E

€ 66.010,00

€ 660,10

319 RD

€ 79.930,00

€ 799,30

319 RD

€ 79.930,00

€ 799,30

319 1D

€ 66.010,00

€ 660,10

319 1E

€ 66.010,00

€ 660,10

319 2D

€ 66.010,00

€ 660,10

319 2E

€ 66.010,00

€ 660,10

319 3D

€ 66.010,00

€ 660,10

319 3E

€ 66.010,00

€ 660,10

Total

€ 1.111.840,00

€ 11.118,40

 

D)    A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, até Abril de 2015, da 1.ª prestação das liquidações efectuadas.

E)     De todos os documentos emitidos consta, ainda, a seguinte menção: “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos art. 70.º e 102.º do CPPT”.

F)     Em 30 de Abril de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento da 1.ª prestação do Imposto do Selo em causa nos presentes autos.

 

Factos não provados

Não se considera provado que a Requerente procedeu ao pagamento da segunda e terceira prestação do Imposto do Selo liquidado, por falta de junção aos autos dos respectivos documentos comprovativos do respectivo pagamento.

 

II – SANEAMENTO

 

14. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem, pelo que se mostram reunidas as condições para prolação da decisão final.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

As duas questões a decidir no âmbito dos presentes autos são as seguintes:

1.      Da competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pela Requerente nos presentes autos;

2.      Da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao prédio de que a Requerente é proprietária, mais concretamente, consiste em apurar se no caso de prédios em propriedade total ou vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, com afectação habitacional, como sustenta a Requerente; ou se o valor total do prédio em resultado da soma dos valores patrimoniais tributários correspondentes aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, como sustenta a Requerida.

3.      Do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

a)      Quanto à competência do tribunal arbitral

 

Na petição apresentada pela Requerente junto do Tribunal Arbitral, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014, de que resultou uma colecta no valor total de € 11.118,40, respeitante ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo matricial…, da freguesia da União das Freguesias de … e…, concelho do Porto. No pedido final, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do imposto de selo supra identificados e a consequente anulação.

 

Na resposta apresentada, a Requerida sustenta que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no artigo 2.º do RJAT para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação, que não é em si um acto tributário, sustentado que a Requerente impugna as notas de cobrança que constituem as 1ªs e 2.ºas prestações do imposto. 

 

Notificada para responder à excepção deduzida pela Requerida, a Requerente nada disse.

 

A propósito da competência cabe referir que, como é sabido, por força do artigo 2.º/al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, o Tribunal Arbitral é competente para decidir pretensões referentes à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.

 

Ora, da leitura do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e do pedido de pronuncia arbitral, parece pacífico que o litígio nos presentes autos tem por objecto as liquidações do imposto do selo relativas ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo…, referente ao ano de 2014, no montante global de € 11.118,40, sendo este o valor atribuído ao processo.

 

Na verdade, atento o teor do pedido de constituição do tribunal arbitral, do petitório final, e do valor atribuído à presente acção, afigura-se inequívoco que a Requerente pretendeu impugnar os actos de liquidação de imposto do selo.

 

Daqui resulta que, contrariamente ao que sustenta a Requerida, o tribunal arbitral é competente para decidir o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de imposto do selo formulado pela Requerente.

 

Improcede, pois, a excepção de incompetência deduzida pela Requerida.

 

 

b)     Da aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total

 

Como já fizemos alusão, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o VPT relevante para efeitos de incidência de IS (Verba 28 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) é o correspondente ao somatórios do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes divisões ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das divisões ou andares habitacionais.

 

A questão foi já apreciada em vários processos, no âmbito da Arbitragem Tributária, em que foi decidido que quando se verifique que cada um dos andares que compõe um prédio em propriedade vertical têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS e, consequentemente, pronunciou-se pela ilegalidade dos respectivos actos de liquidação (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 51/2015-T, 391/2014-T, 451/2014-T, 153/2015-T, entre outros[1]). Também, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9/09/2015, processo n.º 47/15, em que foi relator Francisco Rothes, decidiu que tratando-se de um prédio em propriedade vertical, a incidência de IS (Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinados a habitação[2].

Não se identificam, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência já firmada[3].

 

A verba 28 da TGIS, anexa ao CIS, foi aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve, inicialmente, a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”

 

A redacção da verba 28.1 foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando o ponto 28.1 a utilizar o conceito de prédio habitacional, passando a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

 

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, i.e., saber se a verba n.º 28.1 da TGIS se aplica aos prédios urbanos em propriedade total, mas com andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma desses andares é inferior a 1.000.000,00, embora a soma dos andares, com utilização independente, afectas a habitação tenha um valor global igual ou superior àquele montante.

 

Em relação à norma em apreço – a verba n.º 28.1 da TGIS –, o pensamento legislativo que esteve na sua base pode ser perscrutado na apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), em que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[4]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” 

           

Da variedade semântica da discussão ressalta, desde logo, o uso indiferenciado de expressões como “prédios urbanos habitacionais”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, tudo parecendo apontar para a intensão de tributar unidades unifamiliares de maior valor económico, parametrizados através do respectivo valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

 

Contudo, dos trabalhos preparatórios não é possível coligir, com o necessário rigor, como já foi enfatizado em decisões anteriores, qual o conceito de prédio subjacente àquela norma (cf. decisões 21/2015-T e 451/2014), designadamente, se um prédio urbano habitacional é, na acepção da verba 28.º da TGIS, uma unidade autónoma (auto-suficiente para o fim a que se destina), distinta e isolada na qual se processa a vida de cada individuo ou agregado familiar residente, em edifícios unifamiliares ou multifamiliares; ou, se abrange, os prédios multifamiliares com unidades autónomas, mas sem autonomização jurídica, característica das fracções autónomas que compõe os prédios constituídos em propriedade horizontal.

 

No caso dos autos, o prédio da Requerente é um prédio urbano, em propriedade total, composto por vários andares susceptíveis de utilização independente, afecto ao comércio e à habitação.

 

Os valores patrimoniais tributários, individuais, dos vários andares susceptíveis de utilização independente é inferior a € 1.000.000,00.

 

A verba 28.1 dispõe que “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

 

Importando, pois, determinar qual o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de IMI posto que da verba 28.1. resulta que o Imposto do Selo incide sobre a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (...)”.

 

Remete-se, assim, para o Código do IMI todo o teor regulativo quanto à incidência “prédios urbanos com o valor patrimonial tributário constante da matriz”, nos termos do Código do IMI, e quanto à matéria colectável “valor patrimonial tributário para efeitos de IMI”. Remissão que, aliás, consta, a título subsidiário, do artigo 67.º, n.º 2 do CIS que remete para o Código do IMI as “matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral.

 

Destacamos do Código do IMI, no que respeita aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente,  as seguintes regras:

a)                           a cada prédio corresponde um único artigo matricial (cf. artigo 82.º, n.º 2 do Código do IMI;

b)                          cada andar susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário (cf. artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI);

c)                           a determinação do valor patrimonial tributário é apurada para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, de acordo com a afectação de cada unidade, sendo avaliadas separadamente em função da sua utilização e áreas (cf. artigo 38.º do Código do IMI);

d)                          o documento de cobrança contém, obrigatoriamente, a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário (cf. artigo 119.º, n.º 1 do Código do IMI).

e)                           A não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma constitui fundamento de reclamação de incorrecta inscrição matricial (cf. artigo 130.º, n.º 3, al. h) do Código do IMI).

 

Na doutrina, Silvério Mateus e Freitas Corvelo salientam que um dos aspectos que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro de cada prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes[5].

 

O Código do IMI consagra relevância fiscal – ao nível da inscrição matricial, determinação do valor patrimonial tributário, discriminação do valor patrimonial tributário, liquidação, fundamentos de reclamação – à autonomização na matriz de cada parte do um prédio, susceptível de utilização independente.

 

Resulta do Código do IMI que as partes de um prédio em propriedade total dotadas de autonomia, ou seja, autossuficientes para o fim a que se destinam, são objecto de avaliação individual e separada, são individualizadas na respectiva inscrição matricial, possuem um valor patrimonial próprio constante da matriz e são objecto de liquidações individualizadas (tudo conforme resulta dos artigos 7.º, n.º 2, al. b), 13.º, n.º 2 e 119.º, n.º 1 do Código do IMI), essa autonomia deve ser respeitada e releva para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

 

A verba 28 da TGIS faz referencia a “prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” e ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Por seu turno, o artigo 12.º, n.º 3 do CIMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Donde aos andares susceptíveis de utilização independente – como é o caso dos autos – é atribuído uma valor patrimonial tributário específico e próprio que é objecto de inscrição autónoma na respectiva matriz predial.

Procede-se, assim, a uma autonomização para efeitos de IMI dos andares susceptíveis de utilização independente que são objecto de uma avaliação especifica, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, de inscrição matricial individual e com valor patrimonial tributário para efeitos de IMI autónomo.

 

No caso de prédios em propriedade vertical ou total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sem estarem constituídos em propriedade horizontal, há uma clara autonomia tributária que se encontra evidenciada pelas diferentes unidades (avaliadas com parâmetros distintos consoante a afectação especifica de cada unidade), indicação do piso/andar, incluindo com especificação da área bruta privativa e da área bruta dependente, tudo como se de verdadeiras fracções autónomas se tratasse, com sucede no caso em apreço – cf. documento n.º 33.

 

Não havendo, assim, razão para – em sede de incidência de Imposto do Selo, previsto na verba 28.1 da Tabela Geral –, dar aos andares/divisões susceptíveis de utilização independente (integrados em prédios em propriedade vertical) um tratamento distinto do concedido no CIMI.

 

Assim, para efeitos de incidência do Imposto do Selo, designadamente para efeitos de aplicação da verba 28.1. da TGIS, “o valor patrimonial tributário constante da matriz” e o “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI” corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, conforme resulta do disposto do artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI

 

Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que a aplicação in casu da verba 28.1 da TGIS relativamente ao prédio de que a Requerente é proprietária é ilegal porque a mencionada verba deve ser interpretada no sentido de que o valor patrimonial tributário relevante é o correspondente a cada um dos andares susceptíveis de utilização independente e não ao valor patrimonial que resulta da soma aritmética de todos os valores patrimoniais tributários, parcelares, atribuídos a cada um dos andares destinados à habitação, nos casos em que apenas da soma dos valores patrimoniais resulta o apuramento de um valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00. Como nenhuma das unidades independentes que compõe o prédio tem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se aplica a verba 28.1 da TGIS.

 

            Tendo o presente Tribunal entendido que as liquidações em causa são ilegais, fica prejudicado o conhecimento da violação dos princípios e normas constitucionais invocados pela Requerente.

 

c) Dos juros indemnizatórios

 

Peticiona a Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente, bem como dos respectivos juros indemnizatórios.

 

O artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária prescreve que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Por seu turno, o artigo 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT dispõe que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributaria a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Dado que, no caso sub iudice, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária que procedeu às liquidações impugnadas, por incorrecta aplicação e interpretação do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, tem a Requerente direito ao reembolso da 1.ª prestação do imposto paga e aos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até integral reembolso, à taxa de juros resultante do art. 43.º, n.º 4 da LGT.

 

No que respeita ao juros indemnizatórios referentes às segundas e terceiras prestações do imposto em causa, verifica-se que a Requerente não logrou fazer prova do pagamento do imposto referente às segundas e terceiras prestações (não obstante, relativamente à 2.ª prestação a Requerente tenha protestado juntar o respectivo documento e, relativamente à 3.ª prestação, o Tribunal ter notificado a Requerente para vir aos autos juntar o comprovativo do pagamento). Não tendo sido efectuada prova do pagamento destas prestações, não pode – quanto a estas – haver lugar à condenação a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

 

Decisão:

Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência deduzida pela Autoridade Tributária;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, ano de 2014, referente ao prédio urbano sito na Rua … n.º…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União de Freguesias de … e…, concelho do Porto, sob o artigo… .

c)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios referentes ao pagamento da 1.ª prestação do imposto.

d)     Absolver a Requerida do pagamento de juros indemnizatórios referentes à 2.ª e 3.ª prestação, por não ter ficado provado que já teve lugar o pagamento do imposto referente àquelas prestações

e)      Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

Valor do processo:

Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, conjugado com a al. a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 11.118,40, que constitui o montante total do imposto resultante das liquidações impugnadas cuja anulação se peticionou.

 

Custas:

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º e no n.º 4 do art.º 22.º do RGAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 26 de Abril de 2016

 

A Árbitra

 

(Alexandra Gonçalves Marques)

 

 

 

 

 



[1] Todos disponíveis na base de dados do CAAD, em www.caad.org.

[2] Disponível em www.dgsi.pt

[3] Seguiremos, de perto, a jurisprudência já firmada e o texto das decisões proferidas no âmbito do CAAD nos processo n.º 153/2015-T, 263/2015-T e 420/2015-T redigidos pela signatária.  

[4] Cf. DAR I Série n.º 9/XII-2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[5] Silvério Mateus e Freitas Corvelo (2005), Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo, Comentados e Anotados, Engifisco, pp. 159-160.