Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A sociedade A… – S.A., (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal … com sede na Rua…, n.º…, … Dto., … Lisboa, apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a serem declarados ilegais os atos de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), referentes ao exercício de 2013, correspondente às 1.ª e 2.ª prestações (n.º 2014 … e 2014…, respetivamente) no montante total de € 6.981,60, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 21 de outubro de 2015.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 5 de novembro de 2015.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IS mencionados supra, por respeito a um prédio urbano, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção, sito na Avenida…, freguesia e concelho da Nazaré, que se encontra inscrito na Conservatória do Registo Predial da Nazaré sob o número … e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo… .
5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.
6. Por despacho de 14 de fevereiro de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o final de março de 2016.
8. No âmbito do despacho, solicitou igualmente às partes para apresentar as suas alegações finais. A este respeito, importa salientar que tanto a Requerente como a Requerida optaram por não se pronunciar.
9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
11. A título prévio, cumpre ao presente tribunal arbitral aferir, nos termos solicitados pela Requerente, a possibilidade de, no caso em concreto, ser feita a cumulação de pedidos.
12. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se os prédios urbanos legalmente qualificados como terrenos para construção, deverão ser abrangidos pelo conceito de prédios com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).
13. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, os terrenos para construção não são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional, ficando, desta forma, fora do alcance da aludida verba, ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, são considerados prédios com afetação habitacional e, nesse contexto, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
14. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção, sito na Avenida…, freguesia e concelho da Nazaré, que se encontra inscrito na Conservatória do Registo Predial da Nazaré sob o número … e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo…, com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.047.240.
II. A Requerente, por respeito ao exercício de 2013 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu os atos de liquidação da AT, referentes à primeira prestação (n.º 2014…) e à segunda prestação (2014…), no valor total de € 6.981,60, de um montante global de € 10.472,40 (da liquidação de IS referente àquele exercício), os quais liquidou.
III. Por não concordar com aquela liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo a mesma sido expressamente indeferida no dia 6 de maio de 2015.
15. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
16. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
17. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
18. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
19. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
20. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
21. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.
22. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre evidenciar o exposto no artigo 45.º do Código do IMI.
“Artigo 45º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.
23. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.
24. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
“Artigo 11.º - Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.
25. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º - Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
26. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se os prédios urbanos classificados como terrenos para construção são, ou não, incluídos no conceito de prédio com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
B) Argumentos das partes
27. A Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:
28. “A título preliminar, importa realçar que os impostos obedecem ao imperativo constitucional da legalidade, de onde decorre que os seus elementos essenciais devem ser densificados por lei parlamentar, garantindo assim a segurança e previsibilidade das relações jurídicas (tipicidade), e que esta definição dos elementos essenciais deve ser feita com um rigor tal que seja possível ao contribuinte médio prever, com razoável precisão e segurança, o montante do tributo devido…”.
29. Não obstante, de acordo com a Requerente, “o conceito de prédio com afetação habitacional não se encontra em nenhum outro setor ou ramo do ordenamento jurídico português”, pelo que será necessário recorrer às regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, nomeadamente aqueles que se encontram estatuídos no Código Civil.
30. É precisamente com base nessas regras, que a Requerente entende que “surge claro e evidente que o conceito de prédio urbano com afetação habitacional tem necessariamente de ser interpretado com recurso ao sentido que o mesmo tem na linguagem comum”.
31. E, nesse sentido, a Requerente é da opinião que “a palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso», razão pela qual dúvidas não poderão subsistir de que o legislador, ao utilizar a expressão «prédio com afetação habitacional», pretendeu aludir à utilização ou uso do prédio urbano”.
32. Assim sendo, para a Requerente “a única questão prende-se com saber se a afetação ou utilização habitacional tem ou não de ser atual e efetiva. Dito por outras palavras, se o prédio tem de ter uma utilização habitacional efetiva no momento em que é apurada a incidência do IS”.
33. A Requerente recorre ainda à jurisprudência arbitral e do Supremo Tribunal Administrativo para suportar a sua tese, citando, nomeadamente à decisão arbitral relativa ao processo n.º 42/2013, “no caso dos «terrenos para construção mais não existe do que a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder, após a edificação, vir a ter uma afetação habitacional. Mas apenas quando a afetação habitacional se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objetiva em apreço»”.
34. Por último, a Requerente chama ainda à atenção para o facto de que a Verba relevante (28 da TGIS) apenas foi alterada por respeito ao exercício de 2014 e seguintes, com a modificação do texto da norma relevante para “por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação…”, confirmando, na opinião da Requerente, “o reconhecimento de que esta realidade, antes da referida alteração legislativa, não estava sujeita a tributação em IS”.
35. Em conclusão, do ponto de vista da Requerente, “dúvidas não poderão subsistir de que, in casu, a AT fez uma interpretação da norma de incidência objetiva constante da Verba n.º 28.1 da TGIS não conforme com a Lei aprovada na Assembleia da República, motivo pelo qual as liquidações de IS sub judice enfermam de vício de violação de lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de direito…”, requerendo, assim, que as liquidações sejam declaradas ilegais e, em consequência, anuladas.
36. Adicionalmente, a Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios.
37. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:
38. “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”.
39. Estabelecendo que, nos termos da aludida norma legal, às matérias não previstas no Código do IS, e respeitantes à Verba n.º 28 da TGIS, terá que ser aplicado, de forma subsidiária, o disposto no Código do IMI.
40. De seguida, a Requerida desenvolve um extenso racional que, na sua opinião, permite, enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afetação habitacional, suportando-se, nomeadamente no artigo 45.º do Código do IMI.
41. “Conforme resulta da expressão «… valor das edificações autorizadas», constante do artigo 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art. 41.º do CIMI”.
42. Entende por isso a Requerida que, se para efeitos da determinação do VPT dos terrenos para construção há uma aplicação do coeficiente de afetação (na avaliação do terreno), então esse coeficiente deverá ser igualmente considerado, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS.
43. Adicionalmente, na opinião da Requerida, “a mera constituição de um direito potencial de construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.
De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”
44. Pelo que, para a Requerida, “muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.
Do que supra se expôs resulta claro que a liquidação de IS impugnada não padece de qualquer vício, sendo, outrossim, conforme à lei”.
45. Em conclusão, a Requerida solicita que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida seja julgado improcedente, absolvendo-se, dessa forma, a mesma do pedido.
C) Apreciação do tribunal
46. Antes de mais, cumpre validar a cumulação de pedidos, nos termos indicados pela Requerente.
47. Com efeito, decorre do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
48. Ora, a cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto, neste caso o IS. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito.
49. Posto isto, entende o presente tribunal que estão reunidas as condições para apreciar o tema central deste processo, que se prende com a aplicação da Verba n.º 28 da TGIS.
50. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, se o conceito de prédio com afetação habitacional, inclui, ou não, os terrenos para construção.
51. A este título, o presente tribunal seguirá, de perto, a Decisão Arbitral referente ao processo n.º 42/2013-T, de 18 de outubro (decisão que, desde já, aplaude), pela sua pertinência, detalhe e proximidade à presente discussão (mencionada, igualmente, pela Requerente).
52. A título introdutório, note-se que o Código do IMI, não recorre, na classificação dos prédios urbanos, ao conceito de prédio com afetação habitacional (na verdade, não se encontra igualmente esse conceito em qualquer outro diploma).
53. Desta forma revela-se necessário realizar, com base no quadro jurídico exposto supra, uma interpretação do conceito de prédio com afetação habitacional.
54. A esse respeito, e por forma a suportar a presente decisão, transcrevemos infra parte da Decisão Arbitral n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, onde se decidiu o seguinte:
“De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma «afetação habitacional».
A expressão «afetação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.
E não podemos confundir uma «afetação habitacional» que implica uma efectiva afetação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afetação habitacional».
Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).
Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afetação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afetação habitacional” (sublinhado nosso).
55. Ora, no caso dos terrenos para construção, de facto, mais não existe do que a mera expectativa, (ou, eventualmente, potencialidade), dos mesmos, e unicamente após a edificação, virem a ter uma afetação habitacional.
56. Contudo, somente quando a aludida afetação se concretizar, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.
57. De facto, o conceito de afetação habitacional terá que indubitavelmente reconduzir-se a algo que é passível de ser habitado, ainda que, tal como supra exposto, não se encontre reconhecido legalmente como tal.
58. Como tal, não obstante um terreno para construção resultar no futuro, muito provavelmente, num prédio com afetação habitacional, enquanto este assim se mantiver (ou seja, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção), não pode, à data dos factos, no entendimento do presente tribunal, ser incluído no campo de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
59. Paralelamente, a AT demonstrou, tal como descrito supra, que, na sua opinião, é por força do artigo 45.º do Código do IMI, que os terrenos para construção são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional.
60. Neste contexto, e pela sua pertinência para a presente decisão, debrucemo-nos, uma vez mais, sobre a Decisão Arbitral n.º 42/2013, de 18 de outubro.
61. Tal como exposto na decisão arbitral previamente mencionada, “o artigo 45.º do CIMI tem por objectivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.
Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afetação habitacional» para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS”.
62. Assim, é opinião do presente tribunal que, à data dos factos, o conceito prédio com afetação habitacional, referido na Verba n.º 28 da TGIS, reconduz-se, exclusivamente, ao conceito de prédio urbano habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI.
63. Por outras palavras, no entendimento do presente tribunal, em sintonia com a opinião vertida pela Requerente e na Decisão n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, não pode a AT recorrer ao artigo 45.º do Código do IMI para estabelecer uma relação entre terrenos para construção e prédio com afetação habitacional.
64. Nesse sentido, o presente tribunal conclui que, sendo o prédio urbano em discussão um terreno para construção, este não poderá ser incluído no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.
65. Em paralelo, e não obstante o enquadramento até agora realizado ser, do ponto de vista do presente tribunal, bastante para reconhecer a ilegalidade do ato de liquidação praticado pela AT, importa ressalvar que, se dúvidas houvesse, a alteração recente ao texto da Verba n.º 28 da TGIS permitia, seguramente, dissipá-las.
66. Com efeito, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, veio a alterar o texto da verba n.º 28 da TGIS para “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)” (sublinhado nosso).
67. Ora, no entendimento do presente tribunal, tal alteração ocorreu, naturalmente, porque o legislador terá percecionado que existia uma necessidade, verificada apenas a partir de 2014, de alargar a aludida verba aos terrenos para construção, nos termos supra referidos.
68. Nestes moldes, fica claro que até essa data (2014), o texto da verba anteriormente mencionada deixava de fora do seu âmbito de aplicação os prédios juridicamente enquadrados como terrenos para construção (caso contrário, não se teria verificado a necessidade de alterar o texto da aludida verba).
69. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os terrenos para construção não podem, à data dos factos, ser abrangidos pelo conceito de prédio com afetação habitacional, tal como é referido no texto da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.
V. Decisão
70. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular os atos de liquidação de IS mencionados supra, por referência a 2013, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 6.981,16, respeitante à tributação de prédios urbanos com afetação habitacional, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;
B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga, desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até o integral reembolso do montante referido; e
C) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
71. Fixa-se o valor do processo em € 6.981,16, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
72. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 24 de março de 2016
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)