Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 469/2015-T
Data da decisão: 2016-03-18  Selo  
Valor do pedido: € 13.566,10
Tema: IS – Terreno para construção
Versão em PDF

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, LD.ª, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …n.º …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de liquidação de Imposto do Selo, efetuado ao abrigo da Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral, relativa ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … da freguesia de … e…, concelho de Matosinhos.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 23-07-2015, a Requerente alega, em síntese, que o prédio em causa não se encontra abrangido pela incidência do imposto do selo prevista no artigo 1.º, n.º 1, do respectivo Código e Verba 28.1 da Tabela Geral, porquanto se trata de um terreno destinado a construção, cuja afectação, de acordo com as autorizações legais que a atribui, será a de habitação colectiva e comércio, resultando do valor patrimonial definitivo atribuído à parte destinada a habitação um valor inferior ao limite mínimo estabelecido na norma de incidência.

 

3. Alega, ainda, a Requerente, no sentido da ilegalidade que imputa à liquidação impugnada, a inconstitucionalidade da norma de incidência em que aquela se suporta, por violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva.

 

4. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – Requerida, pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida, sustentando a legalidade da liquidação efetuada com base em correcta interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, não padecendo de vício de violação da lei, seja da CRP ou do CIS. 

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-08-2015.

 

6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 21-09-2015.

 

7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 06-10-2015.

 

9. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

12. O processo não enferma de vícios que o invalidem nem existem questões prévias a apreciar que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II. Matéria de facto

 

13. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais que, com base nos documentos juntos aos autos, se consideram provados:

 

13.1. Em 31-12-2014, a Requerente era proprietária do prédio urbano, da espécie "terreno para construção", situado na …, … a…, freguesia da União das Freguesias de … e…, concelho de Matosinhos, inscrito, desde 2009, na matriz predial respetiva sob o artigo… .

 

13.2. De acordo com a respectiva descrição matricial constante da correspondente caderneta predial (Doc. 2), o referido prédio tem a área de 1.073,4000 m2, sendo a área de implantação do edifício 1 073,4000 m2, a área bruta de construção de 6 882,6500 m2 e a área bruta dependente de 2 165,1000m2. Não consta que o prédio em causa, ao tempo, tivesse qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.

 

13.3. Em 11-12-2014, a Requerente apresentou reclamação da inscrição matricial, ao abrigo do artigo 130.º, n.º 3, alínea a), do Código do IMI, com fundamento na desactualização do valor patrimonial tributário do terreno (Doc. 3).

 

13.4. O referido pedido originou a avaliação do prédio em causa tendo o respectivo resultado sido objecto de notificação à Requerente em 30-12-2014.

 

13.5. Da referida notificação se extrai que ao prédio foi atribuído um valor patrimonial tributário de € 1 285 040,00, determinado de acordo com as regras previstas no artigo 45.º daquele Código do IMI, sendo considerado, para o efeito, entre outros elementos relevantes, um coeficiente de afectação exclusivamente para habitação (Doc. 4).

 

13.5. Em 30-12-2014, a Requerente foi notificada do resultado da avaliação, tendo solicitado uma segunda avaliação, nos termos do artigo 76,º do Código do IMI, com fundamento em erro nos pressupostos da fixação daquele valor patrimonial.

 

13.6. Fundamenta-se esse pedido na circunstância de não terem sido considerados naquela avaliação os coeficientes de afectação da edificação autorizada e prevista no Alvará de Loteamento/Emparcelamento n.º …/2008 (Doc.5) que, emitido de acordo com o Plano Director Municipal de Matosinhos, estabelece que aquela edificação é afecta quer a habitação colectiva quer a comércio.

 

13.7. Em segunda avaliação foi atribuído ao terreno o valor patrimonial tributário de € 1.356.610,00, tendo sido consideradas, na sua determinação, as áreas das diversas afectações previstas para o prédio a construir, segundo o respectivo Alvará.

 

13.8. De acordo com a fórmula prevista nos artigos 38.º e 45.º, do CIMI, foi aquele valor determinado pelo somatório dos valores atribuídos às áreas afectas a habitação (€ 952 521,16) e a comércio (€ 404 086,35), assim discriminadas:

 

a) Vt Comércio (Vtc) Vtc

Vtc= 603x[(1073,4+1082,55x0,3)xCajx29%+0x0,025+0x0,005]x1,2x1,6x1

Vtc=  € 404 086,35

Vt Habitação (Vth) Vth 

603x[(3644,15+1082,55x0,3)xCajx29%+0x0,025+0x0,005]x1x1,7x1

Vth =  € 952 521,16

 

13.9. Não obstante a avaliação efectuada e o valor patrimonial tributário (VPT) dela resultante, a AT efetuou, em 20-03-2015, uma liquidação de imposto do selo a que se refere a Verba 28 da respectiva Tabela Geral, relativa ao ano de 2014, com base no valor patrimonial do terreno anterior à segunda avaliação, apurando a quantia de 16 638,94, de imposto a pagar em três prestações.

 

13.10. Posteriormente, em 22-04-2015, a AT operou uma liquidação corretiva na qual, considerando o valor patrimonial tributário definitivamente determinado com referência ao terreno em causa, foi apurada a importância de € 13 566,10 de imposto a pagar em três prestações.

 

III. Matéria de direito

 

14. Considerada a matéria de facto relevante para a decisão, verifica-se que no presente processo está em causa, tão-somente, a interpretação da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, em vigor à data do fato tributário a que respeita a liquidação impugnada.

 

15. Mais concretamente, está em causa saber se um terreno para construção, no qual, segundo a respectiva licença autárquica, poderá ser edificado um prédio não destinado exclusivamente a habitação, está ou não abrangido pela incidência objectiva do referido tributo e, na hipótese afirmativa, qual o valor a considerar para efeitos da delimitação do respectivo âmbito de incidência.

 

16. A resposta a estas questões não resulta diretamente do texto da referida norma, exigindo um esforço interpretativo no sentido de lhe determinar o exato sentido e alcance.

 

17. Refira-se que a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, com a seguinte redacção:

 

"28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial utilizado para efeitos do IMI;

 

28.1. Por prédio com afectação habitacional - 1%;

 

28.2. Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%."

 

18. Posteriormente, a redação da Verba 28.1 foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, ficando dela a constar que a incidência do imposto é extensiva aos terrenos para construção, nos seguintes termos:

 

"28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%."

 

19. A liquidação questionada no presente processo foi emitida na vigência da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013 que, nos termos acima referidos, determinou a extensão do âmbito de incidência da norma aos terrenos para construção "cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", desde que o respectivo VPT seja igual ou superior a € 1.000 000.

 

20. Assim, a questão é, desde logo, a de se determinar se no âmbito de incidência do tributo se contêm os terrenos cuja edificação autorizada ou prevista seja exclusivamente para habitação ou se, diversamente, nela se contêm quaisquer terrenos para construção de edifícios destinados a habitação, ainda que estes não se destinem a ser exclusivamente afectos a tal fim.

 

21. Recorrendo ao elemento literal da norma parece poder concluir-se que o seu âmbito de aplicação se estende a todos os terrenos para construção, cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00 desde que o edifício que neles se possa construir tenha como destino a habitação, ainda que, conjuntamente com esta, se destine também a outros fins, designadamente comércio, serviços ou indústria. É esta afectação mista que se verifica no presente caso e, de resto, na maioria dos terrenos para construção de elevado valor.

 

22. Atendendo ainda ao elemento literal da norma, tal conclusão reforça-se se considerarmos que caso o legislador pretendesse delimitar o seu âmbito de aplicação aos terrenos exclusivamente destinados a habitação, tê-lo-ia deixado claramente expresso, como, de resto, o tem feito relativamente a outras situações em que tal delimitação se mostra necessária.[i]

 

23. Salienta-se que esta conclusão é pacificamente assumida pelas Partes, não se suscitando, portanto, quaisquer divergências quanto à interpretação da norma no tocante a este aspecto. Porém, diversas são as posições que expressam no que concerne à determinação do valor limite que, no caso de terrenos destinados a edificação de habitação e outras afectações, deva ser considerado para efeitos da incidência do imposto.

 

24. De acordo com a Requerente, a norma de incidência do imposto do selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral tem como objecto prédios com afectação habitacional, ou terrenos para construção com afectação habitacional autorizada ou prevista, cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000;

 

25. Considerando que a tributação em causa tem na sua génese "a equidade social na austeridade", nomeadamente, através da tributação de prédios urbanos com afectação habitacional, ou terrenos para construção que sejam destinados à edificação de prédios para fins habitacionais - cujo fim habitacional se encontre autorizado ou previsto - conclui a Requerente que apenas se encontra abrangida pela incidência tributária a parcela do VPT considerado para efeitos de IMI resultante da aplicação do coeficiente de afectação "habitação", nos termos artigo 45.º do CIMI.

 

26. No presente caso, verifica-se que na determinação do VPT do terreno foi atribuído o valor de € 952 521,16 à parte destinada a habitação do edifício a construir, através da aplicação do coeficiente de afectação "habitação", nos termos do artigo 45.º do CIMI.

 

27. Conclui, assim, a Requerente, que "No presente caso, não existe qualquer terreno para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, para habitação, seja superior a € 1 000 000, pelo que, naturalmente, a situação em causa não se subsume nem na letra nem no espírito da Lei, pelo que não lhe é aplicável o disposto na Verba 28.1 da Tabela Geral."

 

28. Daí que, o ato de liquidação de imposto do selo, que constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, "ao aplicar-se a um terreno para construção, cuja afectação habitacional é inferior a € 1 000 000, deverá ser considerado ilegal, não se podendo manter na ordem jurídicas, pelo que deverá ser objecto de anulação em todos os seus efeitos jurídicos."

 

29. Por seu lado, sustenta a Requerida que o terreno em causa, segundo o respectivo alvará, tem como destino " a construção de edifícios de residências, sendo incindível o prédio e o respectivo valor futuramente afecto a comércio, surgindo este como um complemento da afectação predominante que é a habitação...".

 

30. Expressando melhor este entendimento, diz a Requerida, reportando-se ao alvará relativo ao terreno identificado neste processo, que " O próprio documento é claro ao referir que o prédio em causa se destina predominantemente a habitação, dado que estão previstos 34 fogos com esta afectação e apenas 4 destinados a comércio. Portanto, esta parte destinada a comércio será sempre um complemento da parte habitacional, disso mesmo nos dá conta o activo avaliativo"

 

31. Das posições acima sintetizadas decorre, com clareza, que a questão a analisar e a decidir, se centra na interpretação da norma da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando referida a terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, nos casos em que, para a mesma edificação se encontram, também, autorizadas ou previstas, outras afectações, designadamente, comércio e ou serviços.

 

32. De acordo com a Requerente, no caso de terrenos em que a edificação que neles se poderá erigir terá afectação mista, relevará, para efeitos de incidência do imposto do selo a parcela do VPT do terreno que corresponda à área de construção destinada a habitação.

 

33. Para a Requerida, se bem se extrai do texto acima transcrito, relevará a totalidade do VPT atribuído ao terreno sempre que o prédio a construir se destine predominantemente a habitação. Inversamente, parece poder extrair-se do mesmo que sempre que a predominância for a de outras afectações, o terreno estará excluído da tributação.

 

34. Aplicando o critério da "predominância" ao presente caso, conclui a Requerida que o terreno em causa, no qual, segundo a respectiva licença autárquica pode ser edificado um imóvel com 34 fogos destinados a habitação e 4 a comércio, está abrangido pela incidência do imposto do selo, considerando, que "a parte destinada a comércio será sempre um complemento da parte habitacional”.

 

35. Não pode, porém, acompanhar-se a posição da Requerida. Com efeito, do texto da norma de incidência não decorre que nela fiquem abrangidos, ou dela sejam excluídos, os terrenos para construção de edifícios destinados a habitação e a outras afectações em função da predominância de uma e de outras, seja esta determinada em função das áreas, do valor atribuído em avaliação ou com base em qualquer outro critério, que a Requerida não especifica.

 

36. Porém, não pode também deixar de se constatar que o texto da norma não se mostra suficientemente esclarecedor sobre qual o respectivo âmbito no que concerne aos terrenos para construção, limitando-se a referir que nele se contêm aqueles "cuja edificação seja para habitação", na condição, porém, que "o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000."

 

37. Haverá, pois, seguindo o comando das normas sobre a interpretação da lei constantes do artigo 9.º do Código Civil, acolhidas, no que diz respeito à lei tributária, no artigo 11.º da LGT, extrair-se do texto da norma da Verba 28.1, no segmento relativo aos terrenos para construção, qual exactamente o seu sentido e alcance. Para tanto, recorrendo-se ao seu elemento literal, importa reconstituir "o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada."

 

38. Como é por demais sabido, a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, introduziu, entre outras, alteração à norma do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e aditou à respectiva Tabela Geral a Verba 28. A referida lei, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, criou, assim, um novo facto tributário: a situação traduzida na "Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial constante da matriz nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000."

 

39. Incidindo sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, o tributo, liquidado à taxa de 1% relativamente a prédios urbanos com afectação habitacional (TGIS Verba 28.1) ou à de 7,5% sobre quaisquer prédios cujos titulares, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em países, territórios ou regiões de fiscalidade privilegiada (TGIS, Verba 28.2).

 

40. Segundo a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n,º 96/XII/2.ª [ii], que se encontra na origem da referida Lei, a tributação em causa " visando a prossecução do interesse público em face da situação económica financeira do Pais, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice  orçamental.

 

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa.

...

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros."

 

41. A posterior discussão do diploma na Assembleia da República veio esclarecer que aquela tributação tinha como objecto os "prédios habitacionais de mais elevado valor", ou seja "propriedades de elevado valor destinadas a habitação" ou, ainda, mais precisamente, segundo as palavras do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, " casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros"[iii].

 

42. Não obstante decorrer, com razoável linearidade, da norma de incidência que esta recaia sobre "prédios urbanos habitacionais", a AT viria a entender que nela se continham também os terrenos para construção, sempre que a edificação neles autorizada, ou prevista, fosse habitação.

 

43. Tal entendimento carecia, de todo, de apoio legal, como viria a ser declarado em inúmeras Decisões Arbitrais [iv] bem como em diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [v].

 

44. A este propósito, destaca-se a detalhada análise da evolução histórica e do enquadramento da norma da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo constante do Acórdão do STA, de 09-04-2014, de que foi relatora a senhora juiz conselheira Isabel Marques da Silva, de que se transcreve:

 

" O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

 

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.


E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

 

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

 

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

 

45. Acompanhando-se a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, entende-se que a nova redacção da verba 28.1, da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que veio alargar o âmbito de incidência objectiva do tributo por forma a nela se incluírem os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação, tem natureza inovatória, dispondo apenas para o futuro. [vi]

 

46. É, pois, ao abrigo da referida norma, em vigor a partir de 01-01-2014, que se operou a liquidação que constitui objecto do presente processo, tendo sido considerado, quer para delimitação do âmbito de incidência da norma quer para efeitos de determinação da base tributável, o VPT atribuído ao imóvel na sequência de reclamação interposta pela ora Requerente, nos termos e ao abrigo do artigo 130.º, n.º 3, al. a) e n.º 8. do CIMI.

 

47. Não foi porém tida em consideração a circunstância que terá motivado a referida reclamação que, como já acima se referiu, consistiu na incorrecção do VPT anteriormente atribuído ao terreno por ter o mesmo sido determinado com base na consideração de que o edifício cuja construção estava autorizada se destinava exclusivamente a habitação.

 

48. Como resulta provado dos elementos juntos aos autos, a edificação autorizada no identificado terreno destina-se a habitação e a comércio. Tal circunstância foi, de resto, considerada na avaliação efectuada na sequência da reclamação da Requerente, tendo ao terreno sido atribuído o VPT total de € 1 356 610,00, resultante do somatório do valor atribuído às áreas das diversas afectações: € 404 086,35, à parte destinada a comércio e € 952 521,16, à parte afecta a habitação.

 

49. Com efeito, e como bem observa a Requerente, o VPT dos terrenos para construção é determinado de acordo com as regras previstas no artigo 45.º do CIMI, das quais se destaca a especial relevância atribuída às diversas afectações autorizadas, ou previstas, para o prédio a construir.

 

50. Neste sentido, dispõe o n.º 1 do citado artigo, " O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação." Por seu lado, esclarecem os n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo, que " O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas." e que " Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º."

 

51. Complementarmente, refira-se, é ainda em função das edificações autorizadas ou previstas que, na avaliação dos terrenos para construção, se aplica o coeficiente de ajustamento de áreas previsto no artigo 40.º-A do mesmo Código.

 

52. Das regras de avaliação referidas resulta, pois, que tratando-se de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, tenha diversas afectações o respectivo VPT é determinado em função da área de construção destinada a cada uma delas. O VPT total é, pois, o resultante do somatório dos valores atribuídos às diferentes áreas, sem prejuízo da regra de arredondamento de valores estabelecida no artigo 38.º, n.º 2, do referido Código.

 

53. Relembra-se que a Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela L ei n.º 83-C/2013, de 31/12, sujeita a tributação os terrenos para construção "cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI".

 

54. Como decorre do elemento histórico da norma de incidência e, designadamente, das circunstâncias políticas, económicas e sociais, que envolveram a sua elaboração, já acima analisadas, a tributação foi circunscrita aos prédios urbanos habitacionais, dela sendo intencional e claramente excluídos os prédios destinados a actividades económicas (comércio, indústria ou serviços).

 

55. Com o alargamento do âmbito de incidência aos terrenos para construção de edifícios não se vê que tenha sido intenção do legislador modificar esse âmbito no sentido de fazer a tributação recair sobre valores correspondentes a prédios a construir que, segundo a respectiva autorização ou previsão, se destinam a ter uma afectação distinta da de habitação, mesmo que esta neles se encontre presente conjuntamente com outras.

 

56. Decorrendo das regras de avaliação dos terrenos para construção que o respectivo VPT corresponde ao somatório dos valores atribuídos às áreas da edificação autorizada (ou prevista) em função da respectiva afectação e resultando da análise da norma de incidência do selo, designadamente da consideração dos elementos histórico e teleológico, que o objecto da mesma se centrou, exclusivamente, nos prédios habitacionais de elevado valor, parece poder concluir-se que, para aquele efeito, releva o valor atribuído à parcela habitacional, com exclusão das parcelas atribuídas às restantes afectações, se as houver.

 

57. Na situação em análise, verifica-se que o valor atribuído em avaliação efectuada nos termos da lei fiscal ao terreno em causa, a parte correspondente à edificação nele autorizada para ser afecta a habitação era, em 31 de dezembro de 2014, de € 952 421,16.

 

58. Consequentemente, se conclui que sendo este valor inferior ao limiar mínimo da incidência do imposto do selo prevista na Verba 28 da TGIS, o terreno identificado nos autos dela se encontra excluído.

 

IV. Questões prejudicadas

 

59. A Requerente suscitou, ainda, a questão da inconstitucionalidade da norma da Verba 28.1 da TGIS, com fundamento em violação dos princípios da igualdade, na vertente da capacidade contributiva. Não sendo acolhido pelo tribunal arbitral o entendimento da aplicabilidade daquela norma ao caso vertente, fica prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 13 566,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918, 00, integralmente a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 18 de Março de 2016

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 



[i] É o que se verifica, por exemplo, na delimitação do âmbito de aplicação das taxas de IMT previstas no artigo 17.º, n.º1, alíneas a) e b), do respectivo Código, em que o legislador deixou claramente expresso que as mesmas são aplicáveis a "prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação"

[ii]  Diário da Assembleia da República, Série A, n.º 3/XII/2, de 21 de Setembro de 2012.

[iii] Diário da Assembleia da República, Série A, n.º 9/XII/2, de 11 de Outubro.

[iv] Cf., referindo-se apenas as mais recentes, Decisões Arbitrais proferidas nos Procs. 12/2015-T, 14/2015-T, 28/2015-T, 54/2015-T, 57/2015-T, 61/2015-T, 78/2015-T, 80/2015-T, 84/2015-T, 86/2015-T, 87/2015-T, 94/2015-T, 111/2015-T, 117/2015-T, 125/2015-T, 130/2015-T, 134/2015-T, 135/2015-T, 143/2015-T, 154/2015-T, 155/2015-T, 156/2015-T, 172/2015-T, 184/2015-T, 185/2015-T, 186/2015-T, 224/2015-T, 229/2015-T, 232/2015-T, 235/2015-T, 266/2015-T, 288/2015-T, 290/2015-T, 367/2015-T.

[v] Cf. STA, Acs. proferidos nos Procs.1870/13, 1871/13, 46/14, 48/14, 55/14, 270/14, 197/14, 271/14, 274/14, 317/14, 467/14, 396/14, 425/14, 676/14, 707/14, 739/14, 740/14, 796/14 e 1338/15.

[vi]  Neste sentido, entre outros Cf. Acs. do STA proferidos nos Procs. 707/14, 739/14, 740/14 e 796/14.