Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A A…, S.A., (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, com sede na…, n.º…, …, …,, apresentou no dia 27 de julho de 2015, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a serem declarados ilegais os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”), referentes ao exercício de 2014, tal como detalhado infra, no valor total de € 48.405,08, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 21 de setembro de 2015.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 6 de outubro de 2015.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IS respeitantes aos dois prédios urbanos mencionados supra, indicando que já tinha recebido e liquidado as notas de liquidação relativas à 1.ª prestação, e, naturalmente, iria proceder ao pagamento das 2.ª e 3.ª prestações assim que fosse notificada para tal.
5. Ainda antes da constituição do tribunal arbitral, a Requerente apensou as notas de liquidação relativas à 2.ª prestação, as quais foram igualmente pagas.
6. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.
7. Posteriormente, no dia 14 de dezembro de 2015, a Requerente juntou, através de requerimento, os atos de liquidação correspondentes à 3.ª prestação de IS, igualmente pagos, tendo em consideração os imóveis referidos supra. A este respeito, o presente tribunal deferiu aquele requerimento, no dia 12 de janeiro de 2016.
8. Por despacho de 14 de fevereiro de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
9. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o final de março de 2016.
10. No âmbito do despacho, solicitou igualmente às partes para apresentar as suas alegações finais. A este respeito, importa salientar que tanto a Requerente como a Requerida optaram por não se pronunciar.
11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
12. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
13. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se, nos casos em que ainda não existe VPT alocado à proporção de um determinado terreno para construção destinada especificamente à habitação, se pode, ainda assim, liquidar IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS e, em caso afirmativo, em que termos.
14. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se os terrenos para construção em causa, não obstante terem edificação autorizada ou prevista para habitação, não são sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, já que é impossível apurar, à data relevante dos factos, o VPT correspondente à parte do referido terreno alocada à habitação, ou, ao invés, são sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, a partir do momento em que têm edificação autorizada ou prevista e esta se destina, ainda que parcialmente e sem uma repartição de VPTs por fim, a habitação.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
15. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é proprietária de dois prédios urbanos, nos termos detalhados infra:
Prédio urbano situado no Lugar da … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/… da freguesia de Paranhos e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo … e com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de
€ 2.857.713,68; e
Prédio urbano situado no Lugar da … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/… da freguesia de Paranhos e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo … e com um VPT de €1.982.794,23.
II. A Requerente, por respeito ao exercício de 2014 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu os atos de liquidação da AT indicados supra, no valor total de
€ 48.405,08, os quais liquidou na íntegra.
III. Os prédios urbanos já possuem uma licença expressa para construção, no âmbito da qual se existe já uma alocação efetiva da área do terreno para construção aos diferentes fins, nomeadamente habitação, comércio, estacionamento, entre outros.
IV. Não existe, por respeito aos prédios supra, qualquer alocação do seu VPT total aos diferentes fins dos mesmos, não sendo, assim, possível, delimitar qual o VPT da área dos prédios destinada à habitação.
16. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
17. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
18. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
19. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
20. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
21. Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei
n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da aludida verba desde 1 de janeiro de 2014, “por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
22. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
23. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.
24. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre evidenciar o exposto no artigo 45.º do Código do IMI.
“Artigo 45º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.
25. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.
26. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
“Artigo 11.º - Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.
27. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º - Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
28. Assim, é no presente quadro jurídico que importa apreciar se os terrenos para construção, que já têm uma edificação autorizada ou prevista para habitação, não obstante ser impossível apurar que parte do VPT corresponde a habitação, são sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
B) Argumentos das partes
29. A Requerente, alegou, em síntese, que as liquidações mencionadas supra são ilegais, havendo um erro quanto aos pressupostos da liquidação, “dado que a AT liquidou IS sobre imóveis que se enquadram, de acordo com a sua espécie nos termos do Código do IMI como «terreno para construção», mas se encontram afetos a habitação, serviços, comércio e a estacionamento coberto quando é certo que a norma de incidência real tipifica como facto gerador, no caso dos mesmos terrenos para construção, a edificação autorizada ou prevista unicamente para habitação, nos termos do Código do IMI”.
30. De acordo com a Requerente há um argumento que vem reforçar o seu entendimento, mormente a vontade do legislador, à data da introdução da Verba n.º 28 da TGIS, “o legislador (…) com a alteração à TGIS pretendeu, num quadro de emergência nacional, tributar os contribuintes titulares de capacidade contributiva acrescida, no caso concreto através da tributação de imóveis de luxo (…) donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista pelo legislador já na sua versão adicional seria, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.
Seguindo este mesmo raciocínio (…) podemos depreender que, e nada tendo sido dito em contrário, também neste caso o legislador apenas pretendeu sujeitar unicamente a imposto (…) as casas cuja construção se encontre aprovada ou prevista nos termos do Código do IMI”.
31. No entanto, considera a Requerente que “não é semelhante tributar um imóvel destinado à habitação com o valor de 1.000.000 Euros, porque a sua configuração é definitiva e representa para o seu titular uma capacidade contributiva acrescida, e um terreno para construção, apesar de a edificação, autorizada ou prevista, seja também para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, que constituindo um bem de investimento suscetível de realizar uma operação imobiliária, configura um imóvel cuja espécie ou natureza é «provisória» constituindo de per se uma mera expectativa jurídica dado que o seu destino natural será a construção de frações cujo VPT será fracionado ou repartido, pelo número de frações que resultem do processo construtivo, mas de valor seguramente inferior a 1.000.000 Euros”.
32. Adicionalmente, a Requerente evoca o princípio da igualdade e da capacidade contributiva o qual “implica igual imposto para os que têm a igual capacidade contributiva, e diferente imposto, para os que dispõem de diferente capacidade contributiva, embora, na medida da diferença.
(…)
Trata-se, aliás, de um elemento relevante do ponto de vista da tributação do rendimento das empresas, que por imposição constitucional, incidirá sobre o seu rendimento real, e não uma mera expectativa jurídica, como se verifica nos presentes autos”.
33. Por último, a Requerente destaca ainda aquele que é, no seu entendimento, um vício de fundamentação. A este respeito, considera a primeira que “analisando as notas de liquidação de IS em causa, conclui-se que a fundamentação nelas contida é inexistente, não permitindo ao contribuinte, ou a um destinatário normal, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT.
(…)
Ou seja, a AT não explica nem fundamenta a liquidação de um imposto que na letra da norma de incidência recai sobre prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação prevista ou aprovada para habitação nos termos do Código do IMI, mas que no caso em apreço está a ser exigido em função da titularidade de «terreno para construção», sem esclarecer nem fundamentar a sua afetação e a razão pela qual as mesmas se encontram sujeitas ao referido imposto.
A AT (…) deveria ter dito e não disse que os terrenos para construção têm edificação prevista ou autorizada para habitação. No caso em apreço ocorria um dever acrescido de fundamentação dado que a liquidação parte de um erro quanto à qualificação do prédio, cabendo, consequentemente, a AT explicar porque razão liquidou IS sobre terrenos para construção com os diversos tipos de afetação autorizadas, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos terrenos para construção cuja edificação autorizada é apenas para habitação nos termos do Código do IMI”.
34. Entende assim a Requerente que o seu pedido deverá ser procedente, dando origem à anulação dos atos de liquidação previamente mencionados.
35. Neste sentido, deverão, de acordo com a primeira, ser devolvidos os montantes previamente pagos, a título de IS, acrescidos de juros indemnizatórios.
36. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:
37. “… A determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos do disposto no art. 38.º do CIMI, atender à afetação dessas mesmas edificações.
E com a alteração da promovida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, à verba 28.1 do C.I.S., passaram a estar expressamente abrangidos por aquela os terrenos «para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI».
Ora, não obstante a Requerente referir (…) que se preveem edificações destinadas a habitação mas também a comércio, serviços e estacionamento, resulta, da respetiva consulta, quer considerando cada um dos lotes objeto de licenciamento per se, quer considerando a globalidade da área bruta dos dois lotes, que é manifestamente predominante a área afeta a zona residencial”.
38. Adicionalmente, quanto a falta de fundamentação levantada pela Requerente, a Requerida considera que “todos os elementos (…) estão expressos nas notas de cobrança para pagamento, inexistindo qualquer procedimento administrativo subjacente a cada ato de liquidação”.
39. Por último, entendeu a Requerida, no que se refere à violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, que “o legislador teve em vista, ao eleger a base de incidência da Verba 28.1 da TGIS, os terrenos em construção com destino único ou predominantemente destinado a fins habitacionais, em obediência ao desiderato político expresso na Proposta de Lei traduzido na justa repartição do esforço fiscal, como acima se referiu.
(…)
Pelo que, ao contrário do alegado pela Requerente, a Verba 28.1 da TGIS não incorre em nenhuma arbitrariedade ou de alguma forma viola o princípio da igualdade em matéria tributária na vertente da capacidade contributiva”.
40. Em suma, a Requerida solicita que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida seja julgado improcedente, absolvendo-se, dessa forma, a mesma do pedido.
C) Apreciação do tribunal
41. A título preliminar, refira-se que, aos olhos do Tribunal Arbitral, a questão decidenda
prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeito da aplicação da aludida verba, qual o tratamento a conferir aos terrenos para construção, quando os mesmos têm uma autorização expressa ou prevista para vários fins, nomeadamente o habitacional, e ainda não existe, para o efeito, um VPT alocado às áreas destinadas a cada um dos aludidos fins.
42. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se os terrenos para construção em causa, não obstante terem edificação autorizada ou prevista para habitação, não são sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, já que é impossível apurar, à data relevante dos factos, o VPT correspondente à parte do referido terreno alocada à habitação, ou, ao invés, são sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, a partir do momento em que têm edificação autorizada ou prevista e esta se destina, ainda que parcialmente e sem uma repartição de VPTs por fim, a habitação.
43. Ora, no caso em concreto, encontramos duas liquidações de IS respeitantes a terrenos para construção que possuem uma autorização expressa para construção, estando previsto que a sua área seja destinada a habitação, a comércio e serviços e ainda a parqueamento.
44. Neste sentido, já existe um VPT total definido, por respeito a cada um daqueles prédios urbanos, não havendo, contudo, um VPT atribuído a cada um dos fins para os quais o mesmo tem licença para construção, designadamente um VPT para a área destinada à habitação, um VPT para a área destinada a comércio e serviços e um VPT para a área destinada a parqueamento.
45. E, assim sendo, é desconhecido o VPT sobre o qual deverá incidir a verba 28.1 da TGIS, a qual refere que são sujeitos a IS, à taxa de 1%, os prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000.
46. Isto porque, no entendimento do presente tribunal, a referida norma estabelece que, nos casos em que determinado terreno para construção tenha edificação autorizada (que é a situação em crise) para habitação, é devido IS, mediante a verificação dos restantes requisitos (VPT superior a € 1.000.000).
47. Todavia, como fazer, nos casos em que o terreno para construção tem uma edificação autorizada para vários fins, para além do habitacional?
48. Não poderá certamente olvidar-se o princípio da tipicidade, que, aplicado ao direito fiscal, pressupõe que todos os impostos, bem como o seu campo de incidência, se encontrem plasmados na lei, tal como decorre da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
49. No hipotético cenário dos terrenos para construção referidos supra, possuírem, à data da ocorrência do facto tributário, um VPT decomposto por fim a que sua edificação respeitaria, entende o presente tribunal que, tendo em consideração a vontade do legislador, poder-se-ia eventualmente aferir a sujeição do referido prédio a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
50. Com efeito, seria possível validar qual o VPT respeitante àquele fim e apurar se o mesmo era igual ou superior a € 1.000.000.
51. Contudo, este não é o enquadramento da situação ora dissecada.
52. De facto, à data dos factos relevantes, os terrenos para construção em causa tinham uma autorização expressa para a edificação, na qual se previa a área concedida aos diferentes fins aos quais os mesmos se destinariam.
53. Todavia, os VPTs das áreas (dividas por fim específico) não se encontravam quantificados, e, nesse sentido, não poderá acolher-se o argumento vertido pela Requerida, no qual defendeu que “quer considerando cada um dos lotes objeto de licenciamento per se, quer considerando a globalidade da área bruta dos dois lotes, que é manifestamente predominante a área afeta da zona residencial”.
54. Isto porque, com base no que anteriormente se disse sobre o princípio da tipicidade, não pode a AT imiscuir-se nas matérias sobre as quais o legislador optou por não legislar, tendo, naturalmente, que estar vinculada à legalidade tributária (que impõe nomeadamente que os impostos se encontrem legal e expressamente delimitados).
55. A AT entende que “a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizada ou previstas, para o que se deve (…) atender à afetação dessas mesmas edificações”.
56. Considerando que, “contrariamente ao pretendido pela Requerente, o alvará de licenciamento dos prédios em causa confirma outrossim que as edificações a construir serão prevalentemente destinadas a residências, pelo que se subsumem cabalmente a definição de terreno para construção para efeito da verba …”.
57. Diversamente, o presente tribunal entende que não poderá seguir-se um critério que não se encontra legalmente previsto, para a sujeição, ou não, de determinado terreno para construção a IS, nos termos que decorrem da Verba n.º 28 da TGIS, que, no caso em concreto, passa por uma análise indireta e presuntiva por parte da AT.
58. Em paralelo, e apesar de não ser expressamente referido pela Requerida, estabeleça-se, desde já, que uma alocação proporcional do VPT global do terreno para construção em função da área respeitante a cada um dos fins de utilização (comércio, habitação, entre outros), com vista a apurar o VPT do terreno que respeita à edificação para habitação, não deverá também ser aceite.
59. De facto, não havendo um critério legalmente definido que preveja tal alocação, é manifestamente ilegal tal assunção, por força do que decorre do artigo 103.º da CRP, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.
60. Mais se diga, que a AT, ao procurar interpretar desajustadamente uma norma que o legislador português não pretendeu desenvolver, procurando dessa forma, e ainda que involuntariamente, “legislar”, encontra-se a violar a CRP, que definiu que tal competência pertence, de forma exclusiva, à Assembleia da República Portuguesa (vide artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).
61. Situação diferente seria o caso em que um determinado terreno para construção já tinha definido um VPT específico para a área que seria destinada à edificação de habitação, uma vez que, como previamente se disse, com esse enquadramento seria possível aferir se
encontravam-se preenchidos os pressupostos necessários para a aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nomeadamente se o referido VPT era igual ou superior a € 1.000.000.
62. Não obstante, essa não é o enquadramento que cumpre ao presente tribunal apreciar.
63. Em concreto, a Requerente recebeu as liquidações mencionadas supra, por respeito a dois terrenos para construção, os quais, apesar de terem uma licença para construção, não possuíam, à data, uma delimitação da parte do seu VPT que respeitaria à edificação habitacional.
64. Neste contexto, e não sendo possível, dessa forma, apurar o montante correspondente ao VPT específico da parte que, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, seria eventualmente sujeita a IS, não poderá ser consequentemente aceite o entendimento vertido pela AT.
65. Tendo em conta o exposto supra, o presente tribunal considera que não é necessário debruçar-se sobre os restantes argumentos vertidos pela Requerente, já que se encontram reunidas as condições para proferir a decisão arbitral.
66. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os prédios em crise, não podem, à data dos factos, ser sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.
V. Decisão
67. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular os atos de liquidação de IS mencionados supra, por referência a 2014, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 48.405,08, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;
B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga, desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até o integral reembolso do montante referido; e
C) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
68. Fixa-se o valor do processo em € 48.405,08, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
69. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 30 de março de 2016
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)