Processo 466/2015-T
Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 06 de outubro de 2015, decide nos termos que se seguem:
I. RELATÓRIO
1. No dia 23.07.2015, o contribuinte A…, NIF…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07.08.2015.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 21.09.2015.
4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído no dia 06.10.2015, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
5. No presente processo, pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2012…, referente ao ano de 2012, bem como do indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o referido ato de liquidação.
6. Em concreto, a referida liquidação de imposto do selo incidiu sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de um terreno para construção, sito no concelho de Sintra, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo…, de que o Requerente é proprietário.
7. Ao referido terreno para construção foi fixado um VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), em vigor no ano de 2012, ao qual se refere a liquidação.
8. No entendimento do Requerente, um terreno para construção não deve ser considerado um “prédio com afetação habitacional” para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo na redação que se encontrava em vigor em 2012.
9. É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o atos de liquidação objeto da presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, na redação em vigor à data em que ocorreu o facto gerador do imposto.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. MATÉRIA DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
III.1. Factos provados
a. O Requerente é proprietário do prédio urbano descrito como “terreno para construção” sito no concelho de Sintra e inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo… .
b. O valor patrimonial tributário do prédio referido em a. é de € 1.680.810,00.
c. Com referência ao prédio indicado em a. e ao exercício de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou o valor total de € 8.404,05 a título de imposto do selo calculado nos termos da verba 28.1 da TGIS.
d. O Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação de imposto do selo em causa.
e. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 09.01.2014.
f. O Requerente apresentou recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa a 19.02.2014.
g. O Requerente foi notificado do indeferimento do recurso hierárquico em 28.04.2015.
h. No dia 23.07.2015, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral.
III.2. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
IV. THEMA DECIDENDUM
A questão a decidir no presente processo resume-se a saber se, na redação da verba 28.1 da TGIS que estava em vigor no ano de 2012, se devem considerar abrangidos pela norma de incidência os terrenos para construção.
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A verba 28 da TGIS em vigor à data dos factos previa o seguinte:
28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
No entendimento da Requerente, os terrenos para construção não podem considerar-se, para efeitos de sujeição a IS nos termos da verba 28.1 da TGIS, como prédios com afetação habitacional.
Em sentido contrário, alega a Requerida que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, não padecendo o ato impugnado de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
A verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, utilizou um conceito inovador - o de prédio com afetação habitacional - que não encontra assento na legislação tributária, nomeadamente no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), que consubstancia a legislação subsidiária para efeitos de liquidação do imposto (cf. artigos 23.º, n.º 7, 46.º e 67.º do Código do Imposto do Selo).
Nos termos do artigo 2.º do CIMI, “prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico.”
Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3.º), urbanos (artigo 4.º) ou mistos (artigo 5.º), subdividindo-se os prédios urbanos em 4 espécies: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6.º).
O número 3 do artigo 6.º do CIMI esclarece que se consideram terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.”
Conjugados os indicados preceitos, verifica-se não existir, em nenhuma das indicadas normas, qualquer referência a prédio com afetação habitacional.
Pelo que, para se determinar o que seja um prédio com afetação habitacional terá de ser feito um exercício de interpretação, recorrendo às regras gerais de hermenêutica jurídica constantes do artigo 9.º do Código Civil.
Esta questão foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da arbitragem tributária (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 51/2013-T, 144/2013-T, 2/2015-T, 54/2015-T e 84/2015-T entre outros[1]), como pelos sucessivos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciaram, reiteradamente e de forma uniforme, sobre a questão decidenda (cf. Ac. STA de 22/04/2015, proferido no processo 347/15, e toda a jurisprudência aí citada, e Ac. STA de 29/04/2015, proferido no processo 21/15, Ac. STA de 8/7/2015 proferido no processo 573/15 entre outros[2]), não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, em que se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, previstos na verba n.º 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55/2012, de 29 de Outubro, como prédios (urbanos) com afetação habitacional.
Efetivamente, a expressão afetação habitacional não pode ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos com efetiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.
Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem per si qualquer condição para serem considerados prédios com afetação habitacional, uma vez que não possuem licença de utilização para habitação e, por outro lado, não são, pela sua própria natureza, habitáveis.
Com efeito, a afetação habitacional que refere o CIMI surge sempre associada a “edifícios” ou “construções” existentes, autorizados ou previstos, porque apenas estes podem ser habitados, o que não acontece, naturalmente, com os terrenos para construção. Ou, dito de outro modo, os terrenos para construção não são suscetíveis de ser utilizados para habitação.
O facto de na determinação do VPT dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se levar em conta a afetação que será para ele autorizada ou prevista para determinação do respetivo valor da área de implantação (cf. art.º 45.º, n.º 1 e 2 do CIMI) não transforma os terrenos para construção em prédios com afetação habitacional.
Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que os terrenos para construção não estão abrangidos pelo conceito de prédio (urbano) com afetação habitacional constante da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pelo que, não havendo fundamento legal para o ato de liquidação em causa no presente processo, impõe-se a sua anulação tout court.
VI. DECISÃO
Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de imposto do selo impugnada, com todas as consequências legais, bem como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferida através de despacho da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT de 27.03.2015.
Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 8.404,05.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a suportar integralmente pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 10 de março de 2016
A Árbitro,
Raquel Franco
[1] Todos disponíveis na base de dados do CAAD (www.caad.org).
[2] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.