DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A Requerente A… – …, S.A. (Requerente), contribuinte n.º … na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário B… – …, contribuinte n.º …, com sede na Avenida …, …, em Lisboa, apresentou em 20/11/2015, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto sobre a Transmissão de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo, no valor total de € 4.384,19 (quatro mil e trezentos e oitenta e quatro euros e dezanove cêntimos) a um imóvel de que é proprietário.
1.2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 21/12/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.
1.3. No dia 01/02/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 01/02/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 03/03/2016 a AT apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, na qual solicitou, ainda, a dispensa de junção do processo administrativo.
1.6. Em 03/03/2016 o tribunal arbitral convidou a Requerente a apresentar resposta relativamente à excepção de incompetência do tribunal arbitral invocada pela AT.
1.7. Em 15/03/2016 a Requerente apresentou resposta à excepção de incompetência do tribunal arbitral.
1.8. Em 16/03/2016 o tribunal arbitral decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.
1.9. Em 12/04/2016 a AT apresentou alegações escritas.
1.10. A Requerente não apresentou alegações escritas.
1.11. Em 21/04/2016, a AT solicitou a junção aos autos de uma decisão arbitral, na qual se conclui que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo objecto do respectivo pedido de pronúncia arbitral não enfermam de qualquer ilegalidade, pelo que deverá ser considerada prejudicada a análise da alegada retroactividade do regime previsto pelo artigo 236.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 e, bem assim, a análise da questão de serem nulas ou anuláveis as liquidações em crise.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta (e nas alegações escritas subsequentes).
Para fundamentar o seu pedido a Requerente alega que as liquidações objecto desta petição são ilegais pois entende ser inconstitucional, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.
Entende, ainda, a Requerente que as liquidações impugnadas são nulas ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo
(CPA) porquanto ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, e como tal, são impugnáveis a todo o tempo.
Doutro modo, a AT, defendendo-se por excepção e por impugnação, sustenta que o pedido de declaração de nulidade das liquidações controvertidas deverá ser julgado improcedente.
Por excepção, defende a AT que o tribunal arbitral não tem competência para aferir ou declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Acrescenta, ainda, a AT que a competência para a fiscalização abstrata da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional, pelo que o tribunal arbitral é incompetente para efectuar uma fiscalização abstrata quer da legalidade, quer da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Por impugnação defende-se a AT invocando que no ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos actos é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade, incluindo para os praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a pronunciar-se nesse mesmo sentido.
Mais refere a AT que a declaração de nulidade aparece reservada aqueles actos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, contendendo com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso nos autos.
Nesta medida, os actos em apreço, sendo, sem que em tal se conceda, violadores do princípio da legalidade tributária, seriam, assim, anuláveis, mas não nulos.
Por outro lado, sustenta a AT que a lei em questão não é ferida de retroactividade, não tendo estabelecido nenhum novo requisito para aplicação da isenção prevista no regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), mas apenas tendo concedido um prazo para cumprimento de um requisito já subjacente ao próprio regime, prazo esse que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.
Não se trata, pois, de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas, regular o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido.
Em face do exposto, entende a AT que a norma em apreço não é inconstitucional, devendo ser declarada improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.
4. QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos as questões a decidir são:
a) Conhecer da excepção de incompetência do tribunal arbitral;
b) Determinar-se a ilegalidade, ou não, das liquidações de IMT e IS efectuadas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014).
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
5.1.1. O fundo de investimento imobiliário B… – ... era, à data das liquidações em apreço, proprietário do prédio inscrito na União das Freguesias de …, … e …, sob o artigo matricial n.º …;
5.1.2. O prédio em causa foi adquirido em 2014, beneficiando da isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), e foi alienado em 02/09/2015;
5.1.3. Em conformidade com o mencionado no pedido de pronúncia arbitral e na resposta dada pela AT, foi efectuada a liquidação de IMT, n.º …, no valor de € 3.128,97 (três mil cento e vinte e oito euros e noventa e sete dois cêntimos) e a liquidação de Imposto do Selo, n.º …, no valor de € 1.255,22 (mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), as quais foram pagas;
5.1.4. Estas liquidações foram feitas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014).
5.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
6. O DIREITO
6.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Previamente à apreciação do mérito da causa cumpre, antes de mais, conhecer da excepção de incompetência do tribunal arbitral invocada pela AT.
Conforme anteriormente referido, defende-se AT por excepção invocando que, alegando a Requerente a inconstitucionalidade da norma aplicada nas liquidações em apreço, o tribunal arbitral não é competente para decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas.
Ora, o tribunal arbitral não irá obviamente declarar a (in)constitucionalidade da norma em causa, mas tão somente pronunciar-se quanto à sua aplicação concreta aos factos concretos, avaliando a legalidade ou não dessa aplicação, pelo que o tribunal arbitral é materialmente competente.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.
6.2. DA (I)LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IMT E DE IMPOSTO DO SELO
Cumpre, então, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IMT e de Imposto do Selo em apreço.
Como é sabido, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 Dezembro aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH).
Ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 8.º, ficavam isentos de IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
Já a Lei do Orçamento do Estado para 2014 veio alterar o referido artigo 8.º, nos seguintes termos:
“14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.” [sublinhado nosso].
Conforme referido anteriormente, o imóvel em apreço foi adquirido pelo fundo de investimento imobiliário B… – … em 2014, beneficiando de isenção de IMT ao abrigo da alínea a), do n.º 7, do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH).
Esta norma obriga a que o imóvel seja destinado ao arrendamento para habitação permanente para que possa beneficiar da referida isenção.
Nesta medida, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, mas sim um requisito regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) ab initio, aliás, decorrência natural dos objectivos e motivações que presidiram à criação destes fundos.
O Orçamento do Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer um novo requisito para a isenção: caso a afectação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo deverá requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado.
Contudo, não foi este o caso em apreço, ao contrário do que parece decorrer da argumentação da Requerente, senão vejamos.
As liquidações de IMT e de Imposto do Selo em causa não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido afectação a arrendamento para habitação permanente. Como decorre, de resto, da documentação junta ao processo o imóvel apenas esteve no fundo por alguns meses.
De facto, as liquidações em apreço, conforme decorre das notas de liquidação juntas ao processo, basearam-se no facto de ter sido dado aos imóveis “destino diferente daquele em que assentou o benefício”.
Assim sendo, entendemos que não está em causa a retroactividade, ou não, da norma aplicada, o que seria o caso, se, a título de exemplo, o imóvel estivesse por um período de 3 anos no fundo sem que ainda tivesse sido afectado ao arrendamento para habitação permanente e, por esse facto, tivesse havido liquidação de IMT.
Ora, no caso em apreço não é disso que se trata.
O prédio em causa foi alienado sem que tenha cumprido o seu destino – afectação ao arrendamento habitacional permanente. Não se trata, pois, de uma questão de prazo. Alienado que seja o prédio, esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável.
Para cumprimento do disposto na alínea a), do n.º 7, do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel mas antes uma efectiva afectação ao arrendamento para habitação permanente.
Ora, a Requerente não comprova de forma alguma neste processo o preenchimento desse requisito.
Entendemos, assim, que não está em causa a retroactividade, ou não, da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas da Requerente ou agravamento da sua posição fiscal.
O racional para atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início – “as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento (…)”.
Por todo o exposto, entendemos que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo em apreço são legais ao abrigo da alínea a), do n.º 7, do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH).
Em conclusão, entendemos que não está em causa a retroactividade, ou não, da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas da Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos, assim, que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo em apreço são legais.
7. DECISÃO
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.
8. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 4.384,19 (quatro mil e trezentos e oitenta e quatro euros e dezanove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
9. CUSTAS
Custas a suportar pela Requerente, no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 22 de Abril de 2016
O árbitro,
(Hélder Filipe Faustino)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.