CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 659/2015-T
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, LDA., pessoa colectiva…, com sede na Avenida…, n.º…, em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2014, no valor de €23.553,73.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 6.11.2015 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 2.02.2016.
A AT respondeu, defendendo a extinção da instância arbitral, face à verificação da extemporaneidade do pedido e da incompetência do tribunal ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido.
Em face do teor da matéria contida nos autos, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações escritas facultativas.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, sendo que serão apreciadas prioritariamente as excepções invocadas pela Requerida.
II. MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade civil, sob a forma de sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, que tem por objecto comprar e possuir prédios urbanos para, em princípio, satisfazer as necessidades de habitação dos sócios e praticar todos os actos concernentes ao exercício do seu direito de propriedade;
B) A Requerente é dona e legitima proprietária do prédio urbano, sito na Avenida…, n.º…, em Lisboa, inscrito na freguesia de … sob o artigo matricial n.º … (antiga freguesia de…), constituído por 20 andares com utilização independente;
C) Até 24 de Abril de 2015, o prédio referido acima encontrava-se em propriedade vertical, sendo constituído por 20 apartamentos destinados a habitação e susceptíveis de utilização independente;
D) A AT emitiu, relativamente ao prédio identificado, as seguintes liquidações de IS, com base na verba 28.1, à taxa de 1%, quanto ao ano de 2014:
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.389,86
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.113,97
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.236,58
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.113,97
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.236,58
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.120,11
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.236,58
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.113,97
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.236,58
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.120,11
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.2424,71
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.1120,11
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.242,71
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.242,71
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.172,64
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.097,29
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.120,11
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.172,64
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.097,29
· Acto de liquidação n.º…, de 20.03.2015, no valor de €1.120,11
E) O valor total do acto de liquidação de IS relativo ao ano 2014 soma a quantia de €23.553,73;
F) A Requerente pagou a 1.º e a 2.º prestação de IS, até à data da apresentação da petição arbitral.
Não existem factos com relevo para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. MATÉRIA DE DIREITO
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber qual é o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente aos prédios urbanos habitacionais constituídos em regime de propriedade vertical, que integrem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
A – DA POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
1. O prazo para contestar o acto de liquidação de IS deverá ser contado a partir do termo do prazo de pagamento do imposto nele apurado, que sendo este pago em mais do que uma prestação, apenas com o termo da última daquelas é que se poderá iniciar a contagem do prazo referido no artigo 102.º, n.º 1 a) do CPPT;
2. Da análise à Lei n.º 55-A/2012 que introduz a verba 28 da TGIS, resulta clara a ratio legis subjacente, sendo evidente que se tem em vista, apenas e só, a taxação de bens de elevado valor, de manifestações de riqueza, de bens de luxo, que por um princípio de equidade social e justiça fiscal aprove ao legislador implementar;
3. Embora o simples somatório do Valor Patrimonial Tributário (VPT) de cada uma das “fracções” ascenda a mais de €1.000.000, não é essa a unidade económica funcional visada na nova verba 28 da TGIS;
4. A AT considerou erroneamente, para o cálculo da liquidação do imposto, o VPT global do prédio propriedade da Requerente;
5. Para efeitos de determinação do VPT, e tendo em conta do disposto no artigo 38.º do código do IMI, resulta evidente que esse cálculo é feito para cada andar ou parte de (e não do) prédio susceptível de utilização independente.
Por sua vez, a Requerida alega o seguinte:
1. Por excepção: o presente pedido de pronúncia arbitral é, manifestamente, extemporâneo, pois, a liquidação do imposto, é de 20.03.2015, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em Abril de 2015;
2. Sendo o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário, o pedido arbitral apresentado em 28.10.2015 é manifestamente extemporâneo;
3. O pedido é, também, extemporâneo, uma vez que o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações;
4. Não tendo a Requerente, como lhe competia, feito a prova de ter procedido ao pagamento da 1.ª prestação do imposto, cuja data terminou a 30.04.2015, o mesmo é dizer que, nessa mesma data, se terão vencido as 2.ª e 3.ª prestações do imposto.
5. O acto objecto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal arbitral, pois, o objecto do processo é a anulação não de um acto tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de um imposto;
6. Não tendo a Requerente questionado a liquidação do imposto quando foi oportunamente notificada da mesma, para pagamento da 1.ª prestação do imposto, não pode vir mais tarde, quando recebe a 2.ª nota de cobrança, e ultrapassados que estão o respectivo prazo e competência do tribunal arbitral, vir a questionar aquela liquidação, que assim se converteu em definitiva.
7. Por impugnação: o Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do Código do IMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, constante do artigo … da matriz predial urbana da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», com 20 andares susceptíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário (VP) superior a €1.000.000,00;
8. Com referência ao ano de 2014, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do IMI, com VP igual ou superior a €1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afectação habilitacional, procedeu a AT à liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
9. Para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do artigo 2.º do Código do IMI;
10. A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações;
11. Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente, pois, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados;
12. A norma sindicada, i.e., a verba 28 da TGIS, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade;
B – DAS EXCEPÇÕES INVOCADAS
Na resposta apresentada, vem a AT defender-se por excepção que, caso se verifique, conduz à absolvição da instância. Vejamos, então, se a Requerida deve ser absolvida da instância.
a) Da Extemporaneidade do pedido
A petição arbitral apresentada tem por objecto o acto de liquidação de IS relativo ao ano 2014, cuja cobrança é efectuada em 3 prestações.
De acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 7 do Código do IS, “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela, Geral, o imposto é liquidado anualmente,(…), aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”
Daqui decorre que sendo o imposto liquidado anualmente, existe apenas um acto de liquidação anual, embora tal acto possa ser dividido em várias prestações para efeito de arrecadação de receitas (Vide Acórdão do CAAD, proferido no processo n.º 726/2014).
Tal como já foi esclarecido em várias decisões do CAAD (Vide decisão proferida no âmbito do processo n.º 205/2013 e 726/2014), “Da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações, não estando o sujeito passivo impedido de impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas.”
De facto, o acto objecto do presente processo arbitral é o acto de liquidação de IS, no seu todo, e não os documentos de cobrança, sendo certo que o prazo para a apresentação da petição arbitral tem início no termo do prazo do pagamento voluntário, de qualquer uma das prestações, caso não seja efectuado o pagamento ou no termo do prazo de pagamento voluntário da última prestação de IS (Vide artigos 23.º, n.º 7 do Código do IS, artigo 120.º, n.º 3 e 4 do Código do IMI, artigo 10.º, n.º 1 a) do RJAT e artigo 102.º n.º 1 a) do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Tendo em conta que, contrariamente ao que se estranha ser alegado pela Requerida em 9.º da sua Resposta, a Requerente efectuou o pagamento da 1.º e da 2.º prestação de IS antes de apresentar a petição arbitral sub judice (vide o Processo Administrativo junto aos autos pela AT e o documento n.º 21 junto pela Requerente com a petição arbitral), considera-se tempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.
b) Da Incompetência do Tribunal Arbitral
A apreciação da excepção de inimpugnabilidade do acto invocada pela Requerida tem de ser analisada na dependência da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de IS ou se, ao invés disso, se limita a impugnar cada uma das prestações do IS de per si.
Ora, como resulta, claro, do alegado pela Requerente em 7.º, 11.º a 18.º e do pedido formulado, a Requerente impugna o acto de liquidação de IS, no seu todo, e não como defende a Requerida o pagamento de uma prestação tributária.
Tem sido entendido que nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação (Vide Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt).
A este respeito, elucida o ilustre Professor José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 3ª Edição, Almedina, 2005, o seguinte:
“A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”.
Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar (vide o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IS).
No mesmo sentido, dispõe ainda o n.º 5 do artigo 44.º do Código do IS que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.
Ou seja, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, atento o seu quantitativo – cfr. al. c), n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.
Da conjugação das disposições legais supra citadas retira-se que o IS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, tal como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em http://www.caad.org.pt citada pela AT.
Desta feita, cada acto de liquidação de IS é só um acto lesivo, susceptível de ser impugnado.
Considerando que os actos de liquidação de IS subjacentes aos documentos de cobrança, objecto da presente petição arbitral, poderão ser impugnados aquando da sua emissão e notificação para pagamento de cada uma das prestações tributárias de IS, isto é, no momento em que se verifica o facto tributário, entende-se que o Tribunal é competente para apreciar a pretensão da Requerente que se consubstancia na declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IS já identificados, concluindo-se pela improcedência da excepção suscitada pela AT relativa à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral em razão da matéria.
C – DO PEDIDO
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IS sub judice é ou não ilegal será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada da verba 28 e 28.1. da TGIS, nomeadamente saber se o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal?
Vejamos o que deve ser entendido.
Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os princípios gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial.
A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.
A taxa especial de IS sobre os prédios de valor superior a €1.000.000,00, também conhecida como “taxa de luxo”, visou garantir a repartição dos sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.
Nestas circunstâncias, fixou a verba 28 e 28.1, a incidência de IS nos seguintes termos:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”
Resulta, portanto, da letra da lei que a taxa prevista na verba 28.1 é aplicável ao direito de propriedade sobre prédio com afectação habitacional, cujo VPT utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.
De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”
Por sua vez, o Código do IMI determina no seu artigo 2.º, o seguinte:
Conceito de prédio
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido na Lei, é claro que os prédios constituídos em propriedade vertical constituem prédios, para efeitos da verba 28 da TGIS.
Na medida em que o prédio em análise (doravante Prédio) constitui um prédio, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do IMI, este encontra-se literalmente abrangido pela verba 28 e 28.1.
Na verdade, a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical, limitando-se o n.º 4 do artigo 2.º a estabelecer que no regime da propriedade horizontal cada fracção autónoma é havida como prédio.
Do referido no n.º 4 do artigo 2.º não resulta, contrariamente ao defendido pela Requerida na resposta apresentada, que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.
Não obstante, a taxa especial de IS fixada na verba em questão apenas se aplica caso o Prédio constitua um prédio habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000.
Uma vez que o Código do IS não estabelece o que se entende por “habitacional”, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do referido Código, são, também, aqui aplicáveis as regras previstas no Código do IMI, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 6.º e o artigo 41.º desse Código.
Da análise das referidas regras, resulta, também, claro que, o Prédio está abrangido pela verba 28.1, enquanto prédio urbano com afectação habitacional.
Resta, portanto, averiguar se o VPT constante da matriz do Prédio, nos termos do Código IMI, é igual ou superior a €1.000.000.
Ora, conforme decorre da letra da Lei, o VPT do Prédio será aquele que for utilizado para efeito de IMI.
A este propósito, determina-se no n.º 1 do artigo 7.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do IS, que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos presente Código.”.
Por sua vez nos n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI, estabelecem-se as regras para a determinação do VPT dos prédios com duas ou mais classificações.
Uma vez que a taxa prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS apenas se aplica a prédios de afectação habitacional, as regras estabelecidas no n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI não são aplicáveis à determinação do VPT relevante no âmbito da referida verba.
Na verdade, o VPT dos prédios de afectação habitacional, previstos na verba 28 e 28.1., tem de ser determinado tendo em conta o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, segundo o qual:
“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”
Assim, tendo em conta que o legislador não atribui qualquer relevância ao facto do prédio estar constituído em regime de propriedade vertical, o VPT deve ser imputado a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.
De facto, não se encontra no Código do IMI nenhuma norma que permita concluir no sentido de que o VPT de prédio em regime de propriedade vertical deve ser obtido pela soma dos VPT que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem (Vide, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no Processo 50/2013-T, 131/2013-T, 177/2014-T, 396/2014-T).
Tendo em conta que as normas de incidência estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (Cfr. Artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 8.º da LGT), parece inexistir base legal à liquidação de IS com base na soma dos VPT de cada uma das partes do Prédio.
De facto, a AT não pode realizar uma operação de liquidação com base numa norma de incidência, que não prevê expressamente a base de incidência do imposto nos termos liquidados, pois, que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. 7648/14, de 10.07.2014).
Entende-se, assim, que não existe base legal que permita à AT adicionar os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de €1.000.000,00, previsto na verba 28 da TGIS.
Em face do exposto, não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente, valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00, não há lugar a incidência da taxa prevista na verba 28 da TGIS.
Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios da Requerente relativamente às prestações de IS já pagas, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
Tendo em conta o valor indicado do processo pela Requerente e do acto de liquidação sub judice, corrige-se o pedido de reembolso formulado pela Requerente de €47.107,46 para €23.553,73, considerando-se tratar-se de mero lapso de escrita.
IV. DECISÂO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IS referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das …sob o n.º…, relativo ao ano 2014;
B) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao Requerente o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;
C) Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €23.553,73.
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Março de 2016
A Árbitro,
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)