Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 647/2015-T
Data da decisão: 2023-04-28  Selo  
Valor do pedido: € 10.326,73
Tema: Imposto do Selo. Propriedade vertical. Verba 28.1., da TGIS – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 10 de março de 2016.
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SUMÁRIO:

 

“Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. A decisão arbitral proferida em 10 de março de 2016 no âmbito do processo acima referenciado, que se dá por integralmente reproduzida, não conheceu do pedido de anulação das primeiras e segundas prestações das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2014 e às diversas divisões de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano ali identificado, por ter concluído pela verificação da exceção dilatória da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, de conhecimento oficioso.

 

  1. Da referida decisão arbitral, viria a Requerente a interpor impugnação junto do Tribunal Central Administrativo Sul, dando origem ao processo n.º 09511/16.5 BCLSB, em que, de entre os fundamentos aduzidos, invocou o de ter sido “seriamente prejudicada” pelo facto de, no convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido de esclarecer por qual dos pedidos – principal ou subsidiário, incompatíveis entre si – pretendia que a ação prosseguisse, o Tribunal Arbitral não ter comunicado a intenção de conhecer oficiosamente da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, caso em que sempre teria optado por impugnar a totalidade dos atos de liquidação.

 

  1. Por Acórdão proferido em 27 de outubro de 2022 no processo de Impugnação n.º 09511/116.5 BCLSB, decidiu o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul pela anulação da decisão arbitral impugnada, com fundamento em violação do princípio do contraditório, conforme o excerto que se transcreve:

 

Compulsados os autos, constata-se que por despacho de 11/02/2016 da Mma. Juiz-Árbitro, foi a impugnante ouvida nos seguintes termos (…)

 

(…)

 

Ora, na verdade é que, na contestação, a Requerida, aqui impugnada, não suscitou a questão da inimpugnabilidade dos actos impugnados, tendo-se limitado a exprimir a sua posição, alicerçada em argumentos e razões, sobre as questões de mérito colocadas no pedido de pronúncia arbitral. Tanto assim, que conclui por pedir a absolvição do pedido e não da instância (art.º 89/2 do CPTA).

 

Por outro lado, ainda que a Requerente tenha, em resposta ao despacho acima referido, expressamente optado pelo prosseguimento dos autos com relação ao pedido subsidiário – lembrando-se que o pedido principal era anulatório dos “actos tributários respeitantes à segunda prestação do ano de 2014 …” e o pedido subsidiário, para valer “caso V. Exa. entenda que o imposto de selo só pode ser impugnado na sua globalidade”, o de “procedência da impugnação de todos os actos tributários de liquidação do ano de 2014 respeitantes ao prédio supra identificado” – a verdade é que tal não permite supor objetivamente que tenha apreendido a posição do TAS quanto à impugnabilidade, ou não, das prestações de imposto de selo e que esse era o tema do contraditório facultado.

 

Com efeito, os actos judiciais, como as sentenças e os despachos judiciais, seguem as regras de interpretação e integração previstas nas disposições conjugadas dos artigos 236.º e 295.º do Código Civil, o que obriga o tribunal a expressar-se de modo claro e objetivo, de modo a não defraudar a expectativa que o interessado possa ter legitimamente acalentado, em vista do teor do acto judicial, quanto à decisão a proferir.

 

Quando tal não suceda, estamos perante uma decisão surpresa (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), que não se compagina com o princípio do contraditório, estruturante do processo civil e tributário e que o Tribunal Arbitral deve especialmente observar na condução do processo (artigos 16.º al. a) e 29, n.º 1, do RJAT), o que não se verificou no caso em apreço.

 

Procede este fundamento da impugnação.”.

 

Termos em que o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu da anulação da decisão arbitral impugnada, ordenando a remessa dos autos ao CAAD “para cumprimento da formalidade omitida”.

 

  1.  Reabertos os presentes autos em 19 de dezembro de 2022, foi no dia 21 do mesmo mês proferido despacho arbitral notificando as Partes para, no prazo de 15 (quinze) dias se pronunciarem, querendo, sobre a intenção do tribunal arbitral em conhecer oficiosamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) da exceção dilatória de “inimpugnabilidade do ato impugnado”, por referência à impugnação autónoma das prestações em que se subdividiram as liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) do ano de 2014, identificadas no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1.  Em 4 de janeiro de 2023, deu entrada nos autos um requerimento da Requerente, no qual são formulados, em complemento do pedido anterior, o pedido de anulação da terceira prestação, bem como o pedido subsidiário de anulação integral das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, para pagamento de cuja terceira prestação foi notificada em novembro de 2015, referentes aos diversos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., conforme as notas de cobrança nele identificadas, no valor total de € 15 582,56:

 

  • € 825,88 referente ao primeiro andar (n.º 2015...);
  • € 825,88 referente ao segundo andar (n.º 2015...);
  • € 850,64 referente ao terceiro andar (n.º 2015...);
  • € 850,64 referente ao quarto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2015...);
  • € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2015...);
  • € 825,88 referente ao primeiro andar (n.º 2015...);
  • € 825,88 referente ao segundo andar (n.º 2015...);
  • € 850,64 referente ao terceiro andar (n.º 2015...);
  • € 850,64 referente ao quarto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2015...);
  • € 825,86 referente ao primeiro andar (n.º 2015...);
  • € 825,86 referente ao segundo andar (n.º 2015...);
  • € 850,63 referente ao terceiro andar (n.º 2015...);
  • € 850,63 referente ao quarto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2015...);
  • € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2015...) e,
  • € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2015...).

 

  1. Pelo despacho arbitral de 8 de fevereiro de 2023, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira notificada para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre a ampliação do pedido, formulada pela Requerente na parte final do requerimento apresentado em 4 de janeiro de 2023.

A Requerida nada disse.

 

  1.  Através do despacho arbitral de 15 de março de 2023, estando em causa matéria exclusivamente de direito e sendo a prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral suficiente para a fixação da matéria de facto, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.

 

Foram ainda as Partes notificadas para apresentarem, querendo, alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 dias (artigo 120.º, do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), designando-se o dia 28 de abril de 2023 como data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

Não foram produzidas alegações.

 

  1. Consideram-se provados os factos que já o haviam sido na decisão arbitral de 10 de março de 2016, não controvertidos, a que acrescem os que constam do requerimento a que se refere o ponto 1.5., supra.

 

Foram os seguintes os factos dados como provados na decisão impugnada:

 

“2. MATÉRIA DE FACTO2.1. Factos que se consideram provados:

2.1.1. Quer à data da produção do facto tributário (31 de outubro de 2012), quer à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, correspondente ao anterior artigo ... da extinta freguesia de ..., constituído por 10 pisos e com 11 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com o valor patrimonial total de € 2 207 410,00, sendo 7 dos referidos andares, de afetação habitacional;

2.1.2. O somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional é da quantia de € 1 558 250,00, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança do IS como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;

2.1.3. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado
e afetação habitacional, varia entre € 37 010,00 e € 257 670,00 (art.º 4.º, da p. i.);


2.1.4. As prestações tributárias impugnadas constam das notas de cobrança relativas às 1.ªs e 2.ªs prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 (exceto quanto ao 7.º andar, de que só é impugnada a 1.ª prestação), de 20 de março de 2015, identificadas pela Requerente (artigo 39.º, da p. i.), tiveram por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2015 ... – 2.ª Prestação

...U-...-1.º

€ 247 760,00

€ 2 477,60

2015...– 2.ª Prestação

... U-...-2.º

€ 247 760,00

€ 2 477,60

2015 ... – 2.ª Prestação

... U-...-3.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 ... – 2.ª Prestação

...U-...-4.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 ...– 2.ª Prestação

...U-...-5.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015 ... – 2.ª Prestação

...U-...-6.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015...– 1.ª Prestação

...U-...-1.º

€ 247 760,00

€ 2 477,60

2015...– 1.ª Prestação

...U-...-2.º

€ 247 760,00

€ 2 477,60

2015 ... – 1.ª Prestação

... U-...-3.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015...– 1.ª Prestação

...U-...-4.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015... – 1.ª Prestação

...U-...-5.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015...– 1.ª Prestação

...U-...-6.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015...– 1.ª Prestação

... U-...-7.º

€ 37 010,00

€ 370,10

 

2.1.6. As notas de cobrança referentes às 2.ªs prestações das liquidações de Imposto do Selo de 2014 foram pagas em 17 de julho de 2015, pela quantia global de € 5 070,78;

 

2.1.7. O somatório das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, emitidas pela
AT em 20 de março de 2015 para o imóvel identificado, é de € 15 582,50.”

 

Não existiram factos relevantes para a decisão da causa que devessem considerar-se como não provados.

  1. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1., da TGIS)

 

Tal como acima referido, a decisão arbitral proferida em 10 de março de 2016 absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, por ter conhecido oficiosamente da exceção dilatória da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA, por referência à impugnação autónoma de cada uma das prestações em que se subdivide o ato tributário de liquidação do Imposto do Selo da Verba 28.1., da TGIS.

 

Pelos mesmos motivos ali aduzidos, não poderá o tribunal arbitral apreciar autonomamente o pedido de anulação da terceira prestação das mesmas liquidações.

 

Contudo, após reabertura dos autos, veio a Requerente, subsidiariamente, a formular pedido de anulação integral dos mesmos atos de liquidação, identificando os respetivos valores e documentos de pagamento e informando ter sido notificada, em novembro de 2015, para pagamento da terceira prestação daquelas liquidações.

 

Importa, portanto, aferir da possibilidade de ampliação do pedido que, traduzindo-se numa modificação objetiva da instância, funciona, na parte da ampliação, como uma nova petição inicial, de que a Requerida foi devidamente notificada para se pronunciar.

 

A este respeito, dispõe o n.º 1 do artigo 63.º, do CPTA, sob a epígrafe de “Ampliação da instância” que “1 - Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.”.

 

Considerando que o novo pedido se apresenta estreitamente conexo com o pedido inicial de que constitui desenvolvimento e que à data do pedido de constituição do tribunal arbitral (22-10-2015, conforme registo do CAAD) a Requerente ainda não havia sido notificada para proceder ao pagamento das terceiras prestações das liquidações do Imposto do Selo de 2014, referentes ao prédio urbano identificado nos autos, há que aceitar a ampliação  do pedido e decidir do mérito da pretensão de anulação integral das liquidações referentes aos diversos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente do prédio urbano já identificado.

 

  1.  Do conceito de prédio urbano habitacional.

 

A verba 28, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), aplicável à situação em análise, dispunha que o Imposto do Selo incide sobre a

 

28 - Propriedade, usufruto ou direito superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%

 

(…)”.

 

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma contida na Verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano habitacional, cujo valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

O n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e revogado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, em vigor à data dos factos, estatuía que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

 

O artigo 6.º, do Código do IMI, inserido no Capítulo I, sob a epígrafe “Incidência”, enumera, no n.º 1, as espécies de prédios urbanos, que poderão classificar-se como:

 

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros,

 

Os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo delimitam o que deve entender-se por cada uma daquelas designações, estabelecendo o seu n.º 2 que “2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.

 

De acordo com a descrição matricial, o prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, de que tratam os autos, é um “Prédio destinado a escritórios, composto de Subcave, cave, r/chão e sete andares, sendo o último recuado e com uma habitação” (…), o que afasta, desde logo, a sua qualificação como prédio habitacional para efeitos do artigo 6.º, do Código do IMI e, consequentemente, para efeitos do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo ou da verba 28.1, da TGIS.

 

Embora as cadernetas prediais referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente, do primeiro ao sétimo andar, indiquem estar as mesmas afetas a habitação, o certo é que nenhuma dessas divisões suscetíveis de utilização independente constitui um prédio, tendo em conta o conceito de prédio contante do artigo 2.º, do Código do IMI, em especial do seu n.º 4, por não poderem ser equiparadas a frações autónomas de prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal.

 

  1. Do VPT relevante para efeitos da verba 28, da TGIS.

 

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do Código do IMI, quanto aos “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”, caso em que, de acordo com a sua alínea b) “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

 

E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto.

 

Nos termos do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

 

No caso em apreço, a nenhuma das partes autónomas e afetação habitacional do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, foi atribuído um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, variando entre € 37 010,00 (sétimo andar) e € 257 670,00 (quinto e sexto andares), perfazendo o somatório dos respetivos VPT a quantia de € 1 558 250,00.

 

Ora, o elemento literal das normas antes citadas (n.º 1 do artigo 6.º, n.º 2 do artigo 7.º e n.º 3 do artigo 12.º, todos do Código do IMI) revela-se impeditivo de que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar um pretenso valor patrimonial tributário global dos prédios ou um alegado valor patrimonial tributário global das divisões suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional.

Resta, pois, concluir, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que “Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação[1].

 

É ainda de concluir que não se encontram reunidos, quanto ao prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, os requisitos cumulativos de que depende a tributação ao abrigo da norma de incidência objetiva da Verba 28.1, da TGIS – nem aquele pode ser qualificado como prédio habitacional, por integrar divisões suscetíveis de utilização independente com afetação diversa da habitacional, nem a qualquer uma das suas divisões destinadas a habitação foi atribuído um valor patrimonial tributário, igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

Enfermando as liquidações impugnadas, pelos motivos apontados, do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação da norma que esteve na base da sua emissão, justifica-se a respetiva anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPTA.

 

  1. Consequências legais da anulação das liquidações de Imposto do Selo

 

A final do pedido de pronúncia arbitral, pede a Requerente a anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, referentes ao prédio urbano nele identificado, “tudo com as legais consequências”.

 

Nos termos do artigo 24.º, do RJAT, constituem efeitos ou consequências legais da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, entre outros, a vinculação da administração tributária ao restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (cfr. o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5, do RJAT).

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada, no caso concreto, a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, uma vez que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

Face à solução dada às questões supra, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, designadamente a da inconstitucionalidade da Verba 28 da TGIS, revogada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.

 

 

4. DECISÃO

 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o tribunal arbitral singular:

  1. Julgar o pedido de pronúncia arbitral procedente e declarar a ilegalidade, com a consequente anulação, das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 que dele são objeto;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, sobre os montantes ora anulados e a restituir.
  3.  

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 15 582,56 (quinze mil, quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a suportar pela Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 28 de abril de 2023.

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 647/2015-T

Tema: IS - Verba 28.1 TGIS ;Propriedade vertical.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 28 de abril de 2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A…, com sede na Avenida…, n.º … –…, em Lisboa (área do Serviço de Finanças de Lisboa…) e com o NIPC … (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS), referentes à 2.ª prestação do ano de 2014, emitidas em 20 de março de 2015, sobre as diversos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, de que é proprietária.

 

Subsidiariamente, para o caso de o Tribunal entender que o Imposto do Selo só pode ser impugnado na sua globalidade, pede a Requerente que seja julgada provada e procedente a impugnação de todos os atos tributários de liquidação do ano de 2014, respeitantes ao prédio que identifica, com todas as consequências legais, atribuindo ao pedido o valor económico de € 10 326,73 (dez mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos).

São os seguintes os fundamentos do pedido de anulação das segundas prestações dos atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014:

  1. O prédio identificado é um prédio urbano constituído por dez andares e divisões de utilização independente, todos afetos a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado separadamente nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 37 010,00 e € 257 670,00, num somatório de € 1 558 250,00;
  2. Entende a AT que o critério para determinar a incidência do Imposto do Selo da verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação;
  3. A Requerente considera esta posição da AT manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional, pois a sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, é determinada pela conjugação de dois critérios: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1 000 000,00, sendo o conceito de prédio urbano o que resulta do artigo 2.º, do CIMI, em conjugação com o artigo 6.º do mesmo Código, no qual se indicam as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais os habitacionais;
  4. O legislador não fez qualquer distinção entre os prédios em propriedade vertical e sujeitos ao regime da propriedade horizontal; assim, no caso de um prédio com caraterísticas idênticas às descritas, a incidência do Imposto do Selo é determinado pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões de utilização independente, só havendo lugar a liquidação se algum desses andares tivesse um VPT superior a € 1 000 000,00;
  5. O critério usado pela AT carece de fundamento legal, por ser diverso do adotado pelo Código do IMI, subsidiariamente aplicável às matérias respeitantes à verba 28, da TGIS;
  6. A consideração de que o valor de referência é o somatório dos VPT atribuídos a cada um dos andares é inconstitucional, na medida em que traduz uma clara violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade fiscal: o legislador não pode tratar situações iguais de forma diferenciada, já que, caso o prédio se encontrasse constituído em propriedade horizontal, nenhuma das suas frações estaria sujeita a Imposto do Selo.

II – Do pedido subsidiário:

  1. A Requerente pode impugnar autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto de selo, quanto ao mesmo imóvel e quanto ao mesmo imposto de selo”;
  2. Em julho de 2015 a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 2.ª prestação do imposto de selo, o que não deixa de consubstanciar um ato tributário”;
  3. Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de atos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos”;
  4. (…) “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária os tribunais arbitrais têm competência para decidir sobre os atos de liquidação de tributos e sobre atos de determinação da matéria coletável”;
  5. Com base no ato de liquidação emitido, o mesmo procede a três atos: (i) a determinação da coleta; (ii) a determinação do valor patrimonial do prédio; e (iii) a liquidação de um tributo (ainda que em três prestações)”;
  6. Assim, entende a Requerente que o contribuinte pode recorrer aos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD para pedir a apreciação e/ou proceder à impugnação das prestações, para o que disporia do prazo de 90 dias, contados da notificação de cada uma das prestações de Imposto do Selo;
  7. Porém, para o caso de o Tribunal entender que o Imposto do Selo só pode ser impugnado “na sua globalidade”, pede a Requerente que sejam anulados todos os atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, que identifica, num valor global de € 10 326,73, valor que atribui à causa.

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou a resposta que, sucintamente, se enuncia:

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de…, concelho de Lisboa, sob o artigo…, no regime de propriedade total, também designada de vertical;
  2. O valor patrimonial tributário dos diversos andares suscetíveis de utilização independente foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do IMI, sendo que o valor patrimonial dos andares com afetação habitacional, tido em conta nas liquidações, à taxa de 1%, foi de € 1.558.250,00;
  3. A Requerente impugna os documentos de cobrança que identifica: -Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT); - Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT); - Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT); - Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT); - Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT); - Doc. de cobrança nº 2015… de 2014 (AT), todos eles referindo que a liquidação que esteve na sua origem foi datada de 20/03/2015;
  4. Segundo a A., destas liquidações de imposto do selo resultou um valor global de € 10.326,73;
  5. É entendimento da Requerente que a tributação da verba 28 deveria ser aferida com base no valor patrimonial tributário constante da matriz de cada um dos andares ou partes; seria ao valor patrimonial tributário constante da matriz que o texto da lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba 28 da TGIS;
  6. No entanto, a Requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, pelo que não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio, como decorre da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, de acordo com a qual só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI;
  7. Assim, a ora Requerente, para efeitos de IMI e de imposto do selo, por força da redação da referida verba, não é proprietária de 12 fracções autónomas, mas sim de um único prédio, embora pretenda que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, por ser ilegal existir discriminação no tratamento jurídico - fiscal dos dois regimes de propriedade;
  8. Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total o regime da propriedade horizontal será, no mínimo, abusivo e ilegal;
  9. Não se poderá, por isso, aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, que as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal, sob pena de violação do princípio da legalidade;
  10. O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28.1, da TGIS, pois outra interpretação violaria, a letra e o espírito da norma, bem como o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previstos no artigo 103.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
  11. A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados e o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária, como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional (cfr. os Acórdãos n.ºs 620/2015, de 3 de dezembro e 692/2015, de 16 de dezembro, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt);
  12. O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consiste na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000 000,00, sendo, por isso, relevante para efeitos da incidência do imposto o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda quando suscetíveis de utilização independente.

Termina a AT por requerer a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a dispensa de remessa do PA e ainda, de alegações, dado estar em causa nos autos matéria exclusivamente de direito, a prova documental necessária à decisão já se encontrar incorporada no processo e a posição das partes se encontrar suficientemente definida.

No entanto, sendo notória a divergência de valores entre o pedido principal, relativo à 2.ª prestação das liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2014 e ao prédio identificado na P. I. e o pedido subsidiário, equivalente ao valor da causa, foi a Requerente convidada a indicar qual o pedido pelo qual o processo deveria prosseguir, bem como a pronunciar-se sobre as questões colocadas pela AT na sua resposta.

Nas alegações apresentadas, a Requerente (i) veio esclarecer que pretendia que o processo prosseguisse pela apreciação do pedido subsidiário “de anulação de todos os atos tributários de liquidação do imposto de selo do ano de 2014 os quais se encontram discriminados no artigo 39.º da pi”; (ii) defender que os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional invocados pela AT na contestação não impõem uma solução diferente da preconizada pela Requerente e confirmada pela jurisprudência do CAAD e do STA quanto às normas previstas na verba 28 e 28.1, da TGIS, que “se limita a aplicar os princípios consagrados na norma de incidência” e, (iii) requerer o pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago.

 

Contra-alegou a AT, reiterando os argumentos já apresentados na resposta e defendendo que os atos tributários impugnados se devem manter na ordem jurídica, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 22 de outubro de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2 de novembro de 2015.

 

A Requerente informou que não pretendia utilizar a faculdade de designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 7 de janeiro de 2016 para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos que se consideram provados:

2.1.1. Quer à data da produção do facto tributário (31 de outubro de 2012), quer à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de…, concelho de Lisboa, correspondente ao anterior artigo … da extinta freguesia de…, constituído por 10 pisos e com 11 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com o valor patrimonial total de € 2 207 410,00, sendo 7 dos referidos andares, de afetação habitacional;

2.1.2. O somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional é da quantia de € 1 558 250,00, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança do IS como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;

2.1.3. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado e afetação habitacional, varia entre € 37 010,00 e € 257 670,00 (art.º 4.º, da p. i.);

2.1.4. As prestações tributárias impugnadas constam das notas de cobrança relativas às 1.ªs e 2.ªs prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 (exceto quanto ao 7.º andar, de que só é impugnada a 1.ª prestação), de 20 de março de 2015, identificadas pela Requerente (artigo 39.º, da p. i.), tiveram por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

 

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-1.º

€ 247 760,00  

€ 2 477,60

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-2.º

€ 247 760,00  

€ 2 477,60

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-3.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-4.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-5.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015 … – 2.ª Prestação

…U-…-6.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-1.º

€ 247 760,00  

€ 2 477,60

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-2.º

€ 247 760,00  

€ 2 477,60

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-3.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-4.º

€ 255 190,00

€ 2 551,90

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-5.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-6.º

€ 257 670,00

€ 2 576,70

2015 … – 1.ª Prestação

…U-…-7.º

€ 37 010,00

€ 370,10

2.1.6. As notas de cobrança referentes às 2.ªs prestações das liquidações de Imposto do Selo de 2014 foram pagas em 17 de julho de 2015, pela quantia global de € 5 070,78;

2.1.7. O somatório das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, emitidas pela AT em 20 de março de 2015 para o imóvel identificado, é de € 15 582,50.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, expressamente aceite pela Requerida.

2.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO
    1. Delimitação da questão decidenda – objeto do pedido de pronúncia arbitral:

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

Tais questões processuais são, no processo tributário, as enunciadas no n.º 1 do artigo 98.º, do CPPT, que “podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final”, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, para além das que constam do artigo 89.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º,n.º 1, alínea c), do RJAT.

Ora, não obstante ser entendimento da Requerente que “pode impugnar autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto de selo, quanto ao mesmo imóvel e ao mesmo imposto de selo” (artigo 30.º, da p. i.) e a Requerida não ter invocado qualquer exceção, muito embora tivesse feito notar na sua resposta que a Requerente “impugna as segundas prestações das liquidações de imposto do selo da Verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, relativas ao prédio identificado, num montante total de € 5.255,53” e que, “Segundo a A., seria sobre este valor de € 1.558.250,00 que a A. T. liquidou, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), o imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, na redacção dada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1 por cento”, haverá, desde logo, que delimitar o objeto do processo, para que, posteriormente, se possa aferir da competência do tribunal arbitral para conhecer do mérito do pedido.

No pedido de pronúncia arbitral, veio a Requerente formular um pedido principal de anulação dos “actos tributários respeitantes à segunda prestação do ano de 2014” e, subsidiariamente, “a impugnação de todos os actos tributários do ano de 2014”, atribuindo à causa o valor económico de € 10 326,73.

Posteriormente, veio a Requerente declarar que pretendia que o processo prosseguisse pelo pedido subsidiário.

Porém, tendo as liquidações sido efetuadas à taxa de 1% sobre o VPT globalmente atribuído aos andares ou divisões de utilização independente, com afetação habitacional, de € 1 558 250,00, o seu valor total, para o ano de 2014 e para o prédio identificado na p. i., foi de € 15 582,50 e não de € 10 326,73, como vem peticionado.

Confrontando o teor do pedido com os documentos juntos à petição inicial, terá de concluir-se que a Requerente não impugna os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, na sua totalidade, mas tão-somente as primeiras e segundas prestações daquelas liquidações, vencidas à data do pedido.

  1. Da (in)impugnabilidade autónoma de cada uma das prestações de uma liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS):

Dispõe o n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro que “7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

Por seu turno, estatui o n.º 1 do artigo 113.º, do CIMI, relativo à competência e prazo da liquidação que “1 - O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”, determinado o n.º 1 do artigo 120.º, do mesmo Código, que o imposto seja pago em uma, duas ou três prestações, consoante o valor do imposto liquidado seja de valor igual ou inferior a € 250,00 (alínea a); superior a € 250,00 e igual ou inferior a € 500,00 (alínea b) e superior a € 500,00 (alínea c), respetivamente.

Contudo, mesmo no caso em que o imposto deva ser pago em mais do que uma prestação, existe apenas e só uma liquidação anual, enquanto ato tributário de aplicação de uma taxa a uma matéria coletável, para determinação da coleta ou (neste caso) do imposto a pagar. E é este ato de liquidação que é impugnável, no seu todo ou parcialmente, mas não por cada uma das prestações em que o imposto se subdivide, pois o pagamento em prestações mais não é do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, que seja suscetível de impugnação autónoma.

A inimpugnabilidade do ato constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

  1. Da (in)competência do tribunal arbitral para a anulação autónoma de prestações de uma liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS):

Questão intimamente conexa com a tratada no item precedente é a da competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD para a declaração de ilegalidade e anulação autónoma de cada uma das prestações que integram uma liquidação de Imposto do Selo, emitida ao abrigo da verba 28.1, da TGIS.

Efetivamente, a competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD é fixada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, compreendendo os poderes de proceder à apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (alínea a)) e à “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (alínea b).

A este propósito, defende a Requerente a competência do tribunal arbitral para a anulação de cada uma das prestações de uma liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, pois que “Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de atos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos” (artigo 32.º, da p. i.) e, “Com base no ato de liquidação emitido, o mesmo procede a três atos: (i) a determinação da coleta; (ii) a determinação do valor patrimonial do prédio; e (iii) a liquidação de um tributo (ainda que em 3 prestações” (artigo 35.º, da p. i.).

Trata-se, no entanto, de entendimento a que se não pode aderir, pois se a liquidação, em sentido amplo, engloba várias fases[2], entre as quais a da determinação da matéria tributável, já o ato tributário de liquidação do tributo é o ato através do qual se determina a coleta.

Por outro lado, não está em causa, num ato de liquidação de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1, da TGIS, a operação de “determinação do valor patrimonial do prédio”, nos termos do CIMI, pois esta é autonomamente impugnável, conforme os artigos 97.º, n.º 1, alínea f), do CPPT, 77.º, do Código do IMI, podendo ainda ser objeto de pedido de pronúncia arbitral, nos termos da parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do RJAT, não se confundindo com nem integrando o ato de liquidação ou liquidação em sentido estrito.

Sobre a incompetência do tribunal arbitral para anular uma prestação de uma liquidação de Imposto do Selo, se pronunciou o Tribunal Arbitral Coletivo constituído no processo n.º 442/2014-T, conforme o excerto que, com a devida vénia, se transcreve (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=442%2F2014- T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=625 ):

“ (…) a Requerente tem razão ao defender que o valor do processo deve ser o das liquidações cuja declaração de ilegalidade pede e não o valor da 1.ª prestação de cada um dos prédios referidos, pois é a ilegalidade das liquidações anuais que a Requerente pretende.

Aliás, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange pedidos de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e não das prestações através das quais se faz a cobrança das quantias liquidadas.” (sublinhado nosso).

Também a incompetência do tribunal arbitral constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea a), do CPTA, de conhecimento oficioso e que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se declarar a incompetência deste Tribunal Arbitral Singular para apreciação do pedido formulado pela Requerente, o que obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação do mérito da causa, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10 326,73 (dez mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente.

Lisboa, 10 de março de 2016.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 

 



[1] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/10/2019, processo 0969/16.3BESNT 01203/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.

[2] Sobre os atos tributários de liquidação administrativa dos impostos, em sentido amplo e em sentido estrito, vide, por todos, NABAIS, José Casalta, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 352 e 353.