Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, SA, Pessoa Coletiva nº…, com sede na Rua … …, … – …, Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, a alínea a) e 10º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, pretendendo a declaração de ilegalidade de vinte e seis (26) liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) descritas no documento nº3 junto em anexo ao presente pedido arbitral, todas referentes ao período de tributação do ano de 2015, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais, no montante global a pagar de €2.013,27
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 22-10-2015, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-10-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 2-11-2015.
A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada, em 16-12-2015, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.
2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 4-01-2016. Na mesma data, foi a AT notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT.
A AT apresentou a sua resposta em 04-02-2016, a qual se dá por integralmente reproduzida. Atendendo ao conteúdo do Pedido arbitral e da Resposta e por considerar que a questão em discussão nos autos é exclusivamente de direito, sem produção de prova requerida pelas partes, foi proferido despacho arbitral, em 17-02-2016, dispensando a realização da reunião a prevista no artigo 18º RJAT, e fixado o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem, querendo, apresentarem as suas alegações por escrito. Foi fixada data para proferir decisão arbitral até 30-03-2016 e notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data fixada para prolação da decisão, cujo prazo foi prorrogado por mais cinco dias, nos termos do despacho arbitral de 30-03-2016.
A Requerente apresentou as suas alegações em 22-02-2016 e a Requerida em 7-03-2016, as quais se dão por integralmente reproduzidas.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
3. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade, com a consequente anulação, das 26 liquidações de IUC, referentes aos períodos de 2013 e 2014, constantes do documento nº 3 Anexo ao Pedido Arbitral, que se dá por integralmente reproduzido, no valor global de €2.013,27.
Todas estas liquidações se encontram devidamente identificadas e discriminadas na tabela anexa ao pedido arbitral, com identificação da matrícula do veículo a que respeitam e da situação jurídica em que se encontram, pelo que se dá por integralmente reproduzido o teor da referida tabela anexa.
4. Em síntese, alega que é uma instituição financeira de crédito, que tem por objeto social a prática das operações permitidas aos bancos, com exceção da receção de depósitos. Nesta conformidade, prossegue a sua atividade de financiamento, concedendo empréstimos, designadamente para a aquisição de viaturas automóveis, através da outorga de contratos de mútuo com reserva de propriedade ou da celebração de contratos de locação financeira. A Requerente foi notificada para pagamento dos IUC’s, referentes às viaturas identificadas nos presentes autos, com referência ao ano de 2015, com o fundamento de ser a sua proprietária “com base nos elementos de a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe…”.
A Requerente discorda de todas estas liquidações por considerar que não é sujeito passivo de IUC relativamente às viaturas e aos períodos em causa, isto porque em relação a todas estas viaturas, à data do facto tributário, a Requerente ou já não era a sua proprietária ou o veículo se encontrava locado.
Ocorre, assim, um motivo de exclusão da incidência subjetiva de imposto. Entende que não estão satisfeitos os requisitos de incidência subjetiva do imposto, previstos no artigo 3º do CIUC, conjugado com os artigos 4º e 6º do referido Código.
Conclui pela ilegalidade dos atos de liquidação por violação de lei por erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstancia vício de violação de lei. Invoca numerosa jurisprudência arbitral e processos em que foi Requerente e em que a matéria de facto e de direito em debate era similar à dos presentes autos.
Conclui peticionando a anulação das liquidações de IUC e a consequente extinção dos processos executivos e contraordenacionais subjacentes aos atos de liquidação em crise.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
5. A Requerida ATA, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, na qual por impugnação, alegou, em síntese, que não assiste razão à Requerente, cuja posição tem subjacente uma errada interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada. O artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, pelo que o sujeito passivo do imposto é o proprietário da viatura, tal como resulta das bases de dados que servem de base à ATA para proceder á liquidação, ou seja, a base de dados do Instituto da Mobilidade dos Transportes Terrestres (IMTT) e do Instituto de Registo e Notariado/Conservatória do Registo Automóvel (IRN).
Alega, ainda, que o entendimento defendido pela requerente incorre numa enviesada leitura da letra da lei, corresponde a uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC. Segundo a AT o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal e que outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC; reforça esta alegação invocando que este é o entendimento seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais expressa na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do Processo n.º 210/13.0BEPNF. Pugna pela improcedência total do pedido arbitral, pelo que, não deve a AT ser responsabilizada pelo pagamento das custas processuais, por ser inteiramente imputável à Requerente a emissão das liquidações
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
6. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
7. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
8. Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das 26 liquidações de IUC, relativas ao ano de 2015, apesar de constituírem atos autónomos, referentes a viaturas e situações diferenciadas, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os atos tributários de liquidação de IUC e respetivos juros compensatórios que lhes estão associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos atos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito. É o caso do presente pedido arbitral.
Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos legais que permitem a cumulação de pedidos, nos termos previstos nos artigos 104º do CPPT e no artigo 3º, nº1 do RJAT, considerando a identidade do tributo e a competência do tribunal, a qual é aceite por este Tribunal.
9. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
10. Tendo em conta a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
A) Factos Provados
11. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente é uma instituição financeira de crédito cuja atividade é idêntica à dos bancos, com exceção da receção de depósitos;
b) A atividade substancial da requerente consiste no financiamento automóvel, através da celebração de contratos de mútuo com reserva de propriedade ou de contratos de locação financeira de veículos sem condutor, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;
b) A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das 26 liquidações de IUC aqui impugnadas, relativamente ao ano de 2015 e respetivos juros compensatórios, referentes aos veículos com as matrículas identificadas nas liquidações de IUC juntas aos autos;
c) As liquidações impugnadas correspondem aos veículos identificados com matrícula, valor de imposto, valor de juros compensatórios, todos devidamente discriminados na tabela junta ao Pedido Arbitral como documento nº 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a saber:
1 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €42,23;
2 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-… , cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,63;
3 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-… , cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €42,22;
4 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €35.73;
5- Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…,cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €20,08;
6 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €126,59;
7 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €162,71;
8 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,63;
9 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,79;
10 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 30-07-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €21,10;
11 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 26-08-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,62;
12 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 26-08-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €29,35;
13 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 26-08-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €32,38;
14 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 26-08-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,62;
15 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 26-08-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,62;
16 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 02-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €66,00;
17 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 02-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €503,32;
18 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 02-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,66;
19 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 02-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €131,69;
20 - Liquidação de IUC nº2015…, com data limite de pagamento 02-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €95,70;
21 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €32,32;
22 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €29,29;
23 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,51;
24 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €52,51;
25 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €133,21;
26 - Liquidação de IUC nº 2015…, com data limite de pagamento 08-10-2015, referente à viatura com a matrícula …-…-…, cujo valor global de imposto e juros compensatórios é de €35,76;
- Tudo no total de €2,013.27
d) Das vinte e seis viaturas identificadas, vinte e cinco já tinham sido alienados pela requerente em data anterior à da verificação do facto tributário – cfr. Docs. 5 a 8 juntos em anexo à PI;
e) A viatura com a matrícula …-…-…, à data do facto tributário, encontrava-se locado, conforme contrato de locação junto aos autos;
f) Da análise dos documentos nºs 5 (faturas), 6 e 7 (contratos de locação financeira e certidão da Conservatória do Registo automóvel) resulta que no mês da matrícula referente a cada uma das viaturas identificadas nos autos, com exceção da viatura com a matrícula …-…-…, já se transmitira a propriedade das mesmas para os respetivos titulares;
g) Quanto à viatura com a matrícula …-…-… encontrava-se em vigor, à data do facto tributário, o respetivo contrato de locação financeira, facto registado na Conservatória de Registo Automóvel;
h) À data dos factos tributários, a transmissão da propriedade de todas as restantes viaturas automóveis referenciadas nas liquidações de IUC impugnadas, encontrava-se devidamente comunicada à Conservatória do Registo Automóvel e ao IMTT – Documentos 7 e 8 em anexo ao pedido arbitral;
i) À data dos factos tributários de liquidação a AT dispunha dos elementos de informação constantes das bases de dados da Conservatória do Registo Predial e do IMTT;
j) Em momento algum a Requerente teve o gozo dos veículos, com utilização exclusiva a cargo dos respetivos locatários e posteriores locatários.
B) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
12. A decisão sobre a matéria de facto nos termos supra descritos tem por base a prova documental junta pela Requerente e que integra os presentes autos. O Tribunal considerou em particular o objeto social da Requerente e a natureza específica da sua atividade económica, relevante para a realidade factual subjacente às situações negociais respeitantes aos diversos contratos que têm por objeto os veículos supra identificados, comprovados pelos documentos juntos em anexo ao pedido arbitral e constantes do processo administrativo junto pela AT.
C) FACTOS NÃO PROVADOS
13.Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
14. Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito relevantes para a decisão, correspondendo, em síntese, à ilegalidade suscitada pela Requerente no presente pedido arbitral, a qual se reconduz à questão da incidência subjetiva do IUC, nomeadamente durante a vigência dos contratos de locação financeira e após a sua vigência, com a transmissão da propriedade ocorrida com o termo do contrato e, por força desta, a determinação dos efeitos do registo automóvel e da existência ou não de uma presunção ilidível.
15. Importa verificar se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, liquidado em relação ao ano de 2015, quanto aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral.
Como a própria Requerente refere no pedido arbitral a questão de fundo a decidir é a de saber se na vigência dos contratos de locação financeira sobre os veículos identificados nos presentes autos, deve ser a Requerente ou os respetivos proprietários ou, ainda, os locatários nos contratos de locação em vigor, os sujeitos passivos de imposto único de circulação.
Para a resposta a esta questão há que apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3.º, do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária. Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões que já se pronunciaram sobre esta mesma questão. Importa, porém, analisar o caso concreto na sua especificidade.
16.O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC.
O artigo 1º do CIUC define a incidência objetiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjetiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação.
A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental, mas o que verdadeiramente importa é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjetiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel, suscitada pela Requerente.
Sobre esta questão, as posições das partes resumem-se do seguinte modo:
- Para a Requerente esta não pode ser considerada sujeito passivo de IUC, por força dos contratos de locação em vigor e da regra própria contida no nº 2 do artigo 3º do CIUC que prevê, especificamente para este caso, a responsabilidade pelo pagamento a cargo dos locatários;
- Para a Requerida o artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma norma de incidência tributária e não mera presunção ilidível, sendo que mesmo no caso em que se encontrem em vigor contratos de locação financeira, a proprietária não deixa de ser a locadora e, por força disso, esta é sujeito passivo de imposto.
Vejamos pois o que resulta do regime legal em vigor e a sua aplicação ao caso concreto dos autos. Dispõe o artigo 3º do CIUC:
“ARTIGO 3º
INCIDÊNCIA SUBJECTIVA
“1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
No caso dos presentes autos, importa, não apenas determinar o sentido e alcance da norma contido no nº 1, mas, sobretudo, a norma contida no seu nº 2, especialmente destinada a regular o caso concreto dos locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade e outros titulares de direitos de opção de compra.
A interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica, pressupõe a realização de uma atividade interpretativa, a qual deve ser objetiva, equilibrada, e conforme à letra e ao espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é exceção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela deve ser interpretada tendo em conta os objetivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[1]
Neste sentido, estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
A estes elementos acresce um outro, segundo o qual a interpretação da norma jurídica deve respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca. O artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.[2]
A estes princípios gerais acrescem, ainda, os previstos na LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de Outubro, 26/2013-T de 19 de Julho, 27/2013-T, de 10 de Setembro, 217/2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014 e 293/2013-T, de 9 de Junho de 2014, 46/2014-T e 89/2014-T de 5 de Setembro, entre outros, revelando uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação, quer no que respeita ao sentido e alcance do disposto no nº 1, quer no nº2 deste normativo. Em todas, o entendimento quanto a esta questão é unânime: estamos perante uma presunção ilidível.
No mesmo sentido se pronunciou, recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 19-03-2015, proferido no processo nº08300/14, no qual se decidiu, no mesmo sentido da jurisprudência arbitral invocada, que “o citado artigo 3º, nº1 do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73º, da LGT.”
Pelo que, quanto à questão de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na atual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende este Tribunal, em sintonia com a jurisprudência arbitral e do STA supra citada, que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.
A presunção estabelecida no artigo 3º, nº1, do atual CIUC, já estava consagrada nas versões anteriores dos códigos abolidos com a entrada em vigor do CIUC. Já o artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) estabelecia que “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”.
Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.
Na verdade, na versão atual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a atual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adoção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.
Assim, entende-se que o facto de o legislador, na atual versão do CIUC, ter optado por uma presunção implícita (usando a expressão “considerando-se”) em vez de uma presunção expressa (com recurso à expressão “presumindo-se”), como acontecia anteriormente, não traduz uma alteração substancial no que respeita à incidência subjetiva do imposto. Não é, pois, a titularidade constante do registo automóvel condição, por si só determinante de incidência tributária em sede de IUC, mas sim mera presunção de que a propriedade pertence ao titular inscrito no registo, presunção naturalmente ilidível.
Acresce que, contrariamente ao que vem alegado pela Requerida, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com um sentido presuntivo.
De resto, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros.
Alega, porém, a Requerida na resposta apresentada, que este mesmo vocábulo “considerando-se” também é normalmente utilizado, pelo ordenamento jurídico fiscal, para definir situações distintas de presunções. Ora, tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.
Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. Como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.
E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária. No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”.
Porém, atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão. O uso da expressão “considerando-se” justifica-se apenas por se afigurar mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.
Pelo que, à luz do elemento literal da interpretação, nada obsta ao entendimento de que, o disposto no nº1, do art. 3.º, do CIUC, consagra uma presunção ilidível. Entendimento este que tem, também acolhimento na jurisprudência recente do STA sobre esta matéria.
Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria.[3]
17. A tudo o que se deixa exposto importa acrescentar que este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacente à relação jurídica fiscal, No caso concreto, isso é evidenciado na letra e na ratio legis do artigo 3º, nº 1 e 2 do CIUC, porquanto de ambos resulta o objetivo claro do legislador tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel. Como aliás se refere no Acórdão arbitral nº 63-2014-T de 15 de Setembro “… se o legislador tivesse, como pretende a Requerida, estabelecido na lei uma qualificação não presuntiva sobre quem é proprietário dos veículos (uma ficção legal), estaria com isso a estabelecer, através de uma diferente formulação, uma regra em tudo idêntica à regra hipotética referida. Estaria a fazer assentar a incidência subjetiva do imposto numa ficção legal, em total desconexão com uma qualquer substância económica como base da incidência subjetiva. (…) Mas o princípio da eficiência da tributação não pode sobrepor-se em absoluto ao princípio da capacidade contributiva, ao ponto de o eliminar como critério de incidência subjectiva. E também é certo que o legislador fiscal teria ao seu dispor outros meios de responsabilizar o vendedor do veículo, faltoso quanto ao seu dever de comunicar a venda do veículo, pelo pagamento do imposto, sem ser como contribuinte directo (configurando, v.g., um caso de responsabilidade tributária por dívida de terceiro). E, se assim é, forçoso será também concluir que o artigo 3º, n.º 1 só pode estabelecer uma presunção de propriedade do veículo, mesmo com todas as consequências negativas que essa conclusão acarretará, decerto, em termos de eficiência da administração do imposto.”
Assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal. O legislador não sentiu a necessidade de manter na nova norma de incidência uma presunção expressa e ilidível, uma vez que após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (1999) “as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário”. Logo, face ao teor do artigo 73º, da LGT, seria tecnicamente incorreto usar a expressão “presumindo-se como tais, até prova em contrário”, constante da anterior versão em vigor.
De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”. À luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.
18. Se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.
A este propósito, a posição vertida na recente Decisão Arbitral nº 286/2013-T de 2 de Maio de 2014, é bastante esclarecedora ao afirmar que “É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização.
Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registal, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registal da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).” [4]
Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o atual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. [5]
Outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas coletivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.
É precisamente em ordem a satisfazer este objetivo que o nº 2, do artigo 3º do CIUC, equipara aos proprietários os locatários e titulares de contratos de locação, aos quais por força do contrato cabe o gozo e fruição das viaturas. Por isso, nestes casos, a incidência subjetiva do IUC cade aos locatários e não aos proprietários que constam no registo.
Ora, é no âmbito de aplicação deste nº2 do artigo 3º do CIUC que encontramos a solução para o caso concreto das liquidações impugnadas. Provada a existência de contratos de locação em vigor, à data dos factos tributários, e devidamente identificados os locatários, são este os verdadeiros sujeitos do imposto. Ora, o contrato de locação também consta do registo, no qual está devidamente identificado o locatário, pelo que, face ao disposto no nº2 do artigo 3º do CIUC, o sujeito passivo do imposto passa a ser o locatário, que para esse efeito é equiparado ao proprietário.
Por tudo o que fica exposto, forçoso é concluir que em relação à viatura com a matrícula …-…-…, cabe ao locatário identificado no contrato de locação e no registo automóvel, o pagamento do respetivo IUC. Nessa medida, a liquidação de IUC referente a esta viatura é manifestamente ilegal, por erro na qualificação do facto tributário e consequente violação da lei, impondo-se a sua anulação.
19. Resta analisar a aplicação dos princípios supra expostos aos restantes vinte e cinco casos mencionados nos autos, relativamente aos quais se verificou a transmissão de propriedade em data anterior ao facto tributário.
Há que salientar, desde logo, que os documentos nºs 7 e 8 juntos aos autos em anexo ao pedido arbitral demonstram que durante a vigência dos contratos de locação financeira, os locatários das viaturas já constavam do registo automóvel. Mas, os mesmos documentos, demonstram que, logo após o termo dos respetivos contratos de locação financeira, a Requerente procedeu à comunicação das respetivas transmissões de propriedade, à Conservatória do Registo Automóvel e ao IMTT.
Pelo que, tendo a AT acesso às bases de dados da CRA e do IMTT, não se compreende que não tivesse conhecimento dos contratos em vigor, bem assim como das transmissões de propriedade operadas e comunicadas pelo vendedor.
Ao comunicar as transmissões de propriedade efetuadas, nas quais identificou os proprietários ou adquirentes das viaturas a Requerente agiu com zelo e diligência suficientes para permitir às entidades com responsabilidades públicas acederem à informação correta e suficiente, nomeadamente, para tributar o IUC aos legítimos proprietários e utilizadores das viaturas. De recordar que, a obrigação de registo cabe ao novo proprietário, pelo que, a requerente ao proceder a todas as comunicações já referidas operou com a prudência possível, deu conhecimento das transmissões ocorridas e dos respetivos adquirentes às autoridades oficialmente responsáveis pela publicidade da propriedade das viaturas e pela tributação das mesmas, pelo que, não era exigível qualquer outro procedimento. Acresce que as transmissões em causa ocorreram em anos anteriores ao ano de 2015, pelo que, não estava ainda em vigor a possibilidade do vendedor promover o registo da transmissão da propriedade da viatura.
Acresce que, o efeito do registo não se confunde com o efeito translativo da propriedade que é autónomo e anterior àquela. Como resulta claro do disposto nos artigos 1.º e 7º do Código de Registo Predial (CRP), o registo tem uma dupla finalidade: dar publicidade à situação jurídica dos bens e constituir presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito. Estas presunções são, porém, ilidíveis mediante prova em contrário, como resulta expressamente do disposto artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil (CC) e, em matéria tributária, reforçado pelo artigo 73º da LGT.
20. É pacífico para a doutrina e para a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o registo não é condição de validade dos negócios a ele sujeitos ou subjacentes.[6] O registo de propriedade automóvel não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade, razão pela qual a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário. Isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408º do Código Civil, salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo.
No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo, bem assim como o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.
De notar ainda que, as transmissões efetuadas são oponíveis à Requerida AT, apesar do disposto no nº 1, do artigo 5º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.” Isto porque a AT não é terceiro para efeitos de registo, no contexto previsto na lei. A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no nº 4 do mesmo artigo 5º, segundo o qual terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT.
Assim, a transmissão da propriedade de um bem móvel, ainda que sujeito a registo, como sucede com um veículo automóvel, opera por mero efeito do contrato, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil. O contrato de compra e venda tem natureza real, isto é, a transmissão da propriedade da coisa vendida, ou a transmissão do direito alienado, tem como causa o próprio contrato. As viaturas automóveis são bens móveis, cuja transmissão de propriedade não obedece a formalismo especial. No direito português o facto que determina a transmissão da propriedade de um bem móvel (ainda que sujeito a registo) é o contrato expresso pela vontade das partes. Tanto assim é que o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a celebração do contrato de compra e venda, independentemente do registo o qual se assume como condição de eficácia e oponibilidade face a terceiros adquirentes.
21. Na situação em análise, estamos perante contratos de compra e venda relativos a coisas móveis, os quais não estão sujeitos a quaisquer formalismos especiais (vd. C. Civil, artigo 219.º). A correspondente transferência de propriedade opera por mero efeito do contrato e tradição da coisa (Vd. C. Civil, artigo 408.º, n.º 1).
No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objeto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da correspondente aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, embora não seja o único ou exclusivo meio de prova de tal facto. Ao que acresce, para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor (e se operado on line nem isso é necessário).
Ora, com base nos documentos que integram o presente processo (já supra citados) verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, os veículos identificados já não eram propriedade da Requerente em virtude de, por esta, terem sido transmitidos aos antigos locatários.
22. Posto isto, resta analisar a questão da elisão da presunção.
Aprova da existência do contrato de compra e venda, pode ser efetuada por qualquer meio, sendo a fatura um documento contabilístico idóneo para este efeito, como para muitos outros, nomeadamente fiscais, já que a partir deste documento se processam os principais impostos a que esta entidade está sujeita, como sucede com o IRC ou com o apuramento do IVA.
Neste sentido, não se aceita que se questione a sua força probatória apenas para o fim da prova da transmissão da propriedade do veículo, sob pena de cairmos num absurdo jurídico de, a partir do mesmo documento, se reconhecer que a transação existiu para efeitos de incidência de imposto sobre o rendimento mas não existiu para efeitos de comprovar a compra e venda (precisamente a mesma que gerou o dito imposto sobre o rendimento).
Neste ponto não acompanhamos o entendimento da Requerida, nomeadamente, quando questiona o seu valor probatório apenas e só por força do seu caráter unilateral. Na verdade, as Faturas são documentos que se revestem de particular força legal e contabilístico distinto, por força das regras vigentes em sede de IVA e de Imposto sobre o Rendimento, sendo certo que as Faturas titulam vendas, transações ou prestações de serviços que se presumem verdadeiras por força da presunção de veracidade instituída no artigo 75º da LGT. Esta regra é, aliás, um princípio básico de organização contabilística e fiscal essencial à segurança no funcionamento das transações comerciais. Tratando-se de uma presunção, nada impede a demonstração da sua falsidade ou inadequação face aos requisitos legais estabelecidos no artigo 36º do CIVA.[7] Trata-se, também neste caso de uma presunção ilidível, sendo que o ónus da prova, cabe à ATA.
As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.
No caso dos autos, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, tendo antes optado pelo presente pedido de decisão arbitral que constitui um meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC em que se suportam as liquidações tributárias cuja anulação constitui o seu objeto, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do DL 10/2011).
23. Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente ofereceu, como meio de prova, cópias de faturas, cópias dos contratos de locação financeira, cópia da certidão de registo na CRA e cópia das cartas registadas com aviso de receção enviadas à CRA e ao IMTT com as respetivas listas anexas, nas quais a Requerente comunica as transmissões de propriedade ocorridas, a data em que a mesma se processou (a qual coincide com o pagamento da última fatura prevista no contrato de locação financeira), a identificação da viatura, do contrato de locação findo e, por fim, a identificação completa dos adquirentes ou “novos proprietários”.
Face ao exposto, avaliados criticamente todos esses meios de prova, conclui este Tribunal que à data da ocorrência do facto tributário subjacente às vinte e cinco liquidações de IUC postas em crise, a venda e correspondente transmissão da propriedade das viaturas ocorrera já, em data muito anterior. Em consequência, ao tempo dos factos tributários a Requerente já não era a proprietária dos veículos em causa pelo que as liquidações impugnadas padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, gerador de ilegalidade que impõe a sua anulação.
24. Não colhe, também, o argumento da unilateralidade das faturas, porquanto estas são meios de prova da ocorrência das transmissões de propriedade, desde que acompanhadas de outros documentos que não deixem dúvidas sobre a concretização daquele negócio em concreto, como sucede no presente caso.
Em suma: nenhum dos restantes vinte e cinco veículos aqui em causa era, à data do facto tributário, propriedade da Requerente, pelo que se considera ilidida a presunção.
Pelo que, fica assim ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos e períodos a que se reportam todas liquidações questionadas, com referência aos veículos nelas identificados, conforme lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral.
Assim, o entendimento subjacente às liquidações impugnadas nos presentes autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios para identificação dos efetivos e verdadeiros utilizadores e atuais proprietários dos veículos, conduziu à liquidação ilegal do IUC, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação. Tais liquidações afiguram-se, pois, ilegais o que impõe a anulação dos correspondentes atos tributários.
Nestes termos, atendendo ao disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIUC, reitera-se a conclusão de que se mostra ilidida a presunção contida no nº 1 e que, por isso, a Requerente não constitui sujeito passivo do IUC, liquidado em relação aos anos de 2009 a 2012, quanto aos veículos identificados nos autos. Em consequência de todo o supra exposto, resulta que todas liquidações impugnadas são ilegais, padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que, devem ser objeto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago acrescido dos juros à taxa legal.
Os elementos de prova juntos são, na perspetiva deste Tribunal arbitral, prova suficiente para se concluir pela aplicação do disposto no nº2, do artigo 3º do CIUC. Nesta perspetiva, o ónus da prova a cargo da Requerente foi cumprido e alcançada a demonstração da transmissão da propriedade das viaturas.
25. Por fim, também não colhe a alegação da Requerida a propósito da interpretação defendida pela Requerente traduzir uma leitura enviesada da lei e assentar numa interpretação contra legem, se mostra contrária à Constituição. A todos os argumentos já expostos, um último extraído da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC). Assim, refira-se que, contrariamente ao alegado pela Requerida, a consideração de que o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível representa a melhor interpretação e a mais conforme à Constituição, conforme resulta do acórdão do TC com o n.º 348/97, de 29.4.1997, posição reiterada no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, os quais declaram a inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção “juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria coletável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”. Nesta conformidade, não se vislumbra a alegação da Requerida possa ter acolhimento.
26. Com efeito, a Requerente tem natureza empresarial e parte substancial da sua atividade (integrante do seu objeto social) consiste na celebração de contratos de mútuo e de locação financeira destinados à aquisição de veículos automóveis. Os contratos de locação que foram juntos aos autos pela Requerente, estão subordinados a rigorosas exigências legais de ordem contabilística e fiscal, com implicações na determinação da matéria coletável, liquidação e cobrança de outros tributos e, em consequência, beneficiam da presunção de veracidade, tanto mais que não foram impugnados pela Requerida.
Nestes termos, se conclui que estes meios de prova são suficientes para, face ao disposto no nº2 do artigo 3º do CIUC, demonstrar que à data dos factos tributários os sujeitos passivos do imposto eram os locatários e não a Requerente.
Em consequência, a decisão da AT que a conduziu à emissão e cobrança das 26 liquidações de imposto agora impugnadas padece do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, porquanto:
a) a Requerente já não era proprietária de vinte e cinco das vinte e seis viaturas mencionadas nas liquidações de IUC impugnadas;
b) a Requerente era à data da ocorrência do facto tributário apenas a locadora da viatura com a matrícula …-…-…, conforme consta do registo automóvel onde se encontra devidamente identificado o locatário, pelo que a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC a ora Requerente (locadora) desconsiderando totalmente o disposto no nº2, do mesmo artigo 3º, que equipara aos proprietários os locatários, para efeitos de incidência, cabendo a estes o cumprimento da obrigação de imposto.
Em consequência de todo o supra exposto, resulta que todas liquidações impugnadas são ilegais, padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que, devem ser objeto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos.
V – Quanto ao invocado pela ATA em matéria de Custas Arbitrais
27. Também nesta matéria não assiste razão à ATA, quando alega que a transmissão da propriedade não é suscetível de ser controlada pela Requerida (…) e que não tendo a Requerente o cuidado de atualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não agiu com o zelo devido.
Ora, por tudo o que vem exposto anteriormente, verifica-se que o comportamento da requerente foi zeloso e sói terá pecado por excesso nunca por defeito, pois que, não podendo ela própria requerer o registo a favor dos novos proprietários ou adquirentes, teve o cuidado de comunicar a transmissão da propriedade, quer à Conservatória do Registo Automóvel quer ao IMTT.
A Requerida e as demais entidades públicas intervenientes no processo não podiam desconhecer as transmissões ocorridas, tanto mais que tinha acesso livre às bases de dados da CRA e do IMTT. Se algo falhou, não foi, como se vê, responsabilidade da Requerente.
Por outro lado, quanto à viatura objeto de contrato de locação em vigor à data do facto tributário, ficou provado que o registo automóvel se encontrava devidamente efetuado e o locatário identificado, pelo que nada impedia a AT de liquidar devidamente o IUC, nos termos legais, ao sujeito passivo do mesmo, ou seja, ao locatário.
Assim, e sem necessidade de mais considerandos, também no que invoca em matéria de custas a sua alegação tem de improceder.
28. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.
VI - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) - Julgar totalmente procedente o pedido arbitral com os fundamentos supra expostos e, em consequência, declarar a ilegalidade das 26 liquidações de IUC impugnadas nos presentes autos, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários com todas as consequências legais, nomeadamente a extinção dos processos de execução fiscal e contraordenacionais em curso;
B) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €2.013,27.
CUSTAS: Nos termos do disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €612,00, a cargo da Requerida ATA.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 4 de abril de 2016
O Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e seguintes.
[2] Neste sentido, vd., entre outros, os Acórdãos do STA de 05/09/2012 e 06/02/2013, respetivamente, proferidos nos processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187.
[4] No mesmo sentido, cfr. Decisões Arbitrais nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de Julho de 2013, 27/2013 –T, 217-2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, e 293/2013-T de 9 de Junho de 2014, entre outros.
[5] Neste sentido, e a propósito do princípio da equivalência vd. a decisão arbitral nº 286/2013 – T de 2 de Maio de 2014. No mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de Julho de 2013, 27/2013 – T, 217-2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, e 293/2013-T de 9 de Junho de 2014, 46/204 –T e 89/2014-T de 5 de Setembro, entre outros.
[6] Neste sentido, vd, entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: Ac. STJ de 31.05.1966, in Proc. nº 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso), decisão especificamente referente ao registo automóvel; Ac. STJ de 5.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e Ac. STJ de 14.11.2013, in Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1(Relator: Conselheiro Serra Baptista) exímios na afirmação do predomínio do princípio da substancia sobre a forma, valendo a prova, por qualquer meio idóneo, de quem é substantivamente titular do direito de propriedade, a qual faz ilidir a presunção do registo.
[7] A este propósito, vd. entre outras, a decisão arbitral proferida no processo nº 130/2014 – T.